sábado, 24 de abril de 2010

Guiné 63/74 – P6238: Efemérides (44): Dia do Combatente. Comemorações do 9 de Abril em Lagoa (Arménio Estorninho)

1. O nosso Camarada Arménio Estorninho* (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70), enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 15 de Abril de 2010:

Dia do Combatente
Comemorações do 9 de Abril em Lagoa
Camaradas,

Desta feita trata-se de vos dar notícias do Núcleo de Lagoa/Portimão, da Liga do Combatentes, que assinalou mais uma passagem do 9 de Abril.
As cerimónias foram levadas a efeito frente ao Memorial erigido à Memória dos Camaradas falecidos na Guerra do Ultramar e oriundos do Concelho de Lagoa.

Por conseguinte foi dada uma imagem, tanto quanto possível, das comemorações do dia do Combatente e concretizado pelo Núcleo de Lagoa/Portimão:

Lagoa > Algarve > 09ABR2010 > Memorial aos Combatentes falecidos na Guerra do Ultramar

A comemoração teve a presença das entidades Civis e Militares, a seguir indicadas:

- Em representação do Presidente da Câmara Municipal de Lagoa esteve o Vereador Senhor Jaime Botelho;

- O Chefe de Gabinete do Presidente da Câmara, Dr. Joaquim José Cabrita;

- Capitão da GNR, (Aposentado) Domingos Garcia;

- Capitão da Força Aérea – TOCC, (Aposentado) Domingos Ramos;

- Capitão do Exército, (Aposentado) Paulo Neto.

Lagoa > Algarve > 09ABR2010 > As Entidades Oficiais nas Comemorações do dia do Combatente.

O Presidente do Núcleo, Cap. Paulo Neto, e perante a assistência dirigiu uma palestra dedicada ao combatente português.

Agradecendo e saudando a presença de todos, lembrando que a origem da data de 9 de Abril, refere-se a La Lys, na Flandres, a Norte de França e que houve a participação portuguesa na Primeira Guerra Mundial.

Lagoa > Algarve > 09ABR2010 > Chefe de Gabinete do Presidente da C.M. Lagoa, Dr. Joaquim José Cabrita, Vereador da AML, Senhor Francisco Ramos, Senhores Reis e Luís Tito, Soldados prisioneiros na Índia e Capitão da FA – TOCC Aposentado, Domingos Ramos.

Tendo o exército Alemão com oito divisões, pelas primeiras horas do dia efectuado forte bombardeamento centrado contra as N/T e bem como o lançamento de gases.

Que ao fim de cerca de seis horas lançaram vagas de assalto sobre as tropas aliadas, que não conseguiram resistir e num só dia levando as Tropas Portuguesas a mais de sete mil homens mortos, feridos, desaparecidos e prisioneiros.

Contudo salientou a história do Soldado “O Milhões,”quando apercebeu-se que estava sozinho nas trincheiras, porque os seus Camaradas tinham-se retirado para posições mais recuadas, descarregou por várias vezes a sua metralhadora e enfrentando heroicamente o inimigo.

Sendo a maior Batalha que os Portugueses tiveram envolvidos.

Lagoa > Algarve > 09ABR2010 > o Presidente do Núcleo e Palestrante, Capitão Aposentado, Paulo Neto. Da esq. ex – Fur. José Júlio Nascimento, da Cart. 2520, Xime e Quinhamel, ex- Fur. Silva Nunes, da C.cav 2539, São Domingos, Representante do Presidente da C.M.L, Porta-bandeira Sargento da GNR Deodato Pais (Combatente em Angola) e o Fuzileiro Jacinto Guerreiro (Combatente em Angola e Moçambique), Capitão da GNR Aposentado, Domingues Garcia e o último (não identificado).

Prosseguindo nos seus considerandos disse, que nós estamos na Liga dos Combatentes da Guerra do Ultramar de 61/74, e, aqui reunidos pela nossa memória colectiva, porque ao tempo defendemos o que era considerado nosso e cumprindo o que nos era exigido.

Lagoa > Algarve > 09ABR2010 > Luís Tito, Capitão Aposentado Domingos Ramos, eu tomando anotações, ex-Fur Silva Nunes e em zona posterior o Soldado Miguel Silva, da CCS do Bcaç 1894, Ingoré 69/71.


Pelo representante do Presidente da Câmara Municipal de Lagoa, o Vereador Sr. Jaime Botelho e o Presidente do Núcleo, Capitão Paulo Neto, foram colocadas duas coroas de flores no Memorial aos Combatentes.

Por um grupo da Fanfarra do Bombeiros de Portimão foi tocado a sentido, deu-se um minuto de silêncio em memória dos mortos e seguiu-se o toque a finados.

Lagoa > Algarve > 09ABR2010 > Colocação de coroas de flores no Memorial, pelo Representante do Presidente da C.M. de Lagoa e do Presidente do Núcleo.

Lagoa > Algarve > 09ABR2010 > Placa do Memorial e com nomes de militares falecidos na Guerra do Ultramar.

Lagoa > Algarve > 09ABR2010 > Placa do Memorial, com indicação de nomes dos militares falecidos no Ultramar.


Seguiu-se a romagem ao cemitério de Lagoa, com colocação de flores nas campas dos militares falecidos na Guerra do Ultramar e que eram oriundos desta Paróquia.

Por conseguinte foi dada uma imagem de tanto quanto possível, das comemorações do dia do Combatente e levado a efeito pelo Núcleo de Lagoa/Portimão.

Com os melhores cumprimentos deste Maioral,
Arménio Estorninho
1º Cabo Mec Auto Rodas da CCAÇ 2381

Fotos: © Arménio Estorninho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

4 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5768: Efemérides (43): 4 de Fevereiro de 1961, O princípio da Guerra Colonial (José Marques Ferreira)

Guiné 63/74 - P6237: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (18): Estados de alma, aerograma de 20 de Abril de 1971

1. Mensagem de José Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), com data de 15 de Abril de 2010:

Caro e amigo Carlos,
Junto encontrarás mais um pedacinho da minha história por terras da Guiné. Neste caso nem tive que rebuscar na memória; limitei-me a transcrever o aerograma que então mandei à minha madrinha de guerra.

Para este bate-estradas foi a sua última missão, e vai regressar ao baú das recordações de minha esposa.

Muita saúde para ti e para todos os nossos camaradas, com um abraço imenso do
José Câmara


Memórias e histórias minhas (18)

Estados de alma


Caros camaradas
Numa das trocas de correspondência que tive com o Carlos Vinhal, este ofereceu-me a possibilidade de abrir uma página para a correspondência que mantive com a minha madrinha de guerra. Declinei o convite, por me parecer que isso não traria nada de novo. Fui sempre muito comedido na minha correspondência, e nunca esqueci que me dirigia a uma jovem com apenas 16 anos de idade.

Estados de Alma é um exemplo do que escrevia e como escrevia. Caso raro, o aerograma que transcrevo é todo dedicado à Guiné. Para além disso, refiro um acontecimento da CCaç 3327 na Mata dos Madeiros. A primeira Missa que lá tivemos aconteceu no dia 17 de Abril de 1971. Para muitos de nós também era a primeira desde que deixáramos Santa Margarida em Janeiro desse ano. Para a religiosidade do soldado açoriano, e não só, esse acto de fé constituíu um dia de festa.


Aerograma de 20 de Abril de 1971

"Isabel,
Noite cálida e serena; convidativa ao devaneio do espírito e à conversa amena e sadia.

É, sem dúvida, uma excelente noite para escrever, e para me inteirar da tua saúde, o melhor dom que podemos ter, e que espero seja tua assídua companheira.

Isto por aqui vai óptimo, melhor mesmo do que aquilo que esperávamos. Para além do trabalho que é muito, diga-se de passagem, aqui sempre temos outra liberdade; claro que essa liberdade não é em todos os sentidos, mas estamos à vontade para comer, dormir, trabalhar e ainda temos tempo para pensar e sonhar. O que não há são notícias fresquinhas. E, sinceramente, é melhor não haver.

Nesta mata, vil e cruel assasssina, em que cada árvore pode esconder um turra e cada trilho mil e uma minas, quase tudo nos tem corrido da melhor forma. Não sabemos o que são as adversidades do tiroteio. Até já estamos admirados. Imploramos a Deus que possamos continuar admirados por muito tempo.




Por falar em Deus, não sei se algum dia te disse que os soldados da minha companhia tinham comprado uma imagem do Sagrado Coração de Maria... e, no último Sábado, tivemos a nossa primeira missa no mato.

Fizemos uma capelinha com folhas de palmeira; o altar, feito à pressa, era de caixas de cerveja. Os crentes vestiram a fatiota de gala: botas de lona, camuflado e espingarda às costas para o que desse e viesse.

Foi uma missa com um sabor especial... diferente... de muita fé, em todos os sentidos. Foi, por assim dizer, a inauguração da nossa Igreja... a Missa Nova do nosso muito amado Sagrado Coração de Maria

Foi um recordar de outros tempos, mas com a alegria própria de quem é jovem e sabe sê-lo.


Acampamento e localização da capela (seta amarela). Como nota a salientar, a cuidada vedação à volta da capela

E é tudo. Cumprimentos...".


A imagem do Sagrado Coração de Maria acompanhou sempre a CCaç 3327. Sem o poder confirmar, foi-me dito que a imagem está depositada na Igreja de São João Baptista, fazendo companhia a muitas outras imagens que acompanharam as companhias açorianas do BII17.

A majestosa Igreja de São João Baptista está ao centro do castelo que ostenta o mesmo nome, e que ao tempo era a sede do BII17, na cidade de Angra do Heroísmo, Ilha Terceira.

José Câmara
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6127: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (17): Quem marca o destino é Deus

Guiné 63/74 - P6236: História da CCAÇ 2679 (35): De estórias se faz a história de uma Companhia (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem de José Manuel Matos Dinis* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 3 de Abril de 2010:

Meu Caro Amigo,
Também de estórias se faz a história de uma Companhia. Por isso, hoje, vão duas narrativas, mais uma, que são duas aglutinadas. São só três, mas podiam ser quatro. Isto até parece táctica para confundir o IN, mas não é.

Outra coisa: até recentemente, a exposição dos "posts" era mais duradoura. Provavelmente haverá boas razões para a alteração que se regista. Parece-me, no entanto, que o blogue não fica a ganhar.

Carlos, para ti e para o Tabancal, vai um grande abraço.
JD


HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (35)

De estórias se faz a história de uma Companhia

Estória n.º 1 (incompleta)


Seriam duas da manhã, quando acordei, surpreso, com o grito do Tito a simular alguma aflição: "Zé, acorda!".

Havia luz, uma luz amarelada, sumida, garantida pelo ronronar do gerador que, naquela ocasião, providenciava a iluminação periférica ao arame farpado, limite da aldeia e aquartelamento, não fossem os turras cortar o arame na escuridão da noite, e surpreender-nos. Ora, havendo iluminação no exterior, também havia no interior.
A pálida luz revelou-me o Zé Tito, com o riso suspenso do bigode, à Eroll Flynn, com ar de velhaco, enquanto estendia na minha direcção uma garrafa de qualquer "mustela", argumento suficiente para que eu não me chateasse com o importuno, estremunhar e ordenava: "bebe um bocado, bate-te à hepatite!".

Durante a comissão nós dois fomos sempre clientes dos quartos, nunca dormimos em abrigos, debaixo da terra, lugares onde os odores sudoríferos combinavam com ventosidades expelidas pelos ânus, vulgarmente conhecidas por peidos e bufas, conforme se manifestavam ruidosamente, ou pela calada, e ainda outros cheiros, como restos de comida e o conhecido cheiro da terra, principalmente enquanto húmida, contribuindo no conjunto para ambientes de nausea. Por isso, quais pi-pis da linha, arranjámos sempre pretexto para dormir nos quartos, lugares muito mais arejados, e com um mínimo de densidade populacional.

Nunca fiz concorrência às toupeiras e, uma ocasião, quando o Trapinhos distribuiu os furriéis no comando dos abrigos, contestei e aleguei que não dormia naquelas condições, além de que tinha que garantir o manuseamento do "81" em caso de ataque do IN. O resto da furrielada só às tantas, ou de manhã, regressava aos aposentos.
Molhei o bico. Voltei a adormecer.

Não sei se por estas, se por outras, é que o Zé Tito, aquando do segundo período de férias na Metrópole, foi à consulta externa no Hospital Militar, onde foi diagnosticado como sofrendo de uma qualquer hepatite, porque, como é sabido, há várias espécies de hepatite que não sei como se distinguem entre si, mas, naquele tempo e circunstâncias, tal maleita, a ser confirmada, dava direito a passar à peluda. Os exames complementares de diagnóstico que lhe fizeram, não lhe propiciaram tanto bem, mas renderam-lhe o prolongamento das férias por mais dois ou três meses, quando já pouco faltava para o final da comissão.

Entre nós havia uma cumplicidade que resultava de sermos amigos da juventude, e termo-nos acompanhado sempre ao longo da tropa, desde o primeiro dia, quando nos apresentámos em conjunto. Para onde um era colocado, o outro seguia o mesmo caminho, e à mesma hora. Coisa do acaso!

Durante o Verão de 71, o Zé escreveu-me um aerograma, descrevendo a nova situação militar em que se encontrava, e dava conta das grandes farras em que andava metido com o Carlos Santa, um amigo comum, mais tarde mobilizado para Nova Lamego, gozo esse patrocinado por umas francesas, descritas como muito jeitosas, alegres e dedicadas, que o aliviavam da ausência da saudosa Guiné. Nessa missiva, ainda me pedia para embrulhar os livros e as camisas, e para lhe mandar para casa, pois, imaginava, já não voltaria ao seio dos camaradas em Bajocunda. Tudo descrito com muito bons modos e delicadeza, que o rapaz tinha uma educação refinada.
Por acaso, nem sequer respondi.

Alguns dias mais tarde recebi novo aerograma, letras largas e margens vazias de texto, onde ele considerava que eu não teria lido o anterior, dava uma breve notícia da actividade na Metrópole e, depois, tratando-me de sacana, verberava para que eu lhe enviasse as camisas e os livros, na medida em que, para a Guiné... jamais!

Por razões quaisquer, de que a mais relevante é a minha tendência para a sorna e o deixar-andar, voltei a não responder. Até que...

Recebi um terceiro aerograma, simples e ordinário, onde me dispensava um tratamento de filho da mãe, e ingrato para com o amigo, leal e dedicado, que voltava a pedir para lhe enviar a merda da encomenda, com as camisas e os livros, coisas que eram pessoais, não interessavam a mais ninguém, e não queria deixar na Guiné. Assinado com um miserável rabisco. Nem lembranças para os camaradas.
O resto da estória espero ter ocasião para contar, quando me reportar à época dos acontecimentos, cerca de um ano mais tarde, corria o mês de Outubro, com vinte meses de comissão.

Em tempo, uma intervenção do camarada Zé Tito

Caro Zé Dinis
Ainda bem que te restam algumas memórias dos tempos “trágico marítimos”, no entanto, após leitura atenta da estória n.º 1 (incompleta), apercebi-me de que te esqueceste de contar de que, no último aerograma te disse com letra alterada, de que se não me enviasses os livros e as camisas, os ia buscar pessoalmente a Bajocunda, o que de facto aconteceu.

Também te esqueceste de mencionar de que, quando fui verificar o estado das minhas camisas que tinham ficado à tua guarda, notei um cheiro nauseabundo a merda retardada que verifiquei na altura dever-se à falta de papel higiénico em Bajocunda e, de tu, teres estado na minha ausência a limpar a peida nelas depois de teres limpo o cu aos meus aerogramas, daí nâo mas teres enviado, porque te estavam a fazer geito.

Zé Tito
15ABR2010



Na companhia havia uma grande nódoa. No entanto, a furrielada era uma força considerável. Na imagem distinguem-se quatro feras: mim, Zé Tito, Morais e Marino


Estória n.º 2

Um belo dia vinha com o Marino na direcção da cantina, talvez proveniente do depósito de géneros, à passagem pela arrecadação do material de guerra, quando demos com o seguinte trabalho: dois militares, o Mário, primeiro cabo mecânico de armas ligeiras, e o Matias, soldado básico, esperto que nem um alho, desventravam a pá e pica a rija terra, consolidada por sóis terríveis, em frente à referida arrecadação, num vértice entre aquele ponto, o quarto do capitão e o gabinete, tudo mais ou menos equidistante, enquanto o Trapinhos, de braços cruzados, comandava a operação.

A torreira do sol, e o inesperado da situação, fizeram que desconfiássemos. O Marino atirou logo, interrogativamente, qual a finalidade do buraco que provocava tanto esforço.

O Trapinhos, praticamente sem se movimentar, os ombros amarrecados, e o peito para dentro, que naquele corpo franzino mais se assemelhava a um fugitivo do Caramulo, fez um ligeiro sorrizinho, e respondeu:

- Estamos a fazer um abrigo.

Rimo-nos. O capitão, especado ao sol, falava como se padejasse a terra ao lado dos outros.
Mas a situação era estranha, porquê ali um abrigo? Aquelas praças tinham lugares reservados em abrigos periféricos, embora, recordo, durante uma flagelação a meio do dia, o Matias atirou-se para uma vala junto do depósito de géneros, praticamente no meio da localidade, e dali, bravamente, disparou uma G3 em improvável direcção que atingisse o IN.

O Marino, no entanto, não era de modas, nem se fez rogado:

- Mas então, para que é que se faz aqui um abrigo?, perguntou.

Respondeu o Trapinhos, voltando a evidenciar outro confiante sorrizinho:

- Então? é para nós. Se houver ataque, fica mais perto - disse a gozar a superior capacidade para discernir sobre como defender o coiro em caso de uma investida dos turras. Ainda não se lhe tinha esgotado o ar de Monalisa, e atirou-nos, agora ele, com uma exclamação surpreendente:

- É aquele trio!!.

Interiorizando a intenção do capitão, de se refugiar ali em vez de comandar a tropa a partir das Transmissões, um pouco mais além, o Marino caracterizou em voz alta, divertida, e imediatamente:

- Um trio de merda!.

Voltámos as costas e rimo-nos da ideia extraordinária.


Estória n.º 3 - (compacto de duas)

3.1


O Virgílio Fernandes foi um Foxtrot de comportamento irregular e surpreendente, em conformidade com o nível de sobriedade que apresentava. Felizmente essas oscilações apresentam um saldo positivo, que acentuaram um camarada solidário, bem disposto, bem educado, e orgulhoso do grupo a que pertencia. No entanto, quando bebia excessivamente, tornava-se resingão e chato, inoportuno, provocador, como é norma desses estados comportamentais.

Tive com ele uma única situação dificil, que acabou por se resolver sem deixar marcas de frustração.

Mas trago o Virgílio à colação, para relatar dois episódios em que foram intervenientes, ele e o Trapinhos.

Quando pretendia beber e não tinha dinheiro, o que era frequente, o Virgílio insinuava-se, pedia que lhe oferecessem e, se não dava resultado, fazia trabalhos, "arranjava" géneros alimentares para o petisco, podia tratar de armas, o que fosse preciso.

Um dia, junto à cantina, virada para a parada e ao lado do edíficio do comando, apostou que apalparia o cú ao Trapinhos. Feita a aposta, e porque o "alvo" se encontrava sob o alpendre da secretaria, lá foi o Virgílio naquela direcção, improvisando uma dança a solo, com passos curtos para um lado e outro, até se aproximar o suficiente para lançar uma mão às nádegas que lhe valeriam a cervejinha.

Alcançado o objectivo, o Virgílio desatou numa risada em direcção ao parceiro da aposta, reclamando vitória e o prémio, enquanto à porta da cantina algum pessoal fazia comentários e ria sobre o que acabavam de ver. Nesse dia, ainda houve outra aposta de igual teor, que o Virgílio ganhou, e celebrou no meio de espalhafatosas manifestações.


3.2

O outro episódio aconteceu após a chegada do Trapinhos, que estivera na Matrópole em gozo de férias.

Ainda sob o mesmo alpendre, numa ocasião em que descontraidamente ali permanecia algum pessoal, o Virgílio terá perguntado se as férias tinham corrido bem, ao que o Trapinhos correspondeu a dizer que sim, claro, e ajuntou algumas razões para a sua satisfação. Até que levou a mão ao bolso da camisa, tirou uma fotografia, e mostrou-a ao Virgílio que especava os olhos no retrato.

- Quem é? - perguntou este.

- É a minha mulher! - respondeu o Trapinhos.

Seguiu-se um silêncio que o Trapinhos interrompeu com uma pergunta:

- É boa, não é?.

Isto foi o que se comentou durante alguns dias, e a que o Virgílio juntava algumas propostas de intenção, esclarecendo sobre as virtudes fotográficas evidenciadas, enquanto o pessoal ria despregadamente com as narrativas.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6118: História da CCAÇ 2679 (34): Situação geral em Novembro de 1970 (José Manuel M. Dinis)

Guiné 63/74 - P6235: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (11): Os dias da batalha de Guidaje, 31 de Maio e 1 a 12 de Junho de 1973

1. Chegamos assim ao fim do relato dos dias da batalha Guidaje que descreveu os acontecimentos de Maio de 1973, feito pelo nosso camarada Daniel Matos (ex-Fur Mil da CCaç 3518, Gadamael, 1972/74).


Os Marados de Gadamael

e os dias da Batalha de Guidaje


Parte XI

Daniel de Matos

Os Dias da Batalha


31 de Maio

Poucas vezes na vida o nascer do sol nos terá sabido tão bem. Desta vez, acho que todos conseguimos dormir profundamente umas quantas horas seguidas e todos acordámos cedo e nos pusemos de pé num único impulso. Falo sobretudo de Os Marados de Gadamael, pois há camaradas que terão como tarefa regressar a Guidaje e ficar mais uns tempos por estas paragens, designadamente as companhias que chegaram anteontem e sem as quais ainda estaríamos sitiados. A missão dos pelotões da CCaç 3518 acabou, “o sibe chegou ao seu destino”, há soldados que se dizem prontos a festejar a próxima noite no Pilão!...

Ainda não eram oito horas e já tínhamos atravessado o rio para a margem esquerda, o motor da jangada até parecia querer pregar-nos uma partida, mas lá se aguentou. Quando arrancamos grita-se “está na mala”, “prego ao fundo, ó condutor”, “putas vão-se lavando que Os Marados vão a caminho” e outros ditos próprios da época e do estado de espírito, que guerra e soldados são assim mesmo em qualquer tempo, em qualquer lugar!

Troços da estrada Farim/Bironque/Mansabá

Com essa mesma alegria abrandamos a velocidade na passagem pelo destacamento K3 (antiga tabanca de Saliquinhedim) e, recebida a ordem do comando de Farim, apagamos os sorrisos e aí vamos em direcção ao sul, andamento moderado. Agora vamos todos motorizados e é sempre pelo alcatrão, pelo menos não haverá minas sob os pneus (o que não significa que a estrada não possa estar armadilhada num sítio qualquer).

Seremos, porém, os campeões do infortúnio. A pouquíssimos quilómetros do K3, de súbito, estoira nova emboscada. As primeiras roquetadas despoletam-na e limpam as viaturas da frente: o primeiro Unimog é destruído e o seguinte incendiado. Há um homem que acciona uma mina com o peito. Para se abrigar das balas das Kalashnikov que entretanto começaram a cantar à nossa volta, lança-se para trás de um “baga-baga” (rijo, à prova de bala, construído por formigas térmitas, chama-se morro de salalé, em Angola), e os fragmentos do seu corpo são espalhados por um diâmetro incalculável. Durante largos minutos há tiroteio de armas ligeiras na frente da coluna. Os homens das viaturas não atingidas, entre os quais nos incluímos, saltam para as bermas e tentam também reagir com prontidão. Seguimos sensivelmente a meio e não avistamos os atacantes, embora algumas balas vão zunindo muito próximas. O IN retira-se e há pessoal das NT que tenta a perseguição, mas é mandado parar. A artilharia do destacamento K3 bate a zona do lado direito da estrada durante alguns minutos. Um Unimog passa a toda a velocidade em sentido contrário, na direcção de Farim. Leva feridos. Um deles, sentado no banco de espaldar e amparado por dois camaradas, leva o joelho garrotado, perdeu a perna daí para baixo.

Destacamento do K3

A coluna recua até ao destacamento para se reorganizar. A zona de onde os combatentes do PAIGC lançaram o ataque continua a ser bombardeada pela nossa artilharia. Ao longo da estrada, em frente ao K3, esperamos pelo Alouette que vem evacuar os feridos. Depois do helicóptero carregar as macas e levantar voo a coluna/auto põe-se de novo em andamento. Quando passamos pelas viaturas destruídas, ainda estão a fumegar. Atingimos Mansabá, vamos para Mansoa na expectativa de novos contactos com o IN, se nada se passou no enfiamento do Mores é porque talvez nos safemos… Safámo-nos!

Uma coluna na estrada Mansabá-Farim

Com a alegria estampada nos rostos chegamos ao COMBIS, em Brá (não longe do quartel dos comandos e a pouca distância da Base Aérea e Aeroporto de Bissalanca), por volta às 17 horas. Aqui sim, o nosso péssimo aspecto mete dó aos transeuntes, assusta as pessoas com quem nos cruzamos. Olham-nos com ar espantado, como se vissem lobisomem! As próprias caras dos camaradas da nossa companhia se dividem entre a alegria de nos ver e a perplexidade.

O pessoal marado vem ao nosso encontro, sai da caserna, da secretaria e vem-nos abraçar efusivamente, andamos de ombro em ombro, não menos eufóricos. O furriel Quaresma – o vagomestre a cujos manjares devíamos tamanha elegância! – fica admirado por me ver à sua frente:

– Estás vivo? – pergunta-me.

– O que te parece? Não sou nenhum fantasma!

Confessa que no jornal da caserna o meu nome integra o rol dos que tinham sucumbido, já quase me tinham cantado a missa do sétimo dia, quem morreu afinal?, no COMBIS ninguém sabia ao certo. Chica, como se as transmissões não funcionassem! Esclareço-o das baixas e pergunto pelo Alexandre Castro, o nosso mangas-de-alpaca, que afinal está de férias na sua Amadora. Ainda assim, vou direito à secretaria, ao primeiro-sargento António Fagundes Neves, para ver se tenho correio. Diz-me “lá se safaram de mais uma” e passa-me um braçado enorme de cartas, jornais e revistas.

Antes do banho, cubro a manta da cama com a correspondência acumulada, que inclui cassetes recebidas dos meus amigos Acácio, Cipriano e Fernando, que em Lisboa faziam o favor de me gravar as últimas novidades, incluindo os discos que eu recebia regularmente de Londres (através da Tandy’s Records) e cuja audição era uma ajuda preciosa para aguentar a difícil passagem do tempo. Leio em diagonal as cartas mais recentes e apercebo-me do que já esperava: uma grande preocupação familiar pelo meu inabitual silêncio e pelo meu estado de saúde.

À porta do quarto surge um ordenança que me vem convocar para ir ao segundo-comandante do COMBIS (o comandante está ausente, também de férias). Fui assim mesmo, botas sem meias nem atacadores, as pernas das calças transformadas em badanas, totalmente descosidas da braguilha para baixo. Apresento-me no gabinete do nosso Major que me mira de alto a baixo, me pede para lhe contar o que se passou nestes dias e qual o estado do pessoal em termos psicológicos. Faço o meu resumo, mais ou menos cronológico, digo o que penso com algum azedume e entrego-lhe o papelucho que havia rabiscado em Farim, supostamente o croquis dos mortos que tivemos de deixar em Guidaje. Diz-me que por agora posso ir descansar e que no dia seguinte voltará a chamar-me para me pedir um relatório escrito e mais detalhado (o que não virá a acontecer).

Dirijo-me ao banho. Mando as calças para o lixo. Dispo o dólmen. De tão esticado e teso, pego-o pelo colarinho e pouso-o no chão. Fica de pé, como se o enfiasse num cabide de alfaiate! Não há a água quente que me apetecia (como seria bom um longo banho quente, de imersão), porém, a água que escorre do duche é tépida e nem sei quanto tempo fico a desfrutá-la. Enquanto isso, lavo o quico com champô, até desaparecerem as principais manchas de suor e de todos os merdelins. Aproveito para não desfazer a barba e andar assim mais um tempo (desde que começou a crescer-me que a uso crescida, salvo agora, por impedimento do RDM).

Antes do sol se pôr, já eu, o Ângelo e o Cruz tínhamos apanhado boleia para a cidade e estávamos frente ao forte da Amura (perto do cais de Bissau) a tirar fotografias, aguardando pelo furriel famalicense José Lopes Silva, que ficou de se encontrar connosco na 5.ª REP (esplanada do Café Bento, conhecido pela abreviatura de “5.ª Repartição”) e depois irmos à Cervejaria Solmar petiscar uma valente mariscada! Seguiu-se um alguidar de ostras e uma travessa de camarões no Pelicano e, devido à quantidade de líquidos ingeridos, já não me lembro o que foi o resto!

Fatal como o destino, enquanto caminhamos pelas ruas da capital encontramos sempre alguém conhecido, ou por ter estado connosco na recruta ou na especialidade, por ser conterrâneo, etc., e enquanto esclarecemos perguntas sobre Guidaje recebemos péssimas notícias de uma Gadamael cercada e com inusitado número de baixas. De Guileje também se fala, mas pouco ou nada resta para contar, salvo alguém ter garantido que o major Coutinho e Lima, ex-comandante do COP 5 e que ordenou a retirada em tempo útil de Guileje, andaria agora em Brá a jardinar no quartel, por estar detido preventivamente pela cegueira do governador. Outro alguém contra-diz-que-disse que o major estaria mesmo preso por ordem de Spínola, – e não simplesmente com detenção num quartel, – e que tal gesto provocara uma onda de indignação entre unidades do exército, em particular, as de Gadamael, Guileje e Cacine.


1 a 12 de Junho

Para os que ficaram em Guidaje os dias não passaram a ficar fáceis. Depois da Ametista Real e da operação que nos permitiu romper o cerco e regressar às origens, foi notório o abrandamento das flagelações. Só que a ligação ao mundo exterior manteve-se muito arriscada. O pessoal de Binta e Nema/Farim não teve melhor sorte, alinhando em patrulhas a colunas para cima e para baixo. A CCav 3420 permaneceu em Guidaje mais alguns dias e depois ainda ficaria em Binta até final do mês. As operações de patrulhamento aumentaram bastante em toda a região. Binta passou mesmo a ser o núcleo centralizador das mesmas, recebendo bastantes reforços durante o mês de Junho, sobretudo a 3.ª Companhia do BCaç 4514 e, já em Julho, a CCaç 4745.

Agora o IN diversifica os alvos, reforça as linhas de penetração fronteiriças de Lamel e Satitó e flagela aquartelamentos e aldeamentos em redor, dando “água pela barba” às companhias do BCaç 4512. A tenebrosa picada de e para Binta continua problemática, contudo, já não é o que era. Percorrer aquele caminho é navegar num mar de estilhaços, de invólucros de munições de todos os calibres e de viaturas esventradas. E, claro está, de ossos, que em boa parte dos casos ninguém sabe já a quem pertenciam, serão de “soldados desconhecidos” para todo o sempre. A diversidade de percursos rasgados entre Binta e Guidaje para contornar campos de minas era tamanha, que a picada tinha extensões que mais parecia uma auto-estrada de várias faixas, construída, apesar de tudo, com alguma facilidade, graças à constante planície do terreno.

A partir de Janeiro de 1974, após longo trabalho de desminagem, pessoal diverso de Engenharia e o BCaç 4512, com um reforço do BCaç 4516, iniciariam a abertura da estrada (verdadeira) Binta/Guidaje, quase em linha recta. No 25 de Abril de 1974 a obra estava no Cufeu, ao lado da bolanha de más memórias...

Só a 12 de Junho a operação de rompimento ao cerco de Guidaje é dada por concluída. O Tenente-Coronel Correia de Campos, comandante do COP3, participa numa coluna e vem com a sua comitiva para Binta, onde durante este mês se concentram as atenções. Calcula-se que o IN, depois de obrigar ao deslocamento de tantos efectivos das NT para proteger Guidaje, e após ter forçado ao abandono de Guileje, concentra agora o seu potencial atacante à volta de Gadamael, tendo por objectivo tomar a aldeia.

Para nós, em Brá, seguem-se dias tranquilos. Quem mandava quis-nos dar “descanso”, – merecidíssimo, digo eu, embora igual merecimento devesse ser extensivo aos camaradas das outras unidades (sei bem que isso é impossível)! Brinda-nos com um punhado de semanas sem escala para fazer colunas, disso beneficiam também os dois pelotões da Companhia que não “alinharam” em Guidaje. Pessoalmente, creio que só voltei a Farim no início de Julho, antes da Companhia abalar para Bafatá. E recordo-me que pouco antes de alcançar o destacamento K3 ainda jaziam à beira da estrada, no local da emboscada de 31 de Maio, os Unimog completamente queimados. Foi nesses dias que aproveitei para conhecer Bissau mais em pormenor, visitando bairros a pé, o mercado de Bandim, etc..
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 22 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6211: In memoriam (40): Pequena Homenagem ao Piu, da CCaç 3520/Cacine (Daniel Matos)

Vd. postes da série já publicados:

16 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6000: Os Maradados de Gadamael (Daniel Matos) (1): Por onde andaram e com quem estiveram?

18 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6014: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (2): Levar a lenha e sair queimado

20 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6027: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (3): Os dias da batalha de Guidaje - Antecedentes à nossa chegada

24 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6041: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (4): Os dias da batalha de Guidaje, 15 a 18 de Maio de 1973

30 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6069: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (5): Os dias da batalha de Guidaje, 19 de Maio de 1973

2 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6090: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (6): Os dias da batalha de Guidaje, 20 e 21 de Maio de 1973

5 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6108: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (7): Os dias da batalha de Guidaje, 22 e 23 de Maio de 1973

14 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6154: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (8): Os dias da batalha de Guidaje, 24, 25 e 26 de Maio de 1973

18 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6178: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (9): Os dias da batalha de Guidaje, 27 e 28 de Maio de 1973

21 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6201: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (10): Os dias da batalha de Guidaje, 29 e 30 de Maio de 1973

Guiné 63/74 - P6234: Parabéns a você (109): David Guimarães, o melhor rapaz da Tabanca do Xitole (Luís Graça)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 2716 (1970/72) > Vistas aéreas da tabanca e aquartelmento do Xitole, em 1970, no tempo seco... Aqui viveu, combateu, sonhou, sofreu, suou, amou, tocou viola e sobreviveu, nestes vastos domínios, o nosso camarada David Guimarães que está há seis anos connosco, na Tabanca Grande... No seu bilhete de identidade, diz-se que é um SEXA. Faz anos hoje, 62 se bem li. O ano passado (e anos anteriores) passou, discreto e incólume, por entre as fiadas de minas & armadilhas da margem direita do Rio Corubal, mas este ano foi apanhado pelo Pel Ref Info do Carlos Vinhal... Em suma, passa a estar cadastrado. E a pagar imposto de palhota. O Parabéns a Você foi bisbilhotar a sua (dele) ficha. Sabe-se, por exemplo, que é casado com uma santa, de seu nome,  Lígia. Vive em Espinho, ou dorme lá de vez em quando. Trabalhava no Porto, na Segurança Social, mas deixou-se dessas lides, reformou-se, que o trabalho é bom p'ró mouro... Consegue cometer a proeza de ser filho de um herói da I Grande Guerra!... Gosta de saltar de tabanca e tabanca. E anda sempre acompanhado da sua viola, pronto para o que der e vier. É um dos últimos heróis, românticos mas trôpegos, do Séc.XX.  na Tabanca Grande, seguramente, um senador, um grande senhor...  Faz parte de várias máfias, do Triângulo Verde & Rubro Bambadinca-Xime-Xitole até à Tabanca de Matosinhos...É fã do fado de Coimbra. E, claro, é também um Grande Dragão. O pior que lhe pdoe acontecer na vida é um dia não poder ir ao Encontro Nacional da Tabanca Grande. Fará tudo, mas tudo, para alterar a data, incluindo remover céus e montanhas, entre Espinho e Monte Real... Este artista é PORTUGUÊS!... e merece uma salva de palmas!!! Parabéns, David, em meu nome, e dos restantes editores e demais camaradas e amigos... Este anmo tens direito a rancho melhorado! Para o ano logo se vê... LG

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados





Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 2716 (1970/72) > O Guimarães, um perito em minas & armadilhas, com uma beldade local, a Helena, por sinal bem produzida...

Foto: © David Guimarães (2006). Direitos reservados


Em matéria de saias (ou melhor, de panos presos à cintura), o nosso David também tinha opinião abalizada e falava de cátedra. Escreveu ele um dia, ajudando também a quebrar um certo tabu (ou simples pudor dos machos) *):

 Também é importante todos dizermos que, nesse capítulo, não fomos nem santos nem pecadores. Eramos humanos, soldados que passávamos uma vida metido entre matos, entre perigos e guerras esforçados... E pela noite dentro, a escapadela da ordem, na tabanca. Ai que maravilha!... Foram muitos e belos romances... E aqueles que podiam ir a Bafatá, eram uns sortudos... Eu só no fim da comissão é que soube o que era Bafatá!...


Lembro-me de um romance de um camarada que comprou a liberdade de uma mulher. Os nativos pensaram que ele se tinha casado com ela... Bem, porreiro para ele! Não é segredo, foi verdade, e a testemunha foi o chefe de posto, isso mesmo, aquele que a mulher - linda ali, no Xitole!!! - morria de amores por um camarada nosso, já falecido...


E o Cardoso (outro furriel que estava lá desde 1966) ... Esse pedia-me para eu fazer guarda mais pela noite... Vinha-me acordar, para eu seguir para a tabanca: vinha sempre de casa da Mariana, com as calças na mão, descomposto... E ria, ria... Lá ia eu, sempre furioso:
- Seu porco! - e ia ter com a Mariana e ela, coitada, queixava-se:
- Guimarás (pronúncia dela), Cardoso manga de tolo, mas Mariana gostar dele (...)

Cabo Verde > Pano tradicional > Mulher às voltas do tachos e panelas...

Foto: © Luís Graça (2006). Direitos reservado

Mas há outras facetas menos conhecidas do David, que é um homem emotivo, com a sensibilidade à flor da e pele e o coração ao pé da boca... Enfim, faceta menos conhecida sobretudo por parte dos mais periquitos do nosso blogue... Por exemplo, ele que é um rapaz de bom gosto e bom senso, ninguém o está  imaginar a fazer uma incursão noctívaga ao Pilão, sem apoio aéreo, só munido de um faca de ponta e mola. Deixemo-lo contar a peripécia. (Ah!, é também um grande conversador e contador de histórias):


Em 6 de Abril de 1971 - ai foi há dias ! - , regressava eu das férias que tinha vindo gozar à metrópole… Chamava-se licença disciplinar - alguém me saberá explicará porquê, o Marques Lopes pelo menos saberá, teve tempo de aprender, poça !.... - mas era assim que se chamava...

E Lisboa ficava para trás, víamos as luzes, lindas. Voltávamos ao escuro... O Branquinho e eu... Sim, sim, esse mesmo que estava em Fá Mandinga e era mais Alentejano que eu - pois ele era de lá e eu não... No ar, a ver Lisboa ainda, diz-me o Branquinho:
- Guimarães, dói-me a cabeça...
- Chama a hospedeira, toca nessa campainha! - Que linda bajuda veio até à nossa beira...
- Faz favor...
- Olhe, fazia o favor, dói-me a cabeça...
- Momento - disse a hospedeira, linda (ou ... nós achávamo-la linda).

Daqui a pouco aí vem ela com um copo de água e uma pastilha que entrega delicadamente ao Branquinho, dizendo-lhe:
- Se não passar com isso chame que eu dou-lhe outra coisa... - E lá foi...
Ele vira-se para mim e pergunta:
- Que será? - Eu respondi, a rir, claro:
-Dorme...

Daqui a pouco, ilha do Sal e logo depois Bissalanca... e lá estávamos nós outra vez na Guiné... Caminho para a pensão Chantra - ou Chantre, já não me lembro… Bom, não interessa, era uma residencial onde se dormia. Que não era má e sobretudo não era cara, aliás nada era caro naquela terra ... para quem tinha dinheiro. E isso havia. Uma coisa: os graduados tinham, os outros nem tanto, parecia injusto, mas enfim...

Café Portugal ... que lindo, comprámos uma navalha cada um, três estalos (é que as havia de cinco). Aquela era de três. Mais um ronco... Aproveitei e comprei um relógio Seiko: que maravilha, trabalhava bem, o outro que eu tinha já havia apanhado água do rio Poulom… Mas, curioso, quem mo vendeu ficou com ele.... Esta do relógio nem conto, é mesmo de combatente e ignorante nestas merdas: não tinha rubi nenhum, mas funcionava, que se dane ! E dizia 17 ... Made in Japan. Fui a saber e parece que era made in Canarias....

À noite uma volta... Sim lá para o escuro, para lados de Pilão... Porra, a certa altura uma mulher a gritar por não sei quem... Poça, vamos lá, era o único lugar com luz... De trás da árvore surge uma voz:
- Oh furriel, furriel!?

Furriel ?... Mas nós estávamos à civil !... Bem, lá atendemos às solicitações da mulher, nem sei o que ela queria, e afastámo-nos rapidamente para os lados da luz, os canivetes de 3 estalos abertos no bolso… Correu tudo bem, lá chegámos à residencial... Bem, aconteceu nada, mas como é que nós éramos furriéis, vestidos à civil ? Fiquei a matutar nessa:
- Mistério…

E aí vou eu, passados dois dias. Lá aparece transporte para Bambadinca.... Barco civil, partida às três horas da manhã quando do macaréu… Tive tempo de levar o capitão do barco para o Bento e lhe dar vinho q.b. para ver se ele não ia... Bem, mas foi, levou o barco o ajudante dele... Mais duas garrafas de Casal Garcia para eles, pró caminho....

Passadas 13 horas estava em Bambadinca.... Lembrei-me do Camões, em perigos e guerras esforçados, pois que passei em cada sítio mais estreito do Geba!... Ainda bem que estava num barco a que chamávamos o barco dos turras, senão tinha apanhado um balázio na cabeça... A guerra existia aí, ao lado, Ponta do Inglês, Ponta Varela, do outro lado o Enxalé, mais à frente o Mato Cão… Mais isto e mais aquilo onde tanta porrada havia e eu, ali, num barco pequeno, cheio de géneros, o capitão caído de bêbado e foi o imediato que conseguiu atracar ao cais de Bambadinca...

Segui um cabo da intendência que era o responsável por aquele material.... Não, para o Branquinha tinham arranjado outro transporte, não me lembro agora. Coisas do destino: queriam que eu fosse naquele cruzeiro...

Finalmente, passadas 13 horas, estava eu dentro do Quartel em Bambadinca a fazer a barba para me ir apresentar ao segundo comandante… Merda, parecia a prova de matemática da maioria dos alunos de agora… Estava cansado e derrotado... Vou ter com o Alferes de Serviço, um rapaz do batalhão que me levou ao AC [Anjos de Carvalho]:
- Meu Major, eu venho de tal parte e vou para tal parte… -
Ena, que sermão!
- Vá aprender a apresentar-se!

Lá saí eu do gabinete, envergonhado, porra que o homem era maluco.... O Alferes dizia:
- Guimarães, ele faz sempre isto....
A seguir fui ao Saúl... aquele bom 1º Sargento que bebia muita aguardente e perguntei:
- Meu primeiro, como é que me eu vou me safar deste caralho ?
- Guimarães - dizia ele no seu inconfundível sotaque açoreano - tens que dizer como na recruta: Apresenta-se o Furriel tal, nº tal , que vem de tal parte e se destina-se a tal parte, por motivos de ....
- Vamos lá - disse eu para o lferes -, vamos lá ver se cola agora…
- V. Excia dá-me licença, meu major ?
- Sim, senhor! - responde ele, perfilado. – Apresenta-se a V. Excia o Furriel miliciano nº 17345368 Guimarães, pertencente à CART 2716 que se encontra em trânsito para a Companhia por motivos de ter cessado a sua licença disciplinar...
O Major, agora mais calmo, diz:
- Poça, vocês sabem apresentar-se porque não o fazem de imediato ?!
- Saiba V. Excia que venho de barco civil de Bissau há 13 horas e ainda não me encontro refeito da viagem…Para além disso ando medicado com Valium e a falta de descanso, de um cigarro e de um bom sono teria sido a causa da minha má apresentação.
O homem senta-se e diz:
- Guimarães, calma que nós já nos conhecemos da Pesada 2 [Vila Nova de Gaia] … Tome um cigarro e depois vá descansar… Agora sente-se aí...

Ai, quando saí de lá e contei ao Oficial de Dia, ele ficou espantado:
- O quê, ele fez-te isso?
E lá fui eu para a Tabanca do Brito.... Sim, foi lá que eu fiquei dois ou três dias até ter transporte para o Xitole....

E, pelo fim de tarde, o Machado e o Vacas de Carvalho, este á Viola, cantavam a cantiga com que comecei o texto... Era assim: o Vacas de Carvalho tocava e cantava e o Machado cantava com ele:

Lá porque usas sacola
e só por isso te dão esmola...
etc., etc.

Foi a primeira vez que ouvi esta tão linda cantiga e lembrei-me de mim, pelo meio dia, em frente ao temível Major, aquele Major a quem o Luís chamou uns nomes bem apropriados… Mas era assim... E mais me lembrava daqueles que, no mato, lutavam por aquilo que era deles, e lembrava-me de mim e de nós que ali andávamos... A fazer o quê, afinal ?

E eu que, quando estava com cerveja a mais, só tocava o silêncio por preferência - aquilo que os outros gostavam e pediam… Agora, mesmo sem uma cerveja, tocava esta também, no Xitole:

Lá porque usas sacola
e só por isso te dão esmola...

Porque era linda e fazia mais sentido ....

Um abraço.... David Guimarães


PS - Na altura tinha eu no aquartelamento um livro - Repórter no Vietname.... Porra, se o gajo tivesse ido à Guiné morreria mesmo, não de uma bala na cabeça mas só de susto....




Porto > Tertúlia do Porto > 24 de Maio de 2006 > O David Guimarães e o António Marques Lopes, da nossa... Tertúlia do Porto... O nome acabou por não ir avante, ou melhor, a Tabanca de Matosinhos acabou por vingar, agregando camaradas nossos do Grande Porto... E mais uma vez, o David estava lá, para a posteridade, para a história, para a fotografia.

Nessa noite fazia-se as honras ao famoso Chabéu de Frango, do Braima, um guineense que tinha (espero que ainda tenha) um restaurante no Centro Comercial de Santa Catarina, no coração do Porto...

E na legenda da foto, escrevi: "Pois é, amigos e camaradas, a nossa caserna, porque é virtual, não tem limites físicos, tal como o universo está em permanente expansão...Por isso, é bom saber notícias dos amigos e camaradas que se juntam para beber um copo, matar saudades, tabaquear o caso (como dizem os alentejanos), seja no Porto ou em Bissau... Eles foram dos primeiros a arranjar lugar na nossa caserna virtual, por mão do Sousa de Castro (se a antiguidade fosse um posto, entre nós, o Sousa de Castro hoje era marechal)... Entretanto, vamos continuando a marcar encontro, todos os dias, no Luís Graça & Camaradas da Guiné... Até um dia a gente decidir encontrar-se, mesmo de verdade, olhos nos olhos, para beber um copo, matar saudades, tabaquear o caso, incluindo o Zé Neto que é o veterano dos veteranos mas que, neste momento, anda a travar uma luta danada contra o cigarro: por favor, não lhe falem em tabaquear... coisa nenhuma!"...

Infelizmente, o Zé Neto (1929-2007) já não está cá para nos honrar com a sua companhia, o seu humor sarcástico, a sua experiência: era o patriarca do blogue, a morte privou-nos, cedo, da sua sua presença afectuosa e amiga... Resta-nos a sua lembrança, a sua saudade, os seus escritos...

Foto: © David Guimarães (2006). Direitos reservados


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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 17 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXLVIII: Nem santos nem pecadores (David Guimarães)



Guiné 63/74 – P6233: Actividade da CART 3494 do BART 3873 (6): Parte 6 (Sousa de Castro)

1. O nosso Camarada Sousa de Castro (*), que foi 1º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74, enviou-nos a sexta parte da actividade desenvolvida pela sua Companhia, em 20 de Abril de 2010, dando continuidade ao relato publicado nos postes P5965, P5986, P6019, P6088 e P6132:
ACTIVIDADE DA CART 3494 DO BART 3873 NO TEATRO DE O. P. GUINÉ (7)
DEZEMBRO1971/ABRIL 1974
Este texto foi elaborado a partir do livro:
BART 3873 “HISTÓRIA DA UNIDADE”
CART 3492 – CART 3493 – CART 3494
NA GUERRA CONSTRUINDO A PAZ
(autor desconhecido)

13º FASCÍCULO

ABRIL 1973

Nota do editor:

Muito embora a CART 3494 tenha mudado para Mansambo, devido à baixa moralização da Companhia, continuarei a divulgar os acontecimentos no Sub-Sector do XIME para perceberem o quanto aquela zona era importante para o P.A.I.G.C. (Partido Africano Independência Guiné e Cabo Verde)
S.C.

59. SITUAÇÃO GERAL

- A utilização dos mísseis anti-aéreos pelo P.A.I.G.C. colheu de surpresa as Forças Armadas. Daí derivou uma redução da actividade aérea militar e civil e um consequente crescimento no poder agressivo da guerrilha e transtorno das comunicações aéreas.

Embora as aeronaves destruídas o tenham sido fora do Sector L-1, o certo é que o acidente teve ali as suas sequelas, como aliás em toda a Província.

60. TERRENO

- Nada de mencionável se verificou no período.

61. INIMIGO

a)Sub-Sector de Mansambo - CART 3494

- A 07 pelas 07,00 horas MANSAMBO é flagelado por MORT. 82 sem consequências.

A última flagelação deu-se em Agosto de 1972, portanto há 08 meses.

- No dia 10 ás 06,00 horas forças da CART 3494 detectaram e levantaram em (XIME 7A1-91) 03 minas A/P (anti-pessoal) e 01 A/C (anti-carro), reforçadas com granadas de morteiro e ligadas por cordão detonante.

b) Sub-Sector do XIME - CCAÇ 12

- A 06 às 18,30 horas o aquartelamento do XIME foi flagelado por canhão S/R e Mort. 82, durante 15 minutos s/consequências.

- A 13 às 17,45 horas nova flagelação por 02 Mort. 82, RPG’s e armas pesadas, S/consequências.

OBUS 10,5 cm

c) Conclusões

- Chama-se atenção para o Sub-Sector de MANSAMBO, onde a actividade IN que há muito não se fazia sentir, ressurgiu através implantação de engenhos explosivos e o ataque à distância ao aquartelamento.

É crível que tendo as informações do P.A.I.G.C. sabido um dos motivos porque a CART 3494 fora para ali transferida ~ baixa moralização da Companhia, tenha tentado com sua insistência, pôr em desespero as NT lá estacionadas.

Ainda assim o ponto mais alvejado no Sector L1 não deixou de ser o XIME.

62. POPULAÇÃO

- O Pel. Mil. 370 de SANSANCUTA pediu que se fixasse na antiga tabanca abandonada, denominada SINCHA BAMBÉ.

A ocupação da primitiva localidade foi rodeada por um cerimonial confraternizador e significativo, na medida em que uma povoação morta desperta para a vida da GUINÉ.

Estiveram presentes o CMDT. Do BART 3873, COR ARTª ANTÓNIO TIAGO MARTINS cujo topónimo da terra natal STA. CRUZ DA TRAPA foi atribuído à renascida povoação por sugestão dos milícias, o Régulo de BADORA, MAMAFU BONCO, os chefes das tabancas vizinhas e população.

Uma lápide ali colocada ficou assinalando o acontecimento.

63. NOSSAS TROPAS

a) Acções e Operações Mais Importantes

- Acção «GOLIAS 15» na protecção à coluna reabastecimento BAMBADINCA / MANSAMBO / XITOLE / SALTINHO / BAMBADINCA, por 03 Gr Comb da CART 3492, 02 da CART 3494, 01 cedido pelo BCAÇ 3872 e outro da mesma unidade em reforço à CCS/BART 3873.

Sem contactos.

- Em 10, das 05,00 às 16,00 horas a acção «GUARIDA 28» pela CCAÇ 12/XIME a 03 Gr Comb na região da PTA VARELA. Foi escutada pela nossa rádio «ONKYO» uma transmissão em Espanhol.

- No mesmo dia foi a acção «GABÂO 9» por forças da CART 3492 a 03 Gr Comb. e CART 3494 a 02 Gr Comb.. Estas ultimas detectaram e levantaram 03 minas A/P e 01 A/C em (XIME 7A1-95).

b) Conclusões

- A presença de cubanos na PTA VARELA, como pessoal especialista, veio novamente confirmar-se pela transmissão captada.

- A implantação de 04 minas no Sub-Sector de MANSAMBO está na linha do tipo de acções que o IN põe em prática neste compartimento.

Remete-se a este respeito para a alínea c) do número 61.

c) Alterações ao Dispositivo

- No Sub-Sector de MANSAMBO/CART3494 o PEL do ENXALÉ regressou à sede da Companhia.

- No Su-Sector do XIME/CCAÇ 12 ocupou no ENXALÉ o lugar deixado pela saída do Pel. da CART 3494.

14º FASCÍCULO

MAIO 1973

64. SITUAÇÃO GERAL

_- Nada de sensível teve lugar neste período, quer do nosso lado, quer do lado do adversário.

65. TERRENO

- Começou a estação das «chuvas», fenómeno donde decorrerá a modificação do terreno pelo crescimento rápido da vegetação.

66. INIMIGO

a) Sub-sector de MANSAMBO – CART 3494

- Revelou-se inactivo, ao invés do que se passou em Abril.

b) Sub-Sector do XIME – CCAÇ 12

- Em 15 às 18,05 horas o XIME foi atacado à distância, durante 07 minutos, por canhão S/R e Mort. 82 mm. Resultados negativos.

- 13 dias após, outra flagelação, desta vez também com R.P.G. Os 10 minutos de duração da referida acção não conseguiram provocar danos às NT.

c) Conclusões

- O aquartelamento do XIME, com tropa branca ou africana, foi o mais atingido, como já vem sendo tradicional.

- A imperícia dos combatentes do P.A.I.G.C. torna-se flagrante pela inoperância das suas acções contra as NF.

67. POPULAÇÃO

- Há notícia de que o inimigo recrutou coercivamente mancebos nas tabancas (sob seu controle) do POIDON, PTA VARELA, PTA LUÍS DIAS e PTA DO INGLÊS.

Por coincidência, um dos recrutados na PTA VARELA era informador das NT e, furtando-se à vigilância dos coactores, apresentou-se no ENXALÉ. Exemplifica-se, assim, os processos utilizados pelo Partido no angariamento dos combatentes, sabendo-se claramente que deste caso particular se pode subir à generalidade.

68. NOSSAS TROPAS

a) Acções e Operações Mais Importantes

Neste mês, a CART 3494 para além da actividade rotineira (Patrulhamentos, Colunas e outros), não participou em Acções e Operações que mereçam destaque.

15º FASCÍCULO

JUNHO 1973

69. SITUAÇÃO GERAL

- A população sob nosso controle voltou a ser pressionada, depois de decorrida uma larga margem de tempo sobre a última acção do género.

- A navegação do R. GEBA também foi, de novo, agitada.

- De resto, o Sector L-1 manteve-se pacífico, como aliás todo LESTE dum modo geral.

70. TERRENO

- Ainda que as chuvas caíssem escassamente, o terreno cobriu-se de densa vegetação, o que dificulta a progressão das NT em patrulhamentos.

71. INIMIGO

a) Sub-Sector de MANSAMBO – CART 3494

- O inimigo não se manifestou. Assim aconteceu no período transacto.

b) Sub-Sector do XIME – CCAÇ 12

- Em 01 às 01,30 horas um grupo inimigo não estimado atacou o barco civil «BUBAQUE» durante 20 minutos, utilizando RPG e armas automáticas, nas proximidades de SÃO BELCHIOR. A tripulação sofreu 02 feridos graves e 01 ligeiro. O patrão AMANTE ROSA, antes do início dos tiros, ouviu vozes mandar parar, mas prosseguiu a sua rota.

- Em 10 às 18,10 horas um grupo não estimado flagelou 03 barcos civis na PONTA VARELA, durante 05 minutos, com RPG e armamento ligeiro, sem consequências. A Artilharia do XIME reagiu, disparando 08 granadas de OBUS (10,5) 4 04 de morteiro 81.

72. NOSSAS TROPAS

a) Acções e Operações Mais Importantes

- Acção «GARBO 1» de 13 às 17,00 horas a 14 até às 17,00 horas em MANSAMBO/JOMBOCARI/Região de MINA/MANSAMBO pela CART 3494, CCAÇ 12 e CART 3492 que monta emboscada em XITOLE/GALO CORUBAL. A doença súbita de um soldado, a carecer de evacuação e a recusa do guia prosseguir, não permitiram o avanço até ao objectivo.

Cerca das 04,30 horas ouviram-se 02 tiros na direcção S.E.

b) Conclusões

- Pelas acções levadas a cabo concluiu-se que o P.A.I.G.C. organiza postos avançados de vigilância que lhe permitem detectar as NT muito antes dos seus redutos. Concluiu-se também que os guerrilheiros não se fixam em um único acampamento, transferindo-se de acampamento para acampamento.

16º FASCÍCULO

JULHO 1973

73. SITUAÇÃO GERAL

- A flagelação ao barco «MANUEL BARBOSA» na sequência de uma nítida intenção de embaraçar, ou até impedir, a navegação no RIO GEBA (Veja-se a flagelação ao «BUBAQUE» em Junho).

- O relativo abrandamento da pressão exercida sobre as NT

- A colocação da CCAÇ 21 (Companhia de Caçadores Africana) em BAMBADINCA, como unidade de intervenção do CAOP 2.

Foram os três factos acima referidos que definiram o período em causa.

74. TERRENO

- O aspecto não se alterou em relação ao mês passado.

75. INIMIGO

a) Sub-Sector de MANSAMBO – CART 3494

- O inimigo, uma vez mais, não se revelou.

b) Sub-Sector do XIME – CCAÇ 12

- Em 29 às 09,30 horas, um grupo IN não calculado flagelou o XIME durante 10 minutos com RPG, Mort. 82 e Armas automáticas. As NT responderam utilizando L.G. de Foguete, Mort. 81 e OBUS 10,5. As bases dos RPG’s foram localizadas em (XIME 3F6-56). Sem consequências.

- Em 28 às 17,45 horas, um grupo IN não estimado também, flagelou durante 15 minutos o XIME. A nossa reacção desencadeou-se através do Mort. 81 e OBUS 10,5. Desta vez o inimigo, além de Mort. 82, actuou com 02 canhões S/R. Duas granadas caíram próximo do espaldão do nosso OBUS. Sem consequências.

- em 13 às 11,50 horas o barco civil «MANUEL BARBOSA» foi atacado nas proximidades de SÃO BELCHIOR, por 10 minutos. Foi atingido por alguns disparos de RPG e Armas automáticas. A tripulação que nunca perdeu o controle, conduziu a embarcação até BAMBADINCA, onde o ferido (ligeiro) recebeu assistência. O GMIL 309, o PEL CAÇ NAT 54 e o Mort. 81 de MATO CÃO desencadearam o contra-ataque, não conseguindo interceptar os atacantes.

c) Conclusões

- A circulação do tráfego no R. GEBA vem sendo, ultimamente, alvo de forte pressionamento pelo P.A.I.G.C., no sentido de a impedir ou, pelo menos, dificultar.

76. NOSSAS TROPAS

a) Acções e Operações Mais Importantes

- Operação «GUARDEAR 5» de segurança próxima e afastada a BAMBADINCA por ocasião da cerimónia final do 3º Turno de Instrução de Milícias no CIMIL local. Intervieram o PEL REC DAIMLER 3085; 02 Gr Comb. Da CART v3494; PEL REC 3873: PEL’s CAÇ NAT 52, 54 e 63; PE’s MIL 201, 202, 203, 358, 370, 242, 243, CCAÇ 12 e CCAÇ 21. Sem contactos.

b) Alteração ao dispositivo

- A CCAÇ 21= Unidade Africana, ficou aquartelada em BAMBADINCA como força de intervenção do CAOP 2.

77. ACÇÃO PSICOLÓGICA E FORMAÇÃO SOCIAL

- Assumiram o compromisso de honra mais 03 pelotões de Milícia, todos eles pertencentes à etnia FULA. Presidiu à cerimónia SUA EX. GOVERNADOR E COMANDANTE-CHEFE que dissertou sobre os deveres dos milícias. A população da região acorreu em grande número.

- A chegada da CCAÇ 21, com os respectivos graduados africanos, produzirá sobre a população civil uma boa impressão e um estímulo, para mais uma parcela da Província em que predominam os Fulas, pois Fulas são também os militares desta Companhia.

(continua)

Um abraço Amigo,
Sousa de Castro
1º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873

Fotos: © Sousa de Castro (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 – P6232: Estórias avulsas (32): A minha experiência claustrofóbica (António Matos, Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790)


1. O nosso camarada António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, enviou-nos a seguinte mensagem:

Camaradas,

Aqui fica uma pequena contribuição para o blogue:

Uma experiência claustrofóbica

Um “post” da autoria do Vasco da Gama onde descreve com primoroso realismo a tragédia dos 3 cadetes que morrem na lagoa de Mafra foi, em última análise, o leit motiv para me despertar para um outro acontecimento passado comigo que ainda hoje me provoca pesadelos ao recordá-lo.
A manhã corria sorrateira, ao ritmo da instrução militar na aldeia dos macacos...
Os meus antecedentes de ginasta na altura, permitiam-me desfrutar do prazer daqueles exercícios que executava com grande à vontade se bem que haviam dois que chocavam violentamente com a minha estrutura psicológica e que se relacionavam com as alturas (galho, slide e muro) e com a claustrofobia (túnel).
Aquilo era superior às minhas forças e sempre me neguei peremptoriamente a esboçar qualquer tentativa para os abordar.
Com um esforço absolutamente irreal, consegui um dia aventurar-me, perante a insistência do alferes, a caminhar sobre o tal muro.
Estrategicamente coloquei-me com apenas mais um camarada atrás de mim a fazer aquela travessia...
Para quem não conhecer o referido muro posso adiantar que a parte superior era arredondada (o que não permitia assentar direito os pés) e ia adquirindo altura em relação ao chão até chegar a uns bons 3, 4 metros.
Não foram precisos muitos passos para estacar e petrificar com a incapacidade absoluta de dar mais um passo que fosse.
Aliás, a visão do precipício era demolidora e a sensação do desequilíbrio e a queda iminente apavoravam-me.
Ao contar isto hoje provo que sobrevivi mas o trauma manteve-se para o resto da vida ainda que lute acerrimamente para vencer situações do género.
Não foi esta, porém, a estória que aqui quis vir contar.
Nesse mesmo dia, esperava-me pôr à prova uma nova experiência - o túnel.
Quem o fez recordará que dentro dele, só deitados cabíamos e o equipamento (bornal, arma e restante cangalhada) impossibilitava qualquer tentativa de fazer algo diferente de rastejar.
Eu sabia por relatos anteriores que aquele túnel tinha a configuração de um "Y" e que uma das pontas não tinha saída.
10 metros percorridos e a escuridão era total.
A minha 1ª reacção foi negar-me a entrar naquele verdadeiro sarcófago mas condescendi a fazer a experiência na certeza que mal os pés entrassem, eu sairia em alta velocidade e em pré estado de histeria claustrofóbica.
Deixei que todo o pelotão entrasse e eu fui o último.
Psicologicamente fiquei bem pois nada me barraria a saída em caso de necessidade.
Porém, 3 metros percorridos e eis que chega mais um cadete atrasado que tapa a minha hipótese de fuga.
Num esforço titânico, tentei acalmar-me e progredi mais uns 2 ou 3 metros.
Já sem ver nem a entrada nem a saída, toda a gente parou e chega uma mensagem do topo da fila a ser passada de boca em boca que dizia: esta merda não tem saída!, é preciso recuar!
(devo confessar que enquanto escrevo estas linhas o meu ritmo cardíaco já acelerou!!!)
Nessa altura pensei que morreria atacado de alguma apoplexia por via do pavor que se me instalou.
De imediato idealizei o que seria se eu fosse o tipo da frente e esbarrasse numa parede com 30 gajos atrás de mim e ater que esperar que todos eles reagissem no recuo...
Mas tinha que reagir e a maneira mais expedita que arranjei foi gritar para o tipo que estava atrás de mim: "meu caralho, ou sais imediatamente ou dou-te um tiro!"
Acto contínuo, não percebo como, a fila começou a andar novamente e uns segundos depois comecei a ver a luz ao fundo do túnel donde saí que nem uma toupeira espavorida, calculo que lívido, mas vivo!
Foto: © Abílio Rodrigues (2009). Direitos reservados

Talvez tenha sido um bom tirocínio para a posterior vida de "mineiro" que desenvolvi na minha comissão e onde foram treinados até à exaustão… os nervos .
Sei lá...

Abraços,
António Matos
Alf Mil Minas Arm da CCAÇ 2790
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Nota de M.R.:Vd. último poste desta série em:
10 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 – P6139: Estórias avulsas (83): Emboscada em Lamel (Fernando C. G. Araújo, ex-Fur Mil OpEsp / RANGER da 2ª CCAÇ / BCAÇ 4512)

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6231: O 6º aniversário do nosso blogue (26): Parabéns Luís Graça por este Espaço de Memória Futura (Luís Faria)

1. Texto de Luís Faria* (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) chagado até nós, alusivo ao nosso aniversário:

6.º Aniversário do Blogue
23-ABR-2010


Talvez saudoso(?) de uma mocidade que tantos e tantos Camaradas de Armas “formatou” como homens para toda uma vida de Esperança, mas desiludido e apreensivo por continuar a constatar que ao longo de todos estes anos, para muitos se foi dissipando essa Esperança.

A meu ver ficaram e continuam perdidos e abandonados à insensibilidade de uma Sociedade em que fomos esquecidos, maltratados, vilipendiados pela Política, pelos Governos e pela maioria dos nossos Políticos!

Continuamos e continuaremos a sê-lo, enquanto a vida se nos vai esgotando, a menos que consigamos uma chamada de consciência colectiva!

A própria Instituição Militar pouco fez/faz por nós (Milicianos, em especial), por aqueles que a serviram abnegadamente, com tamanha escassez de meios e condições tantas vezes infra-humanas, em Teatros tão exigentes e fatídicos como os do ex-Ultramar Português, esquecendo-os, abandonando-os, não procurando assegurar ou que assegurem, a tantos e tantos, um mínimo de dignidade Humana mais que merecida e devida, deixando-os à deriva com todas as mazelas físicas e psíquicas, que os têm levado à degradação espiritual e física - com consequências tantas vezes funestas - “medalhas” ganhas no cumprimento do dever, em defesa do que à altura, não esqueçamos, também era a nossa Pátria Una e Indivisível, PORTUGAL.

Tudo isto… com a complacência doentia e egoísta da maioria dos Cidadãos (onde os ex - Combatentes se incluem) que, salvo honrosas excepções, individualmente ou em Associação, cumprem com o seu dever de Cidadãos, tentando minorar ao menos um pouco todo esse sofrimento que continua e continuará a grassar pelo nosso País, cada vez mais alienado de uma realidade Histórica passada, que parecem continuar a CONSIDERAR VERGONHOSA, devendo como tal ser esquecida… apagada até, votando ao esquecimento os seus intervenientes “anónimos”, quer os já infelizmente falecidos quer os ainda vivos, esperando talvez que estes últimos acabem por desaparecer e que a cal branca “coma” definitivamente a ”NÓDOA INCÓMODA“!?

Pela parte que me toca, TENHO ORGULHO, MUITO ORGULHO em pertencer a esse Grande Grupo de Portuguesas e Portugueses que ajudaram a escrever uma Página da nossa História, como outros o fizeram outrora.

Incluo Mães, Pais, Esposas, Filhos - que sofreram e choraram (ainda hoje o fazem!), que viveram de outro modo mas à mesma intensamente, esse pedaço da nossa História.

A meu ver, por norma somos na grande maioria demasiado individualistas, acomodatícios, egoístas até, olhando para o lado e assobiando se pressentimos que algo que devamos assumir nos vai tirar do nosso “não é nada comigo… que se cosa!!”

E nós, Ex-Combatentes ainda vivos da guerra do Ultramar, temos o País que não merecemos mas que “aceitamos”, já que também pouco ou nada fizemos ou fazemos para alterar esta e outras realidades.

É neste contexto e talvez a esta luz, que há meia dúzia de anos atrás surge a “CHAMA” de uma vela acesa pelo Luís Graça que, com a complementaridade do Vinhal, Briote e M. Ribeiro, foi evoluindo até se transformar no que é já hoje, um FAROL sinalizador de um espaço de excepção, de Ex-Combatentes que na sua diversidade humana e sociocultural o alimentam com os seus escritos.

Espaço de convivência na pluralidade de opiniões, de transversalidade de vivências havidas, de reabilitação de afectos e emoções, de expurgo de “fantasmas e demónios“.

Espaço de afectos, de amizades, de encontros e reencontros.
Espaço de conhecimento, de saber, de ideias e por vezes de controvérsia.
Espaço (quer-se), de verdade, de autenticidade, de humildade, de tolerância.
Espaço de vida, de “terapia”, de esperança ainda.
Espaço de consulta.

Espaço de “Memória Futura”

Espaço que começa a “prender” a atenção desta nossa Sociedade “amorfa e instalada”, abanando-a podendo vir a ser o início da tal chamada de consciência colectiva, quem sabe ?!

Espaço NOSSO, dos Ex-COMBATENTES!

Parabéns “Luís Graça & Camaradas da Guiné”

Parabéns Mulheres e Homens que mantêm este espaço vivo.

Luís Faria
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 14 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6156: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (28): Teixeira Pinto - O Bolo

Vd. último poste de 23 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6230: O 6º aniversário do nosso blogue (25): Sonho inverosímil (Mário G. R. Pinto)

Guiné 63/74 - P6230: O 6º aniversário do nosso blogue (25): Sonho inverosímil (Mário G. R. Pinto)


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), também escreveu sobre os 6 aninhos do blogue:

SONHO INVEROSÍMIL

Esta noite sonhei com a minha juventude, já longínqua, especialmente nos dois longos anos esforçados nas matas da Guiné.
No sonho revivi todo aquele tempo e nas terríveis e aguerridas sequelas, manchadas pelo sangue desperdiçado em ambos os lados numa contenda, e no seu fim, para mim previsível.
Vi-me transportado num sonho par junto das gentes daquela terra, que me habituei a conhecer e a conviver por força das circunstâncias.
Vi os sorrisos das crianças, deambulando á nossa volta, saltitando sorridentes, alegres e solicitando-me algo para o conforto das suas meninices.
Vi as bajudas do meu tempo, em Mampatá, de peitinhos firmes, provocando pura e ingenuamente os mais profundos e íntimos desejos lascivos dos nossos jovens militares.
Sonhei com os homens e mulheres grandes da tabanca, que já cá não estão para nos contarem histórias e “partirem” conversa como era um dos seus costumes e daqueles que eu mais apreciava.
Revivi na minha memória toda aquela tabanca, mata, trilhos, carreiros, estradas, bolanhas, rios, povoações e, enfim, tudo que por lá calcorreei.
De repente o sonho mudou de cenário e surgiram-me imagens de uma terra florescente, onde os putos que outrora conheci viviam hoje, já homens feitos, uma vida diferente, plena de prosperidade, saudável e com elevados graus de instrução.
Uma comunidade aberta ao pluralismo, onde os grupos étnicos se entendiam em franca, profícua e amena convivência.
Sonhei com uma Guiné-Bissau, explorando bem e cuidadamente os seus fracos recursos territoriais. Com os seus naturais trabalhando activamente as terras e bolanhas, semeando os produtos necessários à sua sobrevivência.
Vi os Guineenses pescando naquele mar rico, arrancando das suas águas o proveito do seu labor.
Vi as paradisíacas praias dos Bijagós tornarem-se em centros turísticos convidativos, atractivos e maravilhosos.
Estava extasiado neste meu sonho, com um sorriso enorme de felicidade, flutuando neste irreal e inverosímil sonho.
Acordei e olhei para um, e outro lado, e logo constatei que não me encontrava na Guiné. Nem a realidade, infelizmente, era aquela que eu tinha acabado sonhado. Antes pelo contrário está muito longe de se aproximar sequer do meu lindo sonho.
Um povo que, acabada a luta contra os portugueses, acreditou num seu futuro bem melhor e com um destino final mais feliz e realizador que o seu grave estado actual.


Ainda a matutar no sonho abri o meu computador, como o faço habitualmente, e, foi neste espaço cibernético, que em boa hora encontrei o blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, que nos tem permitido descarregar as nossas memórias e conviver com Camaradas, que nos vão contando as suas histórias e experiências, sempre com o sonho que é possível, que é o de um dia verem uma "GUINÉ MELHOR".

Parabéns aos Editores, Camaradas e Amigo desta grande obra do Luís Graça e que este 6º Aniversário se converta num hino de Fraternidade e Amizade, proliferando pelas várias tabancas de Norte a Sul do nosso país.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art da CART 2519

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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

23 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6229: O 6º aniversário do nosso blogue (24): No aniversário do Blogue, homenagem à Guiné (Conceição Salgado)