quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5600: Notas de leitura (48): Os Anos da Guerra, de João de Melo (2): Os preparativos e Sinfonia para uma guerra (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Bejas Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Dezembro de 2009:

Queridos amigos,
Aqui vai mais um texto relacionado com a recensão do livro “Os Anos da Guerra”(*).
Bom seria que os tertulianos tirassem do saco da memória as recordações que guardaram dessa época de preparativos para a guerra.

Um abraço do
Mário


OS ANOS DA GUERRA:
ALGUNS OLHARES SOBRE A LITERATURA DA GUERRA DA GUINÉ (2)


Beja Santos

Recordatória

“Os Anos da Guerra”, com organização do escritor João de Melo é a primeira grande antologia da literatura da Guerra Colonial, abraçando os três teatros de operações. No significativo prefácio, João de Melo formula um conjunto de interrogações sobre o âmbito de literatura de guerra e se esta é compaginável com a literatura do período colonial e se há mesmo condições para se falar ao mesmo nível da geração literária da Guerra Colonial e dos testemunhos daqueles que combateram ou se prepararam para combater num dos teatros do conflito. João de Melo conclui que o escritor combatente goza de especificidade, havendo que tratar esta manifestação literária como escrita de guerra, são pessoas que vieram mudadas e que irão testemunhar uma vivência incompatível com outras experiências coloniais ou de resistência ideológica ao primado nacionalista. A antologia contempla apresentações histórico-políticas das diferentes etapas da evolução da guerra, separando os autores de acordo com as três frentes de combate. Para efeitos de simplificação, “estes olhares” sobre a literatura da guerra da Guiné iniciam-se com os preparativos para a guerra. Seleccionam-se alguns parágrafos considerados elucidativos de quem andou pelos quartéis em recruta e especialidade e formou uma unidade militar destinada à Guiné. Recomeçamos estes preparativos com Filipe Leandro Martins e a sua obra “O Pé na Paisagem”, de 1981:

Os preparativos
O Couro Selvagem das Botas


“Depois começou a chamada, milhões de nomes a acertar com números, e a fome a roer. Depois firme. Sentido. Os braços esticados, dedos juntos, olhar em frente. Não mexe. O furriel deu um passo em direcção a nós, perna estendida, patada no chão. Deu meia volta, muito teso. Fez a continência a um homem franzino, enquanto a malta bichanava que era um alferes. O alferes fez um gesto mole em resposta, virámo-nos para a direita e lá fomos a caminho do refeitório, a toque de caixa, que comer é importante na tropa”.

“Pedíamos licenças, papéis coloridos preenchidos e entregues na véspera. No dia seguinte, formados e poeirentos das marchas, ao fim da tarde, ao mesmo tempo que nos distribuíam o correio e o apanhávamos do chão, entregavam-nos os passaportes, deixavam-nos vestir a farda de saída... depois de jantar ou mesmo sem jantar, a caserna albergava milhentos homens a esfregar pela quarta vez as botas nesse dia. Os dois pares que tínhamos iam sempre brilhar nas formaturas, nas revistas, nas chamadas. Quando as recebíamos elas vinham tão grosseiras que era difícil amaciar-lhes o pêlo, bebiam frascos de tinta e latas de graxa, aguentavam escovadelas dementes, duras de roer. Alguns havia que passavam o fim-de-semana a dar-lhes pomada e a queimar-lhes o pêlo e mandavam-nas ao sapateiro para sofrerem tratamentos de especialista. Outros passavam o dia à volta dos dois pares, sentados no chão. Eram engraxadores de coração, a graxa entrara-lhes na alma através dos dedos, o prazer que tinham era mirarem-se no espelho das botas, ouvir elogios do alferes na parada”.
Álvaro Guerra é o escritor seguinte. Em 1961 foi mobilizado para a Guiné como oficial miliciano, mas viria a ser evacuado, ferido em combate, em 1963. Foi jornalista e mais tarde embaixador. Os seus livros iniciais assentam na Guerra Colonial, caso de “A Lebre”, “O Disfarce”, “Memória”, “O Capitão Nemo e Eu”, todos publicados antes de 1974, alguns deles traduzidos em francês. Seleccionam-se alguns parágrafos do seu livro “Memória”, de 1961:

Sinfonia para uma Guerra

“O batalhão dos recrutas formou enquadrado debaixo do sol do meio-dia, na parada, um dos lados abertos para a escadaria do edifício do comando, onde estavam os oficiais com os seus galões brilhando nos uniformes de serviço e, nas faces, solenes expressões inspiradores de firmes obediências. Trouxeram o culpado, a quem tinham rapado a cabeça à navalha – chegou entre dois soldados armados – e atrás dele marchava o sargento de serviço e outro soldado que transportava uma cadeira. O grupo parou, no meio do quadrado que era também o meio da parada, e o comandante, que usava monóculo no olho esquerdo, pegou no megafone e, com a bem colocada voz de barítono, pôs o batalhão em sentido, o que foi executado com exemplar perfeição e rigor. Depois o culpado da cabeça rapada se ter posto em pé sobre a cadeira que o soldado colocara no meio do quadrado que era também o meio da parada, o senhor comandante da instrução disse para o bocal do megafone, a voz de barítono ganhando um tom metálico, “Nós somos a tropa de escola, estamos preparados para as mais difíceis missões e para os mais ardorosos combates. A Pátria contempla os nossos feitos gloriosos e nós vivemos sob o signo da coragem e da honra que vós tendes, agora, a sublime oportunidade de servir dedicadamente. O respeito pelos princípios morais que regem os mais altos interesses da nação tem de ser seguido por nós, os filhos privilegiados em cujas mãos a Mãe Pátria colocou o seu Destino Supremo e a intransigente defesa de cada parcela do seu território ameaçado. Não podemos deixar cair na lama o nome do nosso País e do nosso Regimento. Temos de dar o exemplo, temos de ser exemplares. Este homem que vamos punir, que todos nós vamos punir, é um camarada vosso, mas roubou. Se queremos conservar-nos íntegros, teremos de começar a justiça por nós próprios. Não se trata de pôr em causa o valor do roubo praticado mas sim a indignidade e o sacrilégio do acto. Este vosso camarada roubou vinho que o nosso capelão destinara aos Santos Ofícios que celebraremos no campo de batalha, quando formos escolhidos para a luta sagrada contra os infiéis. Ele ficará aqui, no meio da parada, até ao pôr-do-sol, antes de regressar à prisão. Que este exemplo fortaleça a vossa Fé, a vossa dedicação à Pátria e à Bandeira, dedicação que pode ir até ao sacrifício da própria vida. Destruuuuuuçar!”

O culpado não ficou na parada até ao pôr-do-sol. Às quatro da tarde, caiu da cadeira e baixou à enfermaria, sob prisão. Punição exemplar para todos os seus camaradas.”

(Continua)

Gozei quase um mês de férias, quando cheguei da Guiné, em 1970, apresentei-me no início de Outubro, na Escola Prática de Infantaria, em Mafra, fui dar duas recrutas a gente que, na sua maioria, foi combater nas três frentes da guerra. Houve aspectos muito gratificantes, vinha cheio de sangue na guelra, ensinei-lhes o que tinha aprendido e os agradecimentos chegaram quando eles regressaram das respectivas comissões. Em definitivo, descobri, se algumas ilusões houvesse, que nada tinha a ver com aquela corporação, onde os jogos de cartas eram o entretenimento quase exclusivo dos senhores oficiais. Esta fotografia terá sido tirada à volta de Novembro, era malta muito fixe, apetecia conversar em todos os intervalos e recordar-lhes que a instrução era severa mas as compensações passariam por saber precatar os amargos de boca próprios da guerrilha e da contra-guerrilha.

Foto e legenda: © Mário Beja Santos (2009). Direitos reservados.

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 4 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5587: Notas de leitura (46): Os Anos da Guerra, de João de Melo (1): Alguns olhares sobre a literatura da guerra da Guiné(Beja Santos)

Vd. último poste da série de 5 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5593: Notas de leitura (47): Casablanca: O Início do Orgulhosamente Sós, de José Duarte de Jesus (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5599: Blogues da Nossa Blogosfera (31): Tabanca do Centro (Joaquim Mexia Alves)

Nasceu mais uma Tabanca, nasceu mais um Blogue.

Estamos a falar da Tabanca do Centro e do seu Blogue.





1. Mensagem de hoje, 6 de Janeiro de 2009, do nosso camarada Joaquim Mexia Alves:

Meus caros camarigos

No sentido de aliviar a vossa carga de trabalho, achei por bem, (e sem pedir licença à Casa Mãe, desculpem lá), criar um blogue denominado Tabanca do Centro, http://www.tabancadocentro.blogspot.com/, com o intuito de ali fazer os avisos dos encontros e receber as inscrições e sugestões dos camarigos que ali quiserem aceder.

Irei roubar à Tabanca Grande os comentários feitos ao anúncio do 1.º Encontro da Tabanca do Centro, e ali daremos os esclarecimentos que todos julgarem necessários.

Quer dizer que estou a arranjar lenha para me queimar, em termos de trabalho, claro!

Peço-vos assim a divulgação deste novo espaço, para que, com mais facilidade possa gerir as inscrições para o 1.º Encontro.

De tudo o que ali se fizer irei dando conta à Tabanca Grande.

Abraço camarigo para todos
Joaquim Mexia Alves


2. Comentário de CV

Caro Joaquim e restantes elementos da Tabanca do Centro, já fui visitar a vossa Página e já lá deixei a minha primeira mensagem, no poste primeiro, início do princípio (ou vice-versa) do vosso Blogue.

Como os teus pedidos, aqui na Tabanca Grande, são ordens, estou a dar o devido e merecido conhecimento da criação oficial da Tabanca do Centro, que poderá ter como uma das funções oficiais, a organização dos Encontros anuais da Tabanca Grande. Desculpa Luís, porventura estou a exorbitar as minhas competências, mas saiu-me esta assim de repente, e eu às vezes sou como os tolos, e digo o que me vem à cabeça.

Um abraço a todos os atabancados do Centro.
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Nota de CV:

Vd. poste de 5 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5594: Convívios (176): 1.º Encontro da Tertúlia do Centro, dia 27 de Janeiro de 2010 em Monte Real (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 28 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5556: Blogues da Nossa Blogosfera (30): Do caos ao cosmos, extensão de Reflexos e interferências (Regina Gouveia)

Guiné 63/74 - P5598: Parabéns a você (63): Paulo Santiago, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 53 (Mário Migueis / Editores)

6 de Janeiro, Dia de Reis, é também dia de aniversário do nosso rei dos desportos radicais. Por acaso sei a idade que o nosso camarada Paulo Santiago* tem, mas não digo, porque neste caso não tem a menor importância.

Desta vez, não são os editores que estão a prestar a singela homenagem de aniversário, não senhor; desta feite é um camarada da tertúlia que mandou o trabalho que abaixo se publica.


Eu, pessoalmente, apenas passei a tarde toda até agora (23h35m) a tentar localizar todos os postes que o Paulo com o seu trabalho, originou no nosso Blogue. Desculpa Paulo, mas desisti ao 57.º e após ver letras e algarismos aos saltos. Prometo continuar por estes dias a árdua tarefa a que me propus, porque tu mereces. Tens um manancial de intervenções, a todos os níveis notável. Parabéns.


Para ti e sobre ti, diz assim o Mário Migueis da Silva:

O PAI DO RUGBY EM ÁFRICA

Paulo Santiago, o "Pai do Rugby em África"
Caricatura de: © Mário Migueis da Silva (2009). Direitos reservados


Ao contrário do que legitimamente pensaram, não vamos relatar a visita do Pai do Rugby a África, mas tão só, e com igual grau de legitimidade, dar a conhecer aos menos informados que o Pai do Rugby em África tem nome e é português. Chama-se Santiago - Paulo Santiago - e nasceu para os lados de Águeda, Aguada de Cima, onde ainda reside.

Frequentou a Escola Superior de Agronomia, em Coimbra, que testemunhou os seus primeiros ensaios e conversões. Mas eu, simples narrador da história, só uns anitos mais tarde o conheci, lá para os lados do Saltinho, na Guiné, onde então ondulava pavilhão português.

Estávamos em 1971, talvez meados. Tinha (ele, o alferes Santiago) chegado na véspera da metrópole, onde gozara férias – duvido que merecidas - na santa terrinha de deliciosos comes e bebes. Cruzámo-nos na parada, ele vindo do abrigo do célebre Pelotão de Nativos 53, que comandava com um orgulho maluco, e eu de um lado qualquer, de que me não lembro nem interessa ao caso.
- Que é isso, Santiago?!...

- É uma bola de rugby, que trouxe ontem da metrópole, - respondeu com um largo sorriso, exibindo-me a alva bola com cara de melão..

- De rugby?!...

- Pois… Logo à tarde vamos fazer o primeiro treino no campo de lançamento dos frescos.

Ah, granda maluco!..., pensei eu sem dizer nada, que o homem podia levar a mal.

Só no dia seguinte soube – eu, o narrador – do que se passara na clareira a norte do Saltinho, onde, à falta de colunas de reabastecimento, os Nord Atlas lançavam pára-quedas com frescos e coisas assim.

- Com pernas fracturadas foram só dois, mas há mais estropiados com cabeças rachadas e dentes partidos, entorses e luxações. Ui, meu furriel, a coxear eram mais que muitos!..., - contava-me, tim-tim por tim-tim, o Cruz das Transmissões.

É claro que os senhores comandantes dos pelotões da Companhia ficaram assaz furiosos com o extenso rol de baixas, tal como o pacato Alferes Médico da Unidade – o Dr. Faria, oriundo da cidade-berço, que Deus tenha! – com tantos trabalhos e canseiras, para além da razia verificada nos stocks de álcool, tinturas, massagins, ligaduras e adesivos.

- Isto, assim, não pode ser, meu capitão!, - queixava-se alguém ao Comandante, que, não sendo homem de atitudes precipitadas, ouvia, ouvia, e ia registando tudo mentalmente, como poderia depreender-se dos seus ligeiros e concordantes acenares de cabeça.

- Ó Santiago!, - chamou o Capitão discretamente, à porta da messe, já no final do dia, antes do jantar.

- Sim, meu Capitão?... – respondeu prontamente o nosso herói, com um sorrisinho inocente.

O Capitão Clemente, com o seu olhar verde metalizado a brilhar por sobre aquela pêra de azeviche, varreu o Santiago de cima para baixo e, em seguida, de baixo para cima, enquanto tentava encontrar as palavras adequadas para lhe transmitir a mensagem que se impunha. Finalmente, chupou profundamente a ponta já nos iscos do indispensável SG Ventil e, com aquela voz cavernosa como só a dele, sentenciou por entre uma baforada meia de alívio, meia de desalento:

- Vá-se f....!

Esposende, 06/01/2010
Mário Migueis

Nota: O texto acima não passa de mera ficção, nada tendo os diálogos constantes a ver com a realidade e, muito menos, com a personalidade e brio moral dos intervenientes, antes traduzindo a suposta reacção do autor que, no lugar do Capitão Clemente, teria realmente dado igual sentença, mas sem pontinhos e com todas as letras.

Moita, Bairrada > CDUP > 9 de Junho de 2007 > Partida de râguebi, entre duas equipas de séniores, durante a qual se conheceram os nossos tertulianos Paulo Santiago (ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 53, 1970/72) e Miguel Vareta (ex-Fur Mil, 38.ª CCmds, 1972/74)



Palavras para quê? É o Paulo Santiago em acção.

Guiné > Saltinho > Outubro de 1971 > Equipa de futebol: de pé, da esquerda para a direita: 1ºcabo Cosme(Pel Caç Nat 53, Fur Mil Bernardes(CCAÇ 2701) Fur Mil Moreira (CCAÇ 2701), Alf Mil Santiago(Pel Caç Nat 53), Alf Mil Julião e Cap Clemente (CCAÇ 2701); de joelhos, Alf Mil Mota (CCAÇ 2701), soldado Bobo(Pel Caç Nat 53), Alf Mil Oliveira, Rocha e Martins Faria (médico), todos da CCAÇ 2701.

Foto do Pel Caç Nat 53, comandada pelo ex-Alf Mil Paulo Santiago
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Notas de CV:

Paulo Santiago foi Alf Mil e Comandante do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72,

(*) Para ver todos os postes do Paulo Santiago, clicar no marcador com o seu nome, inscrito no lado esquerdo da nossa Página.

Vd. último poste da série de 5 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5590: Parabéns a você (62): Valentim Oliveira, ex-Soldado Condutor Auto da CCAV 489/BCAV 490 (Editores)

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5597: Em busca de... (107): Procuro Camaradas da 2ª CCav do BCav 8323 (Gregório Manuel Brás Matadinho)

1. O nosso Camarada Gregório Manuel Brás Matadinho, ex-Fur Mil da 2.ª CCav/BCav 8323, 1973/74, enviou-nos um pedido com data de 04 de Janeiro de 2010, apelando a que os seus Camaradas da 2ª CCav do BCav 8323, lhe dêm notícias suas:

APELO
Batalhão Cavalaria 8323
2ª Companhia

Olá camaradas,

Muito procuro sobre factos da 2ª.Companhia (a mal amada), mas pouco ou nada encontro.

É meu desejo voltar a encontrar alguns camaradas, portanto conto convosco.

Para qualquer contacto usem o meu e-mail: magoio@hotmail.com

Um grande abraço,
Fur Mil Matadinho

2. Não temos notícias de nenhum Camarada da 2ª Companhia deste BCav 8323, que era comandado pelo Coronel Jorge Mathias. No entanto, já se apresentaram 2 homens da 1ª Cia. e 2 da 3ª Cia.
Um deles foi o ex-1º Cabo Atirador, Joaquim Vicente da Silva da 3ª Companhia que esteve estacionada em Pirada, 1973/1974.

Também se apresentou o Amílcar Ventura, ex-Fur Mil da 1ª Companhia, e que esteve estacionada em Bajocunda, 1973/74, que já nos deu a conhecer que o pessoal da sua Companhia realiza encontros/convívios anuais.
O António Rodrigues, ex-Soldado da 1ª Companhia, Copá, 1973/1974.



E o Fernando Manuel de Oliveira Belo, ex-Soldado Condutor da 3.ª CCAV, Pirada, 1973/74.
3. O nosso Camarada José Martins, num trabalho feito em 2009, sobre Copá, na fronteira com o Senegal (1965-1974) - Unidades de intervenção no subsector de Bajocunda, resumiu o historial desta Unidade:


BATALHÃO DE CAVALARIA Nº 8323/73 (BCAV 8323/73, 1973/74)

Mobilizado no Regimento de Cavalaria nº 3, em Estremoz, desembarcou em Bissau em 29 de Setembro de 1973 e realizou a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional no Centro de Instrução Militar, em Bolama, de 05 de Outubro a 31 de Outubro de 1973.

Assume a responsabilidade do Sector L6, com sede em Pirada, em 25 de Novembro de 1973, abrangendo os subsectores de BAJOCUNDA, Paúnca e Pirada.

Coordenou e comandou o movimento de retracção do dispositivo as Nossas Tropas, a partir de 21 de Agosto de 1974, com a entrega ao PAIGC dos subsectores de Paunca, em 21 de Agosto de 1974; de BAJOCUNDA, em 22 de Agosto de 1974; e de Pirada em 27 de Agosto de 1974; iniciando o deslocamento para Bissau, regressando à metrópole em 10 de Setembro de 1974.

© José Marcelino Martins
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5596: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é grande (20): Antonio Reis, ex-1º Cabo Enf, Bissau, HM 241, 1966-1968, e escritor (Rui Alexandrino Ferreira / Luís Graça)

1. Um mensagem. perdida na nossa caixa de correio, enviadaa 6 de Março de 2009, pelo nosso amigo e camarada Rui Alexandrino Ferreira (ex-Alf Mil  e ex-Cap Mil Inf, hoje, Cor na reforma, com duas comissões na Guiné: CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67, e  CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72).

Assunto - Vamos falar do António Reis

Meus caros Luis, Carlos e Briote

Mais uma vez tenho de vos felicitar pela resposta que merecia o Sr jornalista da Visão cujo nome nem sei nem quero saber. É de facto lamentavel que se fale do que se não sabe.
Em compensação acabei mesmo agora, só passou o tempo necessário para abrir o computador, de falar telefonicamente com o António Reis que prepara a 3ª edição do seu livro A minha jornada em África a que acrescentou um texto que, começando por afirmar que a guerra nunca acabou para quem nela combateu ou a viveu de verdade, termina com a constatação que quão desgraçados nós fomos.

Texto que,  não só pela actualidade do tema mas também porque me parece oportuno e vrdadeiramente espectacular,  o incentivei a mandar para o nosso blogue, onde certamente terá o seu lugar como todos nós.
Resta-me desejar para nós todos quantos se revêem na nossa tertúlia,  muita saúde e as maiores felicidades, profissionais, pessoais e familiares.

Um grande abraço do
Rui Alexandrino Ferreira

PS - O livro  [do António Reis] é uma forma de contar  a história da guerra da Guiné por quem, no Hospital Militar 241,  recebia todos os dias os combatentes feridos.


2. Comentário de L.G.:

Acabei de falar com o António Reis, ontem à noite, ao telefone. Mora e trabalha em Mafamude. Tem uma oficina de pintura cerâmica, depois de se ter reformado dos telefones de Lisboa e Porto... Com 66 anos, tem uma vida de trabalho e meio século de descontos!

Confirmou-me os dados transmitidos pelo Luís Borrega. Reconheceu-me logo, como "sulista", pelo sotaque. Estivemos mais de meia hora a falar ao telefone. É um homem loquaz e frontal. Disse-me que vai fazer uma 3ª (e última) edição da sua "Jornada de África", antes de "arrumar as botas" (sic)... Disse-lhe que ainda é cedo, que devIa continuar a escrever, que tem jeito e talento para contar histórias... E aproveitei para lhe falar do nosso blogue, que ele já conhecia de nome... (Confessa que não  é homem de blogues, nem usa Internet, não tem e-mail, mas nem por isso é...menos feliz).

Na segunda edição do seu livro, incluiu mais algumas histórias do HM 241. O livro saiu na Editora Ausência, que era (ou ainda é) do filho, Manuel Reis. Essa editora deu lugar à 7 dias 6 noites, também com sede em Vila Nova de Gaia... É a editora do nosso Manuel Bastos, Cacimbados, de que o António Reis é admirador e amigo ("Gostava de ter a garra dele para a escrita", confidencia-me..).  Também é amigo do Rui Alexandrino Ferreira. (Aliás, ele foi ele que me chamou a atenção para o mail que o Rui nos mandara em Março do ano passado, e que reproduzo acima).

O António Reis ficou muito sensibilizado com o  prefácio escrito pelo Cor Cav Mendes Paulo (já falecido) para a 2ª edição (**).  Julgo que é a este texto que se refere o Rui Ferreira, no mail acima.

Confirmou que o Dr. Fernando Garcia é de Lisboa e estava vivo, pelo menos no penúltimo Natal... Nessa ocasião falaram ao telefone. O médico vive em Lisboa, é pessoa para 70 e tal anos. O Reis lembra-se de todos os médicos, e dos seus nomes, que prestaram serviço no HM 24, no seu tempo (1966/68). Ele estava no pior sítio, que era o SO... Falou-me de outras histórias: o alferes que apanhou sete tiros e que se safou; as camisas que se "trocavam" com os mortos...(em troca, estes eram amortalhados com as camisas velhas, gastas e regastas, do pessoal do hospital)... De radiologia, lembra-se do Setúbal...

Sendo de rendição individual, não costuma ir aos convívios do pessoal do HM 241... Ninguém se conhece, são de épocas diferentes... Foi uma vez, não gostou lá muito... Em contrapartida, gosta de ir aos convívios da primeira companhia onde esteve o Alf Mil Rui Ferreira, a CCAÇ 1420 (se bem percebi, é daí que o Rui o conhece).

Enfim, vejo que temos homem! Ficou de me mandar um texto que escreveu para o jovem pároco da terra, a mostrar as diferenças entre os militares, patriotas, do seu tempo, e estes jovens que vão hoje em missões da NATO ou da ONU (Bósnia, Timor, Jugoslávia...).
- As condições são outras, completamente diferentes! Não dá para comparar, arremata ele.

Gostei muito falar com ele e prometi visitá-lo em Mafamude...

Gostei das duas últimas linhas do seu livro de histórias do HM 241: "Exteriorizei  aquilo que me ia na alma. Se alguém me quiser julgar que o faça, mas que esse juiz tenha vivido no mínimo aquilo que eu vivi" (Reis, A.- A minha Joranda em África, 1ª ed. Vila Nova de Gaia: Ed. Ausência. 1999. p. 67).

Convidei-o a juntar-se a nós, aos seus amigos e camaradas da Guiné... Entretanto, acabo de receber um telefonema do filho, Manuel Reis, a perguntar-me pela morada, pelo mail e pelo endereço do blogue. Tem um texto do pai para publicação no nosso blogue, como prometido.

Não conhece o nosso blogue mas, como editor (tem 4 editoras, Ausência, 7 Noites 6 Dias, Babel, e uma outra que não retive), tem um interesse de longa data pela literatura da guerra colonial. Afinal, cresceu a ouvir contar as histórias do pai... Falou-e de dois livros, editados por ele, o do Manuel Bastos (Cacimbados) e do Lobato Lobato (Liberdade ou Evasão, há muito esgotado e agora reeditado). Prometeu enviar-lhe outros livros das suas editores, para recensão crítica e divulgação, gentileza que desde já lhe agradeço.

Fico, pois. a aguardar o texto do António Reis e eventualmente um exemplar da 2ª edição do seu livro (que está praticamente esgotado). E espero tê-lo, ao nosso camarada, junto de nós, como membro de pleno direito da Tabanca Grande.
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 3 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5581: Os nossos médicos (13): Deus no céu e o Dr. Fernando Garcia... no HM 241 (António Reis / Luis Graça)

(**)  Escreve o Luís Borrega, em comentário ao poste anterior: "Conheci-o [, a ele, António Reis,] através do Major Cav João Mendes Paulo (autor do livro Elefante Dumdum), infelizmente já falecido, que era oficial de Operações do meu Batalhão (BCav 2922)".

Vd. último poste da série de 8 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5426: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (19): Que emoção ouvir alguém que não se vê há 40 anos (Jorge Teixeira/Portojo)

Guiné 63/74 – P5595: Fichas de Unidade (6): COP 4 - Comando Operacional nº 4 (José Martins)


1. Quando necessitamos de apresentar o historial de alguma “Ficha de uma Unidade”, recorremos aos bons préstimos do nosso Camarada José Martins, ex-Fur Mil de Transmissões da CCaç 5 - Os Gatos Pretos -, Canjadude, 1968 a 1970, que se tem prontificado como eficaz e prestável “municiador” deste tipo de dados.

Agradecendo, desde já, a sua amigável e prestável colaboração, apresentamos a seguir os resultados da sua melhor pesquisa, devidamente adaptada e condensada do COP 4, elaborado em 04 de Janeiro de 2010:

Comando Operacional nº 4

O COP 4 foi constituído em 12 de Dezembro de 1972, formado por elementos requisitados a outras unidades, para criar as condições necessárias à execução dos trabalhos de reordenamentos a estabelecer nas zonas de Caboxanque, Cadique e Cafine assim como desenvolver actividade na região do Cantanhez, em área operacional do Batalhão de Caçadores nº 4510/72 e do Comando Chefe.

Teve como comandantes os Tenente-coronel Paraquedistas Jorge Rendeiro de Araújo e Sá e posteriormente o Major de Infantaria Carlos Graciano de Oliveira Gordalina.

À data da sua constituição, com a sede estabelecida em Cufar, integrou na sua área de acção o subsector de Bedanda e a área do destacamento de Cabedu, que foram transferidas do BCAÇ 4510/72. Foram atribuídas ao COP três companhias do exército, duas de Paraquedistas e dois destacamentos de fuzileiros especiais.

Com a instalação na área destas unidades, foram criados os subsectores de Cadique e Caboxanque em 12 de Dezembro de 1972; reforço de Cafal com dois grupos de combate da 2ª Companhia do BCaç 4610/72 em 23 de Janeiro de 1973; em Chugué e Cabumba em 7 de Abril de 1973; e Jubemrem criado em 20 de Abril de 1973.

Desenvolveu actividade operacional com patrulhamentos, emboscadas, batidas e acções sobre grupos inimigos, alem da protecção aos trabalhos de reordenamento, autodefesa e promoção socioeconómica das populações.

Na sua actividade destacam-se as operações “Gato Espantado”, “Dragão Bravo” e “Cavalo Alado”. Na acção “Tamurú” realizada em 1 de Janeiro de 1973, Na Região de Timbó, foi capturada uma rampa de lançamento de foguetões 122.

Em 2 de Julho de 1973, foi desactivado o Comando Operacional nº 4, passando a assumir a coordenação da área o Batalhão de Caçadores nº 4510/72.

Não tem história da Unidade no Arquivo Histórico Militar.

© José Marcelino Martins

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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5594: Convívios (180): 1.º Encontro da Tertúlia do Centro, dia 27 de Janeiro de 2010 em Monte Real (Joaquim Mexia Alves)

1. Caros camaradas e amigos tertulianos

Pertencer ao nosso Blogue é um privilégio ao alcance de todos os ex-combatentes da Guiné e de alguns amigos que se juntaram à nossa causa de criar um espólio histórico sobre a guerra naquele território, alimentado com as experiências vividas pelos intervenientes naquele conflito.

Criado aquele espírito de camaradagem, surgem laços de amizade tão profundos que quase nos sentimos como uma família. Assim, não é de estranhar que surjam espontaneamente grupos de camaradas que ao fim de algum tempo acabam por se organizar em associações. É um exemplo, exemplar, (esta foi de propósito) o que se passa na Tabanca de Matosinhos (que teima em chamar-se pequena, quando já não o é), que é agora um Grupo de Amigos da Guiné-Bissau.

Isto a propósito de quê? Já vamos saber.
CV


1.º ENCONTRO DA TERTÚLIA DO CENTRO

Mensagem de Joaquim Mexia Alves* (ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73), com data de 4 de Janeiro de 2010:

AVISO IMPORTANTE

Caros camarigos editores

Na viagem que fiz com os camarigos Juvenal Amado, Vasco da Gama e Manuel Reis, lancei esta ideia de uma pequena Tertúlia do Centro, à imitação da Tabanca Pequena de Matosinhos, feita à volta de um famoso “Cozido à Portuguesa”, que é colocado à mesa todas as quartas-feiras nesta localidade de Monte Real.

Entusiasticamente, (estou a exagerar um pouco), todos aplaudiram a ideia, e mais alguns camarigos aqui desta Região Centro, que se estende do Minho ao Algarve, afirmaram a sua vontade em participar na coisa.

Ora como o que nos une em termos informativos é a Tabanca Grande, julguei, (pelo menos para dar inicio à completação da ideia), que este seria o melhor espaço para divulgar o evento e assim abrir as portas aos camarigos que se queiram juntar à volta do Cozido à Portuguesa, sejam eles, da Região Centro ou de qualquer outra Região do nosso Portugal.

Como isto de tentar encontrar datas consensuais é coisa muito complicada, e visto que tem de ser forçosamente à Quarta-Feira, eu decidi marcar, democraticamente, depois de me consultar, o dia 27 de Janeiro para a realização do feliz evento, que, se for do agrado e concordância de outros, se repetirá alegremente uma vez por mês, sempre à Quarta-Feira.

O repasto será servido na Pensão Montanha, sita na Rua Principal de Monte Real, também conhecida por Rua de Leiria, e terá lugar às 13 horas e 30 minutos, salvo se algum dos camarigos tiver argumentos para me convencer de outro horário e até, vá lá, data.

Muito importante é eu saber com antecedência, ou seja até dia 25 de Janeiro, impreterivelmente, o número de camarigos que se vão banquetear, porque a sala está normalmente cheia e preciso de fazer a marcação.

O valor do almoço é um pouco alto, (mas com um esforço tudo é possível), pois ascende ao elevado montante de 8,50 euros, é verdade, 8,50 euros!

Ora então para reservas temos o meu mail, que é: joquim.alves@gmail.com, (atenção que não é Joaquim, mas joquim), porque há um Joaquim Alves que está farto de ouvir falar da Guiné e não está mais para isso!!!

E julgo que é tudo, mas claro que fico disponível para esclarecimentos.

Peço assim aos camarigos editores o favor de publicarem este importante aviso, para conhecimento dos interessados.

Abraço camarigo para todos do
Joaquim Mexia Alves
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(*) Vd. poste de 17 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5484: Votos de Feliz Natal 2009 e Bom Novo Ano 2010 (6): Guerra à guerra... (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste de 27 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5550: Convívios (175): Convívio espontâneo da CCav 2749/BCav 2922 (Hélder Sousa)

Guiné 63/74 - P5593: Notas de leitura (47): Casablanca: O Início do Orgulhosamente Sós, de José Duarte de Jesus (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos, (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Dezembro de 2009:

Carlos e Luís,
Para quem quer estudar os primórdios da resposta diplomática aos movimentos de libertação tem neste livro um interessante ensaio ao que aconteceu em 1961 num país de África que fazia agradavelmente o jogo do pau de dois bicos.

Um abraço do
Mário


CASABLANCA: O INÍCIO DO “ORGULHOSAMENTE SÓS”
Beja Santos

Em 1961, um jovem terceiro secretário de Embaixada, José Duarte de Jesus, passa a ser funcionário diplomático de Portugal em Marrocos. Vai viver um período febril, a eclosão do anticolonianismo, do terceiromundismo, das tensões entre Marrocos e a Argélia, dos movimentos de libertação portugueses e africanos. Convém não esquecer que é em Rabat que o PAIGC teve o seu primeiro escritório, é partir de Marrocos que vai chegar tudo o armamento e equipamento fornecido pela URSS, China e países da Europa de Leste. É esse o relato que nos traz “Casablanca, o início do isolamento português, memórias diplomáticas”, por José Duarte de Jesus, Gradiva 2006.

Um diplomata é um negociador dos interesses do seu país junto de potências onde está acreditado. Observa, aproveita as reuniões sociais e os actos de convívio para sondar e depois contar ao seu ministro. Recebe também incumbências, prepara viagens de estadistas, pede audiências a membros de governo para defender pontos de vista, para insinuar esses mesmos pontos de vista que lhe chegam do chefe da diplomacia. A diplomacia portuguesa nos anos 60 já não está marcada pela presença pessoal de Salazar nas Necessidades. Os EUA estão na Europa, são eles quem lideram a Guerra Fria. Portugal foi aceite nas Nações Unidas e será fundador da NATO, por conveniência de serviço; o comunismo chinês começa por ser um grande aliado de Moscovo até à incompatibilização; a Conferência de Bandung e depois os Não Alinhados vão fazer germinar a luta pela independência dos povos africanos. O quadro diplomático português do tempo podia ter qualidades mas não estava preparado para a guerra sem tréguas que marcará toda a década de 60.

O jovem diplomata José Duarte de Jesus aterra em Marrocos, jovem nação a viver uma grande instabilidade interna (os movimentos revolucionários empurram a Monarquia Alauita para uma linha repressiva e conservadora). O jovem Rei Hassan II apercebe-se que tem perigos nas fronteiras e que precisa de uma estratégia de cooperação com os aliados europeus do Mediterrâneo. A nossa missão diplomática em Marrocos era constituída por um embaixador e por um nº2, verdadeiramente um faz tudo: substituto legal do embaixador, conselheiro político, comercial, de imprensa e gerente de uma secção consular. O jovem diplomata, mal chegado, é confrontado com a Conferência de Casablanca, com algum significado para a política portuguesa. Aqui se debatem as questões da Argélia e do Congo, mas também a segregação racial e unidade africana. Por esse tempo ocorre a “Operação Dulcineia”, com o assalto ao paquete “Santa Maria”. Inicia-se entretanto a guerra em Angola, instala-se em Rabat o governo provisório da Argélia, nesta região do Magrebe procura-se fazer a ponte entre o Ocidente e o Terceiro Mundo.

Em Abril, representantes dos movimentos de libertação portuguesa comparecem numa reunião em Casablanca: lá estarão goeses, mas também Mário Andrade e Viriato Cruz, da MPLA, Miguel Trovoada de S. Tomé e Príncipe, Marcelino dos Santos da futura FRELIMO, Amílcar Cabral, do PAIGC. Os conteúdos desta conferência, dado o seu valor histórico, são amplamente reproduzidos. A embaixada portuguesa vive histórias dignas de James Bond, com personagens bizarros a disfarçarem-se de espiões sem nacionalidade, arrivistas, gente que promete dar informações e que afinal nada tem para dar. A saga Henrique Galvão-Humberto Delgado dominará os acontecimentos até ao final desse ano de 1961. Delgado e Galvão cortam relações, os assaltantes do avião desviado da TAP que lançam panfletos nos céus de Portugal regressam a Casablanca e nada lhes acontece, para fúria das autoridades portuguesas. Esse ano horrível conhece ainda o golpe de Botelho Moniz, os acontecimentos de Beja, às esperanças na Primavera de Adriano Moreira, depois a queda de Goa.

José Duarte de Jesus, metodicamente, elabora relatórios, sonda ministros, procura esclarecer as posições portuguesas. Hassan II é obrigado a um jogo duplo: reitera confiança na amizade luso-marroquina enquanto se felicita em público com o que se passou na Índia portuguesa e com as lutas de libertação que estão a dar os seus primeiros passos. Fala-se de Ben Bella e Ben Barka, da presença russa em Tânger e dos diferendos franco-marroquinos.

Em 1962, muda-se de embaixador numa altura em que Rabat está a viver uma intensa actividade diplomática, sendo mesmo palco de um esboço de potências que cobiçam um aliado para a Guerra Fria. Em Abril Holden Roberto tenta criar um governo provisório de Angola. Surge uma personalidade que virá mostrar ter uma grande influência no curso dos acontecimentos: Aquino de Bragança. Hassan II recebe às claras os representantes dos movimentos de libertação das colónias portuguesas; a questão do armamento soviético tem o seu auge e fica-se a perceber que o rei manipula os elementos para chamar a atenção aos americanos. Há questões do Magrebe que se vão agonizar: será o caso do Sara espanhol mas também a presença espanhola em Ceuta e Melila. Esta é a história de uma comissão de um jovem diplomata. Pode ser entendida como um acto de um diplomata reformado que quer deixar memórias a pretexto de um momento excepcional em que pode ver a formação e o desenvolvimento do anticolonianismo português. Mas também pode ser olhado como um depósito histórico de um período e sobretudo o ano de 1961, que mudou a história de Portugal e de África. É este último olhar o que recomendo para perceber o princípio do isolamento português, que tornaria irreversível o fim da ditadura portuguesa.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5587: Notas de leitura (46): Os Anos da Guerra, de João de Melo (1): Alguns olhares sobre a literatura da guerra da Guiné(Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5592: Memória dos lugares (64): Civis e militares em Canjadude (José Corceiro)



1. O nosso Camarada José Corceiro*, que foi 1º Cabo Transmissões, entre MAI1969 e JUL1971, na CCaç 5 - Gatos Pretos -, em Canjadude, enviou-nos em 30 de Dezembro p.p., uma mensagem com as suas memórias sobre a sua ZO:

MEMÓRIA SUPERFICIAL SOBRE CANJADUDE


Camaradas,

Agradeço ter sido aceite como tertuliano, no grande Blogue, que é a Tabanca Grande. Quero agradecer também as palavras de incentivo e estímulo de boas vindas dos tertulianos. A todos, muito Obrigado.

Relativamente ao comentário, que o Luís Graça fez “em tom brincalhão”, mas legítimo e oportuno, à primeira foto do poste Nº 5536, devido à tonalidade de pele da criança, gostava de dizer que conhecia perfeitamente os pais da criança e interroguei-me, também eu, naturalmente! Eu sabia, em Canjadude, onde era a habitação de cada militar e cada civil, e gostava muito da tabanca.

Questionava-me sobre os hábitos da sua população e queria aprender algo mais. Para onde ia e sempre que podia, considerava que era a continuação do aquartelamento da CCaç 5.

Canjadude e o quartel estavam confinados pelo mesmo arame farpado e serpenteados de valas. A tabanca só no perímetro, tinha abrigos onde estavam instaladas armas pesadas, embora houvesse uma barreira física de arame entre o aquartelamento e a tabanca.

A convicção que tinha na altura, é que a criança era querida e amada pela família, dentro das posses do contexto familiar e temporal (bem expresso no sorriso e nos roncos amuletos da criança). Havia menos melanina na pele da criança, é um facto, mas para nosso sossego, é melhor não inferir em nada.

Vamos imaginar que se deu uma mutação genética, para nos tranquilizarmos e esquecermos a mestiçagem, se é que a houve, neste caso. A miscigenação humana até é salutar, potencia o emparelhamentos de cromossomas, cujos genes têm outras características, alargando e fortalecendo a diversidade do genoma humano.

A carência aguçava o engenho e refinava a arte. Necessidades biológicas em acção.

Na época, ainda os cientistas da genética moderna andavam às voltas com as cadeias dos ácidos “DNA” e “RNA”. Os testes de paternidade afirmativos eram impossíveis. Podia testar-se que não se era o progenitor, mas ainda não haviam conhecimentos científicos para confirmar que se era pai a 100%.Infelizmente, muita criança ficou por lá sem ter o carinho e afecto de quem devia dar protecção, educação, ajuda e acompanhamento continuado.

Nesta vertente, também a guerra foi nefasta, embora a teoria de Darwin defenda que contribui, neste particular, para a robustez da espécie.

Para acalmar as consciências agitadas e afastar responsabilidades, convençamo-nos que pais são aqueles que amam e criam. “É fácil”…!

Em Canjadude, creio não errar, se afirmar que quase todas as etnias da Guiné estavam representadas.Os militares nativos eram muitos (a CCaç 5, Gatos Pretos, era de nativos), recrutados em diversas zonas e viviam todos com as famílias, fora do aquartelamento, alguns com duas e três mulheres e mais, misturados com os civis.

Não se registavam grandes desacatos entre eles, apenas coisas pontuais. Lá se respeitavam à maneira deles e digeriam os conflitos normalmente, acatando as decisões dos homens grandes. Dentro do aquartelamento só dormiam dois ou três, além dos metropolitanos. A falta de meios na população era evidente, em todas as vertentes, pois as contingências eram gerais. Eu interrogava-me como conseguiam aquelas pessoas viver naquela letargia, sendo porém certo que haviam pouquíssimas condições de evolução e progresso.

A agricultura era praticamente nula.

Existia um espaço, no meio da tabanca “avenida principal”, chamada escola, onde o Sargento Cipriano (enfermeiro, homem nativo e dedicado, que infelizmente, após tanta dedicação, foi vitima da guerra), leccionava aulas para as crianças e não só, segundo a sua disponibilidade e saber, sem os meios necessários. Não era pois, um ensino continuado. O analfabetismo era assim geral e eram pouquíssimos os militares nativos, que sabiam ler e escrever.

O comércio reduzia-se a uma palhotazinha onde se podia comprar um carrinho de linhas, umas agulhas e botões e, concretamente, nada mais.Perante condicionalismos tão adversos, respeitando as suas tradições (havia algumas que me repugnavam), achava eu que a célula familiar até funcionava, segundo as suas exigências, amando e educando os filhos como eles sabiam.

Via-se afecto, dedicação e amor, à maneira da sua cultura, e ensinavam o que tinham aprendido em função da educação que tiveram. A dinâmica cultural em sociedades cujas tradições estavam tão enraizadas, reflectia-se nas etnias, cada qual com seus costumes muito diversificados, demorando várias gerações, até aos dias de hoje, até que se façam sentir melhorias acentuadas, naquilo que se estipulou designar como: civilização.

A pobreza de meios ao dispor das populações também é deveras e lamentavelmente abundantíssima. Para o menino de pele mais clarinha, por ter menos pigmentação (melanina) na pele, do que outros autóctones, sujeita ao mesmo meio ambiente, esta sua característica ser-lhe-á com certeza incómoda.

Desejo que hoje seja um homem com saúde e íntegro. Um grande abraço e que o Novo Ano lhe traga as maiores venturas, saúde e felicidades.

Para todos os tertulianos, Novo Ano com saúde, amor e felicidade, junto daqueles que amam.

Bons Postes.

Legendas das fotos:

Foto 1 - Militar com filho ao colo na tabanca


Foto 2 - Outro militar com filho ao colo na tabanca




Foto 3 – O 1º Cabo Enfermeiro (em 1º plano) e o 1º Cabo Dias, aprendendo a pilar arroz ensinados pelas bajudinhas




Foto 4 – O 1º Cabo Enfermeiro com um bebé ao colo



Foto 5 - Quatro militares amigos (um deles com a esposa)


Foto 6 - Militar com a esposa




Foto 7 - Militares (um deles com a esposa), junto ao “padrão” do Aeroporto da Portela de Canjadude, a pista situava-se à frente deles



Foto 8 - Mulheres de um militar com a filha


Foto 9 - Dois militares COMANDOS. João Seide (do lado esquerdo) era “guarda-costas” do Cap. Pacífico dos Reis. Dois Combatentes sempre da frente nas operações e nos combates



Foto 10 - Um militar com as duas esposas e o rádio (que não podia faltar)


Foto 11 – Eu com a minha lavadeira





Foto 12 – Eu com os “homens grandes” e homens pequenos da tabanca

Um Abraço,
José Corceiro
1º Cabo Trms da CCaç 5


Fotos: © José Corceiro (2009). Direitos reservados

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Nota de M.R.:

Guiné 63/74 - P5591: Memória dos lugares (63): O Xime, o Alferes Capelão Puim, os mandingas e o meu tio Mancaman (J. C. Mussá Biai)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Tabatô > 15 de Dezembro de 2009 > O médico e músico João Graça entre os mandingas... Tabatô, a mítica meca da música mandinga, terra natal do grande músico guineense Kimi Djabaté, guitarrista, percussionista e tocador de balafón, que vive hoje em Lisboa (tal como outro grande músico, também mandinga, natural do Bagu, o nosso já conhecido Braima Galisssá).

Tenho dúvidas sobre a actual localização de Tabatô: o João diz-me que fica a 13 km, depois de Bafatá, na estrada para o Gabu. Eu localizeu, na carta 1/50.000 de Bafatá,  uma tabanca, com esse nome, no regulado de Cossé, a sudoeste de Bafatá, portanto em sentido oposto ao Gabu... Será a mesma tabanca, transferida, com a guerra colonial, por razões de segurança ?... Se alguém puder que nos esclareça...

Hoje, Tabatô é um local de visita obrigatória para os amantes da música e da cultura mandingas... O João passou lá uma noite inesquecível com a grande família, de músicos, do Kimi Djabaté... Teve o privilégio de ouvir 20 músicos (kora, balafon....) só para ele e de tocar com eles, o seu violino (o João integra a banda de música klezmer Melech Mechaya) ... Espero que ele em breve nos mande o seu "diário de bordo" para publicação, total ou parcial, no nosso blogue (LG)...

Foto: © João Graça (2009). Direitos reservados

1. Do nosso amigo José Carlos Mussá Biai, o "menino do Xime", do meu tempo (tinha seis anos, quando lá aportei pela primeira vez, no dia 2 de Junho de 1969) (*)...


Assunto - Memórias do Alferes Capelão Arsénio Puim

Caro Luís

Viva!

Acabo de ler as memórias do Alferes Capelão Arsénio Puim (**), que me emocionaram bastantante. Estou em crer que já me cruzei com ele a pesar de nenhum de nós recordar, pois eu era um miúdo. Mas lembro-me de ver um Alferes Capelão com o meu pai, que era chefe religioso, na varanda.

Também me lembro de ter ido uma vez a capela, depois das aulas. Mas nunca lá voltei porque o meu pai não concordava, pois era uma religião que não professávamos.

Mas falando do Mancaman, ele era irmão do meu pai. Faleceu há mais de uma década em Xime e deixou quatro filhos.

Conforme disse numa das minhas mensagens, depois da guerra, todos que de alguma maneira fizeram parte do exécito português, tiveram as suas chatices e o tio Mancaman não foi exepção. Lembro-me do filho mais velho dele, o Malam Biai, ter ido juntar-se ao PAIGC, no auge da confusão de caça a(o)s bruxas(os), talvez para de alguma forma servir de protecção ao pai.

Mas, enfim, a vida jamais voltou ser a mesma.

Um abraço,

José C. Mussá Biai
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de postes, da I Série do Blogue:


20 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXII: Estou emocionado (J.C. Mussá Biai)

(...) As fotos falam por si. Os locais por onde brinquei, onde dei alguns mergulhos... Melhor, ainda as pessoas que me viram nascer, que cuidaram de mim e com quem partilhei refeições, angústias e alegrias. Estou a referir-me aos meus irmaõs mais velhos (sim, meus irmãos de sangue) e de um primo-irmão dos quais lhe falei. (...)

9 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XV: No Xime também havia crianças felizes (1) (Luís Graça)

(...) "Dr. Luís Graça:


"Descupe-me roubar o seu precioso tempo, mas tomei a liberdade de lhe enviar este e-mail, porque estive a ler o seu blogue e vi que você cumpriu o serviço militar na minha terra, Xime, e logo nas companhias que marcaram a minha infância, CART 2715 e CART 3494. Isso porque há alguém que me ficou na memória para sempre por ter sido meu professor na única escola que lá havia, a PEM (Posto Escolar Militar) nº 14, e de nos ter feito crianças felizes. Essa pessoa é de Viana de Castelo, era furriel [miliciano]enfermeiro, de nome José Luís Carvalhido da Ponte. (...)

[Resposta de L.G.]

(...) "José Carlos: (...) Deixe-me confessar-lhe que [a sua mensagem] me comoveu mas ao mesmo tempo também me deixou uma pontinha de orgulho. Você não é dos guinéus que diabolizam os tugas (o termo depreciativo que, como deve estar lembrado, era utilizado pelos guineenses, em geral, para se referirem aos portugueses que ocupavam a vossa terra). Penso que esse tempo, em que as coisas eram vistas a branco e preto, já passou. O tempo dos ressentimentos já passou. A histórias e as estórias são sempre muito mais compridas e complicadas do que o tempo que a gente tem para as escrever e contar… Além disso, o meu país e o meu povo estão reconciliados um com o outro, e também com a Guiné e com os guineenses, os quais de resto continuam a ter um lugar especial no nosso coração de tugas.



"Dito isto, eu fico muito orgulhoso por saber que você era um menino do Xime, no meu tempo de furriel miliciano da CCAÇ 12 (Maio de 1969-Março de 1971), e que foi um outro furriel miliciano, enfermeiro, José Luís Carcalhido da Ponte, tuga, minhoto de Viana do Castelo, que o ajudou a aprender a língua de Camões, e que fez de si uma criança feliz. De si e de outras crianças do Xime. A sua mensagem revela uma grande sensibilidade humana, além da gratidão por um homem que, nas horas vagas da guerra, ensinava os meninos da Guiné.


"Claro que eu terei tempo e muito gosto em falar consigo, e daí deixar-lhe os meus contactos. O mais simples é indicar-me o seu número de telefone. Procurei contactá-lo rapidamente. E, se mo permitir, vou pôr o seu nome e o seu endereço de e-mail na minha lista de contactos de pessoas que, por uma razão ou outra, estão ligadas ao triângulo Xime-Bambadinca-Xitole no tempo da guerra colonial. Veja a minha página sobre os Subsídios para a História da Gerra Clonial> Guiné.


"Devo esclarecê-lo que eu não pertenci à CART 2715 nem à CART 3494. Sou mais velho do que os elementos destas companhias. Mas metade da minha comissão passei-o em contacto frequente com a CART 2715 que estava sedeada no Xime. Os camaradas da CART 3494 (que chegou ao Xime por volta de Janeiro de 1972) já não os conheci, mas eles continuaram a trabalhar com a CCAÇ 12 (que era formada por praças africanas, oriundas do chão fula, e em especial dos regulados de Xime, Corubal, Badora e Cossé; todos eles eram fulas ou futafulas, à excepção de um mancanhe, que era natural de Bissau; havia ainda dois mandingas). (...)


"Fiquei hoje a saber, pelo endereço de e-mail e por uma pesquisa rápida na Net, que o José Carlos Mussa Biai trabalha no Intituto Geográfico Português e é co-autor de um ou mais trabalhos de investigação na área de engenharia florestal onde se formou, relacionados com o seu país de origem" (...).

10 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XVI: No Xime também havia crianças felizes (2) (Luís Graça)

(...) Acabei de falar com o José Carlos Mussá Biai: nasceu em 1963, no Xime, e era menino no tempo em que por lá passaram a CART 2715 e a CART 3494. Era menino no tempo em que eu estive no Sector L1 da Zona leste, correspondente ao triângulo Xime-Bambadinca-Xitole.


Sei que, até ao fim da guerra, ele, a família e os vizinhos da sua tabanca sofreram muitos ataques. Uma família inteira, perto da sua morança, morreu. A sua infância não foi fácil. A vida também não foi fácil para a população civil, de etnia mandinga, que ficou no Xime.


(...) Em contrapartida, também houve algumas coisas boas. Por exemplo, o furriel miliciano enfermeiro José Carlos José Luís Carcalhido da Ponte, natural de Viana do Castelo, foi alguém especial na sua vida e na vida dos outros meninos do Xime. Foi seu professor primário na única escola que lá havia, a PEM (Posto Escolar Militar) nº 14. O Mussá Biai também teve como professor, depois da CART 3494 ter ido para Mansambo, o furriel Osório, da CCAÇ 12, que dava aulas no Posto Escolar Militar nº 14, juntamente com a esposa.


Em suma, o menino Mussá Biai fez a sua instrução primária debaixo de fogo. Um dos seus irmãos, o Braima, era guia e picador das NT. Tal como o Seco Camarà que morreu ingloriamente na Operação Abencerragem Candente, no dia 26 de Novembro de 1970, perto da Ponta do Inglês, no regulado Xime. O seu corpo foi resgatado por mim e pelos meus homens. Os restos humanos do mandinga Seco Camará, guia e picador das NT, morto à roquetada, foram transportados pelos meus soldados, fulas, para a sua tabanca do Xime. O José Carlos, embora menino, de sete anos, lembra-se perfeitamente deste trágico episódio em que os tugas do Xime tiveram cinco mortos, além do Seco Camará. (...)


O seu pai, um homem grande mandinga do Xime, era o líder religioso da comunidade muçulmana local. A família teve problemas depois da independência devida à colaboração com as NT. Depois dos tugas sairem, o José Carlos foi para Bissau fazer o liceu. Tinham-lhe prometido uma bolsa, se trabalhasse dois anos como professor para as novas autoridades da Guiné-Bissau. Ficou cinco anos como professor, até decidir partir para Lisboa e lutar pela obtenção de uma bolsa de estudo. Conseguiu uma, da Fundação Gulbenkian. Matriculou-se no Instituto Superior de Agronomia. Hoje é formado em engenharia florestal. Trabalha e vive em Portugal. Mas nunca mais voltou a encontrar os seus professores do Xime. E é seu desejo fazê-lo.


Moral da estória: O José Carlos é um exemplo de tenacidade, coragem, determinação e nobreza que honra qualquer ser humano. Que nos honra a nós e ao povo da Guiné-Bissau a ele que pertence. (...)


(`**) Vd. poste de 2 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5578: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/Mai 71) (7): Mancaman, mandinga, filho do chefe da tabanca do Xime, um homem de paz