sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Guiné 63/74 – P7190: Controvérsias (106): Venho aqui para vos dizer que estou vivo! (António Matos)


1. O nosso camarada António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, enviou-nos, em 29 de Outubro de 2010, a seguinte mensagem:
Camaradas,
Este é um curto intervalo na minha ausência e anexo este pequeno texto de "Olá, tudo bem?".
Venho aqui para vos dizer que estou vivo!
Não, não me venho apresentar batendo os calcanhares pois esses, coitados, têm-se aguentado é certo, mas precisam de carinhos e até os deixo arrastar de vez em quando pela calçada para não os forçar na colaboração que prestam aos dedos na acção de levantarem os sapatos...
Também não me porei em sentido, de peito feito, com a gravata entre o 2º e o 3º botão da camisa uma vez que já estou um tanto pitosga para depois pegar na agulha e na linha e voltar a pregá-los por terem disparado como balas perante tão ilustre assembleia de barrigudos...
Não cortarei as barbas por estas não estarem de acordo com os regulamentos em vigor...
Não usarei a boina uma vez que a troquei pelo palhinhas...
Não falarei da África, daquela África que foi minha durante 2 anos, onde deixei muito do que de melhor tinha, em prol da libertação do que quer que fosse porque hoje me entristece verificar que se transformou num ponto negro (passe o pleonasmo) da convivência multi-étnica, que não me entusiasma, que me fartou com o espectro da morte, da droga, da degradação generalizada...
Sim, venho aqui para vos dizer que estou vivo!
Venho aqui para mandar um abraço a todos aqueles que ao longo de uns anos me habituei a reflectir sobre as suas reflexões, concordando ou discordando dos respectivos pontos de vista!
Vim aqui para folhear um pouco o blogue e ver que os primeiros postes são, calcule-se!!, sobre Gadamael!
Vim aqui para me certificar que continuam a haver problemas mal resolvidos, quiçá traumas pós-traumáticos que se confundem muitas vezes com protagonismos exacerbados!
Vim aqui e descobri mais um belo naco de prosa na sua capacidade narrativa do Luís Faria!
Vim aqui para me certificar que vocês estão todos muito mais novos do que há um ano atrás o que prova que o sossego que vos possa ter dado foi frutuoso!
Talvez volte por estes lados mais amiudadas vezes mas reconheço que neste momento tenho as minhas atenções mais concentradas na vida nacional quando este ano quintuplicou o número de pessoas a recorrer aos bancos alimentares!
Talvez volte por estes lados mais amiudadas vezes pois o número de entradas ultrapassou os 2 milhões que,  sendo menos do que o nosso défice, já é uma meta bonita!
Por tudo isto, aqui vos deixo um abraço na expectativa de ser postado tão rapidamente quanto possível.
Oxalá.

António Matos
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em:

17 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 – P7139: Controvérsias (105): Sensatez e rigor no nosso blogue (Mário Gualter Rodrigues Pinto)

Guiné 63/74 - P7189: Blogoterapia (164): O Blogue está a sofrer uma mutação evolutiva de qualidade / Sinal de maturidade é virmos aqui contar o que nos vai na alma (Carlos Filipe / Luís Graça)

Dois textos à consideração e reflexão da nossa Tertúlia sobre o nosso Blogue e seus intervenientes, nós todos e cada um à sua maneira.


1. Mensagem de Carlos Filipe Coelho (ex-Soldado Radiomontador da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 28 de Outubro de 2010:

Caros Amigos
Não imagino se este email, será oportuno ou não.
Mas não quero deixar de manifestar o que considero neste momento sobre a 'Tabanca Grande'.

Creio que, sem desvalorizar sentimentos, sofrimentos de qualquer ordem, concepções não alteradas com o decorrer do tempo por razões desconhecidas, dos seus Tertulianos; o Blogue está a sofrer actualmente uma mutação evolutiva de qualidade (diferente).

Apraz-me constatar, depois da minha já muita "exploração de textos" no Blogue, que a malta está a ganhar vontade (coragem?) para novas abordagens, sobre aquilo que de alguma forma nos moldou, alterou, ou influenciou nossas vidas. E até nos atormentou, mesmo antes, da condição de militar.

Causas, fundamentos e consequências da Guerra Colonial, foi e continua sendo, algo "sigiloso" porque alguns dos seus mentores, estrategas e/ou dirigentes políticos, ainda andam pela nossa praça (activos e influentes próximos da classe dirigente do país). O que constitui ainda uma restrição e inibição, no mínimo psicológica, à livre manifestação de opinião ou sentimentos.

Considero também salutar este pequeno 'salto' no Blogue porque, já há muito tempo, sob o conceito 'politicamente correcto', a sociedade não aborda temas ou assuntos que determinaram nossas vidas, enquanto ex-combatentes e a sociedade em geral. Enfim... transformando-se desta forma em tabu, a guerra colonial, em consequência de uma concepção política/económica da época, que agora geneticamente igual e global.

Sendo de todo saudável que quebremos aquelas barreiras, porque estou convencido que existe ainda muitos ex-combatentes que transportam montes de dúvidas na compreensão, tendo sido por vezes protagonistas de uma determinada característica de guerra, e por outro lado serem conhecedores de outros desenvolvimentos com parâmetros absolutamente diferentes ou até antagónicos. Levando à não compreensão e à perda da percepção de conjunto da guerra colonial, nas diversas frentes, e mesmo no próprio território para onde foi mobilizado.

Sei que o Blogue, não é um fórum de discussão... porém devo reconhecer publicamente que meu objectivo tem sido através dos Comments, (permitam-me a expressão) acicatar a discussão e o acto de expressar nos mesmos comments, muitas vezes de forma relâmpago, a dúvida mais profunda sobre o assunto que por vezes está disfarçada de uma "afirmação indesmentível".

Amigos a picada já vai longa.

Um abraço para vocês
P.S. - Utilização livre deste email para C.Vinhal e Luís Graça

Carlos Filipe
ex-CCS/BCAÇ3872
Galomaro


2. Comentário que o nosso Editor Luís Graça deixou no Poste 7190:

Sinal de maturidade deste blogue (ou das gentes que nele escrevem e comentam) é o facto de virmos aqui contar o que nos vai na alma, descrever as emoções associadas a grandes momentos da nossa história de vida ou da nossa história colectiva, trazer as nossas reflexões sobre os acontecimentos do passado, expor as nossas memórias, seguramente reconstruídas...

O nosso blogue, enquanto tal, não tem uma orientação político-ideológica, não é monárquico nem republicano, não é colonialista nem anti-colonialista, não é pró nem contra, enfim, recusa ter "adesivos"... O que importa é a capacidade (logística e metodológica) de reunir à volta do poilão da Tabanca Grande gente que fez a guerra colonial (do ultramar para uns, de libertação, para outros...) e que pensa pela sua cabeça. E sem tabus. De há muito que combatemos o "politicamente correcto", o "seguidismo", o "conformismo", mas também o "bota-abaixismo", o "revanchismo", e demais imos...

O nosso único limite é o do "bom senso e bom gosto" e a tolerância, o respeito uns pelos outros: não tenho que GRITAR as minhas convicções à frente dos outros, muito menos os meus ódios de estimação, por exemplo... Há outros espaços para isso, que não este.

Dito isto, saúdo os quatro intervenientes, o autor do poste e os três camaradas que o comentaram. O meu aplauso vai, em primeiro lugar, para o Zé Corceiro que nos deixou uma magnífica peça sobre esses já longínquos tempos do 25 de Abril de 1974, com preciosas fotos de autor, inéditas, e com apontamentos deliciosos, e que escreveu sobre esses acontecimentos marcantes com inteligência emocional, com elegância, com saudade mas também com distanciamento crítico... Enfim, uma nota de apreço também para os três comentadores do poste, o António Barbosa, o Carlos Filipe e o Zé Dinis, que vieram enriquecer o texto do Zé Corceiro...

Ainda temos poucos testemunhos sobre esta efeméride, o 25 de Abril de 1974, que, quer se queira quer não, mexeu com todas as nossas vidas (e as vidas dos povos que viviam sob a administração portuguesa na África e na Ásia)...

Seria bom, por exemplo, que o António Barbosa nos contasse, com mais detalhe, o que se passou em Cabuca, por essa altura, indo ao encontro da sugestão do Filipe... É pena que, com o tempo, as "imagens" e as "emoções" (positivas, negativas ou neutras) desses dias se desvaneçam, quanto mais não seja pelo efeito da usura (física e mental...) do tempo.

Um Alfa Bravo.
Luís
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7166: Blogoterapia (163): Recordações da infância (Felismina Costa)

OBS:- Negritos da responsabilidade do editor

Guiné 63/74 - P7188: Operação Saudade 2010 (Mário Beja Santos) (1): Carta ao meu querido amigo Fodé Dahaba

1. O nosso camarada Mário Beja Santos vai à Guiné-Bissau a partir do próximo dia 17 de Novembro de 2010.
A este propósito e sabendo que o Mário nos irá proporcionar relatos interessantes da sua viagem, vamos criar uma série dedicada a esta romagem de saudade, hoje inaugurada com uma carta que o camarada Beja Santos dirigiu ao seu querido amigo Fodé Dahaba*.


2. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Setembro de 2010:

Caríssimo Carlos,
É só para ficares com conhecimento do que é que eu ando a preparar.
Ficas autorizado a dar-lhe a publicidade que entenderes.

Recebe um abraço do gratidão do
Mário


3. Carta de Mário Beja Santos para Fodé Dahaba

Lisboa, 24 de Setembro de 2010

Fodé, meu querido irmão,


Por recomendação do Abudu Soncó, que me prometeu portador para esta carta, nos próximos dias, faço-te chegar por escrito o plano da minha viagem.

Espero na próxima semana marcar a viagem entre, aproximadamente, 17 de Novembro e o primeiro fim da semana de Dezembro. Tenho assegurado um quarto para os dias em que ficar em Bissau e o Sr. Fernando Ramiro Semedo, que tem uma quinta em Santa Helena dar-me-á abrigo, no período em que eu estiver na região de Bambadinca. Se ao Sr. Semedo convier que eu parta imediatamente do aeroporto de Bissau para Santa Helena, assim acontecerá. Estarei aí cerca de 10 dias e depois regresso a Bissau. Mas também pode ser ao contrário, fico primeiro uns dias em Bissau e depois sigo para Bambadinca.

Como te disse ao telefone, só vou porque tu me podes ajudar com a viatura e o motorista (que eu pagarei) e porque o Sr. Semedo me dá condições de alojamento. Estou a preparar um livro que é complemento dos dois que escrevi sobre a minha comissão na Guiné. Desta vez, um homem de 65 anos vai rever os sítios onde viveu e onde combateu, vai reencontrar-se e despedir-se dos seus amigos, nada tem de melancólico ou triste, faz parte das leis da vida, muitos dos nossos camaradas já partiram deste mundo, quero-me despedir dos que ainda cá estão e que nunca, em todos estes dias ao longo de 40 anos, esqueci a amizade e a lealdade que tiveram comigo.

O que pretendo fazer?

Em primeiro lugar, percorrer todo o Cuor: De Finete a Canture, de Canture a Gãngémeos, de Carenquecunda a aldeia do Cuor; visitar Sansão, que foi a velha tabanca do régulo, subir depois a Missirá e ir a Cancumba (onde estava fonte onde nos abastecíamos) e depois seguir até à ponte do Gambiel. Claro está que penso visitar demoradamente Missirá. Depois se, houver estrada, ir até Pate Gide, Sancorlá, até Salá. Também se houver condições, descer até Quebá Jilã, que naquela altura era território povoado pelo PAIGC. Noutro passeio, seguir de Cancumba até Gambana e depois Mato de Cão, onde fui praticamente todos os dias, enquanto estive no Cuor; e fazer a estrada entre Saliquinhé, passar por São Belchior e descer até ao Enxalé. A última etapa será subir por Sinchã Corubal e ir até Madina e depois Belel, no fundo todo o território onde vivia a população e o bigrupo que nos atacava no Cuor.

Em segundo lugar, pretendo rever a região dos Nhabijões, seguir daqui para Amedalai, depois Demba Taco, Taibatá e Moricanhe, se existir. Não te esqueças que percorri esta região a pente fino, um pouco à semelhança das tabancas próximas de Bambadinca, desde Bambadincozinho até Samba Juli.

Em terceiro lugar, percorrer toda a região do Xime, passando por Madina Colhido, Ponta Varela, Poindom, Gundagué Biafada, Baio, Buruntoni e depois a Ponta do Inglês. É muito provável que esteja tudo bastante diferente, haverá certamente população, no tempo da guerra era o Xime e depois o Poidom o Buruntoni e Galo Corubal, onde nunca estive. Combati muito neste sítio, faz todo o sentido voltar a visitá-lo.

Em quarto lugar, mas só se houver condições, fazer o itinerário até Bafatá, onde fui tantas vezes, seja para ir buscar correio, receber instruções no agrupamento, fazer compras, etc.

Em quinto lugar, e também só se houver condições, ir até ao Xitole, pois dirigi várias colunas, fará todo o sentido ir até lá, embora não seja prioritário, tirando a região de Mansambo, onde combati e patrulhei, tudo mais foram colunas de reabastecimento, embora sempre cheia de riscos de toda a espécie.

Em sexto lugar, rever os meus inesquecíveis amigos. Conto que tu possas dar notícia da minha viagem e escolhermos um dia para nos encontrarmos todos em Bambadinca. Tu ficarias responsável por organizar um encontro com arroz e frango assado que, como é evidente, serei eu a pagar. Dos cabos do meu tempo, não sei por onde andam o Domingos Silva e o José Pereira. Tenho feito perguntas ao Mamadu Camará e ao Queta Baldé, mas eles perderam o rasto dos seus camaradas, vivem há muitos anos em Portugal. Disseram-me que morreu o Ussumane Baldé. Parece que o Jobo Baldé vive em Galomaro. O Serifo Candé vive em Biana, ainda estava cheio de saúde quando o fui visitar, em 1991. O Mamadu Jau, um dos meus bazuqueiros, vive em Amedalai. Tenho por ele um afecto muito grande, e sei que sou retribuído pelo Mamadu. Nada sei do Abdulai Djaló, a quem chamavam “Campino”, não se está na Guiné ou no Senegal. O “Doutor”, Quebá Sissé, parece que vive em Farim. Nada sei de Ieró Baldé, o “Nova Lamego” que foi o meu primeiro guarda-costas. Tu tens obrigação de me ajudar com os nomes dos soldados milícias de Finete, aqueles que estiveram às minhas ordens entre Agosto de 1968 e Novembro de 1969. Disseram-me que o Mamadu Silá era padre, deve viver em Badora ou no Cossé. Tenho imensas saudades de Gibrilo Embalo, do Albino Amadu Baldé (era o comandante das milícias de Missirá) e de Madiu Colubali. Em 1991, andei à procura de Dauda Seidi, também não sei nada dele. Olhando agora para a fotografia que tirei na ponte de Udunduma, no dia de Natal de 1969, vejo Tunca Sanhá, Sadibi Camará, Jalique Baldé, Sadjo Baldé (não confundir com o Sadjo Baldé que morreu em Missirá na noite de 19 de Março de 1969), Bacari Djassi, Fodé Sani, a memória não guardou mais nomes e eu não tenho coragem para te pedir para andares a anunciar esta minha viagem a toda a gente. Faz o que puderes, nunca terei palavras para te agradecer o que vais fazer por mim.

Não podes imaginar a emoção que representa para mim esta viagem, todos estes encontros, rever com os meus olhos todos estes locais, ver o pôr-do-sol em Chicri e sobre Finete. Todas as noites rezo pelos nossos mortos, pelo Uam Sambu, o Cibo Indjai, o Paulo Semedo, o José Jamanca, o Benjamim Lopes da Costa. A distância que nos separa é irremediável e é por isso que me quero preparar bem para um dos maiores acontecimentos da minha vida, visitar pela última vez a Guiné onde me fiz homem.

Logo que esteja tudo concretizado sobre os horários de chegada e partida, telefono-te. Fiquei à espera que a Margarida me falasse do assunto do teu filho, ainda não telefonou. Vê no que eu posso ajudar. Será com muita alegria que te vou ver e abraçar dentro de poucos meses. Desde o dia 22 de Fevereiro de 1969, em que ficaste tão ferido, que te guardo como a imagem de todo o sofrimento em que tem vivido a Guiné. Daria tudo o que tenho para que esta viagem se transformasse na derradeira hora de paz desse martirizado.

Até breve, beijo-te com muito carinho e mando saudades à tua mulher e toda a família,
Mário

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Nota de CV:

Vd. poste último poste de Mário Beja Santos de 27 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7192: Notas de leitura (162): Guerra na Guiné, por Hélio Felgas (2) (Mário Beja Santos)

(*) Vd. poste de 3 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3016: Em busca de... (32): Margarida Dahaba, professora, filha do 2º Sargento Fodé Dahaba (M. Ribeiro de Almeida / J.M. Gonçalves Dias)

Guiné 63/74 - P7187: Memória dos lugares (106): Gadamael e as peripécias do pós-25 de Abril de 1974 (José Gonçalves)

Guiné > Região de Tombali > Gamael > Maio de 1974 > A primeira visita do PAIGC à tabanca e aquartelamento: e O Comandante do COP5 (Cap Ten Fuzo Patrício ), do seu lado direito está o comissário político do PAIGC. O nosso camarada José Gonçalves está atrás, na segunda fila,  entre os dois. O capitão Pimentel, comandante da CCAÇ 4152/73,  está ao lado do José Gonçalves, por detrás do Comandante Patrício. (*)






Guiné > Região de Tombali > Gamael > 1974 > O capitão Peixoto da CCAV 8452, de T-shirt branca com o seu nome estampado. De lado estão dois capitães do COP5 e de costas o Alf Mil Lobo, da CCAÇ 4152/73 da minha companhia. Esta foto foi tirada na messe de oficiais da CCAV 8452, construída com troncos e chapas de lata.


Fotos (e legendas): © José Gonçalves (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

1. Mensagem do nosso camarada José Gonçalves, que vive no Canadá há mais de 3 dezenas de anos:

Data: 29 de Outubro de 2010 02:04
Assunto: Fotos de Gadamael e pessoas faladas neste blog mas até agora sem fotos



Caro Luís:

Aqui te mando duas fotos tiradas em Gadamael.

A primeira foi quando da primeira visita do PAIGC e onde se encontra o Comandante do COP5 (Cap Ten Fuzo Patrício );   do seu lado direito está o comissário político e eu encontro-me atrás entre os dois.  O capitão Pimentel,  comandante da minha companhia, está ao meu lado por detrás do Comandante Patrício.

Como podem observar não era todos os dia que recebíamos visitas destas. Estavamos todos a acompanhar o "camarada" numa visita à tabanca. Será que alguém ainda se lembra do nome deste comissário político ? Eu já não tenho a minima ideia. Do que me lembro fpo ele ter sido ultrapassado,  nos encontros posteriores,  por individualidades militares com maior patente. Acho que só o vi mais uma vez,  mas não como participante activo.

A outra é uma foto do capitão Peixoto da CCAV 8452,  de T-shirt branca com o seu nome estampado,  que era o uniforme preferido do mesmo. De  lado estão dois capitães do COP5 e de costas o Alf Mil Lobo da minha companhia. Esta foto foi tirada na messe de oficiais da CCAV 8452 que,  como se vê,  era de troncos e chapas de lata.

Cumprimentos

José Gonçalves

Alf Mil Op Esp
CCAÇ 4152/73
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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 1 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3262: No 25 de Abril eu estava em... (3): Gadamael e depois Cufar (José Gonçalves, ex-Alf Mil Op Esp, CCAÇ 4152)

(...) Maio de 1974: Apresenta-se o senhor comissário político



Era em principio de Maio de 1974 pouco depois do 25 de Abril . Estava na messe de oficiais a beber o meu whisky quando o barman me diz que estava um preto a querer falar com o comandante. Eu fui ver o que era e deparo com um indivíduo, desconhecido, bem vestido e com muita cortesia me pediu para falar com o comandante. Perguntei-lhe quem era e o que queria do comandante. Para minha surpresa disse-me que era o comissário político do PAIGC para a zona de Gadamael e que queria falar com o comandante sobre o 25 de Abril. Fiquei de boca aberta, como é de calcular, e mandei-o entrar e pedi para chamarem o comandante.


O comandante chegou (o nome dele apagou-se da minha memória mas era um capitão tenente fuzileiro especial) e perguntou-lhe se tinha vindo sozinho. O comissário politico disse-lhe que não e que tinha vindo com 2 pelotões e que estavam escondidos perto do campo de aviação. O comandante disse-lhe que o pessoal do PAIGC não podia ficar nesse local e ou se retirava ou se apresentava.


O comissário então dirigiu-se para o mato e começou a falar em voz alta e começaram a aparecer soldados do PAIGC vindos da mata, armados até aos dentes. O comandante então disse-lhes que não permitia que ficassem ali armados, e que para entrarem tinham que nos entregar as armas. Qual não foi o meu espanto quando eles disseram que sim. Nós pedimos a um escriturário para fazer a escrita e começamos a recolher as armas.


Eles entraram e foram conviver com o pessoal que estava do "nosso lado”. Beberam e comeram e nós conversámos com o comissario, depois fomos apresentá-lo ao régulo e mostrámos-lhe o aquartelamento e a tabanca. Depois foi a vez de lhes entregar as armas para estes se irem embora para o outro lado da fronteira . Ouve pequenos desacordos porque alguns deles pensavam que tinham entregue mais munições do que recebiam mas como já estavam bêbedos a maior parte deles (pois os nossos soldados se tinham encarregado disso) e com a comando deles tudo se resolveu amigalvelmente. (...)



Visita de cortesia dos nossos oficiais a Kandiafara, na Guiné-Conacri


Tive outra surpresa quando estes nos convidaram para irmos visitar o aquatelamento deles, em Kandiafara. Eu decidi não ir pois o meu treino de ranger fez-me um pouco incrédulo de tudo o que se estava a passar mas os meus camaradas foram. O que me contaram foi que quando passaram a fronteira as autoridades da Guiné Conacri tinham mandado que o PAIGC entregasse os portugueses que tinham passado a fronteira. A resposta do PAIGC foi que não o fariam porque eram convidados do PAIGC e que os devolveriam ao seu aquartelamento e caso a Guiné Conacri os quisesse prender teria que os ir buscar a Gadamael Porto. Claro que nunca vieram.


Depois deste incidente tivemos vários encontros todos eles em Gadamael Porto onde o PAIGC já vinha de Unimog, de marca russa. Nesta altura as negociações em Londres não estavam a correr muito bem e houve alturas onde nós pensámos que teríamos que voltar a lutar outra vez.

Tínhamos decidido entre nós que avisaríamos e daríamos a uns e outros 3 dias antes de reiniciar as hostilidades. Tudo isto foi decidido na messe de oficiais em Gadamael Porto entre uns bons copos de whisky. No pós-25 de Abril fomos militares e também diplomatas pois estávamos em contacto direto com o PAIGC. Disto não tenho a certeza pois os nomes da maior parte das pessoas me escapam, mas lembro-me de um dos dirigentes do PAIGC que veio sempre à paisana e que me parece muito com o Nino Vieira mas não posso afirmar pois nessa altura eu não tinha absolutamente ideia nenhuma de quem era o Nino Vieira.


Retirada de Gadamael sob protecção do... PAIGC


Também tivemos problemas com as milicias porque estes se voltaram contra nós (o que não é de admirar pois nós basicamente os abandonámos à sua sorte) e tivemos que ter protecçao do PAIGC quando nos retirámos de Gadamael. O mesmo não aconteceu em Cufar onde não houve problemas na retirada.. (...)

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7186: Memória dos lugares (105): Gadamael e as suas unidades de quadrícula (Luís Graça / Daniel Matos)


Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 3518 (1970/74) > Album fotográfico de Daniel Matos >  Foto 44 > "Cais de Gadamael, num momento de descarga do batelão (BM3), que nos abastecia e que ali deixava os produtos que transportaríamos nas colunas para Guileje"




Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 3518 (1970/74) > Album fotográfico de Daniel Matos >  Foto 12 > "O autor, junto às águas do Rio Sapo, afluente do Rio Cacine, que banhava Gadamael Porto"




Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 3518 (1970/74) > Album fotográfico de Daniel Matos >  Foto 67A  > "Fevereiro  de 1973, Messe"




Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 3518 (1970/74) > Album fotográfico de Daniel Matos >  Foto 65 > Secretaria




Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 3518 (1970/74) > Album fotográfico de Daniel Matos >  Foto 58 > Caixa de correio




Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 3518 (1970/74) > Album fotográfico de Daniel Matos  > Foto 23 > "O autor, à entrada dos quartos de Sargentos em Gadamael; já quando lá chegámos se chamava "Cozinha Económica" ao edifício, e nós, com intensa actividade a condizer no átrio de entrada, soubemos conservar a tradição... O edifício seria completamente destruído nos primeiros dias de Junho de 1973".




Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 3518 (1970/74) > Album fotográfico de Daniel Matos  > Foto 23 > Foto 69a > "A entrada de Gadamael, junto ao cais; a seta lembra implacavelmente a distância a que estamos de casa: 3600 km!"... (O edifício em frente parece-me ser o tal que  ostenta, na parede lateral, o enigmático acrónimo A.S.C.O... Faz todo o sentido ficar junto ao cais, tratando-se de um edifício comercial . Em 1968/69, no tempo da CArt 2410, era messe e quartos de sargentos, segundo informação do Luís Guerreiro).


Fotos (e legendas): © Daniel Matos (2010)/ Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


Não sei se foi a primeira unidade de quadrícula, mas em 1967/68, esteve em Gadamael (todo o tempo da comissão) a CART 1659; mobilizada pelo RAC, saiu da metrópole em 11/1/1967 e regressou a 30/10/1968. O Comandante era o Cap Mil Art Manuel Francisco Fernandes de Mansilha. Não está representada no nosso blogue, tnato quanto sei ou pude apurar.

A seguir esteve lá o BCAÇ 2834, que era comandado pelo Ten Cor Inf Carlos Barroso Hipólito. Este batalhão (a que pertenciam as CCAÇ 2312, 2313 e 2314), ou melhor o respectivo comando e a CCS passaram por vários sítios (Bissau, Buba, Aldeia Formosa e por fim Gadamael, possivelmente no final da comissão).  Mobilizado pelo RI 15, o batalhão embarcou a 10/1/1968 e regressou a casa 23/11/1969. Parece-me também não termos cá ninguém, desse batalhão,  que tenha passado por Gadamael.

A CCAÇ 2316 / BCAÇ 2835, da mesma época, também passou por Gadamael (Bissau, Bula, Mejo, Guileje, Gadamael, Bissau, por esta ordem). Teve quatro capitães, incluindo o Barbosa Henriques, natural de Cabo Verde, que eu conheci, como instrutor da 1ª Companhia de Comandos Africanos, em Fá Mandinga, terra do Jorge Cabral (de quem, de resto, ficou amigo, até morrer).

Temos a seguir a CART 2410: mobilizada pelo GACA 2, embarcou em 11/8/1968 e regressou a casa a 18/4/1970. Esteve em Gadamael e Guileje. Comandante: Cap Mil Art Amílcar Cardigos Pereira. A CART 2410, Os Dráculas,  está representada no nosso blogue pelo ex-Fur Mil do 4.º Gr Comb,  Luís Guerreiro (que vive hoje na Canadá).

Outra companhia que passa, no final da sua comissão , por Gadamael, é a CART 2478: mobliizada pelo RAP 2, tem partida a 5/2/1969, e regresso a 23/12/1970. Comandante: Cap Art João Baptista Rodrigues Videira. Passou por Farim, Jumbembém,  Cuntima, Bissau, Ganturé e Gadamael. Pertecencia ao BART 2865 (Catió). A CART 2478 também não  está representada no nosso blogue.

Temos a seguir, a CCAÇ 2796 (RI 2; data de embarque: partida a 31/10/1970; regresso a 5/10/1972). Esteve em Bissau, Gadamael e Quinhámel, por esta ordem.  Comandante(s): Cap Inf Fernando Assunção Silva, e Cap Art António Carlos Morais da Silva, hoje coronel reformado, colaborador do nosso blogue.

O Morais da Silva escreveu no nosso blogue:

 “Avancei no fim de Janeiro de 1971 para o comando da CCaç 2796,  em Gadamael,  quando da morte em combate do seu comandante, meu camarada de curso e amigo Capitão de Infantaria Assunção Silva. Fiquei, a meu pedido, no comando desta companhia até ao final da comissão em Outubro de 72” (Poste P6690).

Também passou por Gadamael (e depois por Brá e Bafatá), a madeirense CCAÇ 3518 (BII 19; partida a 20/12/1970; regresso a 28/3/1974), comandada pelo Cap Mil Inf  Manuel Nunes de Sousa.

O Daniel Matos que tem um valioso álbum sobre Gadamael é o digno representante da CCAÇ 3518 na nossa Tabanca Grande. Diz que eles ficaram lá até Abril de 1974.

Mais ainda há mais unidades de quadrícula que por lá passaram no final da guerra. 

Temos a 3ª C/BCAÇ 4612/72, do RI 16 (partida a 5/10/1972; regresso a 26/8/1974). Esteve primeiro em Mansoa, depois foi colocada em Gadamael, para regressar de novo a Mansoa. Teve 3 comandantes, dois dos quais milicianos.

Outra companhia que passou por lá foi a CART 6252/72 (RAP 2; partida: 23/10/72; regresso: 25/8/1974). Esteve em Bissássema, Tite, Gadamael, Bissau e Bafatá, por esta ordem. Teve dois capitães, milicianos.

Há ainda a referir, das unidades de 1972, a nossa conhecida CCAV 8350/72 (RC 3; partida a 25/10/1972; regresso a 27/8/1974). Esteve em Guileje, como é sabido, até à sua retirada em 22 de Maio de 1973. Apanhou a batalha de Gadamael, e depois andou por Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuía. Teve 4 capitães, sendo o primeiro o Cap Mil Art Abel dos Santos Quelhas Quintas, justamente ferido em Gadamael em finais de Maio ou princípios de Junho de 1973. Esta companhia - Os Piratas de Guileje -  tem diversos representantes no nosso blogue, sendo o mais antigo o José Casimiro Carvalho.

Também esteve em Gadamael (e depois foi para Tite) a CCAÇ 4743/72 (BII 17; partida a 27/12/1972; regresso a 31/8/1974). Teve 3 capitães. 

Outra foi foi CCAÇ 4152/73. O José Gonçalves,  ex-Alferes Mil Op Esp, membro do nosso blogue, a viver no Canadá,  esteve nesta companhia de  Jan a Jul 74. Estava lá no 25 de Abril. Esta unidade, mobilizada pelo RI 1, embarcou a a 29/12/1973 e regressou a casa em 12/9/1974. Esteve em Gadamael e depois em Cufar. Comandante: Cap Mil Inf Rodrigo Belo de Serpa Pimentel.

Antes tinha passado por Gadamael  (e depois Cacine, Cumeré e Brá) a CCAV 8452/72, comandada pelo Cap Mil Cav José Ferreira Rodrigues Peixoto. Mobilizada pelo RC 4, embarcou para a Guiné a 29/5/1973 e regressou a 6/9/1974.

2. Comentários / Rectificações / Notas adicionais dos nossos leitores (LG):

2.1. Luís Dias:

Apenas duas notas no que respeita à CCAÇ 3518. Embarcaram no Funchal, no navio Angra do Heroísmo, onde seguia também o meu batalhão (BCAÇ3872, embarcado em Lisboa dois dias antes)e m 20/12/de 1971 e não 70. Como referes,  e bem regressaram a 28 de Março de 74, no navio Niassa, também com o meu batalhão e, portanto, já não estavam em Gadamael em Abril de 74. (...)

2..2. Carlos Cordeiro:

Segundo o P6710, In Memoriam Adelino da Silva Sineiro, a CCaç 798 esteve em Gadamael Porto entre Abril de 65 e Fevereiro de 67 (...).

2.3. José Gonçalves:

 Só uma clarificação sobre a CCAV 8452, comandada pelo capitão Peixoto que já estava em Gadamael quando a minha companhia CCaç 4152 foi render a CCaç 4743 em Jan-Fev 1974. Eu não tenho bem a certeza quando a CCAV 8452 foi para Gadamael mas acho que foi substituir os Gringos de Guileje quando estes saíram. No meu tempo também lá havia uma companhia de milícias. (...)

2.4. Carlos Cordeiro: 

Os Gringos estiveram em Guileje e Nacra e não em Gadamael. Deve haver confusão com os Piratas de Guileje. (...)


2.5. Luís Guerreiro:

Uma pequena retificação: A CArt 1659 foi rendida pela CArt 2410, que por sua vez rendeu e trocou com com a CCaç 2316, que se encontava em Guileje. Quanto ao BCaç 2834 era o batalhão a que estavamos adidos, encontrava-se em Buba, e não esteve em Gadamael. (...)

Guiné 63/74 - P7185: Memória dos lugares (104): O enigma de Gadamael e a influência colonial francesa (Salvador Nogueira)

1. Mensagem do nosso leitor (e camarada, ex-oficial pára-quedista) Salvador Nogueira:

 Data: 27 de Outubro de 2010 15:41

Assunto: Poste 7179


... Acrescento isto em comentário ao  P7148 do qual já ninguem parece lembrar-se (a malta quer é passatempo, não quer saber):

No post CCLXXXV, de 12NOV2005, [I Série do blogue],  fala-se de Elisée Turpin e de como terá sido empregado na Sociedade Comercial Oeste Africana, de origem francesa - Société Commerciale de l'Ouest Africain- cujo acrónimo SCOA é um curioso anagrama de ASCO!



Ou querem ver [lá] que um cómico qualquer colocou uma escada e trocou a posição do A , dando assim largas à sua alegria por ter sido colocado em Gadamael?! (Era coisa que qualquer um facilmente podia ter feito lá na Guiné, se lhe tivesse dado pr'aí...);


Ou, e de acordo com o que se pode ler em http://poldev.revues.org/120... 

"La présence française sur les côtes de l'Afrique de l'Ouest date de 1787, mais ne s'est enracinée qu'au XIXe. siècle avec plusieurs missions d'exploration commerciale organisées par le Ministère de la marine à partir de 1838. Ainsi les Français, à partir des sociétés originaires de Bordeaux et de Marseille, installèrent plusieurs maisons commerciales le long de la côte. Ces sociétés se sont transformées par la suite pour donner naissance à de nouvelles entreprises commerciales, dont les plus importantes sont la Société Commerciale de l'Ouest Africain (SCOA) et la Compagnie Française d'Afrique Occidentale (CFAO), ainsi qu'à toute une panoplie de sociétés qui en découlent" (*)...

ASCO poderia ser uma sigla 'em corruptela', engendrada por um comerciante local em representação.

(PS - Uma pesquisa com "Société Commerciale de l'Ouest Africain" dará leituras interessantes de que destaco http://www.cn2sv.cnrs.fr/article77.html )

SNogueira
____________

Notas de L.G.:

(**) Versão portuguesa:

"A presença francesa na costa da África Ocidental data de 1787, mas não se enraizou  senão  no  século XIX, com várias missões de exploração comercial,  organizadas pelo Ministério da Marinha a partir de 1838. 

"Assim, os franceses, a partir de empresas originárias de Bordéus e de Marselha, instalaram diversas casas comerciais ao longo da costa. Estas empresas  transformaram-se a seguir, dando origem a novas sociedades,  das quais as mais importantes são a Sociedade de Comércio Oeste-Africana (SCOA) e a  Companhia Francesa da África Ocidental (CFAO), a par de uma panóplia de outras empresas daí resultantes ".

Guiné 63/74 - P7184: Parabéns a você (166): Jorge Fontinha, ex-Fur Mil da CCAÇ 2791 (Guiné, 1970/72) (Tertúlia / Editores)

1. Neste dia 28 de Outubro de 2010 completa mais um ano de vida o nosso camarada reguense Jorge Fontinha* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2791, (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), a quem estamos a prestar a nossa homenagem natalícia.

Caro Jorge, envio-te, em nome da Tertúlia e dos Editores, os melhores votos de que passes um alegre dia de aniversário, que gozes da melhor saúde, bem regada com o néctar do Douro, e que a tua vida seja longa, muito, sempre com a melhor qualidade, acompanhado de perto por aqueles que constituem o núcleo que faz sentido à tua existência.

Recebe um abraço colectivo deste numeroso grupo de camaradas e amigos.

__________

Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

11 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3129: Tabanca Grande (82): Jorge Fontinha, Fur Mil Inf da CCAÇ 2791 (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72)

28 de Outubro do 2009 > Guiné 63/74 - P5169: Parabéns a você (37): Jorge Fontinha, ex-Fur Mil da CCAÇ 2791 (Editores)

Vd. último poste da série de 19 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7145: Parabéns a você (165): Carlos Filipe Coelho, ex-Soldado Radiomontador da CCS/BCAÇ 3872 (Juvenal Amado / Tertúlia / Editores)

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7183: Notas de leitura (162): Guerra na Guiné, por Hélio Felgas (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Outubro de 2010:

Queridos amigos,
Estou a alongar-me na apreciação do livro de Hélio Felgas, nada há de tão substancial para a época em que foi publicado. Permito-me manifestar a minha surpresa porque é que este livro não foi discutido nem posto à nossa disposição para sabermos a evolução da guerra. Sou levado a supor que não era uma questão de censura nem cabotinismo, era indiferença, era incapacidade de julgar factos… ou talvez medo de nos ceder informação que os dirigentes não soubessem comentar.
Enfim, suposições.
O importante é que chegamos na ignorância de tudo e nunca nos foi facultada a possibilidade de olhar para o todo.

Um abraço do
Mário


Guerra na Guiné, por Hélio Felgas (2)

Beja Santos

A ofensiva do PAIGC em 1963

Apresentada a Guiné portuguesa, feito o esboço histórico da Província, o tenente-coronel Hélio Felgas procede à apresentação dos diferentes grupos políticos, desde o Movimento de Libertação da Guiné até ao PAIGC. E seguidamente caracteriza o início da luta armada, logo após as flagelações de Fulacunda e Tite. Estamos ainda numa fase em que os quadros da guerrilha andam por várias academias chinesas e o armamento distribuído pela guerrilha do Sul e na região do Morés é proporcionalmente inferior ao das tropas portuguesas.

Em Fevereiro de 1963, a guerrilha começa a fazer uso de explosivos e a destruir os pontões que ligavam as povoações da região Sul. Nesse mês, Cacine conhece a primeira flagelação, embosca-se uma força militar em Salancaur, três dias depois ocorrem pilhagens em estabelecimentos da Sociedade Comercial Ultramarina. As diferentes penínsulas do Sul, umas atrás das outras, vão conhecendo a guerrilha. O aliciamento do PAIGC foi, regra geral, bem sucedido na região. Será muito difícil vir um dia a saber-se qual o grau de intimidação em função do terror, quais as adesões espontâneas, qual o número de populações em fuga, colocado entre dois fogos. Em Março as destruições chegam a Tite e a Buba, cortaram-se as estradas de acesso a Empada, incendiaram-se barcos a motor, colocaram-se abatizes e capturaram-se barcos que foram levados para a República da Guiné. A situação foi-se sempre agravando, de Abril para Junho. Depois, a guerrilha anunciou-se na margem oeste do rio Corubal e no final do mês o PAIGC começou a actuar no Xime, flagelando a população. Escreve Hélio Felgas: “A pequena densidade de ocupação militar portuguesa facilitara a expansão da actividade inimiga, não dando às populações nativas a protecção de que necessitavam. Em segurança reinava em vastas áreas e até mesmo algumas tabancas fulas das áreas de Aldeia Formosa, Cumbijã e Colibuia, começaram a ser abandonadas. Em especial na península de Cacine, junto à fronteira Sul, a maioria das tabancas estavam desertas, tendo os nativos fugido para a República da Guiné onde os bandidos evitavam molestá-los com receio de criarem complicações ou provocar distúrbios que desagradassem às autoridades daquele Estado”.

O PAIGC anunciou-se com o recurso a várias emissoras. Em comunicado difundido radiofonicamente, o PAIGC afirmava que a ilha do Como, a sudoeste de Catió, fora completamente libertada. Hélio Felgas exprime-se assim quanto ao tipo de bases ou refúgios da guerrilha: “São o que há de mais transitório pois as tropas, nos seus constantes reconhecimentos, acabam sempre por dar com eles, expulsando ou aniquilando os bandoleiros que lá encontram e, na maioria dos casos sem que estes ofereçam qualquer resistência. Umas vezes, o comando militar instala nessas áreas novos destacamentos militares. Mas em outras, a tropa, cumprida a missão que lhe foi atribuída, regressa aos seus quartéis. Não há na nossa Guiné região libertada alguma, desde que por esses termo se designe qualquer região que o inimigo controle efectivamente e onde disponha de meios que impeçam a penetração das nossas tropas”.

Enquanto a guerrilha alastra a Sul, dá os seus sinais no Oio, situado no quadrilátero Mansoa-Bissorã-Olossato-Mansabá, região de florestas densas e quase sem estradas. Ao tempo a presença militar era insignificante. Por exemplo, havia um pelotão em Bissorã e pouco mais em Mansoa. No fim de Junho, um grupo armado inutilizou a jangada de barro, no rio Cacheu. Em Julho foram alvejadas viaturas entre Binta e Farim e houve a tentativa de destruir diversas pontes e pontões nas estradas Olossato-Farim, Olossato-Mansabá e Mansoa-Nhacra. Seguem-se as emboscadas, o saque de casas comerciais e em Julho, perto do Morés, uma força é brutalmente emboscada.

Hélio Felgas comenta a actividade desenvolvida pelas forças portuguesas, inicialmente incapazes de conter esta onda destruidora, tanto no Sul como na região do Oio. Reconhece que havia um plano bem definido por parte do PAIGC e que o Morés era um refúgio natural bastante seguro. Muitos dos eixos rodoviários da Província, com interesse económico, ficaram inutilizados. Eixos fundamentais (como Mansoa-Bafatá), ficaram comprometidos. Seguiu-se o aumento de actividade na área de Xime Bambadinca e no segundo semestre de 1963 sucederam-se os ataques ou assaltos a Porto Gole e Enxalé e no Sul intensificaram-se as acções em Fulacunda, Catió, Buba, Cacine, Empada e Bedanda. Irradiando do Oio, o PAIGC procurava infiltrar-se na direcção de Binar e de Bula. Felgas aproveita a oportunidade para tecer considerações sobre aspectos que ele considera delirantes nos comunicados do PAIGC: aviões abatidos, 46 soldados portugueses postos fora de combate numa emboscada, a população de Empada a receber com entusiasmo o “exército de libertação nacionalista”, etc.

Na segunda metade de Outubro o PIAGC iniciou o emprego generalizado de minas e fornilhos de anticarro. O primeiro engenho explodiu na estrada Bambadinca-Xitole.

Nesta região, muitas tabancas começam a organizar-se em autodefesa, a resistência ao PAIGC foi inequívoca. No final do ano, a norte do Geba e em especial no Oio, a acção do PAIGC já se fazia sentir com crescente importância: ataque ao Olossato, flagelações a Binta, Cutia e Farim. O movimento das tropas portuguesas era dificultado ou impedido por milhares de abatizes e pela destruição de muitas infra-estruturas. A região de ligação entre o Norte e o Sul, o canal do Geba, tornou-se o local de cambança, em locais desertos entre Porto Gole e Enxalé. O PAIGC fixou-se no Oio. A reacção militar passou pela preparação de uma grande ofensiva sobre a ilha do Como e previa-se “fechar” a fronteira Sul instalando tropas entre a aldeia Formosa e Cacine. Como se sabe, este objectivo nunca foi alcançado. E chegámos assim a 1964 em que o Geba, tanto a Norte como a Sul se transformou no palco da ofensiva do PAIGC e das primeiras medidas bem sucedidas de reacção pelas tropas portuguesas. É esse o relato que iremos seguidamente fazer.

O livro “Guerra na Guiné” é indiscutivelmente o relato mais completo dos factos que ocorreram entre 1961 e 1965. Nenhum outro autor foi tão longe, do lado português. A despeito de inúmeros comentários apologéticos, o historiador, o investigador e curioso, dispõem aqui de um alfobre de informações que não estão disponíveis a não ser dispersa e às vezes confusamente, noutros autores.

A título de curiosidade, refira-se que Hélio Felgas editara em 1966 um conjunto de artigos que tinham sido dados à estampa na Revista Militar intitulados “Os Movimentos Terroristas de Angola, Guiné e Moçambique (influência externa)”. Felgas aproveitou o conteúdo do que escreveu sobre a Guiné na apresentação dos movimentos de libertação neste seu livro “Guerra na Guiné “. Para que conste.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7168: Notas de leitura (161): Guerra na Guiné, por Hélio Felgas (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P7182: Convívios (280): Tabanca de Pitche e Arredores (Hélder Sousa/Luís Borrêga)

Os nossos Camaradas Hélder Valério Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72) e Luís Borrega (ex-Fur Mil Cav e MA da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72), enviaram-nos uma mensagem a darem-nos conta da inauguração de mais uma tabanca.

Caros amigos e camaradas,

Já faz bastante tempo que não colaboro com outro tipo de 'produção' que não seja a de comentar um ou outro texto.
Nada de especial, apenas falta de tempo....

No entanto hoje trago ao conhecimento da "Tabanca Grande" que foi decidido, conforme texto que anexo, a criação da "Tabanca de Pitche e Arredores" que tem por objectivo proporcionar um local de encontro mais fácil para todos aqueles que estiveram ou passaram por aqueles locais.
Trata-se como é natural, de encontros/almoços, para já, mas também se avançou com a criação de um local no "Facebook" que parece ser um elemento facilitador.
A partir do desenvolvimento que esta iniciativa possa ter, teremos possibilidade de passar a outras formas de organização e, porque não, outros objectivos.

TABANCA DE PITCHE E ARREDORES

Caros camaradas e amigos

Inspirados pelas notícias que nos chegam dos alegres convívios que, aqui e ali, vários camaradas vão fazendo, a pretexto da necessidade que todos temos de nos alimentar, seja a “Tabanca da Linha”, seja a do “Centro”, seja a de “Matosinhos”, a dos “Melros”, etc., um grupo de companheiros que têm em comum o facto de terem estado na área de Pitche, sendo que alguns são membros da nossa “Tabanca Grande”, o Blogu... e Luís Graça & Camaradas da Guiné, e outros ainda não ganharam coragem para tal, decidiram criar também o que aqui e agora se divulga, a “Tabanca de Pitche e Arredores”.

O núcleo inicial centra-se maioritariamente nos ex-Furriéis do BCAV 2922 e o que motivou esses encontros/almoços foi a possibilidade de rever um deles, o ex-Fur. Fernando Boto, que vive na África do Sul e que no final do ano passado veio a Portugal e originou assim um almoço na Costa da Caparica, de que até já foi dado conta, aqui no Blogue.

Pois então, depois disso, e sempre a pretexto de rever e juntar os companheiros cuja amizade se foi forjando e cimentando nos tempos de juventude e nas terras da Guiné, já ocorreram alguns almoços, tendo como organizador o ‘tertuliano’ Luís Borrêga, que tiveram como cenário o “Restaurante Alexandre” na Rua dos Mastros, em Lisboa, por sinal propriedade de um camarada da Guiné, de seu nome Alexandre Vieira de Oliveira, que pertenceu ao BCAV 790 com sede em Bula, de Abril de 1965 a Fevereiro de 1967. A esses almoços foram dados nomes, tal qual como às operações em que se viam envolvidos, sendo os dois últimos, em 6 de Agosto e 16 de Setembro passados e que se chamaram respectivamente “FERRODENTE” e “LIFEBUOY”, das quais se anexam algumas fotos.

Também como é natural, nesses encontros foram sendo envolvidos outros elementos, como é o caso do Pereira da Costa e do José Dinis (igualmente pertencentes à Tabanca Grande) e acabou por surgir e ganhar força a ideia de se criar um espaço do convívio que congregasse os camaradas que estiveram ou ‘giraram’ à volta de Piche.

Para dar mais consistência e procurar captar mais interessados, foi criado um espaço no “Facebook” dedicado então à “Tabanca de Pitche e Arredores”, espaço esse criado pelo Fernando Boto e ao qual eu e o Luís Borrêga damos apoio.

Nesse espaço escrevi uma saudação inicial, que aqui reproduzo:

“Antes do mais quero saudar a criação deste espaço que se espera possa vir a contribuir para estreitar relações entre todos aqueles que durante a sua 'comissão de serviço por imposição' em terras da Guiné, estiveram ou passaram por Piche, ou Pitche, na fonética local.Cabem aqui todos aqueles para quem Pitche foi local de permanência ou placa giratória: Canquelifá, Buruntuma, Dunane, Ponte Caium, Cambor, etc., incluindo também Bajocunda.

Vamos então em frente com este empreendimento.
A partir deste ponto de convergência agora criado, esta "Tabanca de Pitche e Arredores", podemos fazer mais coisas: podemos, como é natural, trocar recordações, imagens, lembranças, pormenores, relatar acontecimentos, desabafar, se for caso disso.

Podemo-nos encontrar quando se achar oportuno, para almoçar ou outro evento qualquer.

Podemos a partir daí pensar em algo que nos motive, nos sensibilize, que nos leve a solidarizar com o que se vier a considerar.

Por agora é só o 'pontapé de saída'. O jogo vai decorrer.

Aguardam-se contributos.”

Já está em organização a próxima ‘operação’, que até já tem nome de código, aguardando-se o regresso do Fernando Boto para a sua efectivação. O local deverá ser o mesmo, salvo se o Luís Borrêga levar avante a ideia que já fez circular de pretender diminuir a sua população de pombos... vamos aguardar pacientemente!

Que mais camaradas se possam juntar à “Tabanca de Pitche e Arredores”, quer no encontro/almoço, quer no “Facebook”, é o nosso desejo para que, a partir daí, se possa avançar para outros patamares.

Operação “FERRODENTE”

Foto 1 – Concentração antes de partir para o objectivo
José Bóia, João P. Costa, José Sobreira, Henrique Ferreira, Luís Encarnação, Castro Neves (então Cap. Comandante da CCav 2748 de Canquelifá, hoje Coronel), Francisco Palma e Luís Borrêga.

Foto 2 – Em acção no objectivo
Da esquerda para a direita Fernando Boto, Borrêga, Encarnação, Hélder Sousa, dois elementos não muito visíveis sendo um deles o José Bóia, João P. Costa, Laranjeira e Henrique Ferreira.


Operação “LIFEBUOY”


Foto 1 – Em acção já no objectivo
Da esquerda para a direita Palma (em oração), Emanuel Vieira, Hélder, alguns elementos encobertos entre eles se vislumbra a cabeleira do Borrêga, João P. Costa, José Dinis e Encarnação (em meditação).


Foto 2 – Em acção já no objectivo:
De frente Palma, Vieira, Borrêga, Hélder e Bóia. De costas João P. Costa, José Dinis e Encarnação.

Abraços,
Hélder Sousa/Luís Borrêga
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: 25 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7174: Convívios (196): Encontro do Grupo do Cadaval no Couço-Coruche (José Manuel Matos Dinis)

Guiné 63/74 - P7181: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (13): Lisboa a viver num apartamento com mais três estudantes (José Corceiro)

1. Mensagem de José Corceiro (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), com data de 24 de Outubro de 2010:

Caros amigos, Luís Graça, Carlos Vinhal, E. Magalhães.
Envio este testemunho, onde exponho como eu senti o 25 de Abril na época, antecedentes e algumas consequências, que publicarão caso entendam que tem algum interesse para o blogue.

Um abraço
José Corceiro


NO 25 DE ABRIL EU ESTAVA EM...

Os anos sessenta foram fabulosos em acontecimentos musicais, e testemunharam uma criatividade ímpar, que fez florir uma grande multiplicidade de inovações nos géneros musicais e nos ímpetos comportamentais dos jovens. São dignos de destaque os talentosos artistas ingleses, no campo da música, tais como os Beatles, os Rollings Stones, os The Who, o Cliff Richard e muitos outros ídolos americanos, que se sobrepuseram com o seu estilo cultural original, a cuja corrente a irreverente juventude aderiu voluntariosa, obrigando as comunidades a romper com muitas tradições sociais, que estavam arreigadas nos comportamentos dos povos há séculos. Muitos conceitos que se pensavam bem alicerçados, desabaram, e outros se inovaram, no campo da política, comportamento, moda, sexo, religião, etc. Foi a adesão em massa por parte da juventude, sempre ansiosa por novas experiências, que ao aderir a esta original onda do estilo de vida destes ídolos, que em parte contribuíram para o aparecimento nos anos de 1966/67, das manifestações dos movimentos Hippies, com a sua doutrina filosófica contra cultura, manifestando a sua rebeldia no campo das ideias, no modo de vestir, nos comportamentos contestários, questões ambientais, emancipação sexual, vida comunitária, discordância dos valores tradicionais face a tudo o que os cercava. Os adeptos do movimento Hippie, filosofavam e procuravam uma nova identidade, purificada e liberta de tudo o que consideravam impuro e nefasto no seio da sociedade reinante. Algumas das ideias dos Hippies rasgaram com as concepções há muito instituídas, deixando campo vazio aos novos conceitos por eles propagandeados, que se foram dispersando na sociedade, acabando por ser absorvidos. Os Hippies, adoptaram como seu, o símbolo da paz, e o lema que apregoavam bem alto, era: Paz e Amor.

Em Portugal os anos 60 foram tempos agitados, tempos problemáticos e difíceis, para o regime Salazarista e para o povo português.

O nosso País não tinha tradição de música Pop & Rock, este género musical foi uma onda importada da cultura dos países anglo-americano, no princípio da década de sessenta, acabando por nascerem assim, as primeiras correntes de rock no nosso país.

Quando começaram a surgir as primeiras bandas musicais, influenciadas pelos artistas do rock americano, os grupos portugueses não tinham raízes nem tradição de música contestaria, e não enveredaram pela atitude do inconformismo, mas antes porém, optaram pelo facilitismo da via da ingenuidade e simplicidade do género musical “Yé-Yé”, que o mesmo é dizer, tudo gente bem comportada que não quer provocar sarilhos, mas sim assegurar uma vida calma e tranquila.

O regime fascista controla a governação do País, onde se instalou há mais de 30 anos. Com raras excepções a juventude portuguesa não se envolve em questões de política, nem lhe são dadas oportunidades para tal, já que a macabra polícia ”Pide” tem tudo minado e controla os passos de meio mundo, servindo-se da rede tentacular dos seus impúdicos informadores, que estão infiltrados em tudo o que é repartição pública, devassando a vida de quem lhes aprouver, não permitindo que algum cidadão, mais atrevido, ponha o pé em ramo viçoso.

O povo politicamente é amorfo, o balão do descontentamento, devido à repressão do regime, está prestes a rebentar, as injustiças contra o cidadão comum agravam-se a cada dia que passa, o ódio sufocado do povo contra o regime, já é difícil de ocultar, o desejo para vingar as atrocidades cometidas pelo poder, ameaça explodir a qualquer momento.

Rebentam as primeiras contestações de vulto, levadas a cabo por algumas personalidades bem integradas no regime salazarista. É o caso da candidatura do General Humberto Delgado, em 1958… - obviamente, demito-o… - palavras de Humberto Delgado, a referir-se a Salazar. O assalto e o desvio, do paquete Santa Maria, foi em 22 de Janeiro 1961, a responsabilidade deste acto é também assumida pelo General “Sem Medo”. O massacre do porto de Pidjiguiti, na Guiné, foi em 3 de Agosto de 1959.

O assalto da prisão, em Luanda, foi em 4 de Fevereiro de 1961, esta acção dá mais um rombo e um abanão na estrutura do poder, inicia-se o alvorecer e despertar das consciências dum povo adormecido, que amanhece, acorda e abre os olhos para outras realidades, e com outros sentimentos, começando por condenar a resposta de retaliação do assalto à prisão, dada pelas autoridades portuguesas, que arrasaram aldeias inteiras com bombardeamentos, massacrando inocentes indefesos.

A Índia invade, Goa, Damão e Diu, em 18 de Dezembro 1961, que nós dizíamos serem nossas possessões há séculos; estoira a guerrilha em Angola, no ano de 1961; a rebelião do assalto ao Quartel de Beja, foi em 1 de Janeiro de 1962; aparece a Frelimo em Moçambique, em 1962; começa a luta na Guiné com o ataque ao quartel de Tite “que foi a primeira acção armada do P.A.I.G.C”, em 23 de Janeiro de 1963. Portugal, do dia para a noite, vê-se obrigado a um enorme esforço suplementar, com o envio de contingentes militares, para combater em três frentes distintas.

A juventude estudantil portuguesa inquieta-se e acorda, começa a desperta e a politizar-se, ganhando consciência de luta contestando o regime vigente, eclode a crise universitária de 1962.

Crise Universitária, de 1962 (http://www.manuelgrilo.com/rui/artigos/crise.html)

O envio de tropas para o ultramar começa a ser em massa, e todos temem que a sorte lhes vá bater à porta num futuro muito próximo, caso se continue com a mesma política, que está a absorver as sinergias de toda a juventude dum País, ao ser mobilizada para os Teatros Operacionais de Guerra das colónias e é inevitável que terão que se confrontar, empunhando armas, frente a frente com os nossos irmãos, alguns dos quais são amigos e seguem o mesmo percurso universitário. (O eloquente Poste 3543 – encontro de Dois Amigos no TO, frente a frente os “Inimigos”- Mário Dias e Domingos Ramos patentearam um leal exemplo de amizade e generosa sensatez, ditosos intervenientes, apanágio que só contempla Homens com grande dignidade e honradez, porque só estes são bafejados com esta sabedoria. Para mim um marco Importantíssimo no Blogue, um comportamento a raiar o mitológico, coincidências da vida. Parabéns para os dotados com este discernimento). A maioria dos jovens não compreende o que é que está em causa no conflito, duvidando se vão defender a soberania da Pátria ou os interesses de alguns colonialistas. As instâncias internacionais estão todas contra as nossas pretensões, deixando-nos isolados e orgulhosamente sós. Estamos envolvidos em três frentes de combate, numa guerra de guerrilha que poucos são os que sentem estímulo para a alimentar, nem há simpatia pela doutrina que a apoia, duvidando-se se efectivamente estamos a contribuir para o interesse do país, ou a desbaratar a sua economia. Falta motivação combativa.

A somar a este desinteresse, as forças mobilizadas quando chegam ao destino, vão encontrar instalações com péssimas condições de alojamento, algumas são degradantes, a aclimatização é dificílima, a alimentação é de má qualidade e pobre. Eu, na Guiné, tive um períodos que durou mais de dois meses, em que a alimentação foi diariamente arroz, algum misturado com caganitas de rato, atum e salsichas, duvidando-se do estado de conservação de cada um destes géneros alimentícios, se eram próprios para consumo, porque o odor era nauseabundo, mas nada mais havia para comer (e éramos só cerca de 40 arranchados). Honra seja feita, ao Sr. Capitão Costeira, na altura Comandante da CCAÇ 5, homem sensível, e dotado de excepcional carácter e compreensão humana, que a determinada altura, crendo que esta injustiça estava a ultrapassar o limite do razoável, deslocou-se a Bissau, onde comprou vários alimentos, fretou uma avioneta, creio que civil, para os transportar para Canjadude, onde foi logo confeccionada uma ceia condigna, (jantar) que comemos sôfregos, confraternizando todos reunidos, sentados à volta da mesma mesa.

É notório que se está a atingir o auge do limite das capacidades do Estado, era incomportável exigir tanto sacrifício à nobre juventude dum País, tão pequeno e com tão limitados recursos económicos, forçado por interesses de alguns monopólios, que não souberam nem quiseram aproveitar e criar condições oportunas e atempadas, para solucionar o problema, arrastando-nos agora para uma guerra fratricida em três frentes, guerra que já dura há mais duma década, sem perspectiva de paz à vista, estando a ceifar milhares de vidas e a deixar outras tantas com deficiências físicas, dum lado e do outro, não poupando a vida a inocentes, a agravar, ainda ocasiona traumas psíquicos, supliciando os que assistem aos horrores da guerra, traumas que só a morte lhos vai apagar. A guerra é sempre uma catástrofe… que provoca horrores e excessos de parte a parte… uma imbecilidade… Não se vislumbra no horizonte fim à vista para esta contenda.

O País continua cada vez mais só. O regime está tão obcecado com a linha da sua política que se convenceu (ou quer convencer) que só ele é o detentor de virtudes e da verdade, despreza toda e qualquer proposta no sentido de encontrar uma via diplomática alternativa, para solucionar o caso e pôr fim à guerra, alheando-se de todos os contra-argumentos que lhe sejam desfavoráveis, preferindo antes enterrar a cabeça na areia, para não ver, não ouvir, nem dar diálogo a vozes conscienciosas e sensatas, que exprimem outras opiniões… Progressivamente vai-se avolumando e generalizando a contestação ao regime vigente, e surgem resistências à mobilização dos militares para o ultramar.

Já antes da década de sessenta, surgiram algumas vozes de intervenção (protesto) no campo da música e da poesia, que com palavras dissimuladas contestam o regime. O José Afonso é a figura emblemática da canção de intervenção em Portugal, figura proeminente no combate contra a opressão do regime, através da canção. Dizia o Zeca Afonso sem pretensões algumas: - Semeio palavras na música. Assim, através das suas palavras disseminadas através das baladas, umas vezes com letras mais veladas, outras, mais explícitas, contesta o regime. Eu tenho algumas músicas do José Afonso, que algumas vezes ouvia com amigos mas com muito recato e quase em silêncio, havia receio (isto em 66 ou 67).

Vampiros: ( http://www.youtube.com/watch?v=ZUEeBhhuUos&feature=related)

Dentro da música de intervenção, há outros nomes que merecem ser lembrados, é o caso: José Mário Branco, Janita Salomé, Fausto, Sérgio Godinho, Vitorino, Manuel Freire (Pedra Filosofal), etc. que tiveram um percurso de vida, utilizando a canção de intervenção, para se manifestarem contra o antigo regime, o que os molestou, tendo alguns sido perseguidos acabando por se exilarem.

Pedra Filosofal: (http://www.youtube.com/watch?v=2DA-mzhk0s4)

FOTO 1 - Coimbra, 17 de Abril de 1969, o desfile militar, povo, estudantes e cartazes!

FOTO 2 - Coimbra, 14 de Junho de 1969, estudantes na R. Ferreira Borges, operação balão.

FOTO 3 - Coimbra, 22 de Junho de 1969, Final da Taça de Portugal. Comunicados caem sobre os espectadores

Por sua vez o regime também aproveitou a imagem e a popularidade dos artistas da época, (conveniência ou ingenuidade destes) ao promover espectáculos com os cantores mais conotados com a ideologia política do poder, espectáculos esses que serviam para serenar o cidadão, e ao utilizar os meios de comunicação divulgava-se a mensagem enganosa, que havia união entre o poder e o povo, ao qual o regime servia e administrando com rigor e controlo o erário público. Um embuste. Também eram enviados artistas em digressão pelas Províncias Ultramarinas onde eram fomentados espectáculos para impressionar e confundir a opinião pública, ao passar a mensagem que a guerra era obra de grupelhos conflituosos, que não intimidavam nada nem ninguém, visto que até os nossos artistas se deslocam livremente em segurança, a locais que difamadores dizem ser perigosos. A actuação dos artistas era a prova de que há paz e tranquilidade e não guerra! Era o continuar das “Conversas em Família” e o renovar o velho discurso do ditador dos anos trinta: - «Às almas laceradas pela dúvida e pelo negativismo, nós procuramos restituir o conforto (com bastonadas e prisão) das grandes certezas. Nós não discutimos Deus e a sua virtude, não discutimos a Pátria e a sua História, não discutimos a Família e a sua moral, não discutimos a Glória do trabalhador e a sua obrigação. Assim foram construídas as pilastras do edifício.»

Paralelamente a estes acontecimentos, começa a germinar uma juventude mais esclarecida e mais politizada, que se organiza contestando o regime e as suas instituições, e rebenta a Crise Académica na Universidade de Coimbra, nos meses de Abril, Maio e Junho, de 1969.

Crise Universidade de Coimbra: (http://www.youtube.com/watch?v=FV5cFbvK5p8&feature=related)

Crise Universidade de Coimbra: (http://www.youtube.com/watch?v=IqC6H0Ry17c)

Crise Universidade de Coimbra: (http://videos.sapo.pt/vFw8pzw6tGnH7JYATOlz)

Fotos: (http://caminhosdamemoria.wordpress.com/2009/06/02/crise-academica-coimbra-1969/)

Enquanto a guerra no ultramar ceifava a vida a militares e a inocentes dos dois lados, a polícia continuava a dar bastonadas nos contestários, e estes por sua vez aperfeiçoavam os seus métodos de reposta. Os embarques em massa para a guerra continuam, por vezes utilizando transportes marítimos cujas condições e instalações são humilhantes e degradantes para o homem, como me aconteceu a mim quando fui para a Guiné no Niassa, em 24 de Maio de 1969, mais parecendo que carregavam massa humana já destinada a carne de canhão. Estas condições eram aceites por muitos jovens, todos praças, por imposição e servilismo, mas com revolta contida, pois não tinham outras condições, sócio-económicas que lhes permitissem alternativa.

Progressivamente alguma juventude começa a adquirir consciência política, e concluí que a guerra é incomportável e de finalidade duvidosa, e decidem-se por abandonar o País a assalto, mancebos com 17, 18, 19 e 20 anos, fogem da tropa (nem sempre por medo). Vão para França e outros países Europeus, onde alguns já tinham familiares ou amigos, que lhe serviam de orientação e sustento nos primeiros tempos. Da minha terra foram muitas dezenas que tomaram esta atitude, assim como em toda a zona fronteiriça do País, como é a minha aldeia. Eu próprio cheguei a dar guarida, numa casa dos meus pais, durante uma semana, a 5 jovens naturais do Porto que estavam por ali de passagem, e que na hora de nos despedirmos me confidenciaram que estavam de abalada para o estrangeiro, para fugir à tropa, isto no Verão de 1967. Havia também os que desertavam quando estavam já a cumprir o serviço militar, ou já depois de estarem mobilizados com embarque agendado para o Ultramar, na minha aldeia houve casos destes. Estas deserções aconteciam com mais frequência em jovens militares oriundos de famílias da média burguesia, que tinham recursos monetários que fizessem face ao sustento no estrangeiro, até arranjarem emprego ou poderem continuar a estudar, tirando cursos superiores, como alguns da minha aldeia fizeram. Particularizando, tenho um caso na minha família, dum tio meu, da minha idade, que com 18 anos, para se livrar do serviço militar partiu para França, onde estava bem integrado e optou em 1968 por vir voluntariamente a cumprir a tropa. Logo em 1968 foi mobilizado para Angola, onde tombou em combate no dia 04 de Fevereiro de 1969. Já eu estava na Guiné quando se realizou o funeral do meu tio.

Era insustentável para um país com os recursos que Portugal tinha, sustentar uma guerra desgastante do género desta, com três frentes, onde não havia uma razão mobilizadora, nem uma causa justa que aglutinasse os seus efectivos em torno dum ideal, que motivasse os seus combatentes à luta. Faltava o ideal e a causa era injusta, estávamos condenados. Estávamos envolvidos neste conflito há mais duma década, não havia fim político ou militar à vista… estava já tudo saturado e cansado.

FOTO 4 - Corceiro, em Lisboa, ao fim da tarde, no dia 24 de Abril de 1974, o edifício em plano de fundo é o Palácio da Justiça.

FOTO 5 - Dia 25 de Abril de 1974, em Lisboa, Corceiro com garrafa na mão na casa onde vivia mais três amigos a festejar a Revolução dos Cravos. Não tinha whisky nem champanhe, abri uma garrafa de conhaque, Pedro Domecq. Quem não se aguentou nas canelas foi o meu amigo Freitas que já não se tinha na vertical e está na cama na horizontal. Pode ler-se num papel na parede – Comemoração de 25-04-1974

Em 25 de Abril de 1974, eu vivia em Lisboa num apartamento na R. Viriato, (paralela à R. Fontes Pereira de Melo) com mais três estudantes. De madrugada, às 04:30h, tocou o telefone insistentemente, atendeu-se e era a irmã do meu amigo Freitas, que hoje deve ser médico. A irmã do Freitas trabalhava como jornalista num órgão de comunicação social, e telefonou a alertar o irmão que tinha havido uma revolução militar e a preveni-lo para não sair de casa. O Freitas ainda não tinha cumprido a tropa. Ainda não eram 5 horas, já o Corceiro, o Freitas e outro amigo, estávamos junto ao Marques de Pombal, pois do apartamento até lá eram dois minutos a caminhar. Acompanhamos durante todo o dia, na via pública, as movimentações militares, sem mais voltarmos a casa, quisemos assistir ao evoluir da Revolução dos Cravos. Palmilhámos a Avenida da Liberdade, Restauradores, Rossio, na Rua do Carmo e na R. Nova do Almada, assistimos a pilhagens em duas ou três casas comerciais, fomos para a Praça do Comércio e a culminar, ao fim da tarde, assistimos aos acontecimentos do render no Largo do Carmo.

Recordo deste dia a força aglutinadora e a impulsividade manifestada pelo povo, no apoio aos militares com os quais se misturava e queria proteger, no Rossio foi o apogeu, as floristas a abraçarem e a colocarem espontaneamente cravos nos canos das G3 dos militares, que transportavam uma arma na mão, mas guardavam dentro do peito um coração que palpitava e esvoaçava qual pomba branca a anunciar a paz, foi dum simbolismo de ensoberbecer; o povo anónimo dava as mãos e enlaçava-se, dando abraços a irmãos desconhecidos, era o comungar e saudar o novo porvir de esperança e paz, erguendo em uníssono o ramo de oliveira, simbolizando um pacto de concórdia; era uma alegria esfuziante, que só os momentos de glória dum egrégio e pacífico povo, com notável história, sabem enobrecer…

O 25 de Abril foi aquilo que todos sabemos que é! Poderia ter sido melhor? - Podia… Poderia ter sido pior? - Podia… Mas era muito urgente a mudança… É de louvar os homens que tiveram os ideais de Abril. O País estava a ficar incomportável, não havia viabilidade para o status quo

FOTO 6 - Dia 28 de Abril de 1974, ao fim da tarde, na R. Fontes Pereira de Melo, antes de chegar às Picoas. Começou espontaneamente o pessoal a aglomerar-se, já depois da Rotunda, e enquanto o diabo esfregou o olho, estruturou-se uma manifestação, com muitos militares da força aérea, como se pode ver nas linhas da frente com farda azul e boina verde. As palavras de ordem – Nem mais um soldado para o ultramar…

FOTO 7 - Dia 30 de Abril, de 1974, na parte da tarde na Ave. da Liberdade, antes de chegar à Rotunda, veja-se a destreza e o à vontade, dum pai ou avô, a passear a criança. O Sr. que está no meio do trânsito, está a distribuir panfletos para a convocação do 1º de Maio.

O 25 de Abril foi obra feita por seres humanos, com as suas virtudes e defeitos, portadores duma carga genética com as suas dominâncias, detentores das suas experiências de vida, e até limitados por contingências diversas: ideologias políticas, interesses pessoais, valores humanos, houve muitas determinantes que condicionaram o bom evoluir dos acontecimentos, e até, talvez, os seus ideólogos e operacionais não esperassem que fosse este o evoluir do rumo revolucionário que sonharam e queriam dinamizar, e que o seu querer tenha sido ultrapassado pelo progredir!?

FOTO 8 - Dia 1º de Maio, 1974, tirei esta foto ao princípio da tarde, na Alameda. Posicionei-me junto da Fonte Luminosa.

FOTO 9 - Dia 1º de Maio, de 1974, tirei esta foto ao meio da tarde, na Alameda, podem ver-se muitos militares da Marinha. Estava posicionado, para fotografar, no lado do Técnico. Veja-se o mar de gente.

Seguiram-se dias de salutar entusiasmo sibilante, aos quais tive a fortuna de assistir, que culminaram com a realização da festa do 1.º de Maio de 1974, na Alameda, nunca mais houve outra igual. Tive o privilégio de presenciar nos dias a seguir ao 25 de Abril, à progénie de manifestações espontâneas, em que o povo circundante aderia apaixonadamente à torrente da multidão, onde era regra invariável e obrigatória serem sempre gritadas, bem alto, as mesmas palavras de ordem: - Nem mais um soldado para o ultramar… Regressem do ultramar os soldados já… Para o ultramar nem mais um militar… Não à guerra no ultramar…

Estava sempre presente o Ultramar, nas preocupações do Povo.

FOTO 10 - Agosto 2010, Corceiro na Madeira, junto à cascata Véu da Noiva, na costa Norte.

A descolonização das ex-colónias foi mal negociada, foi um autêntico desastre, não se garantiram a segurança e direitos aos residentes e o que aconteceu após a entrega foi uma indignidade para o povo português e para os movimentos de libertação, que não se entendiam porque lhes faltava coesão Nacional, no caso da Guiné eram muitas as tribos (interferências e interesses em jogo etc., etc.)… O êxodo de milhares e milhares de retornados…?! Questiono-me, se perante o momento conturbado que atravessava o País, se seria possível fazer melhor descolonização? A culpa do que aconteceu, terá sido de quem negociou, ou de quem não soube atempadamente ir preparando os nativos das colónias para a autodeterminação, deviam ter acordado mais cedo, dando um rumo diferente à política ultramarina…?! Já havia muitos exemplos de descolonizações! Sabemos a aceleração com que foi feita a saída das nossas tropas, deixando ao Deus dará o destino das Novas Nações, que seguiram um rumo desastroso que descambou num caos, que foi aproveitado para vinganças vis, que provocaram o derrame de muito sangue, mas nunca saberemos o que aconteceria se fosse feita doutra maneira! Após o 25 de Abril, era dificílimo a Portugal manter-se nas ex-colónias, o desinteresse era geral, e aos Novos Países faltava-lhes formação governativa. Era complicadíssimo continuar a enviar tropas em massa e desmotivadas para o ultramar! E o que poderia acontecer? Quem estava na disposição de continuar a ir? Quem dos que estavam no ultramar não estavam desejosos e impacientes para regressar ontem? Como reagiriam os movimentos de libertação? Quem estava disponível para permanecer lá, ou ir policiar? Há muitas interrogações e dúvidas… mas são sempre os imbróglios provocados pelos horrores da guerra que conduzem a estes embaraços, a guerra é perpetuamente uma destruição do espírito humano, mas infelizmente tem muitos apologistas que por ela nutrem paixão, e que astutamente conseguem argumentar e convencer os incautos, das reais “virtudes e necessidades” que a guerra comporta… a culpa nunca querer morrer solteira. A Portugal faltou um estadista para orientar os destinos da Nação, já tínhamos muitas fontes onde nos podíamos rever e inspirar, para poder dar um rumo diferente com mais dignidade e mais ordem à descolonização…

Um abraço e boa saúde para todos.
José Corceiro

PS – As fotos 1, 2 e 3, assim como os endereços dos links foram retirados do Youtube
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7063: José Corceiro na CCAÇ 5 (17): Coincidências no dia 3 de Agosto de 1970

Vd. último poste da série de 26 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6251: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (10): Canfuja, sector de Piche, com o Jamanca e a CCAÇ 21, no rasto do PAIGC (Amadú Djaló, Alf Comando Graduado)