quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7256: Cartas, aos netos, de um futuro Palmeirim de Catió (J.L. Mendes Gomes) (5): A masmorra do BII 19 e a boémia do Funchal











Região Autónoma da Madeira > 2008 > Clichés turísticos da Madeira... Fotos de Luís Graça (Alfragide) e Augusto Pinto Soares (Porto)

 
1. Continuação da série Cartas, para os netos, de um futuro Palmeirim de Catió (*). Autor: Joaquim Luís Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, repartindo actualmente o seu tempo entre Lisboa, Aveiro e Berlim e, por fim, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins de Catió, que esteve na região de Tombali (Como, Cachil e Catió) nos anos de 1964/66.


Oficial e cavalheiro (5):  Batalhão de Infantaria Independente nº 19 (continuação)

Era ali que ia iniciar-se, verdadeiramente, a primeira fase preparatória da missão que nos esperaria em África. Pelo menos à maioria anónima dos aspirantes. Sim, porque havia por ali nomes sonantes de filhos-família, como Spínola, Vale Guimarães, Sommer de Andrade e outros mais. Apenas estavam a marcar a presença. Eram o contributo das ocultas famílias poderosas…A sua missão no ultramar não passaria das águas azuis da Madeira ou Açores…

O capitão Câmara de Freitas, estou a vê-lo, um austero militar de carreira, com um bigode retorcido de republicano, bem estendido, entre a boca tapada e um nariz aguçado, em rosto moreno, de olhar fundo, mas doce, já maduro, a recompor-se, na sua terra, da primeira missão de guerra no ultramar. Era o comandante da minha companhia de recrutas madeirenses.

Havia outra companhia, chefiada por um capitão madeirense, este, miliciano. O capitão Pestana. Aqueles vinham preparar-se, ali, para o esforço de guerra que estava a ser pedido ao país. Depois da recruta, receberiam a especialidade e iam juntar-se aos que se encontravam nas frentes da guerra.

O meu pelotão era, mais uma vez, o segundo da companhia. Na primeira semana, ficaram assentes todas as regras de conduta. A maior responsbilidade e uma total confiança na nossa capacidade de chefia. Esta forma de nos considerar vinha ao encontro da maioria de todos nós e isso fazia-nos assumir as nossas responsabilidades de forma inteira.

O plano de instrução da companhia era discutido e acompanhado com o comandante, semana a semana. O dia começava com uma hora de instrução física. Havia que puxar por aqueles corpos em estado bruto, cheios de força descontrolada, oriunda da enxada, nas vertentes alcantiladas, sabiamente aproveitadas para a recolha do sustento da família.

Ordem unida, intensa, com as velhas espingardas Mauser sobradas da última grande guerra de 14/18. Ética militar e cívica e noções de primeiros socorros. Estas eram as que mais se assemelhavam à minha maneira de ser, de tal modo que o matreiro e raiano Gonçalves, avesso às teorias, me pedia para juntar o seu pelotão ao meu.

Durante uma hora extravasava, sem esforço, a minha tendência natural e desenvolvida no seminário, para as prédicas de sabor moralista. Não era por acaso que, de cima da amurada da sala de oficiais, os mais antigos, se entretinham a assistir, como quem não quer a coisa… e eu, também, disfarçadamente, não resistia a picar-lhes as consciências distraídas…

Um mundo novo e surpreendente se abriu, mais cedo do que pensava, para quem pensava que, com o serviço militar obrigatório, iria interromper a sua carreira. Cumpria-se o ditado popular de que Deus escreve direito por linhas tortas

As marchas pelas ruas da cidade, nas deslocações do pelotão para a carreira militar, lá no alto de São Martinho, ou para a indispensável instrução nocturna, na verdejante serra do Monte, eram a gostosa evasão e o complemento necessário para o esforço físico despendido.

Mente sã em corpo são, era agora a realidade da minha vida. No seminário, apenas se cuidava (pensava-se...) da sanidade da mente… muito pouco da do corpo. Os resultados não demoravam a aparecer no desenvolvimento harmonioso e visível dos recrutas sequiosos e dedicados.

Oficial e cavalheiro (6): A boémia do Funchal

Não se sabia que tempo iríamos ficar no Funchal. Com o passar dos dias, às vezes,( tão bem me sentia) dava comigo a sonhar que, com um golpe de sorte, como o que tivéramos em estar ali, até poderíamos nem ir ao ultramar. Para a arraia miúda, eram meros devaneios que, depressa se esfumavam…

A realidade, porém, era que, gratuitamente, ali tínhamos ido parar e estávamos na Madeira. Sabíamos bem que aquele recanto, escondido pelas ondas do mar, apenas, estava ao alcance dos mais endinheirados. Bastava olhar em redor.

A amenidade do clima estava à vista. Saídos de Tomar, coberta pelo gelo de Janeiro, mal chegámos ao Funchal, podíamos deliciar-nos com saborosos banhos de mar, na piscina, no Lido, ali ao pé, ou então nas águas do Porto Moniz, como se estivéssemos a sorver o iodo de São Pedro de Muel ou as cálidas águas do Algarve, em Agosto.

As roupas de inverno voltaram, de novo, para a mala. Só a camisa e uns calções, se quiséssemos. A farda, porém, dava jeito… para vaguear pelas ruelas asseadas do Funchal. Os três aspirantes da companhia do capitão Câmara tornaram-se uma parelha inseparável. O Vale Guimarães e afins, esses, tinham um bruto WolksWagen às ordens e voavam noutras núvens…

Às 5 e meia da tarde, acabava o dia de instrução e clausura na masmorra do BII 19. Um duche rápido na casa da Mariquinhas da Ribeira e,  em dois passos, estávamos, estrategicamente, na esplanada do Apolo, a beber um sumo de maracujá, à espera do remansoso desfile, sempre variado.

Com os tempos, a farda permitia-nos entrar nos gordos paquetes que encostavam bem recheados ao porto. É preciso um grande esforço para reviver tudo aquilo, sem pensar que tudo não passa de um sonho de maravilha…

Mas assim aconteceu. Cada recanto, por mais recôndito, escondia uma surpresa florida. Os ronceiros mas frequentes horários (assim se chamava aos autocarros da cidade) com a bonita modalidade de preços, nunca pensada no continente, a descida custava metade da subida (da metade quando se descia), tornou-nos acessível palmilhar todos os arredores.

Do coração do Funchal à Senhora do Monte, ao Pico dos Barcelos, lá em cima, quase sempre envoltos em núvens leves ou à praia buliçosa da Câmara de Lobos…

Para ir ao campo distante, não demorou muito e tínhamos feito amizade com rapaziada autóctone. Uma carrinha Morris-mini, então na berra, do Fernando do Campanário, foi a nave dos nossos passeios: As alturas do Cabo Girão, os alvores do Paúl da Serra, os furados (túneis) escuros de São Vicente para o Porto Moniz, o Curral das Freiras, a frescura da Serra d`Água, Santana florida, e sei lá, tudo foi batido em exploração estonteante. Acompanhada de saborosas espetadas regadas a vinho, do puro, da Madeira…

Saciada a curiosidade de conhecer aqueles 800 km2 de terra, feita, verdadeiro jardim e bosque paradisíaco, erguido no meio do mar azul e omnipresente, como o sol, dedicámos a maior parte do nossos tempo aos regalos da cidade. Sem dar conta, estávamos assimilados pelas gentes afáveis e saudavelmente resignadas com a sua sorte. O continente éra-lhes um mito de que muito gostavam de ouvir falar. O barbeiro, madurão e todo careca, ali ao pé da Gonçalves Zarco contava-me deleitado as excursões ao Bom Jesus do Monte em Braga, ao majestoso Gerês e ao Buçaco, a Fátima, ganhas, naqueles 6 m2, à custa da tesoura e da navalha …

A maioria, porém, contentava-se em sonhar com uma certa inveja de nós… A pressão do cerco do mar era uma realidade geral. O tripeiro Gomes e o raiano Gonçalves eram já uns vividos boémios, aquele das ruelas da ribeira do Porto, este do Bairro Alto e da Madragoa, em Lisboa… Tinham sido interrompidos nos seus empregos pelo serviço militar. O Gomes estudava matemáticas na universidade do Porto, nas horas vagas do trabalho adequado; o Gonçalves era funcionário efectivo na Previdência. Estava cansado de estudar.

Eu estava a dar os primeiros passos, de liberdade condicional. Não, não estive no presídio penal. Acabava, sim, de me evadir do cárcere, nas masmorras do seminário de Vilar e da Sé, no Porto, diabolicamente, farisaicos… Uma vontade telúrica de enterrar aquele pesadelo e tapá-lo, bem fundo, com um curso superior, se possível, em Direito. Não sei porquê. Ânsia de libertação, talvez…Para isso, sentia uma necessidade natural de conhecer as intrincadas regras da sociedade política e administrativa. Por esse motivo, fui sempre capaz de dizer não aos repetidos aliciamentos que aquela leal parelha me disparava, volta e meia.

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Nota de L.G.:


(*) 8 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7238: Cartas, para os netos, de um futuro Palmeirim de Catió (J. L. Mendes Gomes) (4): O Funchal era uma festa...

Guiné 63/74 - P7255: Dando a mão à palmatória (25): O Jorge Canhão faz anos a 9 de Abril e não a 9 de Novembro (Carlos Vinhal)

A verdadeira data de aniversário do nosso camarada Jorge Canhão é 9 de Abril

1. Mensagem de Carlos Vinhal à tertúlia

Caros camaradas, amigos e leitores
Custa muito a quem nunca se engana e raramente tem dúvidas, vir publicamente confessar que teve um pequeno lapso.

Assim, confesso que de acordo com os melhores e bem mais organizados ficheiros do espaço informático, os meus, o nosso camarada Jorge Canhão faria ontem, dia 9 de Novembro, anos.

Publicado o respectivo poste, o mesmo escreveu-nos a comunicar, muito justamente, que nesta altura da vida só está interessado em fazer anos uma vez em cada 365 dias, o que aconteceu já em 9 de Abril de 2010. Mais acrescentou, que agradecia as manifestações de amizade de ontem, mas dos 60 só passará no próximo ano.

Porque não podemos nem devemos alterar o curso da vida de qualquer pessoa, mesmo com a melhor das intenções, aqui fica a minha retratação por mais este atropelo ao bom funcionamento do Blogue. Se o caso for motivo de despedimento por justa causa, fico à mercê do vosso veredicto.

A verdade é só uma, o camarada Jorge Canhão não fez anos ontem.
Com a vossa permissão vou alterar o poste, não para encobrir a minha vergonha, mas para evitar confusões no futuro.

As minhas desculpas ao camarada Jorge e ao nosso designer Miguel Pessoa pelo trabalho deitado fora.

Carlos Vinhal
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Vd. último poste da série de 8 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6343: Dando a mão à palmatória (25): Alpoim Calvão (e não Galvão...)

Guiné 63/74 - P7254: Convívios (283): 7º Encontro da Tabanca do Centro (Joaquim Mexia Alves)

1. O nosso Camarada Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp / RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, enviou-nos, com data de 9 de Novembro de 2010, a seguinte mensagem:
7º ENCONTRO DA TABANCA DO CENTRO

O 7º Encontro da Tabanca do Centro terá lugar no dia 24 de Novembro, pelas 13 horas e 30 minutos na Pensão Montanha, sita em Monte Real.
O local de reunião, será como sempre, o Café Central de Monte Real, por volta das 13 horas.

O repasto será constituído por um, (ou mais), apetitoso leitão, a cargo da Preciosa, que se disponibilizou para tal, ficando também combinado, que aqueles, (poucos com certeza), que não gostarem de leitão poderão comer cozido à portuguesa.


Claro que o valor do almoço terá de aumentar exponencialmente e assim, e neste dia, passará para a exorbitante quantia de 10,00€, que incluirá, segundo a anfitriã umas singelas entradas.

Preciso das inscrições sem falta até, impreterivelmente, às 12 horas do dia 22 de Novembro, aqui na caixa de comentários, ou em
tabanca.centro@gmail.com pedindo que aqueles, e apenas esses que não gostam de leitão, o indiquem expressamente.

Seguindo a brilhante ideia do Luís Raínha, faremos deste Encontro um almoço de Natal.

Na continuação dessa ideia, compraremos para a Preciosa, (sempre pronta para nos receber com toda a sua simpatia e amizade), um presente de Natal, que proponho fique como missão do Jero, (que para tal já se ofereceu), e que poderá ser ou uma peça de porcelana de Alcobaça, ou, lembro eu, uma colcha de Alcobaça.

Por mail proporei aos possíveis eventuais inscritos um valor individual para tal presente, de modo a que o Jero saiba com o que contar.

Sugestões, façam-nas por favor rapidamente, para acertarmos tudo a tempo.

Seria óptimo encontrarmos destino para os valores já recolhidos para o auxilio aos combatentes, de modo a os podermos entregar nesta quadra do Natal, pelo que peço a vossa especial atenção e ideias para este assunto.

Cá vos espero! Todos são bem vindos.

Para a Tabanca do Centro, o centro vai desde o ponto mais a Sul da Guiné, até ao ponto mais a Norte de Portugal, incluindo os combatentes que por esse mundo fora vivem.

Um abraço,

Joaquim Mexia Alves
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Nota de M.R.:

Guiné 63/74 - P7253: (Ex)citações (108): Transferência de soberania com dignidade ou rendição sem honra nem glória ? Quando se olha para trás, é que se enxerga tudo... (José Gonçalves)

 1. Comentário do nosso camarada José Gonçalves, com data de 5 do corrente, ao poste P7219:

Caros camaradas
Como já disse antes noutro poste aqui publicado,  cada um vê aquilo que quer ou mais lhe convém em tudo. De entre todas as opiniões há a realidade e nela a verdade.

Eu posso afiançar que a bandeira não estava esfarrapada e que a cerimónia decorreu sem incidentes e que a nossa bandeira foi respeitada por eles, assim como nós respeitámos a bandeira da nova Guiné Bissau. A cerimónia foi feita de acordo com as instruções enviadas de Bissau e aliás já tínhamos experiência pois tinhamos feito o mesmo em Gadamael.

Também tenho a certeza que o aceitamento de tal cerimónia da parte portuguesa tinha muito a ver com a circunstância dos intervenientes. Na minha companhia não houve baixas e poucos contactos com o PAIGC com excepção de uma emboscada que lhe fizemos no porto de Jemberém e onde um elemento do PAIGC foi visto mas fugiu sem sequer haver tiroteio.

O nosso problema em Gadamael eram os bombardeamentos e eu estava convencido que talvez não saísse de lá com vida se a actividade bélica continuasse e se eles acertassem a mira. Portanto,  a entrega da Guiné ao seu legítimo povo segundo as ordens do nosso comando,  foi um acto de alegria e não de tristeza. Estávamos conscientes que muitos morreram por uma causa que não era aceite pela maioria dos portugueses mas estávamos felizes pelas nossas vidas, pelas vidas de todos os que estavam para morrer e não morreram.

Segundo pensávamos na altura,  a situação das tropas nativas estava resolvida pois havia acordos para que integrassem essas pessoas dentro da nova Guiné. Claro que isso não foi cumprido como todos nós sabemos hoje, mas nessa altura o que nos preocupava era irmos para casa e confiámos nos nossos políticos e comandantes para tratarem dos detalhes

Eu entendo os sentimentos daqueles que deram parte da sua vida, viram os seus camaradas ou familiares morrer por uma causa que no meu ver hoje era injusta mas lembrem-se que hoje muitos de nós estamos vivos porque entregámos a Guiné aos guinéus depois do 25 de Abril.

Em inglês diz-se que "hindsight is 20/20" ou,  em portuguêsa, que a visão em retrospectiva é 20-20 (*)

Um grande abraço para todos

José Gonçalves
Alf Mil Op Esp
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Nota de L.G.:

Último poste da série > 8 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7246: (Ex)citações (107): Mininus di praça e “O Fascínio” (José Eduardo Oliveira)

(*) Em tradução livre, quando se olha para o passado, é que se enxerga tudo...

Vd. definição em Urban Dictionary:

"Phrase used to describe the fact that it is easy for one to be knowledgable about an event after it has happened. IE: An individual has a realization about the event that should have been obvious all along, yet they didn't catch on because they were acting in the heat of the moment. Also allows one to learn from their mistakes".

Ou ainda em The Free Dictionary:

"Perfect understanding of an event after it has happened; - a term usually used with sarcasm in response to criticism of one's decision, implying that the critic is unfairly judging the wisdom of the decision in light of information that was not available when the decision was made".

Traduzindo para português: "O entendimento perfeito de um acontecimento  depois ele de ter ocorrido... É um termo usado geralmente com sarcasmo em resposta às críticas em relação a uma decisão tomada por outrem... A crítica é injusta ao avaliar a justeza da decisão em função de informações que não estavam disponíveis quando a decisão foi tomada".

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7252: (In)citações (18): Branco, na volta! Branco, na volta!, repetia a Fatemá em 2005... Com a sua morte perde-se um elo de ligação com os portugueses que passaram pelo regulado de Contabane (José Teixeira)

 1. Zé Teixeira disse em comentário ao poste P7249:


Não me lembro da Fatemá [, foto à esquerda, em 2005], quando trilhei as picadas de Quebo e Mampatá [, em 1968/70]. 


Recordo o Régulo Sambel, seu marido,  e a sua dedicação e fidelidade a Portugal.

O seu filho, o nosso amigo Suleimane, actual Régulo de Contabane, esse sim, como soldado milícia partilhou comigo algum...as aventuras em Mampatá. Hoje prezo muito a sua amizade e a da sua esposa, a Ádada,  que conheci ainda bajuda. Que bonita que era e ainda é!


Tal como o Paulo Santiago, tive a felicidade de conviver com a Fátemá em 2005, quando a Ádada [, foto à esquerda, em 2005] me reconheceu, passados trinta e cinco anos (que belo e feliz momento!). 


Estava a saborear este encontro, quando vejo surgir à porta da sua morança a velhinha Fatemá, que se dirige a mim com um sorriso, para logo me abraçar e com as lágrimas nos olhos me pedir Branco na volta, branco na volta !

Por mais que lhe dissesse que agora só lá íamos para matar saudades, ela insistia: Branco na volta!... Seguiu-se uma amena conversa, interrompida aqui e além pelos seus bisnetos que queriam brincar comigo ao fotógrafo.

Voltei em 2008. Notei que estava mais parada, porque os anos não perdoam. Retenho a imagem de uma mulher linda, apesar da idade, lúcida e sobretudo, tal como o filho e outros familiares que conheço, muito ligada a Portugal e aos portugueses que por lá passaram.

Com a sua morte perdeu-se um forte elo de ligação, com os portugueses que pisaram aqueles trilhos do Regulado de Contabane.


José Teixeira
[ Esquilo Sorridente]

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Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P7251: Estórias cabralianas (64): O Avô, o Neto e os Heróis (Jorge Cabral)

1. Mensagem que recebemos do Instituto de Criminologia onde trabalha um tal Jorge Cabral que invoca o seu direito à blogoterapia por, noutra encarnação, ter sido alferes de 1ª linha no teatro de operações da Guiné durante a chamada guerra do Ultramar, no século passado


Queridos Amigos:

Agradeço aos Editores mas também a Todos que me brindaram com Votos de Parabéns, por aqui e através das várias redes sociais, do correio electrónico, e do telemóvel.
Muito Obrigado!

Já agora e a propósito de Avós, Netos e Heróis, aí vai "estória".
Abraço todos os Membros da Tabanca.

Jorge Cabral

2. Estórias cabralianas: O Avô, o Neto e os Heróis
por Jorge Cabral (*)


Mais um dia. Lá vou eu entalado entre os anafados peitos de uma dama e a gravata de um cavalheiro, que hoje fez greve ao chuveiro. O Metro segue cheio, mas há sempre lugar para mais um. Na Estação do Saldanha, é invadido por uma excursão de meninos, com a Mestra à frente (bem jeitosa, por sinal). São barulhentos os putos… e eis que um, apontando para mim, grita:
– Aquele ali, é da raça do meu Avô, é um Senhor Herói!.


Raça do Avô? Herói? Sinto centenas de olhares. Encolho-me. Quase desapareço. Disfarço. Peço desculpa à Dama, que diz que não faz mal (benefício de Herói… talvez). Apresso-me a sair. Só no Marquês, começo a pensar. Já sei, o puto é neto do Silva, meu cozinheiro em Missirá. Foi há dois anos, que o encontrei no seu estabelecimento. O Silva vende frangos.


Homem de poucas letras mas de muito coração, levou-me a casa dele e conheci o neto. Estivemos a ver fotografias daqueles tempos e o miúdo queria saber tudo. A certa altura, perguntou-me:
– O meu Avô foi Herói?
– Claro que sim! Todos os que aí estão, foram e ainda são Heróis!  – respondi.


Fiz mal? Enganei o Puto?  Penso que não. Todos os Avós são Heróis. Assim os Netos os considerem…


Jorge Cabral


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Nota de L.G.:


Último poste desta série > 14 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6851: Estórias cabralianas (63): As Sereias do Rio Geba... ou a violência doméstica subaquática (Jorge Cabral)...
 
(...) Foi na Guiné que aprendi a contar estórias às Crianças. Comecei lá e nunca mais parei. Ainda ontem conheci uma Menina. Disse-me que tem um gato e eu falei-lhe das minhas duas moscas, uma de cama, coitada, cheia de febre… Em Missirá, na Escola, comecei com a Branca de Neve e os 7 Anões, mas logo desisti. (...)

Guiné 63/74 - P7250: (In)citações (17): Recordando Fatemá e Sambel Baldé, tenente de 2ª linha, régulo de Contabane (José Brás)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Sambel  (ex-Contabane) > 2005 > Da direita para a esquerda: o Paulo Santiago, a Fatemá e o João Santiago.


Foto: © Paulo Santiago  (2005). Todos os direitos reservados





1. Comentário de José Brás (ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68, foto à esquerda), ao poste P7249:


A minha memória sobre a FATEMÁ, não é tão objectivamente clara como a que aqui aparece do camarada Santiago.

Há coisas da Guiné que me escapam hoje e penso mesmo que me escaparam sempre para minha desgraça pessoal porque tenho isso como uma lástima que não me aumenta razões para a consideração de outros nem de mim por mim próprio.

Tentando entender porque terá sido isso, quero crer que se deve a uma certa rejeição pela guerra e pelas razões da guerra e, nesse tempo, mesmo pelos seus intérpretes no terreno, apesar de também eu a ter assumido.

Por isso Fatemá era apenas a mais prestigiada das mulheres de Sambel [Baldé],  tenente de segunda linha, homem que permaneceu a nosso lado, creio que até ao fim da guerra.

Dele, lembro cartas que escrevi para um seu filho que estava em Lisboa e que ele queria em Contabane para casar com uma mulher "negociada" pelo pai, coisa que gerou conflito de posturas porque o filho, tendo escolhido mulher, outra, já não aceitava a decisão do pai.

Lembro também do posto rádio que montei em sua casa com AN-GRC 9 para apoiar uma incursão da minha companhia na estrada que ligava a Madina do Boé, operação que deu apenas uma vítima, cobra com mais de 4 metros apanhada pelos soldados e cozinhada em Aldeia Formosa.

E também me lembro do embaraço desse dia, obrigado a partilhar o arroz de chabéu com galinha na mesma malga de madeira onde comiam Sambel e as suas mulheres da forma tradicional da Guiné.

Sei que muito soldado português partilhou experiências destas sem quaisquer dificuldades, mas para mim não foi agradável, coisa que, como disse já, sinto hoje como postura verdadeiramente lamentável na medida em demonstra a pouca adaptação que terei tido nesta experiência.

Abraço

José Brás

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Nota de L.G.:

Último poste desta série, (In)citações > 27 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7179: (In)citações (21): Os irmãos Turpin, José e Eliseu, "verdadeiros filhos da Guiné" (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P7249: In Memoriam (60): Morreu Fatemá, Mulher Grande de Sinchã Sambel (ex-Contabane), mãe do Régulo Suleimane Baldé (Paulo Santiago)




MORREU A FATEMÁ!


1. Mensagem de Paulo Santiago* (ex-Alf Mil do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72), com data de 8 de Novembro de 2010:

Telefonema que recebi, às 23.00 horas de ontem, do Zé Teixeira, que recebera a mesma notícia do Carlos Nery, que, por sua vez, a recebera de um antigo milícia.

MULHER GRANDE, GRANDE SENHORA, que conheci há 40 anos, tendo-a visitado em 2005  (*) e 2008.

Viúva do Régulo de Contabane, Sambel Baldé, mãe do actual Régulo, Suleimane Baldé, ex-1.º Cabo do PEL CAÇ NAT 53, que tive a honra de comandar.

A Fatemá ficou na memória de inúmeros militares que foram passando por Contabane, Aldeia Formosa e Saltinho, onde na outra margem do rio Corubal, nos anos de 70-71, foi construído o Reordenamento de Contabane, hoje chamado Sinchã Sambel.

O meu convívio, mais intenso, com a Fatemá decorreu no período em que vivi naquele Reordenamento, Maio a Agosto de 72. Nos dias em que não havia saídas para o mato, quase sempre, a seguir ao jantar tinha longas conversas com o Sambel e a Fatemá.

Ela lembrava-me a minha avó Clementina que me enviou o bolo-rei mais delicioso que até hoje comi, apesar de muito duro quando o recebi em Bambadinca, história que já contei.

A Fatemá era dotada de grande jovialidade e simpatia. Ainda hoje quando encontro algum ex-militar da CCAÇ 2701, sabendo que estive recentemente na Guiné, vem a pergunta - e a Fatemá ainda é viva? Como é que ela está?

Em Fevereiro de 2005, acompanhado pelo meu filho João, apareci de surpresa em Sinchã Sambel, a Fatemá fez-nos uma recepção que jamais esqueceremos. Sem o saber desencontrara-me do Suleimane que tinha vindo, dias antes para Lisboa, e a Fatemá, naquele dia foi régulo e chefe de tabanca. Ela mobilizou toda a aldeia para receber os visitantes. Foi uma tarde, prolongou-se pela noite, de fortes emoções onde pontificava aquela figura matriarcal que no final nos ofereceu um cabrito.


Sinchã Sambel, 2005 > Fatemá e Paulo Santiago, ladeados por amigos. Por de trás, João Santiago, filho do Paulo, que também quis sentir as emoções de seu pai ao voltar à Guiné da sua juventude.



Na Guiné, onde a esperança de vida é muito baixa, a Fatemá era uma excepção notável, e com certeza única, tempos atrás ultrapassara os cem anos. O Suleimane, ontem, quando lhe telefonei disse-me que a mãe tinha 114 (!?) anos, e sendo assim, nasceu no séc XIX, passou pelo séc XX e vem morrer no séc XXI. Soube envelhecer com dignidade, para quem nunca soube o que era botox ou pilling, a Fatemá tinha uma pele lisa, com muito poucas rugas, e para além deste aspecto exterior, possuía uma cabeça cheia de memórias. Em 2005, falou-me dos militares portugueses que foi conhecendo ao longo dos anos da guerra, uns que eu conhecia, outros não. Curiosamente, esqueceu o comandante da CCAÇ 3490, ou fez por bem não o mencionar.

Em Março de 2008, encontrei-a muito prostrada, muito apática, e já não me reconheceu

Ontem à tarde, segundo o Suleimane, "ficou-se"... morreu de velhice.

Hoje, às 10.00 horas, seria enterrada.

Que Alá a tenha em descanso.

Aguada de Cima, 8 de Novembro de 2010
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7208: In Memoriam (59): A todos quantos deram graciosamente a sua vida (José Teixeira)

(*) Sobre a viagem de 2005, vd o conjunto de sete postes que o Paulo escereveu na notável série As emoções de um regresso:



Guiné 63/74 - P7248: Ser solidário (94): Tenho tanta pena do que acontece e louvo o trabalho da Catarina Furtado (Torcato Mendonça)

1. Mensagem do Torcato Mendonça (, foto à esquerda, Mansambo, 1968), com data de 7 do corrente:

Caro Carlos e Editores, se lerem...

Estou desiludido com o desenvolvimento ou retrocesso da Guiné.  Claro que tenho uma visão muito pequena do que efectivamente se passa.  Vi o Programa na RTP 1,  da Catarina Furtado (*). Já o ano passado tinha visto. No Gabu a situação parece ter melhorado, como em Mansoa. Depois em Bafatá a situação está mal.

A diferença com o que se passava há quarenta anos é para pior. Talvez isso se deva a ter poucos conhecimentos do que se passa. Não vejam, nesta tristeza sentida, uma defesa do colonialismo. Vocês sabem como eu penso. Até pode ser devido sequelas deixadas pelo colonialismo, pelo obscurantismo herdado, por uma religião maioritária retrógrada e uma cultura machista que não ajuda nada.

É pena. Tenho tanta pena pelo que acontece e louvo o trabalho da Catarina Furtado, dos que ela representa e dos Guineenses,  médicos, enfermeiros e auxiliares que tanto lutam, que voltaram para ajudar o seu Povo. Aquela Gente diz-me tanto.

Eu falo sempre do Povo das Tabancas. Este é o Povo de que eu gosto. Mas quem sou eu? Nada. Outrora até defendi como militar uma mentira. Era militar e cumpria e lutava para defender-me e aos meus camaradas, brancos e negros... E ajudávamos com comida, com ensino de práticas de higiene, com escolas rudimentares. Eu sei lá. Mas era um operacional e...tinha que ser assim. Acima de mim a farda que envergava.

Depois vocês, como eu sabem algumas "coisas" que se estão a passar. Há tempo atrás disse: dizer a verdade é preciso. É!....Acabar com tantas desigualdades é necessário? É!

Muito mais que se sabe!

Espero que vocês tenham visto o que eu vi e certamente sentiram o que eu senti....e sabendo que....palavras para quê? É um desabafo, palavras que partilho com vocês e não vos aborreço mais.

Por uma Guiné melhor (...sem ligação ao slogan do passado)

Abraços para vocês do Torcato

___________

Nota de L.G.:

(*)  Referência ao programa que estreou na RTP 1, domingo, dia 7, às 21h30, o terceiro documentário da série Dar Vida sem Morrer, apresentado por Catarina Furtado. Recorde-se que este trabalho resultou de um donativo de 500 mil euros oferecido pelos telespectadores da RTP (conseguido através do especial Dança Comigo), pela Cooperação Portuguesa e pelo Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA).  O documentário mostra os progressos feitos no hospital de Gabu. A modernização do  bloco operatório em Gabú contribuiu para baixar os índices de mortalidade materna e neonatal.

"Ainda há muito a fazer, mas esta é a prova de como o dinheiro doado está a ser bem gerido e aplicado. Dou a minha palavra de que as coisas acontecem", diz Catarina Furtado, ao Correio da Manhã

Este projecto levou a Cooperação Portuguesa a investir mais 450 mil euros em Bafatá, uma iniciativa mostrada neste documentário. Comparando a realidade dos nossos dois países, Catarina confessa que se emociona: "Faço um esforço gigantesco para não chorar frente à câmara e frente àquelas pessoas que não entenderiam sequer. Quem nunca teve nada não sabe, não compara". Ainda na RTP 1, terça-feira, dia 9, Catarina mostra o trabalho dos voluntários em Príncipes do Nada. Fonte: Adaptado de Correio da Manhã,  5 de Novembro, notícia de Teresa Oliveira. (Com a devida vénia...).

Excerto de notícia no Diário de Notícias, de 3 do corrente:

(...) "A Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, foi o palco da apresentação do documentário Dar Vida sem Morrer, que será exibido na RTP1 no domingo, às 21.30. Neste programa - que é o terceiro de quatro gravados na Guiné-Bissau -, Catarina Furtado assiste ao impacto que um bloco operatório, inaugurado há um ano, tem na redução do número de mortes de mulheres grávidas e recém-nascidos. "Baixámos de um total de 15% de mulheres que morriam devido a complicações no parto para 9,6%, o que, a meu ver, é uma vitória fruto de um conjunto de contactos e de esforços", salientou a embaixadora da Boa Vontade das Nações Unidas. "Temos de mostrar às pessoas para onde é que vai o dinheiro, porque há efectivamente fugas de donativos e projectos que não vão para a frente", acrescentou, referindo-se ao dinheiro doado pelos telespectadores para esta causa numa das emissões do programa Dança Comigo. (...)

Guiné 63/74 - P7247: Parabéns a você (168): António Maria e Ernesto Ribeiro (Tertúlia / Editores)

No dia dos seus aniversários, António Maria* (ex-Fur Mil Cav do Esq Rec Fox 2640, Bafatá, 1969/71) e Ernesto Ribeiro* (ex-1.º Cabo da CART 2339, Mansambo, 1968/69), ocupam hoje, dia 9 de Novembro de 2010, lugares de destaque no nosso Blogue.

Estamos, assim, a cumprimentar especialmente estes dois nossos camaradas, desejando-lhes o melhor da vida na companhia de suas esposas, filhos, netos e demais familiares e amigos.

Fintando a vida, nem sempre risonha, vamos somando anos, na certeza de que a longevidade nos espera.

No próximo ano, neste dia, por esta hora, há-de um dos editores estar a preparar novo poste, renovando votos de longa vida, de saúde e de esperança, em nome dos mais de 500 camaradas e amigos.

Recebei pois um abraço colectivo de amizade e camaradagem desta multidão amiga.

Se me permitem, deixo aqui umas palavras de estímulo ao meu especial amigo António Maria, cuja vida lhe tem exigido alguns sacrifícios extras.

Como na guerra, o António Maria é um resistente que enfrenta, na vida, os obstáculos do quotidiano. O meu abraço especial para o amigo de há 49 anos. CV.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

9 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5242: Parabéns a você (39): António da Costa Maria, ex-Fur Mil Cav, Esq Rec Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) (Carlos Vinhal)
e
19 de Dezembro de 2009 >
Guiné 63/74 - P5502: Tabanca Grande (195): Ernesto Ribeiro, ex-1.º Cabo da CART 2339, Mansambo, 1968/69, contacta de novo o nosso Blogue

Vd. último poste da série de 6 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7230: Parabéns a você (167) : Jorge, o tal, que Cabrais há muitos, mas Alfero Cabral só há um

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7246: (Ex)citações (107): Mininus di praça e “O Fascínio” (José Eduardo Oliveira)


O nosso Camarada José Eduardo Oliveira (ex-Fur Mil Enfº da CCAÇ 675 – Binta -, 1964/66), enviou-nos, em 8 de Nobvembro de 2010, a seguinte mensagem:

Camaradas,
Remeto um texto que foi escrito por um jovem amigo da minha terra, que está a trabalhar na Cáritas da Guiné-Bissau.
Reflecte uma Guiné actual que julgo ser de interesse para o nosso blogue, onde por vezes aparecem vozes críticas a dizer que só se fala do passado...
Pois aqui está um texto bem actual que dá que pensar!
Um grande abraço de Alcobaça,
JERO

Mininus di praça e “O Fascínio”
Os garotos que vivem na cidade de Bissau são chamados “Mininus di Praça” e gozam de um estatuto que é invejado por miúdos e graúdos que vivem nas aldeias/ tabancas da Guiné-Bissau e que pensam que na “Praça” se vive melhor.
Certo é que muito daquilo que a “praça” de Bissau tem para oferecer aos seus “Mininus” são bairros precários, edificados com tijolos cozidos ao sol e cobertos com chapa de zinco debaixo da qual se dorme em magote a uma temperatura ambiente que, mesmo à noite, pode ultrapassar os 40 graus, entre outras coisas relativamente desagradáveis para qualquer “Mininu” de qualquer outro ponto do mundo.
Verdade seja dita que na “praça” também há mais escolas, mas onde o ensino é o que é… Certo é, também, que a língua oficial do país é o Português e nem mesmo os “Mininus di Praça” o falam porque os professores não o sabem falar, logo não o podem ensinar.
Mas, mesmo assim, há coisas boas na praça. Uma delas tem a ver com os centros culturais que se encontram espalhados pela cidade de Bissau e que são iniciativa de países com interesses estratégicos na região ou de outros cuja história os compromete.
Só para que o leitor tenha uma ideia, o centro cultural brasileiro encontra-se instalado na principal avenida da cidade, junto ao edifício da assembleia popular, o centro cultural francês ocupa a principal praça de Bissau. Quanto ao centro cultural português tenho alguma dificuldade em situá-lo uma vez que, de todas as visitas que fiz ao local, acabo por chegar nauseado e confundido pelas muitas curvas e contracurvas, depressões e buracos que tive de atravessar em ruas periféricas para chegar a um lugar envergonhado e sombrio.
De qualquer das formas, há cerca de quinze dias atrás, lá fui ao nosso centro cultural que, numa louvável iniciativa, estava a promover uma temporada de cinema português, para ver um filme chamado “O Fascínio”.
Quando cheguei à sala percebi que a assistência não ia ser muita, no entanto, a maioria dos lugares estavam ocupados por guineenses e, na primeira fila, eram só putos, “Mininus di Praça”. Eu, que me sentei na segunda fila, até achei piada a um garoto que tinha uma canita pequena na mão, daquelas que usam para correr atrás de uma roda de bicicleta velha, e que insistia em bater na cabeça da garota que tinha ao lado.
Meti conversa com o miúdo, em crioulo, caso contrário pensei que não me faria entender, e percebi que morava por ali, junto do centro cultural português. Morava ele e toda a audiência atenta e expectante de “Mininus” que se perfilavam na primeira fila para ver “O Fascínio”.
Já o dito filme ia a meio ou mais, quando uma das cenas desvendou muito da intriga que nos prendia a todos à tela torta que tínhamos à frente dos olhos, eis senão quando se ouve uma voz, vinda da tal primeira fila onde estavam sentados os “Mininus di praça” que, num português perfeito, disse: “Vês, eu não te disse que ia ser assim?!”.
Fiquei espantado porque percebi que, excepção das excepções, aqueles “Mininus” comunicavam entre si em Português e, se num acto quase irreflectido se expressaram em Português, era sinal que também era em Português que estava alicerçada a sua estrutura mental.
Isto leva-me a pensar que se Portugal deixasse de estar envergonhado e escondido em lugares sombrios, se se orgulhasse da sua história e da sua cultura e cumprisse as suas obrigações para com o mundo que a dada altura disse ter sido seu, teria um óptimo paradigma para estimular a sua economia, animar as suas gentes, honrar a vastidão de terras que falam a sua língua.
No fundo, cumprir-se e ter mais “Mininus di praça”, por esse mundo fora, a falar PORTUGUÊS.
Bissau, 07 de Novembro de 2010
Emanuel Pereira (Coordenador da CARITAS na Guiné-Bissau)
__________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P7245: Memória dos lugares (111): Ponte Caium: Mais fotos ... (Carlos Alexandre, CCAÇ 3546, Piche, 1972/74)



Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Piche > Ponte Caium > CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > Foto nº 1: "O rio no seu auge, em plena época das chuvas..." 


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Piche > Ponte Caium > CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > Foto nº 2: "As máquinas da Tecnil destruídas por ataque do PAIGC... Esta empresa estava empenhada na construção da nova estrada Piche-Buruntuma"...



Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Piche > Ponte Caium > CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > Foto nº 3: "O Carlos Alexandre é o primeiro a contar da esquerda... O Santiago, presumo que seja o segundo".





Fotos: © Carlos Alexandre (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados




1.Mensagem do nosso camarada Carlos Alexandre (*):




 Luis Graça, boa noite. As fotografias prometidas  aqui estão:


A primeira mostra-nos o rio no seu auge.


A segunda as máquinas da Tecnil destruídas. Não me recordo como foram parar na ponte, mas tendo em conta a posição das viaturas, creio ter sido consequência de alguma emboscada entre Camajabá e Buruntuma. Liguei ao Serôdio camarada que na época era radiotelegrafista em Camajabá e tambem ele me diz que sim. 


A terceira para que se conheça o Santiago, já referenciado por engano numa foto enviada pelo Cristina. 


O camarada Arménio Estorninho que faz referencia ao nome do condutor Rocha tem toda a razão em dizer que se trata do Florimundo Rocha e que na sua terra é conhecido pelo Flor, já que eu próprio me lembro de em determinada altura o mesmo me ter dito isso.


Ainda nas referências à pequena capela (ou oratório) o camarada que enviou a fotografia e que está junto a ela, tira-me o resto das dúvidas relativamente ao texto (Nem só do pão vive o homem)... A pequena capela sofria na altura de muito mau trato e,  como estavamos com a mão na massa,  foi muito simples reparar com um pouco massa de cimento e fazer o mesmo texto desta vez recortando o próprio cimento.



Continuação de boa noite e obrigado pela possibilidade do contacto à volta de um assunto tão sério quanto rico na essência de homens tão nobres e silenciosos.


Carlos Alexandre (**) 






Peniche > Estaleiros Navais de Peniche, SA > Foto que me mandou o Carlos, com a seguinte legenda, em 5 do corrente: "Luis, bom dia. Ontem falei com o Mota que ao ouvir o teu nome reconheceu-te logo, diz-me que na altura trabalhava nas finanças, será? O local de encontro era a Humus. Junto envio uma foto do estaleiro, tirada julgo que em Março ou Abril deste ano, tendo em conta o barco verde que está a reparar e as obras do novo Plano Inclinado para construção de navios até 100 metros de comprimento. Vai ser inaugurado brevemente com duas unidades de aço já em construção de 56 metros, para Moçambique".

A empresa onde trabalha o nosso camarada Carlos Alexandre, e de que é presidente (e o maior accionista) um velho conhecido meu,  Carlos Mota, antigo oficial da marinha mercante e conhecida figura da oposição democrática da região oeste ao regime de Salazar-Caetano.  Desde 1973 que não o via. Revi-o agora, em grande forma, num vídeo do Jornal de Negócios. Quando vim da Guiné, encontrávamo-nos com alguma frequência na Livraria Húmus, cooperativa de que ele era sócio, fundador e dirigente (sem esquecer  outros jovens  de talento, irreverentes e combativos como o Zé Maria Costa, professor na Escola Industrial e Comercial de Peniche, de quem me lembro bem, e outros como o José Rosa, o Carlos Vital e o Adelino Leitão, de quem me lembro menos bem). A Húmus teve um papel de relevo na intervenção cívica e cultural de Peniche (se não me engano, terá sido encerrada por intervenção da PIDE/DGS, ainda antes do 25 de Abril, estava já eu a trabalhar em Mafra, ainda nas finanças, antes de voltar à Lourinhã e fixar-me, em 1975, definitivamente em Lisboa). 

Recordo-me de,  um dia (no verão de 1971 ou de 1972), o meu pequeno grupo de amigos da Lourinhã (onde se incluía o meu saudoso amigo Luís Venâncio Rei, na altura ainda estudante de medicina, mas também o advogado e conservador do registo predial Manuel Vasques, que trabalhava na Lourinhã e vivia em Peniche) ter lá levado o genial e também saudoso Mário Viegas (1948-1996), que costumava vir passar uns dias à Praia da Areia Branca, onde a família (de Santarém) tinha casa de verão. Não sei por que carga de água a sessão de poesia acabou ao rubro, com o truculento Zé Maria (se a memória não me atraiçoa ...) a "provocar" o provocador nato que era o Mário Viegas, estudante da Faculdade de Letras (justamente acabado de sair da tropa, e com quem tive oportunidade, nesse fim de semana, de falar da guerra na Guiné)... 


Nessa noite, para mim memorável, o Mário terá declamado, entre outros poemas que ele sabia de cor e dizer como ninguém, um excerto do  Manifesto Anti-Dantas, do Almada Negreiros (claro, não posso garantir, nem sei se nessa época o jovem Mário Viegas, então com 22 ou 23 anos, já tinha no seu reportório este extraordinário poema panfletário que é uma diatribe e um libelo contra a arrogância intelectual!...).

Carlos Alexandra, manda um abraço meu ao teu "patrão" e transmite os votos de bom sucesso para a empresa, cujo futuro é importante todos vós, para Peniche, para as nossas gentes do mar, para a nossa região, para a nossa economia, para o nosso país. E, como vês, camarada, o mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!

Foto gentilmente enviada pelo Carlos Alexandre (2010)  

___________

Notas de L.G.:


 (**) Último poste da série > 6 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7234: Memória dos lugares (109): Ponte Caium (Carlos Carvalho, CCAV 2749, 1970/72)


Guiné 63/74 - P7244: (Ex)citações (107): Ainda a questão dos netos do Alberto (José Brás)

1. Mensagem de José Brás* (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 6 de Novembro de 2010:

Não sei se faça disto um comentário ou um poste.
O que é que achas?
Um abraço
José Brás


AINDA A QUESTÃO DOS NETOS DO ALBERTO**

Deveria estar aqui exprimindo a perplexidade que a leitura do comentário de Carlos Filipe me soltou.
Esclareço que perplexidade não é porque salte do que lhe leio aqui, apenas, mas no contraste disso com o que lhe li antes no blogue, sobretudo o que escreveu como comentário a um poste do Luís sobre Turpin.

E começo a desconfiar que o motivo da estranheza não está nas diferenças do que escreveu então e agora, mas, talvez, na minha fraca capacidade de entender à primeira ou na de entender apenas o que desejo entender (esquizofrenia?).
É que da primeira vez gostei muito do seu desfio no sentido da não recusa de material mais elaborado no que se refere a acontecimentos e factos e nas interpretações que deles podemos tirar, ainda que para isso não se recuse alguma subjectividade. Aqui, neste seu comentário, desgosto porque me parece animado do contrário do que disse antes, parecendo ofendido com a carta de um hipotético cidadão exterior à nossa experiência de África e às nossas consequentes emoções, apenas porque atribui tal carta ao próprio Alberto e "o pecado original de toda a falácia e desonestidade mental" de meter tudo no mesmo saco.

Conheço Alberto Branquinho há muitos anos e dele tenho uma opinião muito positiva do ponto de vista do carácter e da inteligência, sem ter ele que ser o meu eco (ou eu o dele) em termos estéticos-ideológicos.
Do ponto de vista da capacidade criativa nem direi nada porque o que dele conhecemos todos no blogue é suficiente para me dispensar puxa-saquismo.

Não te conheço a ti do mesmo modo, apenas porque a vida não nos fez cruzar senão neste lugar em que estamos agora e, mesmo assim, de curto convívio, pelo que nem sei como te falar do pouco saber que tenho sobre a teoria da criação literária, temendo fazer aqui o papel de parvo armado a pretenso intelectual, no diálogo com alguém que, afinal sabe disto muito mais que eu, ou, ao contrário, esmiuçando demais argumentos e explicações, que poderei parecer que falo com crianças de escola primária.

Uma coisa eu sei e parece-me de certeza certa, agarrada na leitura de textos de gente grande, sobretudo no teatro, Stanilavski e os seus conceitos de preparação do actor e da construção do personagem, diferentes e quase opostos aos de Brecht e do seu teatro épico que organiza o actor para se conservar ele próprio como contador da história ao mesmo tempo que se afasta de si para viver o personagem da história que conta.

Um escritor de verdade (e também os que gostariam de o ser) é uma espécie de actor prévio que cria (bem ou mal) outra gente num palco que é o livro, com seus tempos e ritmos, seus códigos, seus ais e suspiros, ainda que tal gente exista mesmo mas conhecida apenas pela parte de fora, pelo acto acidental, pelo que diz com ou sem convicção, pelos gestos quotidianos, mas escondido no dentro das suas crenças mais fundas, dos seus medos, das suas certezas, dos seus amores e raivas.

Dir-se-á, então, que o que o escritor cria não passa de exploração especulativa na alma de outro que até pode ser exactamente o oposto da criação.
Pois pode!
Mas é na qualidade da aproximação ao que poderia ser, nessa capacidade de leitura do possível humano, que se separam grandes de pequenos criadores e, ainda mais, a ficção do relatório.

Imaginemos!

O relatório dirá sumariamente que "no regresso da emboscada montada no dia tantos de tal, entre as tantas e as tantas horas, no atravessamento da linha de água tal, foram as nossas tropas fortemente atacadas em emboscada montada pelo IN, resultando um M, dois F com gravidade e três ligeiros".

Da verdadeira identidade de maiques e foxtrotes, o relatório não dá nem daria nenhum sinal, ainda que lá escarrapachasse nomes, datas e locais de nascimento.
E a verdadeira identidade de cada um deles está muito longe de se fechar naquele laconismo convencional, porque cada um deles nasceu, cresceu, fez-se homem e soldado, ou primeiro soldado e depois homem, em circunstâncias cheias de influências morais, culturais e sociais e, portanto, com aspirações, sonhos e pesadelos próprios que lhe marcam o ânimo e o moldam por dentro e também por fora, no abraço ou no estalo.

Será o escritor que assistiu ao seu respirar prolongado, às suas raivas, às suas pragas, e que depois o viu no último suspiro, que especulará sobre tudo isso e lhe dará a face humana que o relatório roubou como se fosse apenas mais uma GMC estoirada numa mina.

E ainda que a tal emboscada do relatório não tivesse acontecido e, menos ainda mortes e feridos, o escritor pode muito bem criar o ambiente que corresponda à possibilidade de ter acontecido, apenas, como ferramenta para pôr nas páginas e na alma de quem ler depois, uma verdade não menos verdadeira só porque inventada.
E o pior é o que está ainda por dizer sobre a relação entre o criador e a criação, isto é, os personagens vivos criados dentro das páginas e ao longo da trama,

Não vou aqui trazer Flaubert com a sua Madame Bovary, demasiado citados por dá cá aquela palha, numa repetição que por exagerada pode tornar-se mentira, do mesmo modo que mentira de tão repetida se torna verdade.
Contudo, creio bem que na literatura que ambiciona alguma qualidade, é quase impossível que cada pessoa, homem, mulher, polícia ou malfeitor, bom carácter ou péssima gente, não tenha uma marca dos muitos seres que habitam o criador, porque cada um de nós, escritor ou pedreiro, uno, é também e sempre múltiplo.

E chegado aqui é tempo de perguntar porque diabo perdi eu tanto tempo e palavras para dizer o que afinal teria sido tão simples de falar e que não é outra coisa senão, Carlos, porque não te puseste a ti próprio a hipótese de que o que atribuis (e bem) a Alberto Branquinho, não ser mais que a construção de um personagem que circula por dentro de tantos portugueses que de facto põe a questão que o manguelas amigo do Alberto acabou por colocar.

Eu conheço muitos que o fazem, por vezes mesmo com pouca delicadeza, ignorando que heróis fomos naquele tempo, de verdade, mesmo quando sem alardes guerreiros e suportando apenas a dureza daquela vida e as péssimas condições e modo de viver, com mais credo na boca do que pão.

Por fim, não te abespinhes por te ter escolhido como objecto deste escrito porque não o faço sob qualquer acrimónia pessoal, mas talvez mesmo mais para mim do que para ti, nesta pecha que tenho de me questionar a mim próprio, ainda que através de outros, nas dúvidas que sem complexos confesso que continuo a ter, talhando pelo meio de outras tantas certezas.
Além disso, digo-te que gostei de todos os comentários que li (o do camarigo de Monte Real está um mimo), incluindo aqueles com que não me identifico, com a excepção do teu que me pareceu azedo em excesso.

Abraços para ti que hei-de gostar de encontrar um dia destes e para todos como é vontade minha.
José Brás
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 14 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7130: (Ex)citações (101): Sensatez e rigor no Nosso Blogue (Vasco da Gama / José Brás)

(**) Vd. poste de 4 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7225: Contraponto (Alberto Branquinho) (17): Vão cuidar dos netos

Vd. último poste da série de 8 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7243: (Ex)citações (106): Netos ou peluches, tudo por uma boa saúde mental! (António Matos)

Guiné 63/74 - P7243: (Ex)citações (106): Netos ou peluches, tudo por uma boa saúde mental! (António Matos)


1. O nosso camarada António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, enviou-nos, em 8 de Novembro de 2010, a seguinte mensagem:
Guiné, netos ou peluches, tudo por uma boa saúde mental!
Afinal o problema da política no blogue quase se tornou um caso político!
Como se sabe, um caso político pode ser provocado e não faltariam exemplos para o demonstrar, mas para evitar tentativas veladas numa altura em que se começa a falar de campanhas eleitorais que terão lugar daqui a um valente par de meses, fico-me por aqui para não ferir susceptibilidades.
Já uma última reflexão sobre o uso do facebook merece atenção.
Hoje mesmo, a Comissão Europeia decidiu elaborar um conjunto normativo tendo em vista a protecção de dados dos cidadãos ao abrigo dos direitos e liberdades dos mesmos, uma vez que há sérias dúvidas sobre o bom uso e preservação das nossas intimidades.
É bom que todos o saibam que, uma vez inscritos como aderentes ao facebook, jamais os dados disponibilizados serão apagados!
Isto far-vos-à repensar o que já se escreveu sobre o assunto?
Na tentativa de, mais uma vez, prevenir antes de remediar, levanto o assunto para que aqueles que eventualmente estejam menos conscientes das implicações destas modernidades possam decidir em consciência.
Posto isto, e porque o que interessa é falar da Guiné e quem diz da Guiné diz dos netos, é com o chapéu de trisavô que tomo a palavra.
À semelhança de outros velhos babados que voltaram aos tempos de meninice jogando a bola em plena sala de estar com os biblôts a escaqueirarem-se,
os vizinhos de baixo a baterem com o toco da vassoura no tecto a pedir silêncio,
ou montando um estafermo dum cavalinho que relincha cada vez que se lhe apertam as orelhas e nunca mais se cala,
até à hora do banho onde o pantanal final pede meças aos dias em que se dá banho ao cão,
passando pela espectacular cagada que o puto fez na exacta altura em que se preparava para sair de manhã para a escolinha e ficou imundo e mal cheiroso até ao pescoço a necessitar de novo banho,
à semelhança deles, dizia, também eu lhes vou dando primazia em detrimento do blogue!
A verdade é que, não fossem estes faits-divers que fazem parte integrante da minha vivência e esbarraria sistematicamente em recordações duma força intimista potentíssima, é certo, mas destruidora dum salutar bem estar quotidiano que não se justificaria - a guerra do ultramar.
Tenho-a como uma experiência de mais valia não transacionável e que guardo com um carinho muito particular, mas está devidamente guardada numa gaveta do armário psicológico devidamente arquivada por datas, por assuntos, por amigos e camaradas, por antecedências, por consequências, por sonhos, por desgostos, enfim, por uma panóplia de separadores de fácil consulta mas em nenhum lado existe lugar para "pendentes"!
Para tanto colabora a exacta medida de importância que dou à importância que as coisas têm.
Os blogues e as redes sociais, entretêm-nos tanto mais quanto mais participativos nos tornemos e nesse sentido dou-lhes atenção.
Cada um com o seu conjunto de interesses, assim vai seleccionando opiniões, palpites, más-línguas, amizades virtuais, compondo parte do ramalhete que o forma enquanto cidadão vivo e activo.
E estarmos abertos a novas ideias só nos engrandece e enriquece.
É, pois, em jeito de homenagem que abraço o Branquinho e todos aqueles que lhe pegaram igualmente na genialidade do conselho para tratarmos dos netos (ou nos peluches se não tiverem netos ) colocando este post como testemunha.
Bem hajam!
António Matos
__________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:

7 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7236: (Ex)citações (105): Netos, ká tem (Miguel Pessoa)

Guiné 63/74 - P7242: Blogpoesia (84): Por vezes... Regresso lá (Juvenal Amado)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 15 de Outubro de 2010:

Caros Luis, Carlos, Magalhães, Briote e restante Tabanca Grande.
Como não tenho netos e tenho que me entreter com alguma coisa, vou escrevinhando e desta vez um mal amanhado poema de gosto e qualidade duvidosa.
Poema? Se isso lhe poderei chamar.

Um abraço para todos
Juvenal Amado


Foto: © Paulo Salgado (2010). Todos os direitos reservados.


POR VEZES...

Por vezes
Oiço o vento
São suaves murmúrios
Perfumes e aromas de outras paragens
Chove
O vento traz lembranças
Cheira a pinheiro
Da minha primeira vez
Mais tarde, a ruela estreita
O cheiro moreno
O corpo cálido
O assomo urgente
A calma que adormece
O tempo ameaça parar
Levanto-me
Saio devagar
Sou mero espectador
Vejo ou adivinho a imagens
Recordo as vozes e momentos
Os rostos misturam-se
Caminho lentamente
Cheira a terra molhada
Mancarra torrada
O doce ácido do vinho de palma
Acendo um cigarro
Aspiro até os pulmões protestarem
Olho o fumo que volteia
Tusso
O horizonte incendeia-se
Pintor louco escreve com lápis de fogo
O trovão ensurdece-me
Dobro-me sobre a terra
Instintivamente
E finalmente acordo

Por vezes
Regresso lá!


Juvenal Amado
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7140: Blogoterapia (161): Pensamentos e perguntas a nós próprios (Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 3 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7219: Blogpoesia (83): Respeito, esse pau da bandeira foi colocado pelos Lassas de Cufar (Mário Fitas)