sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 – P5495: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (25): Honore causa cura milagrosa


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66), enviou-nos mais uma das suas histórias (a 25ª), com data de 15 de Dezembro de 2009:


Honore causa cura milagrosa!


Esta crónica terá que ser contada em três tempos…

A expressão (3 tempos) não quer dizer que tenha sido “tiro e queda”…Vai demorar algum tempo .Principalmente para mim que tenho que a escrever…

Mas para não perder mais tempo vamos ao “primeiro tempo”.

1) Guidage-meados de Abril de 1965.

Na minha qualidade de “Enfermeiro de Guerra” (1) - só há pouco tempo é que soube que o tinha sido – acompanhei um pelotão da CCaç. 675 numa nomadização a Guidage.

Entre as várias peripécias militares de uma “estadia” em cima da fronteira com o Senegal tive que aturar um Furriel Atirador, de nome Luís Moreira, que me ia pondo louco com uma dor de dentes. O Moreira, que era um dos melhores operacionais da Companhia, era um caguinchas no Posto de Socorros. Gemia, chorava, barafustava, agarrava a boca, não conseguia comer nada e carpia que nem uma Madalena.

Passei uma noite praticamente com o gajo ao colo. Gemia, gemia e apesar de comprimidos e injecções o Moreira não conseguia pregar olho de qualquer espécie… Obviamente que eu tinha a “terminação” de todas estas dores e começava a ficar pior que o doente.

Para abreviar… a dor de dentes começou a afectar de tal maneira “a moral das tropas “que o Capitão Tomé Pinto resolveu pedir uma DO para levar o Moreira para o Hospital.

Está claro que nesta decisão pesou o facto de o Luís Moreira ter sido até então um dos militares mais sacrificados em termos operacionais, nunca regateando esforços em quaisquer circunstâncias.

Era dos que “ia a todas” e o Capitão Tomé Pinto tinha-o (merecidamente) em alta conta.

Portantos – como diz o outro – lá veio a Dornier e o Moreira e a sua dor de dentes foram de avião para Bissau.Este registo ficou-me na memória e pouco mais…Uma pouca à margem “da dor de dentes do Moreira” mas em relação a Guidage lembra-me de nessa altura – ou um pouco mais tarde – O Capitão Tomé Pinto ter ido com um pelotão, onde ia por acaso o “Enfermeiro de Guerra” Oliveira, ao Senegal.

É verdade. Passámos a fronteira com o Senegal umas centenas de metros “para o lado de lá” para “mostrar” a quem nos moía o juízo de vez em quando que andávamos “por ali”. A expectativa da “operação relâmpago” ao Senegal excedeu as expectativas do nosso Comandante de Companhia …pois demos de caras com uma patrulha regular da tropa senegalesa.

A aproximação fez-se com alguma cautela e não há que esconder que na altura se viveram alguns momentos de tensão. Recorda-me de se ter chegado à fala com o oficial que comandava a patrulha do “país amigo” – e de o nosso Capitão ter mostrado carregadores de armas muito parecidas com as que os militares senegaleses usavam. E esses carregadores (vazios) tinham sido recolhidos do nosso lado, junto a Guidage, depois de ataque nocturno ao nosso aquartelamento.

Já não sei bem mas julgo que foi em francês que este diálogo ocorreu. A nossa passagem para o lado do Senegal tinha acontecido “por engano” mas que seria bom que as tropas senegaleses estivessem atentas à infiltração de grupos armados que atacavam as nossas posições.

Se não foi em francês que nos entendemos teria sido “meio por meio” em dialecto ético e com a ajuda do nosso guia Malam “Griffon” Sissé. Virá a propósito recordar que no mosaico populacional da Guiné (e Senegal) se falavam cerca de vinte “línguas”!

2) Lisboa- meados de Novembro de 2009

Depois de quase um ano sem ver o Luís Moreira encontrei-o em casa do nosso amigo comum Belmiro Tavares de seu nome, que tinha sido o ex-Alferes Tavares do 3º. Pelotão da CCaç. 675, a que pertencera o ex-Furriel Moreira.

Na almoçarada que se seguiu recordei aos circunstantes a noite das dores de dentes de Guidage. «Não imaginam o que este sacana me fez passar já lá vão mais de 40 anos. Uma noite sem pregar olho com este maricas ao colo a gemer com dores de dentes!».

O Moreira respondeu de imediato. «É pá e não fazes ideia como essa história acabou.».
Não sabia mas percebi que ia saber logo a seguir. E o Moreira contou. À sua maneira: exuberante e bem disposta.

«O sacana do piloto que me foi buscar a Guidage foi o Honório. Mal entrei na avioneta o gajo perguntou-me se eu já tinha andado alguma vez de avião. Disse-lhe que tinha nascido dentro de um.

- É pá, ainda bem que não tens medo pois hoje apetece-me fazer umas piruetas.

E o sacana levantou voo, diz o Moreira. No minuto seguinte senti-me de cabeça virada ao contrário. E depois de cabeça para cima. E depois de cabeça para baixo. Filho da puta. Fez tantas maluqueiras que eu só não me caguei todo porque já não comia há três dias. Grande maluco.

Quando vi Bissau e o gajo aterrou…parecia que tinha nascido outra vez. Pisei o chão e levei as mãos à boca. Não me doía nada. Já não tinha a boca inchada e a dores de dentes tinha passado completamente.

Já não sei como fui para Bissau. Sei que procurei um restaurante que era de um gajo da minha terra (da região de Vila Real). Comi que nem um alarve. E repeti. Tive vergonha de pedir mais comida e saí (depois de pagar). Andei mais uns metros e entrei numa tasca onde comi mais uma travessa de ostras.

E “prontos”. Tinha que ir para o Hospital e fui.

«Então o que é você tem? – perguntou o médico.

O Moreira, embora novo, já a sabia toda e resolveu contar tudo, omitindo apenas o facto de já ter almoçado nesse dia duas vezes.

- O senhor Doutor não vai acreditar mas neste momento não me dói nada. Tive tanto medo na viagem de Guidage para Bissau com o maluco da DO que me trouxe que…já não me dói nada.

- É pá vou ter que lhe arrancar um dente qualquer se não você ainda leva uma porrada. Então é evacuado de urgência e agora diz que não lhe dói nada!?

- Senhor Doutor é a pura das verdades. Se tem que ser, arranque-me aí um dente lá para trás.

E arrancou.

O Moreira ainda esteve mais uns dias em Bissau .Encontrou sem dificuldades o Sargento – aviador Honónio e ainda andaram numas “tainas”.Que eu não vou contar.

Depois desta segunda parte da história fiquei a olhar para o Moreira sem palavras. Este tipo se não é único deve andar lá perto.

Mas “prontos”. Acreditei…mas ainda havia de tirar umas dúvidas que me assaltavam…

3) Alcobaça – princípios de Dezembro de 2009

Numa terra pequena não é difícil encontrar quem quer que seja. E eu sabia bem onde é que havia de encontrar a Drª. Manuela Frois, médica dentista. Tomámos um café no “Forno”, pastelaria do único Centro Comercial da terra, e contei-lhe a história das dores de dentes do Moreira. E do “milagre” que seguiu à viagem atribulada com o Honório.

A Drª. Manuela conhece-me bem e não teve dúvidas em dar-me o seu “parecer”, que escrevi na altura para não me esquecer de nada.

«Com a subida do avião registou-se um aumento da pressão que ajudou a alterar as condições locais da inflamação. O medo das acrobacias do piloto causou também uma natural subida da adrenalina que fez desaparecer a dor.»

E no seu jeito despachado disse-me para terminar a minha consulta: «Juro que acredito».

Ora toma lá ex-Enfermeiro de Guerra. O “Honore” (1) causou mesmo uma cura milagrosa. Foi uma ajuda vinda dos céus!

Termino esta crónica citando (e felicitando) o Alberto Branquinho, pelo brilho e justeza das suas palavras na postagem de 22 de Setembro de 2008 (P 3224):

"… Na Guiné era conhecido (pelo menos pelo seu nome) por toda a tropa rastejante. Sempre que uma coluna era sobrevoada a baixa altitude por um FIAT, desaparecendo imediatamente para além das copas das árvores, os soldados rompiam aos gritos de: “AH HONORE!“ ou de: “- AH HONORO!”, enquanto agitavam os quicos por cima das cabeças."
«Quem é que está lá em cima? É o Honório, quem havia de ser! O Honório, naqueles anos, era mais que um piloto, era um símbolo, representava a ajuda vinda dos céus. Não é de estranhar que tudo o que voasse fosse "pilotado" pelo Honório. Camaradas que com ele voaram nos anos 1968/1970 sustentam que, nesses anos, pilotava "apenas" as Dornier-27.»

Esta crónica era para ter sido contada em três tempos.

Não sei se o foi. Se calhar foram quatro.

Foi muito gratificante recordar o Honore. O Honoro. O Honório que ainda hoje recordo quando um pequeno avião me passa por cima da cabeça esteja onde estiver.

Quarenta e tal anos depois… as memórias (citando Manuel Amante da Rosa)… por mais dolorosas que possam ter sido, que não sejam apagadas...

... mas se possam erigir numa teia que envolva ainda mais todos os que nasceram, viveram ou tenham passado pela Guiné .

Nós estivemos lá.

(1) - Recordamos aqui uma corruptela do nome do Honório que encontrámos no nosso blogue graças a uma postagem de Alberto Branquinho (P.3224). Nesta crónica queremos também prestar o nosso humilde contributo em jeito de Homenagem ao mítico piloto aviador cabo-verdiano que tantas missões cumpriu na Guiné, indo a lugares onde mais ninguém ia (ver postagem 5105, de 14 de Outubro de 2009)

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P5494: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (9): Inauguração do Núcleo Museológico Memória de Guiledje, em 20 de Janeiro de 2010



1. Mensagem de 10 do corrente, do nosso amigo Pepito (*):

Aproveitamos para informar que o site da AD (http://www.adbissau.org/ ) acaba de ser actualizado, podendo-se aceder às últimas actividades da AD, em particular:
Saudações cordiais,
 Carlos Schwarz
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Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P5493: Votos de Feliz Natal 2009 e Bom Novo Ano 2010 (9): Os três reis magos... (Parte I) (Mário Migueis)

1. O nosso camarada Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil de Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), mandou, em mensagem do dia 17 de Dezembro de 2009, esta História de Natal, em banda desenhada, que queremos partilhar com a Tabanca .

Caro Vinhal:

A noite passada foi de vendaval, de tremores de terra e, para mim, também de insónia, pelo que aproveitei para brincar à banda desenhada.
Receando colococar-te problemas de ordem técnica, optei por utilizar exclusivamente imagens em tamanho A4, até porque poderia vir a deparar-se-nos o problema de legibilidade das "bocas" dos Reis Magos.
Claro que ocupa muito espaço, mas esse é um problema que tu conseguirás ultrapassar, caso estejas interessado na publicação (até podes publicar uma página por dia - lembras-te daquelas histórias aos quadradinhos, que tinham na última página a indicação "(continua)"?).

Um abraço,
Mário Migueis


OS REIS MAGOS DO BLOGUE LUÍS GRAÇA & CAMARADAS DA GUINÉ









Guiné 63/74 - P5492: Historiografia da presença portuguesa em África (34): Roteiro (Parte II) (Santos Oliveira / Luís Graça)

Bissau > "Estádio Sarmento Rodrigues"
Bafatá > "Pontre Salazar, sobre o Rio Geba"



Bissau > "O aeroporto de Bissalanca" [, a 10 minutos do centro]



Bissau > "Aldeamento indígena perto de Bissau"






Bissau  > Edifício do Centro de Estudos
Bissau > Laboratório da doença do sono





Homerm fula da região do Boé; Mulher futa-fula do Gabu








Fonte: Excertos de Roteiro do Ultramar, 1958 > pp. 5-10. (Com a devida vénia...)


1. Segunda e última parte da publicação de excertos do livro Roteiro do Ultramar, relativamente à Guiné, que nos foram enviados pelo nosso camarada Santos Oliveira, em 16 de Fevereiro de 2008 sob a forma de imagens digitalizadas (*).  Trata-se de uma publicação da autoria de Manuel Henriques Gonçalves (Lisboa, s.n., 1958, 131 pp. + ilustrações).

Vejam-se alguns dados económicos sobre a província (1952), que funcionava basicamente como um fornecedor de matérias-primas (basicamente produtos agrícolas) para a indústria portuguesa, e com um relação praticamente de monopólio com a CUF - Companhia União Fabril, cujos interesses eram represenatdos a nossa Casa Gouveia. Destaque para as exportações das oleaginosas (amendoím, coconote, óleo de palma)...  Destaque ainda para a  produção de arroz, num  total de 100 mil toneladas, o que significava 200 quilos "per capita". Hoje com o tripo plo da população (c 1,5 milhões), a produção der arroz terá aumentado em menos de 180% (c. 175 mil toneladas).

Outro apontamento que resulta da leitura deste "roteiro" é o fascínio que a Guiné exercia sobre os portugueses, antes da guerra colonial, e de algum modo a sua redescoberta, após a II Guerra Mundial, com o desenvolvimento discreto de Bissau  e o plano de obras públicas do Estado Novo. Paralelamente, é de reter e analisar as "representações sociais" de cada um dos grupos étnicos-linguísticos que compunham a população guineense, e a reprodução (que chegou até aos nosso tempo) dos "estereótipos" que lhe estão associados, e aqui reproduzidos numa citação do melhor Governador-Geral do pós-guerra, Sarmento Rodrigues:  (i) os felupes, "bravios, honestos e sóbrios"; (ii) os balantas, "ladrões sentimentais, trabalhadores foliões e bêbados"  [três atributos] [ou cinco ? ..."ladrões, sentimentais, trabalhadores, foliões e bêbados" ?]; (iii) os bijagós, "cheios de pitoresco"; (iv) os fulas e os mandingas, herdeiros da cultura "árabe"... (LG)

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Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P5491: O Nosso Livro de Visitas (76): Um blogue que é uma lição de vida (Pedro Castanheira, 39 anos, ex-pára-quedista, que serviu na antiga Jugoslávia)


1 Mensagem de  Pedro Castanheira

Assunto: Os páras, o BCP 12  e o blogue

Caro Sr. Luís Graça,

Venho por este meio exprimir a minha admiração e respeito, por este vosso blogue, sobre as vossas vivências na Guiné. Além de estar muito bem escrita e narradas [essas vivências], mostraram-me que a guerra não é só feita de combates e emboscadas, mas também de histórias humanas, de camaradagem e de respeito pelo próximo.

Passo desde já a apresentar-me: sou o Pedro Castanheira, sou um jovem de 39 anos, e servi durante 9 anos com muita honra e orgulho nas tropas pára-quedistas portuguesas e fiz uma comissão de serviço na ex-Jugoslávia, sou estudioso ou  um curioso da guerra colonial portuguesa, em especial do conflito da Guiné, talvez o mais difícil e complexo.

Não pensem com isto que sou um admirador da guerra, mas admiro, sim, os homens que foram obrigados a fazê-la e hoje ninguém os reconhece.

Sr. Luís Graça,  sou um seguidor do blogue, todos os dias o espreito, na ânsia de consumir histórias novas, mas os meus primeiros contactos com a guerra da Guiné foi pelo livro, que tenho do BCP 12 e por ter servido sob o comando de oficiais e sargentos, que fizeram a guerra da Guiné, o meu comandante,  Sr Cor Pára Terras Marques, Sr Cor Pára Saraiva,  meu comandante de batalhão na ex-Jugoslávia e que penso ter sido ferido em combate na Guiné, Sr.Cor Pára Bação Lemos, Sr Sarg Grilo Cardoso.

Mas também [conheci] na antiga base dos páras, em Monsanto, um jardineiro natural da Guiné , de seu nome Pedro Có, que já trabalhava para os páras na Guiné.

Sou um pára-quedista que dá muito valor à vida e que respeita muito o próximo, peço-lhe sr. Luís graça, que continue com este blogue, que é uma lição de vida.

Um Feliz Natal para todos, E QUE NUNCA POR VENCIDOS SE CONHEÇAM.

Pedro Castanheiro

2. Comentário de L.G.:

Os indivíduos, as famílias, as comunidades, as organizações, as empresas, as instituições, os povos e as sociedades (humanas...e não só) precisam de "memória"... Mal de nós se não a cultivarmos, preservarmos, exercitarmos, transmitirmos... A "amnésia", perda de memória e identidade,  leva-nos ao disfuncionamento, à desordem, à desorganização máxima, è entropia, e 'in limine' à morte...  Individual e colectiva...

Este blogue é, também, modestamente um exercício de memória(s) e, nessa medida, é (ou pretende ser) um "lição de vida", como tu próprio afirmas e acentuas... Lição de vida, mas também de liberdade, responsabilidade, verdade e tolerância...

Sem dúvida que o melhor que recebeste da tua formação como pára-quedista foram os valores,  que fazem com que unidades como o BCP 12, na Guiné, não fossem apenas uma simples "máquina de guerra"...

Obrigado pelas tuas referências elogiosas ao nosso blogue, e por seres nosso leitor diário. Ficas convidado a escrever e a publicar uma história que se tenha passado na ex-Jugoslávia, numa das tuas missões de paz.

Agradeço e retribuo os votos de Feliz Natal. Luís Graça

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Nota de L.G.:




Guiné 63/74 - P5490: Álbum fotográfico de Tomás Carneiro (2): Fotos de Binta






1. Mensagem de Tomás Carneiro, ex-1.º Cabo Condutor da CCAÇ 4745/73 - Águias de Binta – 1973/74, nosso Camarada que vive nos Açores, com data de 17 de Dezembro:

Camaradas,

Hoje envio-vos mais algumas fotos de Binta que fui descobrindo no meu álbum fotográfico.


1ª Subindo-o Rio Cacheu numa LDG




Votos de Boas Festas e Feliz Ano Novo.

Por hoje é tudo.

Um Abraço desde o meio do Atlântico,
Tomás Carneiro
1º Cabo Cond CCAÇ 4745


Fotos: © Tomás Carneiro (2009). Direitos reservados.


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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


2ª No interior da messe de oficiais que construímos em tempo recorde

3ª Binta: O meu amigo Jacinto Custódio, cuja viatura accionou uma mina anti-carro entre Binta e Farim, que lhe originou a morte, no dia 24 de Setembro de 73

4ª Eu, no Rio Cacheu, dentro de uma canoa que mandamos construir e por lá ficou como legado da Ccaç 4745

5ª Cufeu: Pose para a fotografia, obtida no trajecto de uma coluna para Guidage, num local arrepiante onde se pode ver a mata toda destroçada, resultante do “fogachal” trocado com o IN, em várias emboscadas ao longo do tempo

6ª Polibaque: Quadra natalícia de 1973

E, 36 anos depois, como estamos com mais uma quadra festiva de Natal à porta, aproveito a oportunidade e o último postal, para desejar a todos os Camaradas:

Guiné 63/74 - P5489: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (18): Coincidências ou não, amigo e camarada Pires ? (Fernando Costa, CCS/BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, 1973/74)

1. Mensagem de Fernando Costa, ex-Fur Mil Trms, CCS/BCAÇ  4513 (Aldeia Formosa, 1973/74) (*)

Assunto - Mais uma história com final feliz.

Através da Tabanca Grande fui contactado pelo nosso camarada Carlos Cordeiro,  também leitor assíduo do Blogue, com o fim de trocarmos informações que lhe interessavam para um estudo que está a realizar nos Açores, local onde reside e é professor universitário.

Num dos mails por mim enviados, dei a indicação que um Furriel de Transmissões do meu batalhão ,o BCaç 4513,  era açoriano e do qual só sabia o nome que lhe transcrevi.

No dia seguinte recebi a resposta com um possível contacto pois ele tinha encontrado na lista telefónica um nome idêntico e presumia ser a mesma pessoa.

De imediato liguei para os Açores à procura do Furriel Pires, e na realidade quem me atendeu foi o próprio.

Pelo que me disse nunca mais tinha tido qualquer tipo de contacto com pessoal do 4513. Foi como calculam uma grande alegria para ambos este encontro mesmo que telefónico.

E agora começam as coincidências, ou não:

(i) O nosso camarada Carlos Cordeiro quando abriu a primeira lista telefónica, fê-lo precisamente na página onde estava o nome pretendido;

(ii) O Pires era como eu Furriel de Transmissões;

(iii) Também pertencíamos à mesma Companhia;

(iv) Dormíamos no mesmo quarto;

(v) Como civis,  fomos ambos funcionários do Banco Comercial Português [BCP];

(vi) Actualmente estamos os dois reformados.

É demais.

E tudo isto porque existe um blogue onde os antigos combatentes se podem cruzar 35 anos depois.

Obrigado a todos que nele colaboram.

Fernando Costa
Ex-Fur Mil Trms

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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 25 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5160: Tabanca Grande (182): Fernando Silva da Costa, ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74)

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5488: Votos de Feliz Natal 2009 e Bom Ano Novo 2010 (8): Natal Distante… Não vou endireitar o mundo, prometo (Belarmino Sardinha)


1. Mensagem de Natal do nosso Camarada Belarmino Sardinha (ex-1º Cabo Radiotelegrafista STM, 1972/74, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau), com data de 17 de Dezembro:

Camaradas,

Envio um pequeno texto que poderia ser de Natal, ou talvez não.

Publiquem-no se acharem que não vai ferir susceptibilidades.

Este conjunto de palavras, tipo poema que segue abaixo, esse sim, foi publicado em cartões de Boas Festas feito por uma companhia estacionada em Aldeia Formosa e fez parte do Natal de 1972.

O dito conjunto de palavras a que por vezes chamo poema, foi adaptado por um alferes da dita companhia, por ser longo para o postal, mas como não sei já qual era o alferes e tão pouco me lembra qual a companhia, não sei onde param os dois postais que tive como oferta, aqui deixo o original tal como foi escrito.

Natal Distante

Ao som de trombetas
barcos, relés e motores,
armas de fogo, tambores,
eu escrevo.
Tema Natal, Amor,
Paz, Fraternidade, Carinho
de ave pousada sem ninho.
Ser que vive incerteza,
mas que a todos deseja
Feliz Natal.Outro virá
em que os abraçará,
porém, este,
jamais esquecerá.

Aldeia Formosa 09/12/1972

Não vou endireitar o mundo, prometo.

Estimados e queridos amigos acantonados nesta Tabanca Grande que, pequena é ainda, por falta de tantos outros que ainda não a conhecem e por todos aqueles que já a conhecendo não quiseram ou conseguiram sair ainda dos seus “buracos” para se juntarem a nós.

Não sou de enviar postais de boas festas nem tão pouco trocar mensagens nesta época, mas aceito e respeito de bom grado quem o faz. Não me incomodam as boas festas que me desejam ou enviam, costumo até retribuí-las com cordialidade.

Porém, desta vez apetece-me desejar-vos também algo de bom, assim, venho por esta via desejar-vos tudo de bom durante 363 dias de cada ano, pedindo desculpa se nada vos desejo ou tiverem nos dias de Natal e Ano Novo.

Peço-vos encarecidamente que compreendam, nesses 2 dias os esforços estão todos mobilizados, todos, para aqueles que nada têm durante os 363 dias em que vos desejo a vós tudo de bom.

Espero que aceitem de bom grado o que vos desejo.

Um abraço para todos,
Belarmino Sardinha
1º Cabo Radiotelegrafista STM

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
__________
Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em:



Guiné 63/74 - P5487: Votos de Feliz Natal 2009 e Bom Ano Novo 2010 (7): Pensando nas famílias de Catió que me acolheram (Victor Condeço, CCS / BART 1913, 1967/69)





1.  Mensagem do Vitor Condeço, ex-Fur Mil SM, CCS/BART 1913 (Catió, 1967/69) (*)

Assunto -  Boas Festas.

Caros Editores, Camaradas e Amigos,

Desejo a todos que tenham um Feliz Natal e um bom Ano Novo (**), na companhia dos que vos são queridos.

Esta é uma quadra em que a presença da família é importante, longe vão os anos em que muitos de nós, forçados pela guerra, passámos duas quadra Natalícias longe das nossas famílias. 

Alguns, como eu, tiveram o privilégio de ter tido na Guiné famílias que se tornaram nossas amigas, que nos acarinharam e acolheram no seu seio familiar, como se da sua família fossemos, minimizando assim a ausência da nossa.


Para essas pessoas e seus familiares, onde quer que estejam, vai o meu pensamento. Bem hajam por tudo o que nos proporcionaram e que Deus lhes pague.

Também aos meus Camaradas de então e para os amigos guineenses, desejo que tudo vos corra bem no seio das vossas famílias.

Um Feliz Natal!



Com um abraço do
Victor Condeço
Ex-Fur Mil do SM
Guiné – Catió 1967/69


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Notas de L.G.:

(**) Vd. último poste desta série > 17 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5484: Votos de Feliz Natal 2009 e Bom Novo Ano 2010 (6): Guerra à guerra... (Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P5486: Estórias avulsas (22): Partida e chegada ao inferno (Jorge Canhão)



1. O nosso Camarada Jorge Canhão*, ex-Fur Mil At Inf da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72, Mansoa 1972/74, enviou-nos a seguinte mensagem em 15 de Dezembro de 2009:


Camaradas,

Agora tenho a mania que sou escritor, (deve ser do PDI), por isso, decidi debitar no papel algumas das minhas lembranças, enquanto existe memória no conhecimento da rapaziada.

São histórias engraçadas (nem todas), mas que reflectem o que um rapazinho, então com 22 anos, sentiu e passou pelas terras da Guiné.

Já avisei todos os meus contactos, para abrirem o blogue lerem o que escrevi sobre o jantar e se encontra no poste P5475.

Partida e chegada ao Inferno

Saímos de Lisboa em avião, do Aeroporto da Portela, de onde demos os primeiros passos na manhã de 5 Outubro de 1972 - feriado nacional -, na direcção da desconhecida Guiné, onde chegámos poucas horas depois.

Logo no aeroporto de Bissalanca tive os meus dois primeiros choques quase em simultâneo. O primeiro foi o clima, assim que abriram as portas do avião aquele calor sufocante e a humidade, fizeram-me lembrar das historinhas que nos contavam em crianças sobre a existência do “inferno”.


Mal sabia eu que ali, havia um inferno real: A guerra colonial que me impuseram.

O outro choque foi cruzarmo-nos com os velhinhos que tinham acabado a comissão e que só uma pequena divisória em vidro nos separava. Com espanto meu, vejo uma cara toda sorridente a fazer gestos e a chamar-me, era o meu companheiro de infância Carlos Boto, a regressar á Ajuda em Lisboa.

Tinha começado bem a minha comissão, que mais me esperaria? Fomos para o Cumeré onde fizemos o IAO. Lá começámos os nossos treinos já com bala real, que a princípio só os graduados usavam.

Pequenas histórias minhas do Cumeré

1. O nosso primeiro IN – As formigas

Numa bela noite, estava a companhia acampada em tendas à volta das quais tínhamos valas individuais, quando o inesperado aconteceu devido a uma brincadeira.

Eu estava no meio do acampamento deitado no chão envolto no poncho, quando três camaradas soldados passaram por mim dizendo: “Olha este tão pequenino aqui a dormir.”

Claro que não tinham reparado que eu estava acordado, então passaram por um Unimog onde o Fur Mil Almeida estava a dormir com o poncho colocado, e lembraram-se de lhe dar uma chapada escondendo-se de imediato.

A reacção imediata do Almeida, foi saltar do Unimog, tirando o poncho e começando a gritar que estávamos a ser atacados. Começaram a “chover” tiros de todos os lados e eu, que estava no meio do “fogachal”, nem sequer ousei levantar a cabeça, pois sabia o que se tinha passado e ainda era muito cedo para ser atingido. E, para mais, daquela maneira.

Entretanto o Fur Mil Toni “O Barbio” começou a gritar para não fazerem mais fogo, que, tal como tinha começado, rapidamente, também assim logo cessou.

Quando a rapaziada começou a sair das valas, começou uma grande algazarra, que raio seria aquilo?

Nem mais nem menos umas simpáticas formiguinhas que só à noite saíam, decidiram apanhar boleia na rapaziada agarrando-se a tudo o que era carne. Nesse momento não seria como dizíamos na gíria “carne para canhão”, mas sim para formigas.

Foi o primeiro ataque que tivemos. Assim começou a nossa aprendizagem. Nessa altura o Fur Mil Almeida disse que estava a sonhar, que estávamos a ser apanhados à mão, quando levou a chapada e acordou.

Só cerca de 30 anos depois é que os intervenientes nesta história souberam que eu tinha assistido a tudo.

2. O nosso segundo IN – As abelhas

Passados dias numa operação efectuada a nível de companhia, quando calmamente seguíamos pelo mato (ainda na zona próxima do Cumeré), alguns “engraçados” que iam à frente lembraram-se de hostilizar um enxame de abelhas, que, sossegadamente, estavam na sua colmeia.

Como era de esperar, seguiu-se um ataque com algumas ferroadas, que deram origem a algumas evacuações para o hospital de Bissau. Os atingidos passaram por mim a correr e eu a tentar agarrá-los e a não os deixar mexer-se Para evitar mais picadelas. Este foi o nosso segundo ensinamento.

3. Um não levantamento de rancho

Também num dia em que eu estava de sargento de dia à companhia, deram para o almoço umas sardinhas enlatadas todas feitas em papa. Os soldados reagiram e virando-se para mim perguntaram-me o que é que haviam de fazer e se fosse eu, o que faria?

Sardinhas enlatadas (in Wikipédia, enciclopédia livre)

Na minha ingenuidade militar, mas na minha condição de ser humano, respondi-lhes que não comeria aquilo, pois nem para animais era próprio. Foi o suficiente para um levantamento de rancho, e ainda estávamos no Cumeré. Momentos depois aparece o Comandante do Batalhão Tenente-coronel Eurico Simões Mateus (já falecido), agredindo um cabo com uma chapada e ameaçando de prisão quem não obedecesse. Assim se gorou um levantamento de rancho.

A 3 de Novembro, saímos do Cumeré para a nossa “nova casa” Mansoa, mas essa é outra história que mais tarde espero contar.

Oeiras, 15 Dezembro 2009,
Um abraço,
Jorge Canhão
Fur Mil At Inf da 3ª Cia do BCAÇ 4612/72

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Nota de MR: