quarta-feira, 14 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6152: O Spínola que eu conheci (9): Dia da inauguração da placa toponímica da Av. Marechal António de Spínola (Luís Dias)


1. O nosso Camarada Luís Dias, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74, enviou-nos a seguinte mensagem, no dia 13 de Abril de 2010:


DIA DA INAUGURAÇÃO DA PLACA TOPONÍMICA DA AVENIDA MARECHAL ANTÓNIO DE SPÍNOLA – OS MEUS CONTACTOS COM O COMANDANTE-CHEFE NA GUINÉ (*)
Camaradas,
O Marechal António de Spínola, que foi o nosso Comandante-Chefe durante a maior parte da nossa comissão na Guiné, foi homenageado, no dia 11 do corrente, dia do centenário do seu nascimento, com o descerramento de uma placa toponímica que deu nome a uma nova avenida da capital, numa cerimónia presidida pelo Presidente da República, o Professor Doutor Aníbal Cavaco e Silva.
A homenagem foi da iniciativa do Presidente da Câmara de Lisboa, Dr. António Costa, contando com a presença do Ex-Presidente, General Ramalho Eanes, e com as Chefias Militares, da PSP e da GNR.
Discursaram o sobrinho do Marechal, o seu antigo chefe da casa civil, o Presidente da Câmara de Lisboa e o Presidente da República.
Do resumo dos discursos todos destacaram a coragem, a dignidade, a sua personalidade, o seu empenho e o amor à Pátria.
Afirmou o Chefe do Estado: Como todas as grandes personalidades, António Sebastião Ribeiro de Spínola foi uma figura controversa que suscitava paixões. O seu carisma não deixava ninguém indiferente. Portugal concedeu-lhe as mais altas distinções, mas não estou certo que tenhamos sempre estado à altura do exemplo de vida que nos legou.
António Spínola nasce em Estremoz, em 11 de Abril de 1910, no ano da implantação da República.  Foi aluno do Colégio Militar entre 1920 e 1928 e entra para a Escola de Guerra em 1930.
Em 1939 torna-se Ajudante de Campo do Comando da Guarda Nacional Republicana.  Em 1941 partiu para a frente russa como observador das movimentações do exército alemão no início do cerco a Leninegrado.
Em 1955 é nomeado administrador da Siderurgia Nacional, sem, contudo, largar a carreira militar.
Em carta dirigida pessoalmente a Salazar, em 1961, oferece-se como voluntário para combater em Angola, onde se notabilizou no comando do Batalhão 345, entre 1961 e 1963.
É nomeado Governador-militar da Guiné em 1968 e reconduzido em 1972.
Obtém um grande prestígio, quer junto dos militares, quer junto das populações africanas, em especial devido à organização dos Congressos do Povo e a uma política de respeito pela individualidade das diversas etnias guineenses e à associação das autoridades tradicionais à administração.
Em diplomacia, chegou a manter contactos secretos com o então presidente do Senegal, Leopoldo Senghor e a tentar que quadros do PAIGC integrassem o lado português, mas militarmente continuou a guerra com todos os meios ao seu dispor, apoiando, por exemplo, uma invasão por mar da capital da Guiné-Conacri, com opositores daquele país, apoiados por comandos e fuzileiros especiais africanos (Operação Mar Verde, 1970) e também a incursão a uma base IN no Senegal (Operação Ametista Real, 1973), destinada a aniquilar ou desarticular as forças do PAIGC que pressionavam a zona Guidaje-Bigene.
Em Maio de 1973 o PAIGC está empenhado em atacar as posições portuguesas dos três G´s; Guidaje a norte, Guileje a sul e mais tarde Gadamael, também a sul.
As forças portuguesas passam por dificuldades, em virtude do surgimento dos mísseis Strela, que abatem vários aviões da nossa força aérea.
Em Guidaje as forças portuguesas conseguem resistir, sofrendo dezenas de baixas, mas conseguindo estancar o avanço do PAIGC sobre aquele aquartelamento.
No entanto, em Guileje, a situação seria diferente e, por exemplo, entre os dias 18 e 21 de Maio, o aquartelamento iria sofrer 40 flagelações da artilharia dos guerrilheiros.
As condições de vida no quartel deterioram-se rapidamente (cerca de 500 pessoas dentro dos abrigos, com água racionada e sem meios rádio) e, por decisão do então Major Coutinho e Lima, os portugueses retiram para Gadamael, na manhã do dia 22 de Maio, onde conseguiram chegar incólumes.
O PAIGC, então, atira as suas forças contra este último aquartelamento sobrelotado, em 1 de Junho.  Os ataques irão continuar e prolongar-se até finais do mês de Julho.
As forças pára-quedistas (BCP 12) foram importantes quer na defesa de Guidaje (CCP121) e em Gadamael (CCP 122), ajudando a manter as posições.
A resistência irá custar aos portugueses 24 mortos e 150 feridos, mas o aquartelamento salva-se.  O Comandante-chefe soube resistir à ofensiva das forças do PAIGC, mas sabia que necessitava de mais reforços e de armamento mais moderno.
O governo não o atendeu nas pretensões e aproveitando uma acalmia militar no território goza um período de férias na metrópole em Agosto e já não aceita ser reconduzido, não voltando mais a Bissau.
Em Novembro de 1973 não aceita um convite de Marcelo Caetano para ser Ministro do Ultramar.
Em Janeiro de 1974 é nomeado vice-chefe do Estado Maior das Forças Armadas, por sugestão do General Costa Gomes, cargo de que foi afastado em Março, após o Golpe das Caldas.
Em 22 de Fevereiro publica o livro "Portugal e o futuro", que é uma lufada de ar fresco no cinzentismo da política nacional, ali defendendo o fim da guerra colonial e a liberalização do regime.
Em 25 de Abril de 1974 e como representante do Movimento das Forças Armadas, recebeu no Largo do Carmo, Quartel-general da GNR, do Presidente do Conselho, Marcello Caetano, a rendição do governo.
Este acto, de certo modo, irá permitir-lhe assumir poderes públicos, apesar de não ter sido essa a intenção do movimento dos capitães.
Presidiu à Junta de Salvação Nacional (que passou a deter a condução do Estado, após a Revolução dos Cravos) e foi escolhido pelos seus camaradas para o cargo de Presidente da República, cargo que ocupará de 15 de Maio de 1974 até à sua renúncia em 30 de Setembro do mesmo ano, sendo substituído pelo General Costa Gomes.
Ligado aos acontecimentos de 11 de Março, Spínola foge para Espanha e depois para o Brasil.
Em 1987, o então Presidente da República, Mário Soares, designou-o Chanceler das Antigas Ordens Militares Portuguesas e condecorou-o com a Grã Cruz da Ordem Militar da Torre e Espada (a maior insígnia militar portuguesa), pelos feitos de "heroísmo militar e cívico e por ser um símbolo da Revolução de Abril e o primeiro Presidente da República, após a ditadura".
Em 13 de Agosto de 1996, em Lisboa, Spínola morre, vítima de embolia pulmonar, aos 86 anos de idade.  
O meu primeiro contacto com o então General Spínola deu-se uns dias depois da chegada do Batalhão de Caçadores 3872, à Guiné - no qual fui incorporado para o Ultramar - na parada de recepção e apresentação de boas vindas, que se realizou no Cumeré, em 26 de Dezembro de 1971, o General proferiu um discurso vivo, apelando ao nosso amor pátrio (".... que a boa estrela vos guie..!").
O segundo contacto foi ainda no início da comissão, mas já no terreno, na Operação Trampolim Mágico, realizada entre os dias 24 e 26 de Fevereiro de 1972, em que o Comandante-chefe acompanhou as operações de desembarque do BART 3873, na Ponta Luís Dias - zona do Fiofioli (com o meu nome, mas não tem nada a ver comigo, é claro!), no qual estavam incluídas forças do BCAÇ 3872 (o meu grupo de combate e outro da minha companhia - a CCAÇ 3491 - reforçámos a CART 3493 e outros grupos de combate do meu batalhão reforçaram outras companhias do BART 3873). A sua presença foi causa de admiração para os piras que nós éramos.
Em 29 Abril de 1972, o General inaugurou as renovadas instalações da CCAÇ 3491, no Dulombi, cuja construção fora, praticamente, obra dos velhinhos da CCAÇ 2700, "refilando" contra os torreões que cercavam o aquartelamento e verificando o estado dos abrigos, embora evidenciando que os combatentes deviam defender o aquartelamento nas valas e não nos abrigos (por sinal das mais bem feitas da Guiné, segundo observação dos pilotos dos helicópteros que nos visitavam).
Também ordenou a retirada a placa com o nome do capitão da CCAÇ 2700 (a que rendêramos), do heliporto porque, dizia ele; "para ali se ter o nome tinha-se que morrer primeiro na Guiné".
Naturalmente o heliporto passou a ter o nome "Heliporto do Dulombi" e acabou-se a conversa.
No dia seguinte ao primeiro contacto que elementos da companhia tiveram com o IN (o 2º Gr Comb, que eu comandava, e o 3º Gr Comb, comandado pelo já falecido Alf Farinha), na Operação Alma Forte, em 11 de Março de 1972 (um dia depois da saída dos velhinhos) e a cerca de 18 km do nosso quartel, recebemos diversas mensagens elogiosas, entre elas do Cmd-Chefe REPOPER, que dizia: "Cmdt-Chefe felicita essa reacção à emboscada do IN, durante a Op Alma Forte, reveladora de determinação".
Esta mensagem é demonstrativa da atenção que ele tinha para os acontecimentos militares, especialmente sensibilizando as forças acabadas de chegar, elogiando o seu comportamento no seu primeiro combate e moralizando, deste modo, as nossas forças (confesso que fomos muito felizes e que o IN terá ficado bastante surpreendido por estarmos naquela zona de acção).

Em 22 de Junho de 1972, todos os oficiais do BCAÇ 3872, deslocaram-se à sede do Batalhão, em Galomaro, para uma reunião com o General Spínola.
Foi um encontro muito interessante, um diálogo bastante aberto e dinâmico, onde alguns manifestaram a sua opinião, mesmo contrária às posições oficiais e em que se chegou mesmo a falar de um levantamento militar contra o regime, referindo-se que o General Spínola, com a sua reconhecida capacidade e prestígio granjeado, poderia muito bem liderar esse movimento (julgo que estas questões lhe foram postas, se a memória não me atraiçoa, pelo médico do batalhão, Pereira Coelho e pelo Capitão Rosa,  da Companhia de Cancolim).

Lembro-me que a estas questões o Comandante-Chefe apenas esboçou uns sorrisos e abanava a cabeça num sinal que interpretámos de concordância - prenúncio do movimento que iria surgir dois anos depois e que, como se sabe, teve o seu início na Guiné.
Recordo-me ainda das palavras de apreço que teve para com os oficiais milicianos, mormente para com os capitães.
A 19 de Setembro de 1972, durante a Operação Água Fresca, na convergência do Rio Cambamba com o Rio Corubal, em que estavam envolvidos o meu Gr Comb e o 3º Gr Comb da nossa companhia, detectámos onde o IN atravessava o rio e,  quando já estávamos junto do Corubal, tivemos a "visita" inesperada do General Spínola e do Comandante do Batalhão, Tenente-Coronel, Castro e Lemos, obrigando-nos a arranjar segurança num local para poisar o hélio, à pressa, embora o "Lobo Mau" [ helicanhão,], ficasse a rodopiar envolta da zona, enquanto durou a pequena reunião. Spínola falou comigo (comandava a operação),  procurando inteirar-se dos locais identificados onde o IN fazia a cambança, dos locais escolhidos para montar as emboscadas e armadilhas, bem como detalhes normais deste tipo de acção.
Despediu-se desejando boa sorte e nós saímos do ponto onde estávamos, não fosse o diabo tecê-las, pois com o aparato dos dois hélios, o IN podia perfeitamente localizar-nos e atirar-nos umas "bojardas" do outro lado do Rio, onde era terra de ninguém e onde ele se escondia e passeava bastante à vontade.
Contudo, os homens apreciaram muito a coragem do "Velho" ou o "Caco", para estar ali com eles, numa zona muito propícia a surgir o IN e na qual a nossa atenção ficava sempre em alerta máxima.
Em 20 de Dezembro de 1972, após vários ataques do IN na zona de intervenção do Batalhão, quer a tabancas em autodefesa, quer aos aquartelamentos de Dulombi, Cancolim e especialmente à sede do Batalhão, em Galomaro, o Comandante-Chefe esteve no Dulombi, a fim de inteirar-se das acções que havíamos realizado, em especial depois do ataque à tabanca de Samba Cumbera, em que em uma força, por mim comandada, foi atrás do IN, a toda a "velocidade", a fim de tentar interceptá-los, pois no ataque perpetrado haviam morto uma mulher e uma criança que estavam numa vala, indefesos e nós levámos esta acção muito a peito, indo atrás deles cheios de "raiva", com desejos de vingar aquelas mortes.
O IN deve ter pressentido o perigo, o quanto perto estávamos deles, pois foram largando material para irem mais leves e mais depressa.
Pela frescura do rasto sabemos que foi por um pouco, mas o IN conseguiu atravessar o Corubal, com muita pouca vantagem de nós, mas fugiu.
O regresso foi penoso, com o pessoal muito cansado e desmoralizado, depois de toda a adrenalina gasta na perseguição.  O General, aproveitado a oportunidade, falou ainda à população, moralizando-as e afirmando que deviam confiar nas forças portuguesas.
Após novos ataques IN na zona do batalhão, com uma emboscada em Anambé-Cancolim, ao pelotão de milícias que fazia a picagem da estrada Anambé-Rio Xancara (8 de Janeiro de 1973), causando dois mortos e um ferido, ataque à Tabanca de Bangacia (1 de Fevereiro de 1973), com baixas entre a população, feridos diversos entre os milícias e a destruição de meia centena de casas e com a colocação de mina A/C, reforçada com granada de RPG, na estrada Galomaro-Dulombi (2 de Fevereiro1973), que foi accionada por uma viatura da CCS, causando um ferido grave (condutor), o General Spínola desloca-se em 4 de Fevereiro a Bangacia, para avaliar os estragos (era uma tabanca modelo, onde eram levados em visita muitos jornalistas, principalmente estrangeiros) e no dia 10 de Fevereiro surge novamente no Dulombi o Comandante-chefe, acompanhado do Comandannte da CAOP2, do Comandante-geral das milícias e do nosso 2º Comandante - segunda visita em tão curto espaço de tempo, havia algo no ar.
Curioso nesta visita foi o Comandante-chefe, ao cumprimentar-me, ter-me tratado pelo nome militar:
- Então nosso Alferes Dias, como vai?.
Possivelmente antes de falar comigo,  inteirou-se, previamente, sobre quem era o comandante da unidade. Nesta visita, que seria a última, quem comandava a companhia era eu, em virtude do capitão se encontrar
de férias na metrópole.
O General pediu-me para lhe explicar as nossas últimas intervenções, em especial na identificação dos trilhos de aproximação e retirada do IN.  Aceitou bem as respostas que lhe dei, sorrindo para os acompanhantes quando lhe expliquei como nós podíamos facilmente perder um trilho de retirada (…) e ouviu as minhas lamentações devido à grande área de intervenção e patrulha que detínhamos, aos enormes espaços que existiam entre nós e as companhias do Saltinho, Cancolim e mais acima Canjadude, que davam muita manobra ao IN, na aproximação e ataque às tabancas da população, das zonas de Galomaro, bem como podia facilitar a passagem para atacarem Bafatá.
Pressenti que o General já tinha outra ideia para a nossa zona de intervenção e, efectivamente, ainda comigo a comandar a companhia, foi ordenada a nossa retirada do Dulombi para Galomaro, onde já se encontrava um Gr Comb nosso desde Dezembro e outro em apoio ao Batalhão de Piche, em 9 de Março de 1973, deixando no Dulombi unicamente 13 homens, comandados por um dos meus furriéis e 2 pelotões de milícias.
Continuámos a efectuar semanalmente operações na zona do Dulombi, mas a nossa área de intervenção foi substancialmente alargada, com a junção à nossa da área então detida pela CCS.
Foi a última vez que vi o General Spínola no nosso teatro de guerra.
A situação parecia ter-se alterado com a ocupação do Cantanhez pelas nossas forças, que implicou o recurso a tropas que tinham chegado para substituir outras, atrasando, deste modo, as rendições.
Também o próprio PAIGC se preparava para atacar com toda a força a norte (Guidaje) e depois a sul (Guileje e Gadamael) e mais tarde seria também a vez de Canquelifá e Copá.
A alteração fundamental foi, todavia, do meu ponto de vista, a introdução da nova arma do PAIGC, o míssil
Strela, que modificou a forma de actuar da força aérea.
Passou a existir no seio dos nossos militares o receio de que, em caso de serem feridos, os hélios não viriam fazer a evacuação e teve de haver uma forte componente psicológica por parte dos graduados para evitar males maiores, ou mesmo recusas em ir para o mato, em especial, quando terminado o tempo previsto para a comissão, souberam que não seriam substituídos tão depressa, foi uma quebra moral muito grande.
Lembrou-se a Câmara Municipal de Lisboa, em bom tempo, de dar o nome a uma avenida da capital, ao nosso antigo Comandante-chefe, avenida esta, por sinal bem comprida, e que irá perdurar a memória deste militar que não foi indiferente a todos que o conheceram, causando a admiração de muitos, mas também criando noutros muita embirração.

Para aqueles que serviram sob o seu comando,  não podem esquecer o homem do monóculo, das luvas e do pingalim. O seu carácter, a sua personalidade e de facto a sua coragem deixaram uma marca indelével e não há dúvidas de que foi um militar de excepção, um homem que marcou o seu tempo e nos marcou a nós combatentes.

Fiz bem em ter estado presente e lá estarei, se Deus o permitir, quando for inaugurada naquele local uma estátua em sua honra, conforme prometeu o Presidente da Edilidade Lisboeta.

Foto 1 > Retrato de António de Spínola, Presidente da República
Foto 2 > Comandante-chefe na inauguração das renovadas instalações do quartel do Dulombi, em Abril de 1972. Em primeiro plano o General Spínola com o Cap. Milº Fernando Pires, comandante da CCAÇ3491 e em segundo plano o Alf. Milº Luís Dias.
Foto 3 > Av. Marechal António de Spínola. Chegada ao local da cerimónia do Presidente da República, Cavaco e Silva e da respectiva comitiva (11 de Abril de 2010)

Foto 4 > Tribuna das altas individualidades, onde se pode ver o General Almeida Bruno, sentado na fila da frente, sendo o quarto a contar da esquerda e que lançou a polémica entre os combatentes da Guiné ao proferir declarações infelizes num documentário do jornalista Joaquim Furtado, sobre a guerra naquele território.

Foto 5 > O descerramento da placa pelo Presidente da República e pelo Presidente da Câmara de Lisboa

Foto 6 > A placa que dá o nome à nova Avenida, na altura do toque do Hino Nacional, estando presentes o Presidente da República, o Ministro da Defesa e o Presidente da Câmara.

Foto 7 > O Ex-Alf. Milº Luís Dias, que marcou presença na cerimónia, junto da nova placa toponímica (11 de Abril de 2010).
Nota: Apontamentos biográficos recolhidos da Wikipédia e do Livro Biografia: Spínola, Senhor da Guerra, de Manuel Catarino e Miriam Assor, com a devida vénia.
Um abraço,
Luís Dias,
Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872

[Fixação / revisão de texto / bold / título: MR]
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Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

terça-feira, 13 de abril de 2010

Guiné 63/74 – P6151: Agenda Cultural (71): Conferência «Vozes da Revolução: Guerra Colonial e Descolonização»,15/16/Abril, ISCTE-IUL (Joacine Moreira)

1. Com data de 24 de Março de 2010, recebemos de Joacine Katar Moreira o seguinte pedido de divulgação, sobre a Conferência «Vozes da Revolução: Guerra Colonial e Descolonização», que vai decorrer nos próximos dias 15 e 16 de Abril, no ISCTE-IUL, Auditório B 203 – Edifício II -, em Lisboa:

Caros Senhores,
Agradecemos a divulgação do colóquio Vozes da Revolução: Guerra Colonial e Descolonização, a realizar no ISCTE-IUL nos próximos dias 15 e 16 de Abril de 2010, no Anfiteatro B203.
Em relevo a presença do historiador francês René Pelissier que após duas décadas regressa a Portugal pela mão desta organização.
O colóquio contará com a presença de diversos especialistas e testemunhos do período em análise.
Enviamos em anexo o Programa e o Cartaz do Colóquio.

COLÓQUIO

VOZES DA REVOLUÇÃO
Guerra Colonial e Descolonização

15 e 16 de Abril de 2010
ISCTE-IUL, Auditório de B203, Edifício II

Programa

15 de Abril (quinta-feira)

Manhã - Novas investigações: Guerra Colonial, Descolonização e Estudos Pós-coloniais.

9h30 > Abertura institucional:

Apresentação do Projecto Os Militares na Transição para a Democracia.

Ana Mouta Faria (CEHCP-ISCTE/IUL) e Fernanda Rollo (IHC, FCSH-UNL)

10h15 > A Máscara do Terror – construção do Inimigo na Guerra Colonial - Tiago Matos Silva (CRIA).

Em Torno do Fim do Império Colonial Português: Problemas e Perspectivas - Miguel Bandeira Jerónimo (ICS/UL).

Os Filhos da Guerra Colonial: Pós-memória e Representação - Margarida Calafate Ribeiro (CES/UC).

Entre factos e argumentos: combatentes africanos das Forças Armadas Portuguesas durante as guerras coloniais (1961-1974) - Fátima Cruz Rodrigues (CES/FEUC).

Debate > Moderação: Sónia Vespeira de Almeida (CRIA; FCSH-UNL).

Tarde – A Guerra Colonial.

15h00 > A situação da guerra em vésperas do 25 de Abril: Moçambique, Angola e Guiné.

Aniceto Afonso (A25A; IHC-UNL)
Pedro Pezarat Correia (A25A; F. Economia/UC)
Carlos Matos-Gomes (A25A)

Debate > Moderação: Pedro Lauret (A25A)

16 de Abril (sexta-feira)

Manhã

9h30 > Descolonização e processo político português
Guerra Colonial: nada existe até ser contado – Maria Manuela Cruzeiro (CES/UC).

António de Spínola e a descolonização portuguesa - Luís Nuno Rodrigues (CEHCP-ISCTE/IUL).

Debate > Moderação: Maria Inácia Rezola (IHC, FCSH-UNL; ESCS)

10h30 > Guerra, Descolonização e contexto internacional.

Os postos militares fronteiriços no leste de Angola nas vésperas da descolonização - René Pélissier (Historiador).

O plano internacional da guerra no consulado caetanista - Josep Sánchez Cervelló (Universidade de Tarragona, Espanha).

A descolonização portuguesa numa era de détente e terceiro-mundismo - Pedro Aires de Oliveira (IHC, FCSH-UNL).

Debate > Moderação: Cláudia Castelo (IICT)

Tarde - Testemunhos

14h30 > Vítor Crespo (MFA; Alto-comissário em Moçambique).

Mário Soares (Político e governante).

António Barbedo de Magalhães (Militar em Timor).

16h30 >

João Paulo Guerra (Jornalista)
José Villalobos Filipe (MFA em Angola)
Jorge Sales Golias (MFA na Guiné)

Debate > Moderação: Luísa Tiago de Oliveira (CEHCP-ISCTE/IUL)

Inscrições: Centro de Estudos de História Contemporânea Portuguesa, Av. das Forças Armadas, Ed. ISCTE, 1649-026 Lisboa.

Tel: 21 790 30 94; Fax: 21 790 30 14; E-mail: joacine.moreira@gmail.com
www.cehcp.org

Para as inscrições, utilizar o e-mail: joacine.moreira@gmail.com

P´la Organização,

Joacine Katar Moreira

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Notas de M.R.:

Vd. também sobre esta matéria o poste:
26 de Março de 2010 > Guiné 63/74 – P6051: Agenda Cultural (67): Conferência «Vozes da Revolução: Guerra Colonial e Descolonização»,15/16/Abril, ISCTE-IUL (Joacine Moreira)

Vd. último poste desta série em:
9 de Abril de 2010 >
Guiné 63/74 - P6136: Agenda cultural (70): A banda portuguesa, de música klezmer, Melech Mechaya, em Lisboa, no Teatro Villaret, 12 de Abril, 2ª feira, às 21h30

Guiné 63/74 - P6150: O Spínola que eu conheci (8): O Militar que foi meu Comandante-Chefe (Paulo Santiago)

1. O nosso Camarada Paulo Santiago (ex-Alf Mil At Inf do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72), enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 11 de Abril de 2010:





O MILITAR que foi meu Comandante-Chefe (*)
A primeira vez que vi o General Spínola, aconteceu na época natalícia de 1970, no quartel do Saltinho, quando ele corria todas as companhias e respectivos destacamentos, e a CCAÇ 2701 tinha três, Cassonco, Madina Buco e Cansamange.
Lembro-me que chegara uma mensagem indicando que o pessoal devia estar formado em U, e não me recordo se nesse dia o cumprimentei.
Voltei a encontrar o General, em pleno mato, junto ao Corubal, lá para os lados do Cheche, no decorrer de uma operação que durou três dias, saindo de Dulombi dois grupos de combate da CCAÇ 2700, um grupo de combate da CCAÇ 2699 (Cancolim) e o Pel Caç Nat 53, sendo esta força comandada pelo Cap Carlos Gomes, comandante da 2700.
O local, onde o heli "largou" o Caco, era altamente perigoso, mas ele estava na maior das calmas a informar-se do decorrer da operação, da qual, como é meu hábito, não recordo o nome, e hoje lamento não ter tomado essas notas.
Tempos mais tarde, voltou ao Saltinho para uma visita mais demorada. Nessa altura, o Jamil Nasser, comerciante no Xitole, começara a construir um barracão junto à tabanca do pessoal do Pel Caç Nat 53, que ficava junto à porta de armas do quartel, e o barracão destinava-se a uma nova casa comercial.
Claro que o General se apercebeu da construção e, informado dos fins e do proprietário, foi aos arames e deu de imediato ordem ao Cap Clemente para mandar demolir o que já estava construído. E acrescentava não perceber como o Chefe de Posto do Xitole autorizara a abertura de uma casa comercial em tal local, se quisesse construir, fosse para Mampatá, uma tabanca distante 2 Km e onde havia população.
O Jamil desistiu da abertura de uma casa em Mampatá, mas a ideia foi aproveitada por um outro comerciante do Xitole, o Rachid. Passou-se para o Reordenamento de Contabane, na outra margem do rio, e estou a ver a Fatemá, mulher do Régulo Sambel, mãe do meu 1º Cabo Suleimane, a "pendurar-se" ao pescoço do Spínola e a cobri-lo de beijos.
Quando da minha estadia em Bambadinca, estive três vezes com o Gen Spínola.
Em 24 de Dezembro de 1971, houve o encerramento do primeiro curso de Milícias em que fui comandante da companhia, havia um longo programa que foi reduzido à formatura e ao discurso.
Este discurso, frente à companhia, formada no campo de futebol, e com população a toda a volta, era um espectáculo bem encenado... o General proferia uma frase, parava, e o intérpete balanta reproduzi-a, seguia-se o fula, e por último o mandinga.
Neste dia 24 de Dezembro tive a sorte de uma das visitas de Natal programadas ser ao Saltinho, e assim apanhei uma boleia inesperada.
Voltei a Bambadinca em Janeiro de 72 e, durante o novo curso de milícias, tive duas visitas do Com-Chefe, uma aí pelo meio e a outra no final tendo, desta vez, sido cumprido todo o programa de encerramento, que incluiu uma deslocação de viatura à carreira de tiro, que ficava para lá do destacamento da Ponte de Udunduma, a caminho do Xime.
Na visita que o General fez a meio do curso, lembro-me que uma das coisas que queria saber era o comportamento do Fafe Nkumba, um ex-chefe de bigrupo [do PAIGC], que fora ferido e capturado, e que estava destinado a ser comandante do pelotão que iria ser colocado na Ponte Luís Dias.
O Fafe era maneta, ficara sem a mão e antebraço direitos, devido aos ferimentos.
Voltei ao Saltinho, já com a CCAÇ 3490 de má memória, e um dia pela manhã, aparece por lá o Caco.
Além de mim, que era do 53, no quartel só se encontrava um oficial daquela companhia, um Alferes que queria apanhar uma hepatite e começava o dia a beber uma bazuca acompanhada por uma banana.
Naquele dia a causa da visita era uma carta de um soldado a queixar-se do rancho, no que tinha toda a razão, acrescento.
No fim da visita o vaguemestre tinha deixado de o ser, e o Cap Ayala Botto [, ajudante de campo do Spínola,] levava um apontamento para convocar o Cap Lourenço, mal este chegasse de férias da Metrópole.
A mês e meio de acabar a comissão, recusei-me a cumprir uma ordem estapafúrdia do Lourenço. Ameaçou-me com uma porrada, e arranjei uma consulta de urgência na psiquiatria. Claro que nem sequer entrei no hospital, fiz uns contactos, livrei-me da porrada.
Terminando, gostei do MILITAR que foi meu Comandante-Chefe, e está tudo dito.

Um abraço, Paulo Santiago.


Texto e fotos: © Paulo Santiago (2010)
Ex-Alf Mil At Inf, Pel Caç Nat 53
(Saltinho, 1970/72)





Foto 1 > Saltinho > À direita o Alf Mil Médico Martins Faria, Major Azeredo, 2 militares não identificados, Alf Mil Santiago, General Spínola e Cap Clemente

Foto 2 > Bambadinca > 24.12.1971 > Apresentação da Companhia de Milícias

Foto 3 > Março de 1972 > Carreira de tiro > Comandante do CAOP 2, Polidoro Monteiro, General Spínola, Intendente de Bafatá, Ten-Cor Tiago Martins e Paulo Santiago
Foto 4 > Bambadinca > Março de 1972 > Conversa no fim da cerimónia > Ten Cor Polidoro Monteiro, General Spínola, Alf Mil Santiago, parte da cara do 1º Cabo Cristovão Mantudo dos Santos (Pel Caç Nat 53) e de costas o Fur Mil Dinis (Pel Caç Nat 53
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Guiné 63/74 - P6149: Amadú Bailo Djaló, meu camarada: tem o seu dia de festa no dia 15, no Museu Militar, às 18h (Virgínio Briote)







Índice do livro do Amadú Bailo Djaló, Guineense, Comando, Português: 1º Volume: Comandos Africanos, 1964-1974  (Lisboa: Associação de Comandos, 2010).


Ficha técnica


Título: Guineense, Comando, Português
Autor: Amadú Bailo Djaló
299 pgs
Cerca de 100 fotografias
PVP: €25
Colecção: Mama Sume
Edição da Associação de Comandos
Capa e orientação gráfica: Vítor Luís
Composição e Imagem: Maria Esther – Gabinete Artes Gráficas, Lda
Impressão e acabamento: Bukprint – Oliveira de Azeméis
ISBN: 978-989-95601-1-6
1ª Edição: Lisboa, Março, 2010
Depósito Legal nº 307781/10
Apoio da Comissão Portuguesa de História Militar



1. Mensagem do Virgínio Briote:

Caros Luís, Carlos e Eduardo,


Muito obrigado, em nome do Amadu Djaló e no meu próprio, por todo o trabalho de divulgação que têm feito. Aproveito para enviar cópias da capa, capa, ficha técnica, convite, índice e a pequena história do livro.


E expresso o desejo para que a cerimónia de lançamento do livro (*) seja aproveitada para homenagear os militares naturais da Guiné que lutaram ao nosso lado.


Um abraço
vbriote

2. Amadú Bailo Djaló, meu Camarada
por Virgínio Briote (na foto, à esquerda, quando Alf Mil Comando, Brá, 1965/66)

O Presidente da Associação de Comandos, José Lobo do Amaral, pediu-me para colaborar na revisão das memórias de um Comando, natural de Bafatá, que viveu todos os anos da guerra, desde o governo do Dr. Silva Tavares ao do General Bettencourt Rodrigues.

Toda a vida de um guineense, que se afirma tão português como muitos de nós, em quatro volumosos maços de folhas A4, escrita pela mão dele, em letra grande, num misto de palavras em português, crioulo e fula. Textos seguidos, sem vírgulas nem pontos, tudo de rajada, escritos por uma alma grande, com a sabedoria, o senso e a inteligência, que muitas vezes presenciámos naqueles nossos companheiros de armas.

O meu primeiro objectivo foi perceber a escrita manual do Amadú e reescrevê-la para um português perceptível, respeitando o estilo da escrita do autor. Depois foram tardes a ler-lhe os textos, corrigir, acrescentar pormenores, cortar outros, pôr datas, nomes, locais, enquadrar as histórias, telefonar a camaradas, cruzar a informação, reavivar pormenores.

Não se trata de um trabalho exaustivo sobre os anos da guerra na Guiné. Nem eu tenho arte nem o Amadu conta a sua história assim. Não se trata de um romance. A maior parte dos textos referem-se a contactos com o PAIGC, a combates com mortos e feridos, de um e outro lado.

Amadú escreve sobre saídas em colunas auto, em Dorniers, em helis, de lançamentos, de progressões na mata, de encontros com os INs de então, de trocas de tiros, morteiros, rockets, de feridos e mortos, de evacuações, de retiradas.

Ouvi-lo descrever as peripécias em que se envolveu, em cada linha que ia reescrevendo, fazia-me sentir como se eu próprio lá tivesse estado também. E,  em duas ou três, estive.

O Amadu Djaló foi meu Camarada nos Comandos em Brá, entre 1965 e 1966, embora não tenha feito parte do meu grupo. Em 1964 pertenceu ao grupo do então Alferes Maurício Saraiva e em 1965 transitou para o do Alferes Luís Rainha. Acabada a Companhia de Comandos do CTIG, depois de uma breve estadia em Bafatá,.  foi para Fá Mandinga, para colaborar na formação dos Comandos Africanos e depois participou em numerosas operações até ao fim do conflito.

O livro começa por falar da vida na cidade natal, Bafatá, do convívio com os Pais, Irmãos, Avô e os amigos mais chegados. A ir e a regressar, acompanhando um primo, feito djila [1], ao Senegal. A hesitar na incorporação, a tentar adiar, enquanto abria uma banca para negociar, no Mercado de Bafatá.

Não pôde evitar, fugir não fazia parte da sua maneira de ser, nem lhe cabia na cabeça deixar os Pais e a família para trás. Ainda faltavam uns meses para começar a guerra a sério, mas já havia cheiro a pólvora no ar.

Depois da recruta em Bolama, entre 1962 e 1964 deambulou como condutor por Cacine, Bedanda, Catió, Cufar e Farim. Removeu abatizes, viu os efeitos das primeiras minas e caiu nas primeiras emboscadas. Mas naquele tempo ainda era possível ir de Farim a Susana, em coluna, em viagens intermináveis.

Cansado de ser “rebenta minas”, pediu a transferência para a 4ª Rep, do QG, em Bissau. Foi-lhe concedida. No parque das viaturas da C.C.S. do Q.G. teve a sorte e o contentamento de encontrar o seu amigo, o Tomás Camará, que estava no grupo de Comandos do então Alferes Saraiva.
- Comandos? Que é isso de Comandos de Saraiva?

Não precisou de muitas respostas para, tempos depois, estar em Madina do Boé com o grupo. Para participar, e de que maneira,  num acontecimento que o marcou para sempre: a mina no pontão do Gobige, na estrada de Contabane para Madina, que matou todos os Camaradas, menos um, que vinham na segunda e última viatura.

Um grupo de vinte homens, repartido em duas viaturas, de um momento para o outro, estava reduzido a metade. Não podiam ir todos buscar socorro a Madina, a cerca de trinta quilómetros de distância. Alguém tinha que ficar ali, a amparar os feridos, a guardar os mortos. Uma tarde que pareceu um ano, junto à estrada para Madina, a assistir ao morre este, agora aquele, até à noite, quando chegou o socorro. E, logo dois ou três dias depois, foram para o Oio e a história quase se repetiu. Porque a guerra é assim, é feita de repetições, os que morreram já não morrem outra vez, morrem outros, os feridos é que podem ter mais sorte, podem voltar a ser feridos outra vez.

Já quase no final da comissão do grupo foram ao Como. Outra odisseia. O grupo de Saraiva, como lhe chamavam, despedia-se numa operação, a que o alferes pôs o nome de Ciao. Tudo correu bem a princípio. Depois, já na retirada, o alferes não quis sair de lá sem trazer a MP [2], que alguns afirmavam ter sido usada contra eles. Alguns ofereceram-se para voltarem ao acampamento em chamas. Dos dez que reentraram nas barracas, um morreu, um ficou ileso e os restantes foram atingidos pelo fogo inimigo.

O grupo de Saraiva acabou e o Amadú achou que já era tempo de ter um pouco de paz. Afinal era um condutor encartado e era mais antigo que muitos. E como condutor ganhava mais 150 escudos que nos Comandos de Brá e, na altura, 150 escudos davam para comprar muito arroz.

Até que apareceu lá na 4ª Rep, um alferes, o Luís Rainha, do grupo Centuriões, que tinha substituído o grupo de Saraiva, com uma autorização da 1ª Rep para o levar, outra vez, para os Comandos de Brá.

Pouco tempo depois, entrou numa nomadização, prevista para durar 48 horas, na zona de Faquina Mandinga, Sitató, na fronteira com o Senegal. Uma nomadização que acabou por se tornar num golpe de mão, guiados pelas vozes e gargalhadas dos guerrilheiros, que se achavam seguros até verem os Comandos entrarem pelo acampamento.

E, outra vez em Maio, tal como no ano anterior com o grupo de Saraiva, nova teimosia, desta vez do Rainha. Ao mesmo acampamento, no Como, para vingar as baixas que o 'grupo de Saraiva' tinha tido. Entre outro material trouxeram a pistola, de coronha nacarada, do Pansau Na Isna e o chapéu chinês dele, também.

Depois a Companhia de Comandos do CTIG acabou. E sempre que a unidade acabava, ou alguma coisa não lhe agradava, o Amadú pedia transferência para a 4ª Rep, a sua eterna casa-mãe.

Tempos depois, estava em Bafatá, quando chegou uma ordem do General Spínola para todos os Comandos Guineenses se concentrarem em Bissau, para fazerem provas e novo curso para a constituição de uma Companhia de Comandos Africanos.

Depois, foram operações atrás de operações da 1ª Companhia de Comandos Africanos, comandada pelo Capitão João Bacar Djaló [, na foto a esquerda, ao meio], enquanto, em Fá Mandinga, se formavam outras Companhias que iriam constituir o Batalhão de Comandos, sob a orientação do então Capitão Almeida Bruno.

Nos anos que durou a guerra participou em acções em todo o território onde a presença do PAIGC se fazia sentir. Percorreu matas e carreiros de Bambadinca, Canquelifá, Cobiana, Conakry, Cumbamori, Cuntima, Fá Mandinga, Farim, Gandembel, Gadamael, Gabu, Guidage, Guileje, Madina do Boé, Mansabá, Morés, Piche, passou e voltou a passar pelos rios e margens do Cacheu, do Geba, do Corubal, chafurdou e chorou nos tarrafos, em operações umas atrás das outras.

Em 25 de Abril de 1974 andava atrás da guerrilha, na zona de Piche, quando ouviu no rádio de um milícia que tinha havido um golpe militar em Lisboa.

A guerra acabou e começou outra, a luta pela sobrevivência na Guiné-Bissau. A entrega das armas, a vida civil sem amigos, as prisões dos camaradas, os fuzilamentos, a prisão dele e a escapadela numa hora que só costuma acontecer uma vez na vida de um homem, graças a um acto digno e cavalheiresco de um comandante do PAIGC.

A Bissau de Luís Cabral, em 1975, tornou-se uma cidade triste, com recolheres obrigatórios, denúncias, falta de arroz, falta de tudo, menos de 'milho para burro', que um país amigo lhes enviara num navio. O golpe do Nino foi para ele e para muitos o renascer de uma esperança. A seguir veio a desilusão e a viagem para Portugal.


V. António Briote

Ex-alferes mil., CCav 489/BCav 490 e Comandos do CTIG (1965/66).

[1] Vendedor ambulante.

[2] Metralhadora Pesada.

3. Comentário de L.G.:


Há dias eu tinha mandado o seguinte mail ao Virgínio:

Obrigado, Virgínio. Conto lá estar  dia 15, no Museu Militar, no lançamento do livro,] com mais malta do blogue. Espero que seja a festa do Amadu e que não se esqueçam do teu trabalho de formiguinha bagabaga... Mais do que isso: do ser humano de eleição que tu és... Vou publicar. Até lá,  era bom que  me mandasses duas ou très coisas tuas: (i) uma primeira a "historiar" este processo (das folhas de papel almaço ao livro); (ii) e duas "histórias" à margem do livro, incluindo episódios da feitura do livro que ajudam a compreender melhor o Amadu, a sua personalidade, a sua matriz sócio-cultural, a sua história de vida.... Por exemplo, quem é o Amadu, hoje ? Guineense, português ? O que significa ser português para um futa-futa que combateu, com lealdade e coragem, "ao nosso lado" ? 

Nem tu nem eu gostaríamos que lhe "roubassem a alma" no seu dia de festa, nem que o utilizassem como "arma de arremesso" ou como bandeira de instrumentalização para causas que poderão não ser as dele... Fico à espera dos teus textos. Um abração. Luís.

O Virgínio aceitou a minha sugestão. E aqui temos o texto que antecederá o lançamento do livro do Amadú. Sempre discreto, demasiado discreto, recusando louros, luzes da ribalta, protagonismos, o Virgínio merece todo o nosso reconhecimento e gratidão pela generosidade e honestidade intelectual deste seu trabalho... Parabéns a esta dupla Amadu Djaló-Virgínio Briote que conseguiu, contra ventos e marés, levar a cabo esta atribulada tarefa. Registe que grande parte das fotografias que ilustram o livro, foram disponibilizadas por membros da nossa Tabanca Grande.

Espero que o livro seja bem aceite pelos nossos amigos e camaradas da Guiné, bem como pelo público leitor, em geral. Pelo que sei, o Amadú receberá 10% de direitos de autor,  o que me parece razoável. Ou seja, em cada 25 euros, 2 e meio serão para ele, que bem precisa: é pobre, está doente, já ultrapassou há muito a esperança média de vida de um homem guineense da sua geração. Vamos desejar-lhe força e saúde para acabar o 2º volume. 

Parabéns também à Associação de Comandos por ter acarinhado e apoiado este projecto editorial.

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Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P6148: Convívios (215): Pessoal da CCAÇ 1590, dia 5 de Junho de 2010, em Minde - Fátima (Mário Silva)

Amigos e camaradas:
Reenvio-vos uma mensagem do nosso Camarada Mário Silva, sobre o Convívio da sua CCAÇ 1590.
Jorge Santos


13 º CONVÍVIO DA CCAÇ 1590,
"Os Gazelas"

(Mansoa,
Bissorã e Olossato, 1966/68)

Dia 5 de Junho realiza-se o 13º Convívio em Fátima, de acordo com o seguinte programa:
10h00 - Encontro do pessoal junto à cruz alta, no Santuário de Fátima;
11h00 - Missa na Igreja da Santíssima Trindade;
13h00 – Almoço-Convívio no Restaurante D. Nuno, sito na estrada de Minde.
Contacto: Mário Silva - 229716460 - 966845053.
Mário Silva
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Notas de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
Sobre a CCAÇ 1590, vd o blogue de Luís de Matos, que foi Fur Mil, e é autor do livro "Diário da Guerra Colonial: Guiné, 1966/68".

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6147: O Spínola que eu conheci (7): Spínola na Guiné: Histórias que se contam, Cor Carlos Alexandre de Morais (Mário Beja Santos)

1. O nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), enviou-nos, com data de 12 de Abril de 2010, a seguinte mensagem:
Queridos amigos,
Trata-se de histórias contadas por alguém que privou directamente com Spínola.
Acho que vale a pena conhecê-las:

Spínola na Guiné: 
Histórias que se contam

O coronel Carlos Alexandre de Morais, amigo e antigo colaborador de Spínola na Guiné, resolveu descrever um repertório de factos que, em seu entender, possam ajudar a compreender a personalidade do controverso cabo-de-guerra e político (António de Spínola, o Homem, por Carlos Alexandre de Morais, Editorial Estampa, 2007).
O falecido coronel Carlos Morais refere que Spínola se pautava por uma determinação inabalável, era dotado de uma enorme coragem física e moral, tinha temperamento difícil e sabia motivar os seus colaboradores devido às qualidades impares de liderança.
Acrescenta que Spínola sabia distinguir com rapidez os aspectos importantes dos anódinos, refutando energicamente os aspectos secundários de qualquer questão.
Impulsivo, arrebatado, perfeccionista, meticuloso, era acima de tudo um homem de acção.
Vivia preocupado com a saúde, sempre a fugir ao espectro do excesso de peso (por causa do hipismo), não ia a espectáculos nocturnos ao ar livre, tal era o medo de se constipar.
Entrando directamente na comissão de serviço na Guiné, coube ao coronel Carlos Morais relacionar-se regularmente com o comandante-chefe devido a duas matérias tidas por extremamente sensíveis por Spínola: organização dos processos de condecoração e ao bem-estar das tropas.
Observa o extremo cuidado com que Spínola lia todos os dossiês para a atribuição de condecorações.
Quanto aos documentos que tinham a ver com problemas dos militares, o coronel Carlos Morais observa que Spínola era dotado de uma incrível capacidade para atender a detalhes que envolvessem situações familiares.
E conta a história de a mãe de um alferes falecido em combate que insistia vir à Guiné conhecer o local em que combateu o filho.
É uma história comovente em que o general teve um comportamento de grande afabilidade com a mãe enlutada.
As reuniões diárias com o general eram, segundo o coronel Carlos Morais, um espectáculo digno de se ver e ouvir: uma sala de operações coberta de mapas onde não entrava a luz do dia, com um calor sufocante já que o comandante-chefe recusava que o ar condicionado estivesse em funcionamento.
Competia, ao tempo, ao major Firmino Miguel, referir as acções das nossas tropas nas últimas 24 horas, bem como as do inimigo. Spínola estava permanentemente a interromper e a pedir esclarecimentos.
E conta num episódio elucidativo: 

“Em dada altura de um briefing, Firmino Miguel assinalou uma emboscada sofrida pelas nossas tropas em determinado local.
O general interrompeu, fez uma cara de dúvida, franziu o nariz e pediu a repetição do que ouvira.
Firmino Miguel, que era extremamente escrupuloso, no final da intervenção foi ao seu gabinete para se certificar do que tinha dito, e constatou que, de facto, a localização que indicara para a emboscada não estava correcta.
Voltou à sala de operações e rectificou o lapso. Este facto veio confirmar mais uma vez o perfeito conhecimento que o general tinha do terreno”.
Spínola começava a trabalhar cerca das 5 da manhã, ainda na cama e com auxílio de uma prancheta escrevia os seus despachos a lápis e só mais tarde a tinta. Observado pelo coronel Carlos Morais, justificou-se que de que assim tinha a vantagem adicional de só despachar a tinta depois de fazer a sua higiene, assim tinha tempo para avaliar da justeza das suas decisões.
Era destemido e exibicionista, conta-se a história de que assistiu à instrução de milícias na área de Bafatá, iriam depois para aldeamentos em auto-defesa na região.
Na presença de jornalistas, e perante as hesitações dos milícias em provas de tiro a alvos colocados a pouca distância, Spínola dirigiu-se aos alvos que eram o objecto do fogo, colocando-se a cerca de um metro destes, e começou a dar em voz alta indicações de correcção de tiro.
O coronel Carlos Morais relata igualmente outros episódios: o que envolveu o massacre de três majores, um alferes e dois guias em 20 de Abril de 1970, na região de Jolmete.
Logo no regresso da deslocação local, Spínola encarregou o coronel Carlos Morais de organizar os processos de condecoração para os três majores; as reuniões, por vezes tumultuosas com os comandantes dos três ramos das Forças Armadas, a visita de um grupo de deputados da Assembleia Nacional em que num acidente de helicóptero morreram vários deputados e em que Spínola, depois de patentear consternação, não deixou de fazer o briefing, numa atitude que deu confiança aos seus subordinados.
Estas são algumas das histórias mencionadas por um coronel que não chegou a ver publicado o trabalho que dedicou ao seu amigo e superior.
Algumas dessas histórias aparecem agora reproduzidas na biografia de Spínola de autoria do historiador Luís Nuno Rodrigues, a que em breve nos referiremos. Um abraço,
Mário Santos
Alf Mil At Inf Cmdt do Pel Caç Nat 52 
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em: 12 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6144: O Spínola que eu conheci (6): Depoimentos de Paulo Raposo e Luís Graça

Guiné 63/74 - P6146: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (13): Fajonquito, o blogue, o meu silêncio... e as fotos do José Cortes

1. Mensagem, de 10 do corrente, enviada pelo Cherno Baldé (*), formado em gestão, quadro superior da administração pública da República da Guiné-Bissau, membro da nossa Tabanca Grande, que nos tem honrado com textos de grande pertinência e qualidade:

 Assunto: Fajonquito III (**)

Caro amigo Luis Graça,

Antes de mais quero pedir desculpas por ter desaparecido durante os últimos meses. Na verdade, depois da minha última carta respondendo algumas perguntas colocadas por si, pareceu-me ter criado algum mal estar no meio da malta, o que estava longe das minhas intenções. E também não recebi a reacção habitual e esperada da sua parte que sempre conseguiu fazer a melhor interpretação das minhas narrativas. Tendo em conta as varias reacções suscitadas, tenho, naturalmente, muita coisa a dizer, mas como tenho pouco tempo disponivel no meio do trabalho, prefiro deixar para mais tarde as possiveis réplicas.

O nosso amigo José [Cortes]  demorou a reagir mas gostei das imagens da nossa Fajonquito (**). É mais que óbvio que conheci e convivi com ele no quartel e ainda mais sendo responsável do parque automóvel, a minha zona predilecta de actuação. O José, certamente, se lembrara do Sérgio,  o responsavel pelo abastecimento do combustível, de resto, como ele diz, faziam parte da mesma companhia, para além dos meus controversos patrões, o Dias e o Magalhães, também me lembro do Mandinga. Gente porreira.

Nas imagens creio ter reconhecido a menina Cesina, filha da Cristina, actualmente a viver nos EUA. O Aladje é meu primo e actualmente trabalha na Embaixada de Angola em Bissau.

Abraços do menino Chico,

Cherno AB.

2. Comentário de L.G.:

Caríssimo Cherno, irmãozinho de Fajionquito:

Que sejas bem aparecido! A tua última mensagem era de 31 de Julho de 2009, e termianava assim:

"O balanco é mais negativo ou mais positivo? O PAIGC devia e podia fazer melhor?... Sem dúvida que sim. E os portugueses dentro de tudo isso?... A história se encarregará de responder, um dia. Eu não quero incriminar ninguém mas darei o meu testemunho, sem partidos. As palmas que ja bati no passado para os soldados portugueses nas suas paradas de ronco e para o PAIGC durante os seus infindáveis discursos e meetings já chegam, agora quero pensar com a minha cabeçaa. Tenho mais ou menos 50 anos e nessa idade devo ter medo de quem?...

"Juntamente envio mais uma parte das minhas habituais crénicas. Um forte abraço deste irmãozinho de Fajonquito" (...)

E a última crónica era sobre "ambientes e ambiguidades", que eu decidi desdobrar em quatro partes, autónomas, publicadas sucessivamente em 5, 8 , 10 e 12 de Agosto de 2009, respectivamente. O facto de não ter feito nenhum comentário final não quer dizer absolutamente nada... Aliás, o editor não deve fazerm por sistema, comentários aos textos que são publicados. Essa tarefa compete aos nossos leitores. Acontece, pro outro lado, que em Agosto todo o mundo está de férias. Eu, que sou professor, já estava de férias, nessa altura,  e portanto com menos disponibilidade, de tempo, para editar o blogue... Infelizmente, tu interpretaste isso como um sinal de menos apreço da minha parte... Nada disso, meu irmãozinho. E também não é verdade que os nossos camaradas que te leram, não gostaram dos teus últimos escritos... Revê, por favor, os comentários aos teus últimos postes.

Vamos a números: por exemplo, tiveste cinco comentários ao poste P4816, de 12 de Agosto e num deles, o do Hélder Sousa, podes ler o seguinte:

"Ah, ganda Chico! Chega a ser comovente ler-te e ficar a saber como nos viam e entendiam.

"Será que éramos mesmo assim? Pois também acredito que sim, mas acho que algumas dessas características se perderam ou perderam algum fulgor.

"Mas, olha, não foi só na tua e 'nossa Guiné' que os incompetentes, pelo menos para as funções desejadas, tomaram conta dos destinos. Por cá também aconteceu disso, razão fundamental para que as pessoas se afastassem progressivamente das obrigações que têm de vigiar os governantes eleitos e trabalhar empenhadamente para o desenvolvimento da sociedade. No fundo, voltarem a ser aquilo que os caracterizava, como tu tão bem relatas.

"No entanto fico feliz por ti, pelo teu povo, por nós, pela tua persistência em te empenhares na 'luta pela afirmação do homem africano, do terceiro mundo, de um mundo mais justo, de progresso, paz e fraternidade', que voltaste 'alegremente aos estudos' e que ainda estás 'na esperança de ver se aparece a luz ao fundo do túnel'.

"Continua, dá-nos esse belo exemplo de que é assim que se pode avançar, que não se pode desistir, não se pode perder a confiança num futuro melhor. E continua a brindar-nos com as tuas memórias.

"Sobre o 'cansaço'. há um poema, salvo erro de Berthold Brecht, que começa assim: 'Ouvimos dizer que estás cansado...0, conheces? é bom para 'recarregar baterias', como por exemplo também uma canção de Paul Simon & Art Garfunkel intitulada, 'The Boxer'. De vez em quando devemos ir aos 'clássicos'. Um abraço. Hélder S."


Chico, isto é uma grande homenagem à tua estatura moral e intelectual.  És um grande ser humano, um patriota guinense e um amigo verdadeiro de Portugal e dos portugueses. Por outro lado, podes estar ciente de que já tens, no nosso blogue, uma lista grande, não só de amigos como de admiradores.


Respeito, naturalmente, o(s) teu(s) silêncio(s). Mas a verdade é que estávamos com saudades tuas. Aparece sempre que puderes e quiseres. Um grande AB, Alfa Bravo (abraço, em linguagem de caserna).

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 12 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4816: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (12): E se o Algássimo tivesse razão ?


(...) Na sua opinião, a Guiné-Bissau tinha poucas probabilidades de sucesso porque em vez do bom pastor o gado tinha sido entreque aos lobos, vestidos com pele de ovelhas. Em vez de pessoas instruídas e com experiência na administração do Estado eram pessoas iletradas, quase analfabetas, que dirigiam e controlavam a vida económica e política do pais.
- Assim não vamos a sítio nenhum - arrematava.

Verdade ou mentira a opinião é dele e no que me concerne, sem capacidade de visionar o futuro, e tendo acreditado e abraçado firmemente a visão e os ideais de Amilcar Cabral sobre a necessidade da luta pela afirmação do homem africano, do terceiro mundo, de um mundo mais justo, de progresso, paz e fraternidade, voltei alegremente dos estudos e estou ainda aqui na esperança de ver se aparece a luz ao fundo do túnel.

Mas a questão é, de algum tempo para cá, recorrente e.... inevitável:
- E se o Algássimo tinha razão?... (...)


 Vd. postes anteriores:


10 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4806: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (11): Filho da p... de barrote queimado...... Ou as sobras do rancho

8 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4802: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (10): Futebol: ser do Benfica ou do Sporting, eis a questão

5 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4782: Memórias do Chico,menino e moço (Cherno Baldé) (9): Futebol, rivalidades, bajudas... e nacionalismos(s)

 27 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4746: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (8): Misérias e grandezas de Fajonquito, 1970/75

21 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4714: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (7): As profecias do velho Marabu de Sumbundo

13 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4679: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (6): Uma gesta familiar, de Canhámina a Sinchã Samagaia, aliás, Luanda

6 de Julho de 2009 >Guiné 63/74 - P4646: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (5): A família extensa, reunida em Fajonquito, em 1968

30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4611: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (4): O ataque dos meus primos a Cambajú e o meu pai que foi um herói

25 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4580: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (3): A chegada dos primeiros homens brancos a Cambajú em 1965: terror e fascínio

24 de Junho de 2009 > Guine 63/74 - P4567: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (2): Cambajú, uma janela para o mundo

19 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4553: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (1): A primeira visão, aterradora, de um helicanhã

Vd. também:

18 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4550: Tabanca Grande (153): Cherno Baldé (n. 1960), rafeiro de Fajonquito, hoje engenheiro em Bissau...

7 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4650: (Ex)citações (32): A Tabanca Grande ou... Global: de Contuboel, Fajonquito e Bissau com amizade (Cherno Baldé)

20 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4710: Blogoterapia (119): As Fantas, as Marias, as Natachas, ou o amor em tempo de guerra e de diáspora (Cherno Baldé)


2 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4767: Blogoterapia (118): Os Fulas, o PAIGC e... os tugas (Cherno Baldé / Luís Graça)

Guiné 63/74 - P6145: (Ex)citações (67): A tragédia de Fajonquito: o Almeida estava mesmo disposto a acabar com a vida, a dele e a do capitão (Cherno Baldé)

1. Comentário ao poste P5938 (*), com data de hoje, assinado pelo nosso amigo, Cherno Baldé, natural da Guiné-Bissau e membro da nossa Tabanca Grande:

Os comentários à volta da tragédia de Fajonquito e as informações neles contidas reavivaram a minha memória trazendo de volta alguns elementos interessantes. Lembro-me de ter comido (ao jantar?),  no refeitório nesse dia de Páscoa (2 de Abril 1972) ou na véspera, um prato de arroz doce. Era atípico e inabitual entre nós, parecia mesmo uma provocação dos cozinheiros. Eu e os demais colegas, todos rafeiros experimentados, não tinhamos apreciado aquele mescla de arroz branco com açúcar, puààh...E mais, tinham-nos dito que era um dia de festa.Agora sei que foi num dia de Páscoa.

Depois do "acidente",  ou melhor, do homicidio, a versão que circulou e ficou até hoje entre a população nativa é bem diferente daquela que estou a ler agora na maior parte dos comentários. Pela versão que prevaleceu entre nós, alegadamente, o Soldado Almeida estava revoltado por não poder voltar à sua terra após várias comissões de serviço, em virtude de um castigo a que estava sujeito. Tinha decidido acabar com a sua vida e, com ele, também, a do comandante da companhia. Claro que isto faz parte dos rumores que circularam, na ausência de informacoes oficiais, na altura.

Quero dizer a quem me quiser ouvir,e isto por minha conta, que o Almeida era um soldado "profissional",  muito aguerrido,  que dificilmente poderia levar uma vida civil pacata no meio indígena ou gerindo uma lojeca ou um restaurante para servir a malta europeia numa cidade qualquer da Guiné. O Almeida não era um soldado vulgar e via-se claramante que não se tinha integrado na companhia dos restantes soldados milicianos  (sic) pelos  quais ele nutria muita pouca consideração e/ou respeito.Tão pouco se podia integrar no meio dos pretos embora se identificasse com eles. 

Penso que, antes de mais, o nosso amigo Ameida (ele era de facto um amigo e defensor das crianças que frequentavam o aquartelamento: ai de quem se atrevesse a fazer mal a uma crianca na sua presença!) deve ter sido mais uma das inúmeras vitimas daquela guerra terrivel.
Cherno AB (Chico de Fajonquito) 

[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.]

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Nota de L.G.:


Guiné 63/74 - P6144: O Spínola que eu conheci (6): Depoimentos de Paulo Raposo e Luís Graça



Apresentação do livro Spínola: Biografia, da autoria do historiador Luis Nuno Rodrigues (Lisboa, A Esfera dos Livros, 2010). Local: Lisboa, Fundação Mário Soares, 8 de Abril de 2010. 2ª parte da intervenção do Embaixador João Diogo Nunes Barata, antigo chefe de gabinete de Spínola na Guiné. Neste excerto, são abordados dois capítulos do livro, correspondentes à carreira militar de Spínola durante a guerra colonial (Angola e Guiné). Afirmação de Spínola como "grande político" na Guiné.


Vídeo (4' 17''):  © Luís Graça (2010). Direitos reservados (Alojado na conta You Tube > Nhabijoes)




Guiné > Algures > Maio de 1973 > A 25 Costa Gomes, Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, dá início a uma visita ao Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG), para se inteirar do agravamento da situação militar e analisar medidas a tomar  com vista a garantir o espaço de manobra do poder politico. Uns dias antes, a 22, Spínola tinha mandado um telegrama ao Ministro da Defesa, com o seguinte teor: "Conforme seu pedido telefónico informo que sob pressão IN comandante local mandou evacuar Guileje e destruir acampamento sem ordem deste comando. Trata-se de lamentável estado de pânico perante  manifesta superioridade inimigo o que em caso algum justifica tal decisão. Esclareço  Guileje estava sem comunicações Bissau virtude destruição antena pelo inimigio. Mandei levantar auto corpo de delito comandante responsável. Insisto pedido reforços" (Fonte:  Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso - Os anos da guerra: volume 14: 1973: perder a guerra e as ilusões. Matosinhos: QuidNovi, 2009. p.46).

Na foto, vê-se o Gen Costa Gomes à direita de Spínola, falando com milícias guineenses. Foto do francês Pierre Fargeas (técnico que fazia a manutenção dos helis AL III, na BA 12, Bissalanca), gentilmente enviada pelo nosso camara Jorge Félix (ex-Alf Mil Pil Heli, BA12, Bissalanca, 1968/70).

Foto: © Pierre Fargeas / Jorge Félix (2009). Direitos reservados.


1. Continuamos a publicar pequenos depoimentos de camaradas nossos que estiveram, no TO da Guiné, no tempo de Spínola (entre Maio de 1968 e Agosto de 1973). São excertos de textos já publicados no nosso blogue (I e II Séries). São pequenos contributos para o conhecimento (e apreciação crítica) daquele que terá sido porventura o mais o mais falado, criticado, idolatrado, carismático, detestado e controverso dos nossos comandantes militares durante  a guerra colonial. Spínola nasceu há 100 anos, em Estremoz, a 11 de Abril de 1910, no final da monarquia, ainda no reinado de D. Manuel II. O nosso blogue fica aberto à publicação de novos testemunhos e comentários sobre Spínola, o Governador e Comandante-Chefe da Guiné (1968/73).


(i) Paulo Laje Raposo (ex- Alf Mil, CCAÇ 2404 / BCAÇ 2852, Mansoa, Galomaro, Dulombi, Julho de 1968/ Maio de 1970)

 (...) Chegámos a Bissau nos primeiro dias de Agosto [de 1968]. Depois de uma noite mal dormida, e cheios de picadas de mosquito, lá fomos para os adidos em Brá. Os dois Batalhões [BCAÇ 2851 e 2852] formaram na grande parada e o então Brigadeiro Spínola passou revista às tropas e fez a sua saudação.

 Spínola tinha chegado há pouco tempo à Guiné [, em Maio de 1968, ] e esta foi a primeira cerimónia deste género que realizou. Acabadas as cortesias, ouve-se o toque a Oficiais e vamos para um briefing. Reunimo-nos numa sala pequena. Nós, os chegados, fomo-nos sentando em várias filas de cadeiras. À nossa frente estava uma pequena mesa aonde se sentou ao centro o Brig Spínola, Governador e Comandante Chefe da Província, à sua direita o Brig Nascimento, 2º Comandante Militar, e à sua esquerda, o Comandante Militar Brig Novais Gonçalves, que já estava no fim da sua Comissão.

 Não me recordo do teor do discurso proferido por Spínola, mas deve ter sido no sentido de apelar ao nosso patriotismo e responsabilidade na condução dos homens que tínhamos à nossa guarda. Após o discurso veio cumprimentar-nos, um a um. Quando chegou a minha vez, eu estava altamente perfilado, pois nunca tinha cumprimentado alguém com tantas estrelas nos ombros. Duas eram de Brigadeiro e as outras quatro de Comandante Chefe, em ambos os ombros. Ele põe-se em frente de mim, cumprimenta-me e eu também e, à queima-roupa, diz-me:
- Você tem sorte.

Eu, sem saber bem o que me esperava, digo muito timidamente:
 - Porquê, meu Comandante?
 - Porque quando começar a ouvir os tiros, já está mais perto do chão.

 Também tinha humor. A meu lado estava o Alferes Felício, que é uma viga, e que a meu lado ainda parece maior. O nosso Comandante Chefe diz-lhe o inverso:
 - Você que se cuide.

Realmente, aquele homem, com a sua voz rouca e arrastada, de luvas, com monóculo e o pingalim, impressionava qualquer um. A imagem de bravura que transmitia correspondia à sua maneira de ser. Nele tudo era verdadeiro e genuíno. (...)


 (ii) Luís Manuel da Graça Henriques  (ex-Fur Muil, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971) (***)

 Bissau, 10 de Fevereiro de 1970 

(...) De facto, aqui [,em Bissau,] desaguam todos os rios humanos da Guiné: a carne que já foi do canhão e agora é do bisturi (ou dos vermes, em caixões de chumbo, discretamente empilhados, à espera que o Niassa ou o Uíge ou o Alfredo da Silva os levem nos seus porões nauseabundos); os desenfiados, como eu, todos os que procuram safar-se do inferno verde, quanto mais não seja por uns dias ou até umas breves horas, que o tempo aqui conta-se, de cronómetro na mão, até à fracção de segundo; os prisioneiros de guerra, esfarrapados, andrajosos, a caminho da Ilha das Galinhas; as populações do interior desalojadas pela guerra; os jovens recrutados para a nova força africana; enfim, os [alegados] criminosos de guerra como o capitão P. que está aqui detido no Depósito Geral de Adidos à espera de julgamento em tribunal militar – suponho eu -, juntamente com um furriel miliciano da sua companhia. Ambos estão implicados em vários casos, muito falados, de violação e assassínio a sangue frio de bajudas, além da tortura e liquidação de suspeitos…

 (...) A propósito, como os tempos mudam, meu caro!.. Em conversa com um sargento de cavalaria que teve o Velho [, uma das alcunhas de Spínola,] como comandante de batalhão no Norte de Angola – conversa a que ocasionalmente assisti -, o Capitão P. (que eu não sei, nem me interessa saber, se é miliciano, ou se é do quadro, ça c'est m´égale!), mostrava-se vexado (o termo é dele) pelo facto do então tenente coronel ameaçar executar, in loco, sumariamente os guias nativos que mostrassem a mais pequena hesitação na escolha dos trilhos ou os carregadores que deliberadamente deitassem fora a água dos jericãs...
- E agora, como Com-Chefe na Guiné, não permitir sequer que se toque no cabelo de um preto!

 Bissau, enfim, porto de fuga e salvação!... Embora não se possa exactamente prever até onde tudo isto irá parar, com a actual escalada da guerra, de parte a parte, aqui tu tens ao menos a reconfortante sensação de teres as malas sempre feitas, pronto a partir em qualquer altura… Mas nada te garante que embarques a tempo: é que estamos todos metidos num atoleiro e em vias de perder o último avião!... Make love, not war. Um abraço. Até mais logo. Talvez apanhe o barco da Gouveia, amanhã. Já estou farto desta merda. (...)

 Ponte do Rio Udunduma, 3 de Fevereiro de 1971 (****)

(...) De visita aos trabalhos da estrada Bambadinca-Xime [, a cargo da TECNIL], esteve aqui de passagem, com uma matilha de Cães Grandes atrás, Sexa General António de Spínola, Governador-Geral e Comandante-Chefe (vulgo, o Homem Grande). Eu gosto mais de chamar-lhe Herr Spínola, tout court. De monóculo, luvas pretas e pingalim, dá-me sempre a impressão de ser um fantasma da II Guerra Mundial, um sobrevivmente da Wermacht nazi.

 Mas o que é que faz correr este velho soldado, como ele próprio gosta de se chamar ? É difícil adivinhar-lhe a sua paixão secreta, o seu móbil, sob a sua impassibilidade de samurai (ou de figura de cera?): a mitomania, o culto da personalidade ou, hélàs!, a presidência da república ...

 Há qualquer coisa de sinistro na sua voz de ventríloquo, no seu olhar vidrado ou no seu sorriso sardónico: talvez seja a superioridade olímpica do guerreiro.

 Cumprimentou-me mecanicamente. Eu devia ter um aspecto miserável. Eu e os meus nharros, vivendo como bichos em valas protegidas por bidões de areia e chapa de zinco. O coronel (?) que vinha atrás do General chamou-me depois à parte e ordenou-me que, no regresso a Bambadinca, cortasse o cabelo e a barba…

 A visita-surpresa do Deus-Todo-Poderoso foi o meu único monumento de glória em toda esta guerra… Ao fim de vinte meses!... Só quero regressar, são e salvo, a casa, daqui a um mês e, se possível, levar comigo a barba que deixei crescer… na Guiné, longe do Vietname.  (...)

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Notas de L.G.:

(*) Vd. último postre da série > 10 de Abril de 2010 >  Guiné 63/74 - P6138: O Spínola que eu conheci (5): Os depoimentos de Joaquim Mexias Alves e José Manuel Matos Diniz

 (**) 5 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXVIII: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (4): Em Bissau com Spínola

(***) 14 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2264: Blogue-fora-nada: O melhor de... (3): Carta de Bissau, longe do Vietname: talvez apanhe o barco da Gouveia amanhã (Luís Graça)

(****) 30 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1132: Spínola e os seus 'Cães Grandes' na ponte do Rio Udunduma (Luís Graça)