sábado, 28 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5366: Memória dos lugares (58): Fotos de Catió e Priame (Benito Neves)


1. O nosso Camarada Victor Condeço, solicitou ao Benito Neves, que foi Fur Mil Atirador da CCAV 1484 (1965/67) (Nhacra e intervenção ao Sector de Catió de 08JUN66 a finais de JUL67), que nos permitisse publicar uma série de 28 fotografias do seu álbum de memórias, que detêm excelente qualidade e interesse pelos motivos expostos;

2. Dizia assim a mensagem do Victor Condeço: "Amigo Luís, Disse-te, em mensagem anterior, que tinha em meu poder fotos do nosso amigo e camarada tertúliano Benito Neves.

Tinha-te dito, também, que ele tinha fotos do João Bacar Djaló , e que, se assim o entendesses, eu podia conseguir a permissão com vista as utilizares na ilustração da publicação de "A Guerrilheira". Pois bem, o Benito Neves não só deu o seu consentimento para a inserção da foto do João, como autorizou que te enviasse outras que também poderás utilizar como entenderes.

Seguem em anexo 28 fotos e um doc. em Word, com as respectivas legendas. O Benito envia-te um abraço, recebe outro de mim.

Victor Condeço."

3. Neste poste publicamos as primeiras 9 fotos, com vários aspectos dos nativos, nas suas deslocações e rotinas diárias.


Foto 6: Catió 1967- Meninos e bajudas na estrada de Ganjola.
























Foto 4: Catió 1967- Lavadeiras na tabanca e Foto 5: Catió 1967- Mulher carregando balaio.
























Foto 7: Catió 1967- Estrada de Ganjola e Foto 8: Catió 1967- Estrada de Ganjola, bajudas no regresso das compras.
























Foto 9: Catió 1967- Estrada de Ganjola, mulher no regresso das compras e Foto 13: Catió 1967- Homem Grande no trajecto de Catió para Priame.

























Foto 18: Catió 1967- Na estrada do Porto Interior para Catió e Foto 19: Catió 1967- Na estrada do Porto Interior para Catió.



Benito Neves
Fur Mil At CCAV 1484

Fotos e legendas: Benito Neves (2009). Direitos reservados.
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em:


Guiné 63/74 – P5365: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (15): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Rotinas perigosas V

1. O nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, enviou-nos a 15ª fracção das suas memórias. Esta sua série foi iniciada em 29 de Agosto p.p., no poste P4877.

AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 1965/67

Rotinas perigosas V e
Preparar o regresso

O tempo foi passando, custosa e demasiado lentamente, o Furriel Paio deslocou-se a Geba em serviço e, quando regressou, deu-me uma grande notícia ao informar-me que, em breve, iríamos ser rendidos. Logo informamos os soldados, solicitando-lhes que não dessem sinais disso para o exterior, nomeadamente junto dos soldados nativos que, de imediato, espalhariam a notícia.

No dia seguinte reuni o pessoal necessário, para ir verificar as armadilhas e certificar-me se os croquis que desenhara, estavam em conformidade com o as montagens realizadas e deixar tudo em ordem ao pessoal que nos viria render.

Deixamos o aquartelamento por volta das 10h00, em direcção à bolanha e atravessamos esta (nesta altura ainda seca). Havia ali uma pequena subida, que percorremos facilmente, e entramos na mata embelezada por algumas árvores de grande porte e basto arvoredo rasteiro.

Chegamos ao ponto de referência da primeira armadilha. Mandei o pessoal distribuir-se, metade par cada lado da picada e seguirem um pouco mais atrás, em relação à minha posição e comecei a contagem das passadas, seguindo escrupulosamente o delineado no croqui.Quando estava a duas ou três passadas da armadilha tive nova surpresa, pois o fio de esticar fora cortado novamente.

Senti-me deveras curioso, em me certificar quem seria o “artista” que cortava tão habilmente os fios, mas como estávamos para ser substituídos não voltei a rearmar a granada, acabando com a ideia de emboscar aquela zona.Continuei a progressão, em frente, para verificar a outra armadilha.

Uma vez chegado junto da mesma, verifiquei que o fio estava intacto. Como a granada estava colocada num lugar de difícil acesso, por precaução resolvi fazê-la explodir. Assim, coloquei-me a uns trinta metros e disparei-lhe um tiro. Eu tinha a certeza que lhe acertara, mas o que é verdade é que ela não explodiu. Então um dos meus camaradas disse: “O meu Furriel não acertou nada… eu atiro.”

O soldado disparou e... absoluto silêncio. Pensei cá para comigo: “Aqui há gato!”Mandei montar a segurança no perímetro, para me aproximar, cautelosamente, porque a granada semi-escondida, com mato à volta, que permitia que, por sua vez, estivesse contra-armadilhada pelo IN.

Pois se eu já estava surpreendido com o que tinha visto na primeira armadilha, ainda o fiquei mais ao constatar que os tiros que déramos, desfizeram a estrutura da granada em pedaços de aço, que se encontravam ali espalhados em volta e, para meu maior espanto, não tinha a cavilha de segurança nem a espoleta.

Mais pensei, naqueles elementos desconhecidos e suspeitos, que apareciam de vez em quando a rondar e a espiar os movimentos da Tabanca, sacando preciosas informações aqui e ali, e, posteriormente, brincavam connosco como foi o caso destas armadilhas, nitidamente anuladas por quem fora bem informado da sua existência e localização exacta.

A sorte deles é que eu estava para ser rendido e pensei: “Quem vier atrás de mim que trate desses gajos.”Regressei ao aquartelamento furioso e, durante o almoço, comentei o sucedido com o Paio, ao que ele me respondeu: “Amanhã vamos embora, deixa as coisas bem esclarecidas e dá todas as instruções à pessoa que ficar responsável pelas armadilhas.”

No fim do almoço deixei tudo em ordem e, em seguida, fui dar uma volta pela Tabanca, pedi a minha roupa à lavadeira que me disse ainda não a ter pronta, só dali a duas horas. Eu quero tudo prontinho hoje! – disse-lhe.Assim foi, passadas as duas horas lá estava eu e a roupa estava pronta. Paguei-lhe e regressei ao aquartelamento.

Há noite, depois de jantar o pessoal foi oficialmente informado, que, no dia seguinte (18ABR1967), de manhã cedo íamos ser rendidos. O Furriel Paio ordenou que todos metessem os seus haveres dentro das suas mochilas, porque íamos para Geba proceder ao espólio de todo o material de guerra em nosso poder.

Íamos regressar a Metrópole! Que grande euforia, gozada intensamente em pouquíssimo tempo, porque havia que arrecadarmos tudo nas nossas mochilas e zelar pela segurança durante essa angustiosa e infindável noite.

Pela manhã cedo, toca a pôr tudo em ordem, para entregar os “tarecos” ao pessoal que nos vinha render. Foi muito rápido, pois havia pouco para entregar, além de alguns géneros alimentícios, as armas de autodefesa, a enfermaria, as transmissões e a caserna com as respectivas camas.

Deixamos pelas costas, sem qualquer tipo de saudades Cantacunda, por volta das 09h30, tomamos o caminho de Geba, com paragem em Camamudo. Aqui chegados, fui-me despedir do pessoal da Tabanca e do Chefe de Posto, pois foi aqui onde passei a maior parte do tempo.

Tudo isto em grande velocidade, após o que continuamos até Geba, onde fizemos a entrega das G3, facas de mato, granadas de mão ofensivas e os colchões, que também nos estavam distribuídos e que eram de espuma, com coberturas que já estavam todas rotas devido às transpirações pessoais.

Depois dos espólios feitos já as viaturas estavam à nossa espera. Fomos informados que íamos para Fá Mandinga, esperar pelo barco.

Seguimos então viagem até pararmos em Bafatá, onde chegamos por volta da 13h00 e poucos minutos. Descemos das viaturas, rumo ao refeitório para almoçar e ainda bem, pois o estômago estava completamente vazio.

Acabado o almoço fui reunir o pessoal e dirigi-lo às casernas, onde íamos ficar instalados. As casernas mais não eram que uns barracões, na parte mais baixa de Fá, pois no alto da colina estava uma companhia ou um batalhão. Nós, os furriéis, ficamos logo à entrada do quartel, acerca de duzentos metros das casernas dos soldados. Ficamos espantados, pois nem uma arma nos foi distribuída, assim como aos soldados. Ali ficamos até ao dia 02MAI1967.

Passamos os dias a jogar à bola e, de vez em quando, dávamos uns passeios até Bafatá, onde comíamos uns petiscos e eu aproveitava para visitar os meus conterrâneos.

No dia dois de Maio, a seguir ao almoço mandaram-nos formar e subir para as viaturas. Carregamos os nossos “tarecos” na viatura destinada ao nosso pelotão e seguimos para Bambadinca, onde nos esperava o barco.

Uma Bor transportou-nos rio Geba abaixo, até Bissau, onde nos esperava o tão ansiado navio, “Uíge”.

Na Bor - Rio Geba -, na direcção a Bissau, onde nos esperava o Uíge, para regressarmos finalmente à Metrópole.

Chegamos ao Uíge por volta das 16h00, subi as suas escadinhas estreitas, com uma caixa de madeira, onde levava várias recordações da Guiné e uma caixa de cartão grande. Fui instalar-me na camarata que me foi destinada e desci do navio.

Apanhei um barquito, para o cais, porque o Uíge devido ao seu grande calado, não podia encostar ao cais e fui comprar uma caixa exterior, para o meu rádio da marca Hitachi, comprado na casa Gouveia em Bafatá, em OUT1965, já que a que tinha, de origem, estava toda partida.

Voltei rapidamente ao Uíge, pois havia ordens do Capitão, para que todo o pessoal formasse antes do jantar, a fim de nos dirigir algumas palavras, o que foi feito.

Jantamos, fomos até ao bar beber umas cervejas e empatar uns momentos de conversa, até se acharem horas para irmos dormir.

Na manhã seguinte quando acordei, sentia-me indisposto, meio enjoado, devido com certeza ao constante baloiçar do barco, sujeito à normal ondulação do mar. Parecia-me que o enjoativo baloiçar, se devia sobretudo à pouca largura do Uíge, olhei pela vigia e reparei que já estávamos bastante afastados da costa terrestre.

No Uíge, a descansar depois de uma refeição. Reconheço os furriéis milicianos (da esquerda para a direita): um elemento de outra companhia, Eu, Cardoso, Vaqueiro, Leonel, António Luís e o Silva.

(Continua)

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426

Fotos: Fernando Chapouto (2009). Direitos reservados.
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série, do mesmo autor, em:


Guiné 63/74 - P5364: Notas de leitura (40): De Conakri ao M.D.L.P., de Apoim Calvão (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Novembro de 2009:

Luís e Carlos,

O Alpoim Calvão prestaria um bom serviço à Guiné e ao estudo crítico da guerra colonial se procedesse a uma profunda revisão das operações em que se envolveu.

“De Conacri ao MDLP” é um livro necessariamente datado, tem lá ajustes de contas e requisitórios hoje sem qualquer interesse. As operações onde interveio, até ao ataque a Conacri, estou em crer, foram momentos extraordinários que deviam ser conhecidos com mais minúcia.

Alguém devia estimular o comandante a escrever (mas não a ditar...) as suas memórias com base na documentação fidedigna.

Um abraço do
Mário


De Conacri ao M.D.L.P.

Por Beja Santos

Em 1976, o livro de Alpoim Calvão foi um pequeno acontecimento. O acompanhante de Spínola, o valoroso homem da Armada que cometera façanhas na Guiné, resolvera escrever as suas memórias, contar os seus golpes de mão, descrever os planos da operação “Mar Verde”, dar a sua opinião sobre a morte de Amílcar Cabral, desvelar o que fizera dentro de uma organização tratada como sinistra pelo regime democrático, o M.D.L.P.

O livro fora ditado para um gravador, os documentos parecem caídos do céu e apresentados de forma desgarrada, daí a sensação de que simultaneamente estamos a ter acesso a documentos importantes mas apresentados da forma mais caótica possível e num texto povoado de gralhas e disparates de articulação, tudo produto da falta de revisão (De Conakry ao M.D.L.P., dossier secreto, Intervenção, 1976.

Alpoim Calvão aparece no início do seu relato medalhado com a sua Torre e Espada, o seu Valor Militar de Ouro, as suas Cruzes de Guerra. Fala de Lourenço Marques e das impressões inesquecíveis de Moçambique, rememora os seus ídolos, o seu regresso a Lisboa na altura em que a visão do colonialismo se transfigurara mundialmente.

Em 1963, tirou o curso de fuzileiro especial e foi lançado na Guiné. Esteve na operação “Tridente”, que ele considera a mais longa e uma das mais duras em que participou. Aí recebeu a sua primeira Cruz de Guerra. Assistiu à criação dos destacamentos de Fuzileiros Especiais Africanos. Datam dessa sua primeira comissão uma operação no rio Camexibó e a operação “Hitler”. Regressou e continuou ligado aos fuzileiros.

Em 1969 regressa à Guiné onde irá cobrir-se de glória e lançar polémica que ainda não se extinguiu: mais golpes de mão (caso das operações “Nebulosa” e “Gata Brava” e a controversa operação “Mar Verde”) que travaram temporariamente a presença naval do PAIGC no Sul. Afirma sem hesitação que manteve a partir de Londres contactos com o topo da hierarquia do PAIGC.

Depois vem o 25 de Abril, a descolonização e a criação do M.D.L.P., factos que já nada tem a ver com a Guiné. Nos anexos junta um documento sobre maus tratos infligidos a Marcelino da Mata, com a sua própria declaração das sevícias que sofreu em Caxias, onde permaneceu 150 dias.

O livro passa a pertencer ao blogue. Tendo tido necessidade de procurar mais alguns elementos acerca dos Manjacos, povo estudado pelo primeiro marido da minha heroína, no romance Mulher Grande, encontrei uma imagem de um régulo, tirada ainda nos anos 50, que não resisti a oferecer-vos.


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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5355: Notas de leitura (39): Indústria Militar Portuguesa no Tempo da Guerra 1961-1974, de João Moreira Tavares (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5363: As Nossas Mães (4): Voltaste-nos as costas, nem uma lágrima choraste (Joaquim Mexia Alves)

Ícone máximo da dor de uma mãe, um filho morto nos braços - Pietá, a belíssima escultura em mármore de autoria de Miguel Ângelo, cujo original, que a gravura representa, pode ser visto na Basílica de S. Pedro, em Roma.


1. Texto do nosso camarada Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, enviado em mensagem, com data de 25 de Novembro de 2009:

Caros camarigos:

O belo poema do Zé Teixeira** dedicado às mães trouxe-me à memória um episódio passado com a minha mãe, (que teria feito 100 anos no passado dia 20 deste mês), e que diz respeito à minha ida para a Guiné.

Sempre fui, (apesar de ser um sentimentalão), um tipo muito prático em relação a despedidas e idas para outros lados.
É uma filosofia do tipo, tenho de ir, tenho de ir e pronto, ou seja não vale a pena fazer grande drama, porque nada se resolve nem acrescenta, a não ser um pouco mais de tristeza e sofrimento.

Costumo também dizer que a gente só se deve incomodar com o que consegue controlar, (uma coisa assim a modos como a queda do cabelo), porque senão incomodamo-nos e não resolvemos nada!

Essa mesma filosofia levava-me sempre a dizer que preferia estar na mata, em vez de estar em Bissau, porque num sítio ou noutro não havia nada para fazer e ambos eram maus, mas como em Bissau sempre havia uma ilusão de se viver numa cidade, eu preferia cair na real. Manias!
Se calhar era também uma maneira de me defender da realidade de não poder estar em Bissau! Sejamos honestos!

Bem, mas vamos à história!

Chegados ao Cais da Rocha Conde de Óbidos esperava-nos o Niassa, (paquete de luxo), e entre embarcar e não embarcar as horas passavam intermináveis, entre abraços, choros e beijos.

Lá entrámos para o navio e da amurada iam-se acenando lenços, dizendo adeus, chorando mais umas lágrimas e não havia maneira do raio do barco se afastar do cais e da visibilidade das caras daqueles que ansiosa e tristemente se despediam de nós.

Eu já estava pelos cabelos com tudo aquilo, que segundo a minha filosofia não servia para nada, a não ser entristecer ainda mais um momento sempre triste.
É que não íamos de férias, como sabem!!!

Assim que o barco se afastou uns escassos metros do cais, houve um toque qualquer, para chamar não sei para quê, mas logicamente o pessoal não moveu sequer um músculo para sair daquela amurada.
Só que eu, agarrado à minha filosofia, aproveitei o momento para, acenando mais vigorosamente, me afastar definitivamente daquele adeus interminável.

Na primeira carta que recebi da minha mãe no Xitole, lá vinha a chazada!!!
Escrevia ela na sua letra redonda e bonita: Voltaste-nos as costas, nem uma lágrima choraste!

Ainda hoje me lembro dessas palavras escritas, que a minha mãe, sei-o bem, não sentia, mas que as escreveu, porque me queria agarrar, porque me queria abraçar, porque me queria dizer que estava sempre ao meu lado, porque nada nem ninguém tem forças, para arrancar um filho dos braços de sua mãe.

Um abraço camarigo para todos do
Joaquim Mexia Alves
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 22 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5320: Controvérsias (56): Direito de resposta (Joaquim Mexia Alves)

(**) Vd. poste de 24 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5333: As nossas mulheres (10): Poema dedicado às mães de todos os que não voltaram (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P5362: Patronos e Padroeiros (José Martins) (3): Exército - Arma de Cavalaria - Mouzinho de Albuquerque





1. Terceiro poste da série Patronos e Padroeiros das Armas do Exército Português, um trabalho de pesquisa do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil, Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70).




PATRONOS E PADROEIROS - III

EXÉRCITO - ARMA DE CAVALARIA – MOUZINHO DE ALBUQUERQUE


Joaquim Augusto Mouzinho de Albuquerque, nasce no dia 12 de Novembro de 1855, na Quinta da Várzea, concelho da Batalha e distrito de Leiria, filho de José Diogo Mascarenhas Mouzinho de Albuquerque e de Maria Emília Pereira da Silva e Bourbon, descendentes de uma família da nobreza local. Era neto paterno de Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque.

Desde novo destinado a seguir a carreira das armas, alista-se como voluntário no Regimento de Cavalaria n.º 4, frequentando a Escola Politécnica para ingressar na Escola do Exército (actual Academia Militar). Passou, ainda, pelo Colégio Militar e foi promovido a Alferes em 1878, quando terminou a Escola do Exército.

Em 1879 Mouzinho de Albuquerque inscreve-se na Universidade de Coimbra, onde frequenta as Faculdades de Matemática e Filosofia.

Casa, entretanto com sua prima D. Maria José Mascarenhas de Mendonça Gaivão.

Em 1882 adoece, regressa a Lisboa e, dois anos mais tarde, é nomeado regente de estudos no Colégio Militar, com a patente de Tenente.

Na Índia, em 1886, desempenha um lugar na fiscalização do Caminho-de-ferro de Mormugão e Secretário-geral do Governo do Estado da Índia, em 1888.

Em Moçambique, já com a patente de Capitão, é nomeado Governador do Distrito de Lourenço Marques, que exerce entre 1890 e 1892.

No ano de 1894 volta a Moçambique, comandando um Esquadrão de Cavalaria, de reforço, com a finalidade de dominar as rebeliões que existiam. Estava-se nas Campanhas de Ocupação, onde se deu a prisão, em 25 de Dezembro de 1895, do chefe vátua Gungunhana no combate de Chaimite, tendo sido posteriormente galardoados com a Ordem da Torre e Espada, vinte e cinco militares, incluindo Mouzinho. Foi promovido ao posto de Major em 28 de Dezembro de 1895.

Em 13 de Março de 1896 foi nomeado Governador-geral de Moçambique, e em 27 de Novembro desse mesmo ano, foi nomeado Comissário Régio, cargo de que foi destituído em 7 de Julho de 1898, regressando a Lisboa.

O rei D. Carlos I, em 30 de Setembro de 1898, nomeia-o seu Ajudante de Campo, Oficial-mor da Casa Real e aio de D. Luís Filipe de Bragança, na altura príncipe herdeiro.

Face às intrigas que se geraram à sua volta, nomeadamente em relação ao seu comportamento em África, levaram-no ao suicido em 8 de Janeiro de 1902, na Estrada das Laranjeiras, no interior de uma carruagem.

Joaquim Augusto Mouzinho de Albuquerque, foi proclamado Patrono da Arma de Cavalaria pela Determinação n.º 7, não datada e Ordem do Exército n.º 6 (1.ª Série), de 31 de Maio de 1961.

José Marcelino Martins – 24 de Novembro de 2009
[Organizado a partir de imagens e textos da Wikipédia]

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5352: Patronos e Padroeiros (José Martins) (2): Exército - Arma de Artilharia - Santa Bárbara

Guiné 63/74 - P5361: Bibliografia (32): Homenagem ao Manuel Maia, autor de História de Portugal em Sextilhas (António Matos)

Retrato a carvão do Manuel Maia, feito pelo nosso amigo e camarada António Matos, a partir de foto tipo passe publicada no nosso blogue (*).


1. Mensagem do António Matos:

Caro Magalhães, aqui vai através de ti, um abraço ao Manuel Maia.


Manuel Maia, ainda que ao correr do carvão, permite-me que te felicite uma vez mais pela tua obra .


Quando a receber, será este o marcador !


Um abraço com votos que este pequeno post possa aparecer à luz do dia na demonstração plena da minha liberdade de expressão.


Desagrade a quem desagradar !
António Matos
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Nota de L.G.:
 
(*) Vd. poste de 27 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5353: Notas de leitura (38): Prefácio ao livro do Manuel Maia, História de Portugal em Sextilhas, a ser lançado na Tabanca de Matosinhos, em 9/12/09 (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P5360: Estórias avulsas (18): “O trinta putas” (Armandino Alves)


1. Em 22 de Novembro de 2009, recebemos uma divertida estória do nosso Camarada Armandino Alves, que foi 1.º Cabo Auxilitar de Enfermagem na CCAÇ 1589 (Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé, 1966/68) e que passamos a transcrever:


Camaradas,

Vou-vos contar uma estória, que não presenciei, mas que ainda hoje, durante os convívios da nossa companhia, se recorda com grande diversão.

Nos princípios de 1967, já a minha companhia estava em Fá Mandinga, quando recebeu ordem para fazer uma batida, a uma certa área, por suspeitas de movimentação de tropas IN. Lá saíram mato fora e, depois de muito andarem, o capitão pediu um voluntário para carregar o rádio AN\PRC 10, que era bastante pesado.

Logo um soldado se ofereceu. Era o nosso apontador do morteiro 60 mm, conhecido pelo “trinta putas” (pois quando a pontaria dele não era a melhor, costumava dizer “Com trinta putas não acertei.”).

Ora o rádio tinha uma antena, que era uma fita de aço vertical, igual á das fitas métricas, esverdeada e que na passagem pelas ramagens se vergava e depois de recolhida voltava à sua posição normal.

Durante o percurso da batida tinham que atravessar um rio (não faço a mínima ideia do seu nome), que se processava por cima de pedras submersas, mas que possibilitavam manter o tronco fora de água e, portanto, não molhar as armas.

Por aí foram o capitão e os outros camaradas.

O nosso “trinta putas” porque estava carregado com o rádio e nunca mais chegava a vez dele, não esteve com meias medidas e meteu-se a atravessar o rio a vau e, como é de prever, começou a desaparecer, ficando submerso, pois o declive era grande, até se ver apenas a ponta superior da antena.

Toda a gente se pôs a gritar e o capitão rapidamente descalçou as botas e atirou-se ao rio, para o resgatar. Outros camaradas que sabiam nadar fizeram o mesmo e lá conseguiram que o homem viesse à tona da água.

Este “trinta putas” não sabia ler uma letra do tamanho da Basílica da Estrela, mas como apontador de morteiro 60 mm, era difícil errar uma granada.

Passou à “peluda” com a 4ª classe.

Mais tarde apareceu um novo rádio nas NT, conhecido na gíria por Racal, que era mais leve e mais bonito que o da nossa companhia.

Não tivemos direito a nenhum.

Assim se viu como um voluntariado poderia ter acabado numa tragédia, por mera estupidez do seu protagonista.

Abraço,
Armandino Alves
1º Cabo Aux Enf CCAÇ 1589
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:


Guiné 63/74 – P5359: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (VII): Ontem, dia 26 de Novembro de 2009, chorei uma lágrima…



1. Mensagem do nosso camarada Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74, enviada em 27 de Novembro de 2009:



BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO - VII


ONTEM, DIA 26 DE NOVEMBRO DE 2009, CHOREI UMA LÁGRIMA

Alertado por camarada amigo, combatente, como eu o fui na Guiné, decidi assistir, há sempre uma primeira vez para tudo, à inauguração de um “ Memorial aos Combatentes no Ultramar da Figueira da Foz”, onde constam, gravados em pedra, trinta e cinco nomes dos figueirenses mortos ao serviço da Pátria, alguns deles tendo por sepultura uma cova aberta no mato de uma qualquer Guiné, outros jazendo em sepulturas nas antigas colónias à espera, estarão (?), que alguém , porque não a tal Pátria, os traga até ao seio das suas famílias que ainda , creio, os vão chorando.

Para todos vós, alguns dos quais tão bem conheci e com quem brinquei pelas ruas de Buarcos, a minha lágrima de respeito e de saudade. Que a mesma lágrima honre também os mortos em combate da Figueira da Foz, que por motivos que desconheço, não aparecem no Memorial e logo no local referenciámos dois.

Aos camaradas mortos digo-vos que estavam muitos combatentes que ouviram, num misto de emoção e revolta gritar, bem alto, os vossos nomes, um por um, e quase todos respondiam bem alto: Presente.

A cerimónia oficial, querem saber dela (?), foi “bonita” “pá”.

Discursou um senhor presidente da Liga da Figueira, um novel presidente da Câmara, o senhor padre, perdão, cónego, e um senhor Tenente General, no vosso tempo este posto não existia, chegado num reluzente Mercedes Benz e que é o Sr. Presidente da Liga dos Combatentes. Não digam a ninguém, mas eu nem sequer sabia o nome de Sua Excelência, mas agora temos umas “máquinas infernais”, que é como o nosso Vate Manel chama aos computadores, onde vem tudo, até o nome do Sr. General Chito Rodrigues.

Disseram coisas muito bonitas e todos eles falaram sempre na palavra Pátria e em heróis (que são vocês), porque morreram…que os mortos assim, que os mortos assado.

Sabem, peço-vos desculpa mas achei os discursos muito de plástico, muito de circunstância, muito repetitivos, muito vazios, com pouca força, sem aquele sentimento genuíno que os combatentes conhecem, mas se calhar não compreendi bem e posso estar errado, pois agora a velhice já não é um posto, como era na nossa altura, a velhice agora só atrapalha…

Agora queridos camaradas mortos em combate, mortos em acidente, mortos afogados nos rios traiçoeiros, de uma coisa eu tenho a certeza, é que nenhum dos senhores que falou teve uma pequenina palavra para os Combatentes (lato sensu), uma palavra de carinho, de apoio, de gratidão para com os antigos Combatentes.

Sabem, é que para mim, se calhar estou errado, há muitos mais “mortos” nesta guerra que todos travámos e nós, os que não morremos, respeitamos os nossos camaradas feridos com gravidade, os camaradas estropiados, os camaradas que estendem a mão à caridade, os camaradas que foram abandonados pela família, os camaradas que se vão suicidando e também os camaradas que vão andando sem grandes problemas.

Mas todos estes, queridos companheiros heróis, vão morrendo lentamente e no dia do seu funeral, se ainda houver alguém para os recordar, também serão chamados de heróis e os seus familiares também ouvirão falar em Pátria.

Nós, os combatentes que não morreram, temos de viver com um grande nó na garganta, com um grito que não se solta, com essa incapacidade, eu assumo a minha parte de não termos sido capazes de dizer a quem nos governa, em devido tempo:

BASTA! RESPEITEM- NOS!

Por temer que já seja tarde demais, choro também uma lágrima por todos nós.

Vasco A.R. da Gama
Cap Mil da CCAV 8351
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:



sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5358: Memórias de Manuel Joaquim (1): O Balanta furtador



1. O nosso Camarada Manuel Joaquim, ex-Fur Mil Armas Pesadas da CCAÇ 1419 (Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), havia-nos enviado uma primeira mensagem em 31 de Julho p.p. (poste P4774), onde escreveu “… Meu caro Luís Graça: Quero inscrever-me na Tabanca, mas ainda não sei bem utilizar esta coisa (mandar fotos por exemplo); estou mesmo no início. Um info-excluído, ou quase, que está a tentar sair desta situação e dando os primeiros passos na net, encontra um blogue (Luís Graça & Camaradas da Guiné) e... que descoberta!...”.



2. O Manuel Joaquim, aplicou-se a fundo e lá acabou, da melhor forma, por conseguir os seus intentos, pois enviou-nos nova mensagem, com um texto e as fotos da praxe, em 20 de Novembro de 2009:


Camaradas:

Inscrito na Tabanca Grande (P4774) sem satisfazer as condições (fotografias e texto), aqui estou a colmatar a falha com o envio das fotos e do texto:

BALANTA FURTADOR


Bissorã, 1966. Os balantas dedicavam-se quase só à agricultura e actividades afins, labutando na área que rodeava o quartel. Um dos poucos balantas da tabanca que fugiam à regra era Fafé. Trabalho agrícola não era com ele.Na bolanha ninguém o apanhava.Não precisava de trabalhar a terra para ter arroz. Este nascia,descascado e tudo, no quartel.

Frequente era vê-lo a acamaradar com tropa, bebendo e gesticulando para melhor se fazer entender. Era o caminho ideal para soldado chegar a algumas balantas mais dispostas a amenizar a sua difícil situação. Qual marginal da tabanca, prometia-as por dá cá aquela palha ou, às vezes, exigindo coisas substanciais... alguns cobertores da caserna ganharam asas!

Fafé alardeava coragem. Era vaidoso.Vaidade bem alimentada por outros para aproveitarem o espírito de aventura que revelava.A roubar vacas era excepcional. E com que orgulho contava os seus feitos! A tropa escutava-o e servia-se.Impedia-lhe o furto na área próxima da vila mas dava-lhe pé leve para se embrenhar no mato,à procura das vacas dos «turras».

Cada vaca que trazia não era só redução alimentar no PAIGC e mais carne na tabanca.Vinha também informação para o quartel. E bem valiosa. E assim se tornou numa peça importante.Importância que não sentia. Apresentar vaca na tabanca, dar barriga cheia à sua gente, reconhecerem a sua coragem e esperteza,verem nele um balanta exemplar, eis o que lhe interessava.

Nem todos os do quartel lhe davam palmadinhas nas costas e gostavam dos seus actos. Não dava por isso, era campeão da esperteza, da coragem, do furto perfeito. E era louvado pelos "homens grandes" da tropa. Mas as suas façanhas faziam perder o apetite a muitos.

Eram informações que levavam aos donos das vacas, à caminhada dolorosa pela mata, ao medo que pesava quilos no estômago, aos vómitos secos, ao combate, à dor, à morte. E, alguns, viam nele um símbolo da utilização abusiva que a guerra faz do indivíduo.

Naquela madrugada Fafé não chegou, mesmo sem vaca. As balas da PPSH fizeram das suas, não matavam só tropa mas também pessoal "amigo" de tropa. Ele sabia-o, mas balanta é artista no roubo de vacas. Quantas histórias, sobre este tema, devem ter ouvido aos velhos balantas! Fafé não teve sorte e, daquela vez, voltou arrastado por camarada de furto com a morte e não a vaca por companheira.

E na manhã quente de Dezembro foi «choro» na tabanca. No terreiro, família de balanta grita e rebola no chão. Família de balanta mata vaca para todo o pessoal: choros, lamentos, gritos, gemidos, rufar de tambores, danças, suor, poeira. É o «choro» em honra de Fafé. São horas a passar, em estonteante mistura de dor e prazer, de arroz e lágrimas, de carne e dança, de álcool e pó. Cumpre-se a tradição.

Mais tarde: Cortejo em marcha acelerada, gritos e cânticos, tantãs rufando, pancadas surdas e ritmadas no chão poeirento, à frente corpo de balanta em esquife de esteira baloiçando sobre altivas cabeças de amigos, Fafé foi a sepultar. Enrodilhado nesta onda lá vai o soldado branco, confuso e inseguro, seguindo não sabe quê.

Pó e mais pó solta-se do chão e sobe, sobe por sobre a tabanca. Entorpece o Sol. Soldado branco pára. A multidão acotovela-o. Redemoinha no pó. Tenta limpar os lábios e os olhos. Incapaz de continuar, vê afastar-se a esteira de palma que envolve corpo de Fafé. Soldado branco é turista em funeral de balanta.

Baixa a cabeça, dá meia volta, tenta regressar por onde vê menos pó... repara que mulher balanta, idosa, ainda chora e dá cambalhotas. Mulher balanta não defende lábios nem olhos do pó e da terra que irá cobrir corpo de seu balanta furtador.

Abraço,
Manuel Joaquim
Fur Mil CCAÇ 1419
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Nota de M.R.:

Vd. primeiro poste sobre o autor em:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5357: O Nosso Livro de Visitas (72): Manuel Baptista Teixeira da CCAÇ 3518 (Guidaje, 1973)

1. Ao que supomos, uma nossa amiga de nome Manuela, filha do nosso camarada Manuel Baptista Teixeira da CCAÇ 3518, deixou este comentário no Poste 5330:

O meu pai, foi um dos combatentes nesta guerra sangrenta, felizmente regressou, mas o Gabriel Telo*, foi um dos que ele ajudou a enterrar pois estava lá, e outra vez o voltou a enterrar 36 anos depois.

Foi com muita emoção que presenciei ao reencontro do meu pai com camaradas que não via há 36 anos.
Ele pretende ir ao continente à confraternização em 02 Maio 2010, para recordar.

É preciso que ninguém esqueça a juventude e a sanidade que foi roubada a muitos de vós!

Como cantam os Delfins: "combater na selva sem saber porquê, e sentir o inferno de matar alguém".

O meu pai é Manuel Baptista Teixeira - Da mesmo Companhia do Gabriel Telo, é da Madeira - Camacha, se alguém quiser contactá-lo poderá enviar mensagem para: manuela2376@gmail.com

Um bem haja a todos

O regresso dos restos mortais de mais três camaradas, mortos na defesa de Guidaje, Região do Cacheu, Guiné, em Maio de 1973.

Foto: © José Martins (2009). Direitos reservados.



(*) 1.º Cabo GABRIEL FERREIRA TELO, mobilizado no Batalhão Independente de Infantaria n.º 19, no Funchal, integrando a Companhia de Caçadores n.º 3518, solteiro, filho de João de Jesus Telo e Maria Flora Ferreira Telo, natural da freguesia de Paul do Mar, concelho de Calheta - Madeira:

Morreu em Guidage em 25 de Maio de 1973, vítima de ferimentos em combate durante um ataque inimigo ao aquartelamento. Foi sepultado no cemitério de Guidaje.

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 14 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5272: Efemérides (31): Regressaram os restos mortais de mais três heróis de Guidaje, Maio de 1973 (José Martins)

24 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5330: Efemérides (32): Funeral das ossadas do 1º Cabo Gabriel Telo (Magalhães Ribeiro)

Vd. último poste da série de 26 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5350: O Nosso Livro de Visitas (71): João Pereira, filho do nosso camarada Vitorino Dores Pereira, ex-1.º Cabo Enf no HM 241, 1965/67

Guiné 63/74 - P5356: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (9): Histórias palacianas: tiros indiscretos...

1. Mensagem de José da Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73, com data de 25 de Novembro de 2009:

Olá amigo Carlos Vinhal,
Junto mais um pedaço das experiências que passei no Palácio. De propósito omito o nome do capitão nesta história. Não tenho a certeza do seu nome. Adoraria que alguém pudesse localizar ou dar informação sobre o capitão Tomás que foi ajudante de campo do general Spínola.
Uma fotografia do referido oficial, possívelmente, ajudar-me-ía a idenficar o capitão desta história.

Um abraço amigo para todos,
José Câmara


Histórias palacianas: Tiros indiscretos… ou como um capitão acabou por ser o herói da história



Para os militares que faziam serviço no Palácio do Governador, em Bissau, uma das principais regras não escritas, era a manutenção do sangue frio perante situações julgadas suspeitas. Essa regra era primordial quando, no exercício das suas funções, os militares eram confrontados com situações de cariz imprevisível. Essas situações eram tanto mais agudas durante o dia, quando a segurança era feita pelo lado de fora dos muros que circundavam os jardins do Palácio.

Entre essas situações estavam a aproximação de civis aos sentinelas, a concentração de civis nas imediações dos postos, e o barulho que os civis faziam, mesmo quando circulando nas imediações dos postos.

Nesses postos de sentinela havia intercomunicadores ligados directamente ao gabinete do Sargento da Guarda.

O povo de Bissau era, essencialmente, um povo ordeiro e, como tal, obediente das regras então impostas. Desconheço se era regra ou não, a verdade é que de uma maneira geral a população circulava nos passeios do outro lado das ruas que circundavam o Palácio. Os mais jovens, talvez por isso mesmo, nem sempre o faziam. Para além disso, junto ao posto da direita, ao fundo do jardim havia um pequeno atalho muito usado pelas populações, e que encurtava em alguns passos para quem usava a rua que confrontava com o fundo do jardim. Esse atalho desembocava precisamente em cima daquele posto de sentinela. Por isso, mesmo este posto era, em minha opinião, o mais sensível.

Num dos meus dias de Sargento da Guarda, nesse posto de sentinela, estava o soldado Rocha, possuidor de uma pequena estatura e algo nutrido que, talvez por esses factos, era mais conhecido entre os militares da companhia por Rochinha.

O Rochinha foi o primeiro soldado que, comigo, usou o intercomunicador daquele posto de sentinela. Pediu para ser substituído no posto. Quando lhe perguntei as razões do seu pedido, referiu que estava nervoso com a aproximação dos civis ao posto, e que não se sentia à vontade. Disse-lhe que não era razão para ser substituído, e que eu iria de imediato ter com ele e fazer-lhe companhia durante algum tempo. Para minha surpresa ele disse que ou era substituído ou que me iria arrepender.

Confesso que, para além da surpresa da resposta, fiquei bastante admirado com a mesma, por vir de um soldado que reputava de respeitador, e com quem tinha excelentes relações pessoais e militares. Claro que a ameaça em si não podia passar em branco, mas disso trataria depois.

De imediato saí do gabinete do Sargento da Guarda e não estranhei que alguns soldados estivessem com a arma a tiracolo, até porque o render dos sentinelas tinha sido feito ainda não havia muito tempo. Apenas se tinham passado escassos minutos da rendição, pelo que não fazia sentido nenhum que o Rochinha estivesse a pedir para ser substituído. Assim pensei.

Enquanto dava a volta para sair do jardim pelo portão de serviço e ir ao encontro do sentinela, aquilo que eu sempre temi aconteceu… Pummmm! Tiro de G3 e vinha do posto do Rochinha. O que teria acontecido? Meu Deus será que o Rochinha… não! Não queria acreditar o que o meu pensamento me dizia. Já não corria, voava. Ao chegar junto do posto de sentinela encontrei um soldado sorridente, calmo, bem disposto, bem… raios o partam, que por alguns minutos pensei que ele se tivesse suicidado.

Não lhe perguntei o que tinha acontecido. Disse-lhe que o ia substituir, que depois falaríamos. De imediato disse que não, que estava bem, pediu desculpa. Por essa é que eu não esperava. Regressei à Casa da Guarda.

Ali, à minha espera estava o Capitão, o Ajudante de Campo do General Spínola, a pedir explicações.

Contei-lhe a verdade sem nada omitir. Finda a minha explicação, ele disse-me para não esquecer de participar do soldado e de escrever no relatório a ocorrência.

Nunca tinha feito uma participação oficial, e não estava na disposição de o fazer ainda. Sentia que não podia estragar a vida inteira de um indivíduo por causa de um tiro maluco.

Foi com este pensamento que pedi ao capitão para dizer algo sobre este assunto.

Expliquei-lhe que uma Caderneta Militar suja complicava muito a vida daqueles que ficavam nos Açores, onde os trabalhos eram escassos, pois perdiam o acesso a cargos públicos tais como contínuos, jardineiros das Câmaras Municipais, cantoneiros das Obras Públicas, entre outros serviços. Para aqueles que emigravam tinham que pagar uma avultada quantia para limparem o seu cadastro, na medida em que os governos americano e canadense não aceitavam emigrantes com cadastro.

O capitão disse-me que esta ocorrência iria chegar aos ouvidos do Comando do AGRBIS e alguém teria que responder por isso. Se eu estava preparado. Respondi-lhe que era por isso mesmo que o estava informando da verdade dos factos, e que lhe pedia compreensão e ajuda.

Como muitas vezes o vira fazer, o capitão meteu as mãos nos bolsos, e assobiando uma canção qualquer caminhou em direcção ao Palácio. Após alguns passos voltou-se e disse:

- Vê lá se não volta a acontecer!

E voltou a acontecer.

O Cabo José Marcelino Sousa, meu colega de escola primária, entrou no gabinete do Sargento da Guarda sem eu lá estar e pegou na FBP para fazer o render da Guarda. Qualquer dos procedimentos era anti-regulamentar.

Quando reparei no que estava a acontecer, de imediato, dei-lhe ordem para colocar a arma no gabinete e usar a sua G3. Disse-lhe ainda que a arma era perigosa e que estava com o carregador cheio. Ele disse-me que sabia que a arma estava descarregada pois que me tinha visto fazer a inspecção à arma. E era verdade que ele tinha visto fazer a inspecção à arma. Era um procedimento que fazia sempre que entrava de serviço. Só que depois mudava os carregadores.

Nós, os sargentos da guarda, quando preparávamos a rendição da Guarda deixávamos sempre o carregador vazio na arma. Era da responsabilidade de cada um de nós preparar depois aquilo que entendíamos ser o melhor para o desempenho do nosso serviço.

O Cabo Sousa que já tinha a arma a tiracolo, ao tentar tirá-la para a ir colocar no gabinete, levou a mão à correia e… o tiro saíu direito à biqueira da bota. Por pouco não lhe furou o pé. Do mal o menos!

A correr apareceu o capitão. Antes que me fizesse qualquer pergunta, disse-lhe que não havia ninguém ferido. Confesso que pressenti no oficial um relaxar de alívio. De repente, ainda hoje não o sei se a sério se a brincar, perguntou:

- Este também vai para a América?. Ao que respondi:

- Exacto meu capitão! E não menti.

Abanando a cabeça, o capitão lá se foi em direcção ao palácio.

A 24 de Março de 1971 escrevia à minha madrinha de guerra o seginte:

“...aqui no palácio, de vez em quando, há preocupações em demasia; no entanto vai-se resolvendo tudo da melhor maneira. O pior são as situações que se tem que participar de um soldado, e isso é aborrecido, pois suja-se a caderneta do moço. Nesse aspecto tenho resolvido a coisa, e ainda não participei de nenhum. De qualquer forma uma vez será a primeira. Tenho vindo a fugir disso, mas parce-me que já não posso mais”.

Nunca mais soube do Rochinha depois do serviço militar.

Passados muitos anos soube a verdade do que aconteceu naquele dia.

Quando saí do gabinete e vi os soldados com arma a tiracolo, deduzi que a rendição tinha acabado de ser feita. Por isso mesmo não questionei o Cabo da Guarda. A verdade, é que o Cabo Sãozinho, devido ao cansaço de muitos dias sem descanso apropriado, tinha-se deixado adormecer e atrasara-se na rendição. Os soldados encobriram-no e o Rochinha também.

Neste caso, posso muito bem ter estado ao lado do tal espírito de corpo entre soldados que, muitas vezes, nem nos apercebíamos da sua existência.

O Cabo Sousa viveu alguns anos em Stoughton, MA. Entretanto, regressou à sua freguesia da Fazenda, Ilha das Flores, onde reside com a esposa.

Hoje, passados todos estes anos, ainda lembro a atitude deste capitão como uma das mais compreensíveis e saudáveis que me apraz registar. Para ele, onde quer que esteja, só me resta uma palavra: Obrigado!

José Câmara
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 12 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5259: Ser solidário (45): Falando do apoio americano aos seus Veteranos de Guerra (José da Câmara)

Vd. último poste da série de 15 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5111: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (8): Guerras palacianas