quarta-feira, 18 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8291: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (7): Agradecimento pelas palavras simpáticas que me foram dirigidas (Maria Dulcinea)

1. Mensagem da nossa tertuliana Maria Dulcinea (NI)*, esposa do nosso camarada Henrique Cerqueira) que esteve em Bissorã nos anos de 1973/74, com data de 17 de Maio de 2011:

Desde já dirijo-me a todos os Camaradas e amigos da Guiné da nossa Tabanca Grande para manifestar a Honra em ter sido convidada para pertencer a tão distinto Grupo de Homens e Mulheres que de uma forma ou de outra, obrigados ou voluntários fizeram parte de uma era que ficará para sempre na História de Portugal.

Agradeço ainda os comentários saudáveis feitos no blogue à minha incursão por terras da Guiné.

Na verdade têm razão, pois que houve uma boa dose de irresponsabilidade nossa em eu ter ido para Bissorã com o meu filho Miguel de dois anos, e ainda porque, se calhar alguns se lembrarão, já nessa altura andava a ser gizada a invasão pelo PAIGC à Guiné.

Contava-me o Henrique que tinha recebido directrizes no sentido de adaptar a "Dreyse” com mira anti-aérea, e alguma informação sobre os Mig 21, o que na realidade lhe dava um gozo muito grande, porque era ridícula a situação, ele até dizia: - Tenho Dreyse, tenho balas, só não tenho é miras. Eu sinceramente aprendi a dar uns tiritos com a G3 mas não fiquei fã dela, usando-a só para a fotografia.

Após esta divagação passemos então à aventura e digo "aventura" porque se não existir alguma na nossa vida, esta torna-se muito insossa, mas também se tratou no essencial de Amor e Companheirismo e assim sendo, "pés ao caminho" que é como quem diz avião e Bissorã. Mais tarde conto a odisseia com praga de gafanhotos e tudo em Bissau.

Aprendi muito com o povo de Bissorã assim como com a camaradagem "possível" entre militares no Natal de 1973 com o meu marido a festejar o Natal e a provável porrada aplicada ao Henrique (já narrada no poste P2356** deste blogue referente ao Natal da Guiné) com aletria, rabanadas e tudo que foi possível arranjar na época.

Aprendi também a gostar de mangas, papaias, mancarra, figo de cajus, etc.
Apanhei uns sustos com os ataques a Bissorã. Lembro-me com saudade de um amigo nosso, o Cabo Mecânico da CCAÇ13 de nome AZEVEDO que era da região de Lisboa que num desses ataques a Bissorã, ao correr junto com o Henrique para a nossa tabanca, caiu numa vala e abriu o maxilar com alguma gravidade.

Nesta foto: Sanhã, Zinha, Ni com a G3, fiel amigo Inhatna Biofa e o Miguel Nuno com um amiguinho

Tenho muita saudades do nosso amigo INHATNA BIOFA que era um rapazinho de 16 anos que acompanhava sempre o Henrique desde o Biambe. Era um jovem de grande carácter e aqui faço um parêntesis para contar uma história muito simples do Inhatna.

Certo dia estávamos todos à mesa a almoçar com o Inhatna como sempre e poisaram duas moscas na mesa. Ora o Henrique pega num utensílio para matar as moscas. De imediato o Inhatna diz: - Furiel... Furiel não mata, elas (as moscas) só estão a falar e já vão embora...

Nós ficamos parados a pensar no forte sentimento humano e a força de carácter do Inhatna pois que ele o fazia com todos os animais incómodos, nunca matava, só enxotava. E é nestas coisas tão simples que se aprende a ver as importantes. Esta história é muito simples mas eu jamais a esqueci assim como ao nosso amigo INHATANA BIOFA.

Bom. Já chega por agora e já vai longa a escrita, mas são vocês os culpados que pediram. Mais tarde narrarei outras histórias mas só de acontecimentos agradáveis e engraçados só foi possível viver naquela altura, naquela situação e no país que foi, a Guiné.

 NI e Henrique Cerqueira na actualidade

Um beijo para todos os Tertulianos e Camaradas da Guiné e uma saudação muito especial para todos e todas que já não estão fisicamente entre nós.
NI (Maria Dulcinea Rocha)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8281: Tabanca Grande (283): NI (Maria Dulcinea Rocha), esposa do nosso camarada Henrique Cerqueira, que com o filhote de ambos se pôs a caminho de Bissorã onde fez companhia ao marido nos anos de 1973 e 1974

(**) Vd. poste de 17 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2356: O meu Natal no mato (2): Bissorã, 1973: O Milagre (Henrique Cerqueira, CCAÇ 13)

Guiné 63/74 - P8290: In Memoriam (79): Teresa Reis (1947-2011). Agradecimento do nosso camarada e amigo Humberto Reis

 1.  Amigos e camaradas: O Humberto, que acaba de sofrer uma perda irreparável, a da sua Teresa que fomos acompanhar até à sua última morada, no passado dia 16, pede-me que transmita a toda a Tabanca Grande e aos demais leitores do nosso blogue o seu sentimento de gratidão pelo carinho e solidariedade de que foi alvo neste momento doloroso. 


Aqui fica, a seguir, a mensagem, com data de hoje,  que ele me fez chegar. LG


Meu amigo Luís

Como a minha habilidade não é muita, agradecia-te que colocasses no nosso blogue duas palavras:

 Na dificuldade de o fazer individualmente, em nome da saudosa Teresa, das minhas filhas e de mim próprio, venho agradecer às Amigas e Amigos, que foram tantas e tantos, as palavras que nos dirigiram e o carinho que nos dedicaram e continuam a dedicar. Para todas e todos Bem Hajam. Tudo vou fazer para continuar a merecer a atenção que me tem sido dedicada.

Um grande abraço

Humberto Reis
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Nota do editor:


Último poste da série > 15 de Maio de 2011> Guiné 63/74 - P8279: In Memoriam (78): Teresa Reis (1947-2011), companheira de uma vida do nosso querido Humberto Reis: vamos dizer-lhe adeus, 2ª feira, 16, às 13h30 (na casa mortuária da Igreja Paroquial da Buraca) e às 14h30 no cemitério municipal da Amadora

Guiné 63/74 - P8289: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (6): Mais fotos da rodagem do filme "Quem vai à guerra"...



Clementina Rebanda, casada com umn militar vítima de stresse pós-traumático de guerra a quem o exército infernalizou a vida. num processo verdadeiramente kafkiano... A última parte do filme é dedicado às sequelas de guerra, nomeadamente a nível de saúde mental, de que as mulheres também foram vítimas (e quase sempre silenciosas)...  Esta e outras mulheres de camaradas nossos t tém sido apoiadas e companhadas quer pela ADFA quer   pela Associação Apoiar (Julgo que algumas  delas pertencem ao Grupo de Ajuda Mútua das Mulheres da APOIAR).


 Este tema, já de si complexo (tanto do ponto clínico e epidemiológico, como social), possivelmente deveria merecer um outro documentário,  específico...  O filme Quem Vai à Guerra tem, no entanto, o mérito de dar "visibilidade" a um problema, grave, de saúde que afecta dezenas de milhares de portugueses e suas famíias. "O Stress de Guerra é uma realidade para dezenas de milhar de ex-combatentes da Guerra Colonial e para as suas famílias. Desde 1994 que Associação APOIAR apoia os ex-combatentes que padecem de perturbação de stress pós traumático que adquiriram quando estiveram em combate. Esta doença afecta tanto o ex-combatente como mulheres, filhos e demais familiares. A APOIAR tem um corpo clínico e social que ajuda a tratar e a recuperar para a vida activa as pessoas afectadas com esta doença".





Ana Maria Gomes, cujo papel já não me lembro (embora tenha fixado o seu rosto e a sua voz)...




Rosa Redondo, casada  com um oficial fuzileiro especial, que acompanhou num dos teatros de operações (Angola, se não me engano)... Foi também professora, tendo guardado as fichas dos seus alunos, brancos e negros, com os nomes, as fotos, o aproveitamento escolar bem como o averbamento do que desejavam ser quando fossem grandes... Representa no filme o grupo, claramente minoritário, das mulheres "politizadas"...




Odete Barata cujo papel também já não me lembro (embora tenha  gostado do seu desempenho): possívelmente uma das mulheres que acompannhou o marido no Teatro de Operações... (Preciso de rever o filme, que dedicou bastante espaço às acompanhantes dos militares, bem como às viúvas).




Ercília Pedro, enfermeira pára-quedista (que se casou no ultramar com um dos militares que conheceu em serviço, julgo que da FAP)




Quatro enfermeiras pára-quedistas, da esquerda para a direita, a Cristina Silva e a Rosa Serra (1º plano) e a Maria Arminda Santos e a Natércia Neves (em 2º plano)...  


Em 21 participantes, todas mulheres, oito são ex-enfermeiras pára-quedistas, se bem as contei: além das já citadas, temos ainda a Giselda Pessoa,  a Ercília Pedro, a Aura Teles e a Júlia Lemos...


Julgo que a veterana Zulmira André Pereira (1931-2010) ainda chegou a ser contactada pela realizadora do filme... Infelizmente, a morte levou-a em Setembro de 2010. A sua presença não deixou, porém, de se fazer "sentir" no hall da Culturgest, antes da sessão de ante-estreia do filme...




Fotos da rodagem do filme Quem Vai à Guerra, disponíveis no mural da respectiva página no Facebook (Aqui reproduzidas com a devida vénia...)



1. Ver também aqui o nosso pequeno vídeo (34''), disponível na nossa conta You Tube > Nhabijoes, com a ficha técnica do filme e as palmas  dadas, por centenas de espectadores, no final da sessão de ante-estreia, na Culturgest, Lisboa, dia 13 de Maio último, no âmbito do 8º Festival Internacional de Cinema Independente (Lisboa, 5-15 de Maio de 2011).


Recorde-se que o filme vai estrear, comercialmente, no dia 16 de Junho, em Lisboa, Porto e Aveiro (*).



Página principal da Associação Apoiar.

Além do apoio clíncio e psicossocial às vítimas de stresse pós-traumático de guerra, a Associação publica também o jornal APOIAR que é "a única publicação periódica especializada no stress de guerra em Portugal".  O nº 68, referente a Janeiro/Fevereiro de 2011,  pode ser consultado aqui a em formato PDF




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Nota do editor

(*) Vd. último poste da série > 17 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8287: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (5): Filme "Quem Vai à Guerra", de Marta Pessoa, no circuito comercial, em Lisboa, Porto e Aveiro, a partir de 16 de Junho



Vd. também o blogue Quem Vai à Guerra

terça-feira, 17 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8288: Contraponto (Alberto Branquinho) (33): Teatro do Regresso - 8.º Acto - Foi outra guerra qualquer

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 15 de Maio de 2011:

Caro Carlos
Este 8º. Acto, que aqui segue, está, afinal, na sequência do anterior ("Prótese), mas, nestes casos, não houve (ou, infelizmente, não pôde haver prótese?).

Recebe um abraço do
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (33)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

8º. Acto – Foi outra guerra qualquer


Cenário

Primavera de 1990.
Uma janela grande, com luz intensa exterior.
A janela situa-se sobre a Avenida Rainha D. Leonor, no Lumiar, em Lisboa, quase em frente às instalações da Associação de Deficientes das Forças Armadas.


Personagens

Duas mulheres, conversando junto da referida janela.


Acção

- Pois, Eunice, gosto muito da tua casa nova. Estas janelas… Este sol, esta luz.

- Foi por isso que a comprámos. Mas tivemos que fazer obras.

- Tenho estado a olhar lá para fora, enquanto estava à tua espera. Quem são esses homens em cadeiras de rodas que vão ali no passeio… Sem as pernas e… alguns são pretos?

- Acho que são mutilados da Segunda Grande Guerra.

- Credo, filha! Os homens têm lá idade para ter andado na Segunda Grande Guerra. E Portugal nem sequer entrou nessa guerra.

- Então, não sei. Foi outra guerra qualquer.

(CAI O PANO)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8254: Contraponto (Alberto Branquinho) (32): Teatro do Regresso - 7.º Acto - Prótese

Guiné 63/74 - P8287: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (5): Filme "Quem Vai à Guerra", de Marta Pessoa, no circuito comercial, em Lisboa, Porto e Aveiro, a partir de 16 de Junho


Rosa Serra, ex-enfermeira pára-quedista e membro da nossa Tabanca Grande



Giselda Pessoa,  ex-enfermeira pára-quedista e membro da nossa Tabanca Grande 



Cristina Silva, ex-enfermeira pára-quedista (ferida em combate emm Moçambique)



Anabela Oliveira, casada com um ex-militar vítima de stresse pós-traumático de guerra e hoje viúva (se a memória me não falha)



Isilda Alves, professora, casada com um ex-militar vítima de stresse pós-traumático de guerra, e hoje viúva






Lucília Costa, casada com um ex-militar vítima de stresse pós-traumático de guerra, ainda vivo (segundo informação do nosso camarigo Silvério Lobo, de Matosinhos, que é amigo do casal) 





 Manuela Castelo, viúva de um oficial pilav, morto em combate (Julgo tratar-se do Cap Pilav Fernando José dos Santos Castelo, piloto do AL III,  morto em M oçambique, em 7 de Março de 1974, segundo informação recolhida pelos nossos camaradas do Portal Ultramar Terraweb, relativos ao militares da FAP, mortos em serviço entre 12 de Abril de 1959 e 14 de Novembro de 1975)




Manuela Mendes, esposa que acompanhou o marido, médico (miliciano, se não me engano)



Maria Lurdes Costa, casada, que acompanhou o marido em África (Angola, se não me engano; é irmã do nosso camarada José Martins)



Maria Alice Carneiro, irmã de 2 militares em África (Moçambique e Angola), e correspondente de outros militares nos três TO


Estas são algumas das 21 mulheres que entram no filme, e que ficam aqui listadas por ordem alfabética (na próxima publicaremos mais fotos):

Ana Maria Gomes, Anabela Oliveira, Aura Teles, Beatriz Neto, Clementina Rebanda, Conceição Cristino, Conceição Silva, Cristina Silva, Ercília Pedro, Fernanda Cota, Giselda Pessoa, Isilda Alves, Júlia Lemos, Lucília Costa, Manuela Castelo, Manuela Mendes, Margarida Simão, Maria Alice Carneiro, Maria Arminda Santos, Maria Augusta Filipe, Maria De Lourdes Costa


Fotos da rodagem do filme Quem Vai à Guerra, disponíveis no mural da respectiva página no Facebook (Aqui reproduzidas com a devida vénia...)


1. Uma parte dos testemunhos femininos recolhidos por Marta Pessoa no seu filme Quem Vai à Guerra (que teve a sua ante-estreia no dia 13 do corrente, em Lisba, em "Sessão Especial" do 8º Festival do Cinema Independente de Lisboa, 5-15 de Maio de 2011) diz respeito à pequena/grande aventura das que acompanharam os maridos, nas suas comissões militares em África, no período da guerra colonial (1961/74).


Uma das mulheres da nossa Tabanca Grande que também foi à guerra é a Maria Dulcineia Rocha,  esposa do Henrique Cerqueira... Fica aqui lançado, não o repto, mas o convite,  para ela partilhar connosco, em primeira mão, as suas recordações de Bissorã... Já conhecemos a versão do  Henrique, mas  não a da Ni (seu "nickname" ou nome de guerra)...

3. E, já agora, fica aqui a notícia para todos os nossos leitores: não  percam o filme (documentário) da Marta Pessoa, Quem Vai à Guerra,  que vai entrar no circuito comercial, no dia 16 de Junho próximo:

Lisboa, Cinema Cirty Classic Alvalade
Porto, Zone Lusomundo Mar Shoping
Aveiro, Zon Lusomundo Fórum Aveiro

FICHA TÉCNICA



Realização >  Marta Pessoa
Direcção de Fotografia  > Inês Carvalho
Cenografia > Rui Francisco
Montagem >  Rita Palma
Direcção de Som >  Paulo Abelho, João Eleutério e Rodolfo Correia
Maquilhagem > Eva Silva Graça
Marketing e Comunicação > Fátima Santos Filipe
Direcção de Produção > Jacinta Barros
Produtor > Rui Simões
Produção > Real Ficção

Recorde-se aqui a sinopse do filme, que tem duas horas e 10 minutos de duração:

« Entre 1961 e 1974, milhares de homens foram mobilizados e enviados para Angola, Moçambique e Guiné-Bissau para combater numa longa e mal assumida guerra colonial. Passados 50 anos desde o seu início a guerra é, ainda hoje, um assunto delicado e hermético, apoiado por um discurso exclusivamente masculino, como se a guerra só aos ex-combatentes pertencesse e só a eles afectasse. No entanto, quando um país está em guerra, será que fica alguém de fora? 'Quem vai à Guerra' é um filme de guerra de uma geração, contada por quem ficou à espera, por quem quis voluntariamente ir ao lado e por quem foi socorrer os soldados às frentes de batalha. Um discurso feminino sobre a guerra.»

Fica também aqui um excerto da nota do crítico de cinema o Semanário Expresso / Suplemento Atual, Jorge Leitão Ramos (com a devida vénia...)

(...) "As mulheres dos soldados portugueses estiveram na guerra, viveram-na, em forma de receios e palavras escritas em aerogramas censurados, ou na descoberta de terras e modos de vida diferentes, com a urgência e o medo a marcar-lhes o quotidiano.

"Para o grupo de 46 enfermeiras pára-quedistas, únicas mulheres militares, a realidade era a da experiência directa da guerra, dos ataques, das evacuações, das mutilações e mortes dos soldados que ao longo desses 13 anos de guerra socorreram.Há nestas mulheres uma história da guerra colonial portuguesa. Quem Vai à Guerra  recria em estúdio, a partir dos objectos, fotografias e ambientes mais marcantes destas memórias femininas, um espaço de apresentação de testemunhos, onde as mulheres partilham as suas histórias de guerra. Em cenários de assumida teatralidade, vão sendo construídas as imagens femininas da guerra, onde os universos doméstico e bélico se cruzam. Cenário feito também de violência e da desolação de uma guerra, contrariando um olhar romântico, que tão rapidamente se pode tornar nostálgico.Se há algo que sobressai do discurso feminino sobre a guerra é a ideia de que esta é sempre iníqua e devastadora. Afinal, é de guerra que se fala.

“A guerra colonial é olhada aqui pelo lado feminino: esposas, noivas, correspondentes, enfermeiras de guerra, companheiras na retaguarda... Experimentam a dor de ver morrer combatentes ou de suportar as sequelas longos anos, testemunhando uma vívida e diferente perspectiva” (,,,)

Jorge Leitão Ramos in ATUAL / Jornal EXPRESSO

Reproduzido, com a devida vénia, do blogue da Real Ficção, o produtor do filme, que também reproduziu algumas das nossas fotos da ante-estreia, no Grande Auditório da Culturgest


4. Conforme peça da Lusa, de 13 do corrente, reproduzido no portal Sapo Notícias, "as mulheres, Marta Pessoa descobriu-as em todo o lado. E achou que havia uma história de guerra para ser contada. Na internet, há 'uma espiral que nunca mais acaba' de coisas sobre a guerra, mas tudo 'muito cerrado no ponto de vista masculino (...) 'As mulheres portuguesas não falam. Não há registos femininos. O Estado Novo pior ainda, não houve pior momento para a mulher do que o período da ditadura', afirmou a realizadora em entrevista à Lusa.

"Marta Pessoa criou um teatro de guerra - com o cenógrafo Rui Francisco e a fotógrafa Inês Carvalho - e cada uma das mulheres conta a sua história no cenário que lhe corresponde. Foi tudo filmado no espaço A Capital, onde antes estavam os Artistas Unidos. A ideia foi 'fazê-las sair da casa, deslocá-las da zona de conforto, tirá-las das distracções domésticas', explicou a realizadora. 'Tinha curiosidade em ver como é que o discurso, sendo deslocado do espaço habitual, seria transmitido', reconheceu Marta Pessoa que com este filme quis 'espelhar um bocado a realidade da guerra - os soldados iam para a guerra de todo o lado, não era só no Interior, não era só no Litoral, não era só no Norte, não era só no Sul.

"A realizadora não esconde a ligação pessoal. Nascida em 1974, é filha de um militar de carreira, que esteve na Guerra Colonial, na Guiné-Bissau, e estudou num colégio interno, onde tinha amigas órfãs de guerra. 'Se a minha mãe não tivesse ficado à espera [do meu pai] eu teria feito este filme? Não sei, mas também é muito difícil encontrar pessoas da minha geração que não tenham alguém na família que não tenha tido alguma relação com a guerra. A guerra não afectou só as pessoas que foram, afetou os que decidiram não ir', mulheres e homens' "(...)

Vd. também o nosso blogue

9 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8249: Agenda cultural (122): Sexta feira, 13, estreia, em Lisboa, do documentário Quem vai à guerra, de Marta Pessoa: as histórias do heroísmo (invisível, no feminino) que ficaram por contar

11 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8259: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (3): O(s) discurso(s) feminino(s) (Luís Graça)

 14 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8274: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (4): As primeiras fotos da estreia do filme "Quem Vai à Guerra", de Marta Pessoa (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P8286: Notas de leitura (239): O Meu Testemunho, uma luta, um partido, dois países, por Aristides Pereira (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Abril de 2011:

Queridos amigos,

Prossegue a saga de procurar sintetizar o que de mais relevante se pode encontrar nas centenas de páginas de entrevistas incorporadas no livro “O Meu Testemunho”, de Aristides Pereira.

É uma rara oportunidade de ouvir dirigentes e combatentes da primeira linha, habitualmente silenciosos ou remetidos discretamente na sombra.  Discorde-se, ou não, de Ana Maria Cabral, o seu olhar sobre aqueles tempos de Conacri e o complô em marcha não pode ser iludido. Como mais tarde iremos ouvir Rafael Barbosa, aquele que eu considero a personagem mais fascinante depois de Amílcar Cabral, nada conheço de tão intrigante, com tal aura de mistério, muito provavelmente não teremos possibilidade de esclarecer os envolvimentos em que andou metido, as conspirações que patrocinou.


Um abraço do
Mário


O testemunho de Aristides Pereira* (4):
Ana Maria Cabral na primeira pessoa

Beja Santos

O aspecto mais extravagante de “O Meu Testemunho”, de Aristides Pereira, é que o elenco de entrevistas possui mais relevância que as lembranças do autor até ao fim da luta armada e a chegada da independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde. Honra lhe seja feita, o seu documento esclarece de uma vez por todas a luminosidade e o papel fulcral desempenhado por Cabral: não há um só documento, não há uma só entrevista, não há um só discurso, não há uma só tomada de posição política onde Amílcar Cabral não esteja presente, desde a concepção à acção. O PAIGC é a sua emanação, nenhum dos outros dirigentes revelou dotes de inteligência, finura de espírito, concepção estratégica que se aproximasse minimamente da teoria e da prática de Cabral. E Aristides Pereira, do cimo da sua modéstia, nunca ilude essa realidade.

Muitos são os entrevistados que acompanham o seu testemunho, mulheres e homens por vezes altamente motivados e, por esta ou aquela razão, pesaram na história do PAIGC: É caso de Adriano Brito, o comandante Agnelo Dantas (que combateu na Frente Leste, assistiu à retirada de Madina do Boé), Alpha Abdoulay e Djallo, que foi Ministro dos Negócios Estrangeiros de Sékou Touré, Amélia Araújo (animadora e locutora da Rádio Libertação), Ana Maria Cabral (segunda mulher de Amílcar Cabral e que presenciou o seu assassínio) e Aristides Pereira. Neste apontamento, não se pode ir mais longe.

Ana Maria Cabral nasceu Canchungo, em 1941. Começa por referir o espírito unitário de Cabral em torno da luta dos movimentos de libertação de Angola, Guiné e Moçambique. Em 1966, Ana Maria chega a Conacri e vai trabalhar na Escola Piloto. Questionada sobre o ritmo frenético em que vivia Cabral, ela responde: “Acho que ele sabia que era um elemento estranho ou insuportável para o equilíbrio de África. As grandes potências que mandam no mundo não podiam suportar que alguém, um preto, tentasse sair desses esquemas e ser verdadeiramente independente. Não podiam aceitar que Cabral fosse sério, inteligente e muito honesto”. E elogia igualmente a sua capacidade metódica de corredor de fundo: “Ele quis que primeiramente se fizesse a mobilização durante três anos par que a população soubesse e percebesse bem o que era a colonização. Recordo-me do primeiro jornalista ou cineasta francês que esteve nas áreas libertadas. Em Conacri ele contou-me que ao chegar a uma tabanca as pessoas, e principalmente as crianças fugiam porque nunca tinham visto um branco. Isto nos anos 60!”.

Sobre o ambiente de mal-estar que se vivia em Conacri antes do assassinato de Cabral, Ana Maria observa: “O ambiente já estava minado, todos nós sentíamos isso. Cabral teve muito pouca ajuda de todos nós. Cabral mandou construir uma cantina para todos, onde todos pudessem tomar as suas refeições, exactamente porque se apercebeu de que ali, em Conacri, o grosso eram camponeses e lumpens de Bissau e uma minoria pequeno-burguesa. Havia a tendência de se formarem grupos consoante as classes existentes. Os da pequena burguesia não se sentiam bem na mesma cantina com os outros e por isso cada vez se afastavam mais… Fomos nós da pequena burguesia que contribuímos para que os agentes de Spínola encontrassem terreno apropriado para a conspiração. Por isso mesmo é que após o assassínio de Cabral muita dessa gente foi afastada para outros sítios. Para limpar Conacri de tantas intriguinhas e desmobilização”. Leopoldo Amado pergunta-lhe sobre a existência de uma clivagem entre guineenses e cabo-verdianos, ao que a entrevistada responde afirmativamente, responsabilizando certos cabo-verdianos ou guineenses por estarem dominados pela consciência de classe: “Foi esta classe de guineenses e de cabo-verdianos que não soube compreender as ideias de Cabral e que ajudou a preparar o caminho para os agentes de Spínola”.

Depois descreve minuciosamente os acontecimentos da noite de 20 de Janeiro de 1973, ela estava ao lado do marido quando se deu o assassinato. Interrogada sobre o número de conspiradores, ela observa: “Ouvi todas as cassetes, porque a comissão de inquérito do PAIGC gravou tudo e o camarada Aristides deu ordem para que eu ficasse com elas. Fiz a transcrição de todas elas e, realmente, o único grupo que tentou apurar a verdade foi o do Fidélis Almada… Depois da independência é que eu devolvi essas cassetes todas ao Buscardini. Hoje, alguns de nós dizem que se desfizeram rapidamente e de propósito dos conspiradores! Pode ser que em relação a alguns, sim. A verdade é que, com os combatentes e a população a pressionar a comissão de inquérito não havia condições para se fazer bons julgamentos”.

A entrevista que Leopoldo Amado faz a Aristides Pereira é também bastante importante, não dá para entender como certas observações são escamoteadas do testemunho e aparecem aqui isoladas. As reminiscências da infância e da juventude são úteis para entender aquele espaço e aquele tempo. As malhas da rede que se formou, por vezes inconscientemente, em torno dos grupos independentistas que foram emergindo em Bissau, ainda nos anos 50. O mesmo Aristides que protesta contra os caluniadores e maldizentes em torno da unidade Guiné-Cabo Verde é o mesmo que após a morte de Amílcar Cabral e quando se punha a questão sensível da liderança diz textualmente a propósito de uma pergunta em que se refere que Fidélis Almada fizera a proposta para que Nino Viera viesse a ser o secretário-geral do PAIGC: “Quando discutimos a sucessão de Cabral, muitos guineenses não foram apenas movidos pelo anti-caboverdianismo. O Fidélis foi o porta-voz de toda uma corrente de dirigentes guineenses que estavam com receio que com a continuação de um fulano, ao mais alto nível, de origem cabo-verdiana ou cabo-verdiano, na direcção, significasse a destruição do partido ou desse num outro assassinato”.

É uma entrevista incontornável, pelos elementos aduzidos, para se entender o desempenho da direcção do PAIGC em Conacri, para se perceber as inúmeras dificuldades que impediram a organização da luta armada nas ilhas de Cabo Verde. A interpretação que Aristides dá sobre o assassinato de Cabral tem a ver com o anúncio e os preparativos da independência unilateral. Aristides deplora que em 1972 não se tivesse feito a reunião do Conselho Superior de Luta que era a oportunidade para denunciar os conspiradores. Descreve a ira de Sékou Touré quando soube das negociações entre o PAIGC e o I Governo Provisório.

Retomaremos este conjunto de entrevistas começando por Gérard Challiand (entrevista conduzida por Iva Cabral), Indrissa Sow, que foi embaixador da Guiné-Bissau em Conacri, Manuel dos Santos (Manecas, que depois de 1973 dirigiu o grupo de artilharia de mísseis, segue-se uma carta de Oscar Oramas a Aristides Pereira e, por último, ouve-se o depoimento de Osvaldo Lopes da Silva que foi comandante da artilharia na frente Leste e Sul da Guiné, tendo participado no assalto a Guileje.

(Continua)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8209: Notas de leitura (235): O Meu Testemunho, uma luta, um partido, dois países, por Aristides Pereira (3) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 13 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8266: Notas de leitura (238): Estudos, Ensaios e Documentos - Contribuição para o Estudo do Problema Florestal da Guiné Portuguesa (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P8285: Tabanca Grande (284): Manuel José Moreira de Castro, Soldado da CCAÇ 2315/BCAÇ 2835 (Guiné, 1968/69)

1. Mensagem, com data de 13 de Maio de 2011, da nossa amiga Arminda Castro, filha do nosso camarada Manuel José Moreira de Castro, Soldado da CCAÇ 2315/BCAÇ 2835 que esteve em Bula, Binar, Mansoa, Bissorã e Mansabá nos anos de 1968/69:

Boa tarde,
Sou filha do ex-combatente da Guiné, Manuel José Moreira de Castro.
Meu pai relata muitas vezes acontecimentos vividos na Guiné aos quais nunca fiquei indiferente pois sei que foi a realidade desse tempo. Hoje em dia, a minha geração (79) poderá ter uma pequena noção do que se passou, apenas por relatos dos nossos pais ou através de informação na internete pois começa haver alguma "procura" de perceber o que realmente foi a guerra de ultramar.

Sinto que quando o meu pai fala desse tempo parece ficar um pouco mais "aliviado", chamamos nós um aliviar de memórias pois perder camaradas como foi o caso, mesmo ao lado dele, não é fácil para ninguém!

No Verão passado ele falou-me de uns camaradas do qual perdeu o rasto e que gostaria de encontrar. Comecei a pesquisar na net e encontrei um site: http://ultramar.terraweb.biz/index.htm onde coloquei um anúncio dos camaradas que meu pai gostaria de reencontrar. Passo a referir pois até agora ainda não tivemos noticias de António Dias de Almeida, de Moimenta da Beira, e José Figueiredo Oliva, ambos da Companhia de Caçadores 2315, e também Evaristo Pinto, de Vila Nova de Gaia, da Companhia de Caçadores 2316.

Foi através deste site que descobri o vosso endereço e tenho vindo acompanhar diariamente o vosso blogue, pelo qual vos felicito por esta oportunidade de divulgaçao dos camaradas.
Falei com o meu pai se gostaria de entrar para a Tabanca Grande (pois estas novas tecnologias não são muito com ele), e que para isso teria de "relatar" um acontecimento e enviar algumas fotos desse tempo e também atuais.
Ele contou um, dos muitos acontecimentos vividos e também deu-me algumas fotos desse tempo para enviar para o sr. Luis Graça, mas ainda falta a foto dele atual, prometo que em breve lhe envio.

Em anexo envio então o respectivo acontecimento e as fotos.

Respeitosos cumprimentos,
Arminda Castro

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2. Um bem-haja a todos os camaradas deste blogue e também a todos os que seguem estas recordações através deste meio de comunicação.

- Assentámos praça no GACA 3, em Espinho, depois seguimos para o RI 15, em Tomar, onde fomos mobilizados para servir no Comando Territorial Independente da Guiné, em 1967, integrados no 4.º Pelotão da Companhia de Caçadores 2315 do Batalhão de Caçadores 2835.

- A 17 Janeiro de 1968 chegamos à Guiné. Fizemos várias Operações em Bula, Binar, Mansoa, Bissorã, Mansabá.

Vou contar um acontecimento que ocorreu em 30 de Setembro de 1968.
Quando íamos para Cutia para manter segurança no destacamento, fomos atacados por um grupo IN numa emboscada montada das duas partes. Nessa altura sofremos uma baixa, o camarada Daniel Ferreira da Costa e vários feridos entre os quais o alferes Monteiro, o Gravoa (que já faz parte da Tabanca Grande) e outros mais camaradas.

Regressámos a Cutia, onde mantivemos a segurança ao destacamento.
Ao longo do tempo, um camarada nosso padeiro da Companhia, por motivo de doença teve que baixar ao hospital e nessa altura o Comandante do Pelotão perguntou se havia alguém que soubesse fazer pão. Não hesitei e respondi que sabia (por acaso já tinha uma pequena experiência) e assim fui para padeiro juntamente com o meu camarada António Neto. Durante um mês lá fui fazendo o pão, pequenos, grandes mas bem cozidos! Entretanto regressamos a Mansoa.

Mais acontecimentos se passaram bons e maus, mas todos nós sabemos que foram alturas muito difíceis.



Navio "Quanza" onde seguiu a CCaç 2315 para a Guiné

Foi no navio "Uíge" que a CCaç 2315 regressou a Portugal

Um cartão de Boas Festas

Armamento apreendido ao inimigo

Manuel Castro, com uma bazuca

Manuel Castro, com uma metralhadora Dryse

Manuel Castro e o seu camarada Gomes

Abrigo subterrâneo em Buruntuma

[Fotos e texto de Manuel Moreira de Castro]


3. Comentário de CV:

Cara amiga Arminda
Muito obrigado por ajudar o seu pai a entrar em contacto connosco. Temos muito prazer em que ele faça parte da nossa Tabanca, e que por seu intermédio nos conte as suas memórias de um tempo muito complicado.
Contamos consigo como elo de ligação entre o seu pai e nós.

Para si um abraço destes velhotes que a consideram como filha.

Caro camarada Manuel
Repito o que disse à tua filha, muito obrigado por te juntares a nós. Continua a mandar as tuas fotos e as tuas memórias que ficarão aqui publicadas.

Conheci muito bem Mansabá onde estive 22 meses. A Mansoa íamos duas vezes por semana buscar o nosso precioso correio e era local de passagem quando íamos a Bissau. A Bissorã só fui uma vez.

Na verdade aquela estrada Mansoa/Cutia/Mansabá deixou más recordações a muitas Companhias, porque ali foram ceifadas muitas vítimas em emboscadas às colunas auto, principalmente. A minha Companhia perdeu em Mamboncó dois militares.

Já pedi à tua filha para ser o teu apoio já que na informática estarás menos à vontade.

Procurei na página do nosso camarada Jorge Santos em: http://guerracolonial.home.sapo.pt/ e encontrei lá três pedidos de contactos do teu Batalhão que podes explorar como início de busca dos teus camaradas. Toma nota:

- Sérgio Monteiro da CCS - Telem 926 707 779

- Santos da CCAÇ 2316 - 962 554 192

- Joaquim Soares da CCAÇ 2317 - 225 361 952 e 222 000 200

Caro Manuel, deixo-te um abraço de boas vindas em nome da tertúlia.
Carlos Vinhal

OBS:- Só para efeito de registo, confirma se o teu posto foi Soldado.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8281: Tabanca Grande (283): NI (Maria Dulcineia Rocha), esposa do nosso camarada Henrique Cerqueira, que com o filhote de ambos se pôs a caminho de Bissorã onde fez companhia ao marido nos anos de 1973 e 1974

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8284: História da CCAÇ 2403 (Hilário Peixeiro) (2): Actividade da CCAÇ 2403 e participação na Operação Mabecos Bravios




1. Segunda parte da publicação da História (resumida) da CCAÇ 2403/BCAÇ 2851, Nova Lamego, Piche, Fá Mandinga, Olossato e Mansabá, 1968/70), envida pelo seu Comandante, ex-Cap Mil Hilário Peixeiro*, actualmente Coronel na situação de Reforma.





História (resumida) da CCaç 2403 – Guiné 1968/70 (2)

Actividade da CCAÇ 2403 e participação na Operação Mabecos Bravios

Na sua missão de intervenção a Companhia foi ocupar o quartel de Canjadude para libertar as Companhias locais para uma Operação na respectiva zona de acção. Imediatamente a seguir ao regresso marchou para Piche para, juntamente com a CCav local, efectuar uma Operação junto ao rio Corubal, que ali fazia a fronteira com a República da Guiné, onde dias antes 2 GComb dessa Companhia tinham sido fortemente atacados e forçados a retroceder para o quartel.

A CCav participava com 3 GComb e a CCaç 2403 com os seus 4. Em termos de Oficiais deviam estar presentes 4 da CCav e 5 da CCaç: 2 Capitães e 7 Alferes. Ia ser, quase de certeza, o baptismo de fogo da CCaç. A CCav não tinha o Capitão por problemas de saúde e só levava 2 Alferes, o Tiago Mouzinho e o Ramos; a CCaç tinha o Capitão e o Alferes Tavares porque ainda não tinha recebido os substitutos dos que faltaram ao embarque e o Alferes Brandão manifestou-se psicologicamente incapaz de comandar o seu GComb.

Ao atingir o local, onde dias antes tinha sido o contacto com o IN, a CCav sofreu uma emboscada que lhe provocou 1 morto no primeiro tiro disparado com RPG. Imediatamente a seguir entraram em acção os morteiros 82, cujas saídas das granadas eram perfeitamente audíveis. A CCaç 2403, que pela primeira e última vez se fez acompanhar de um morteiro 81, abriu fogo sobre a posição bem referenciada dos do IN, o que, segundo informação do Aferes Mouzinho, acabou com o ataque dos morteiros IN. No entanto o combate com armas ligeiras ainda se manteve por bastante tempo. Apesar da utilidade do morteiro 81 nesta acção, revelou-se impraticável sobrecarregar o pessoal com esta arma quando já estava bem carregado com a sua arma, mais munições, água, ração de combate e as granadas para as bazucas e morteiro 60. Foi o maior contacto da Companhia com o IN.

O Comando-Chefe resolveu repetir novamente a Operação no mesmo local, uma semana depois, com a CCaç 2403, a CCaç 2401, a CCaç de Cabuca e a CCav (esta em protecção do Pel Artª de Piche instalado a distância apropriada para apoiar a Operação. Para comandante da Operação ( “Relâmpago”) foi nomeado o Major Fabião, de todos conhecido, que se deslocou junto da 2403.

A CCaç 2401 foi atacada por armas pesadas localizadas na República da Guiné sofrendo 2 mortos. A aviação (T6) atacou a zona de actuação do IN e a Artilharia disparou dezenas de granadas de apoio às Companhias e sobre as posições do IN no outro lado da fronteira, causando, segundo informações posteriores da população, grande numero de baixas quer de guerrilheiros quer de civis da Guiné Conacry. A Companhia participou com os mesmos 2 oficiais, pelos mesmos motivos.

O Cmdt da Companhia com três Alferes, da direita para a esquerda: Amaral e Caria (acabados de chegar) e Tavares

Após regresso a Nova Lamego apresentaram-se os 2 Alferes em falta, o Amaral e o Caria, o primeiro muito alto e o segundo baixote. Mais tarde, o Fur Mil Enfº Viriato, requisitado para o Hospital Militar de Bissau, foi substituído pelo Fur Mil Enfº Diamantino, natural da Guiné.

O Capitão recebeu ordem para se deslocar para Piche para coordenar a actividade operacional da CCav, mantendo-se a 2403 em Nova Lamego. Nessa situação, apesar de ter sido promovido apenas 4 meses antes e estar na sua primeira comissão, ficou com cerca de 600 homens sob o seu comando: as 2 Companhias, 1 Pel  Art, 1 Pel Rec Fox, 1 Sec de Mort Med, 1 Sec Can S/R e dois Pelotões de Milicias.

Como estava em Piche e a Companhia estava em Nova Lamego, tinha que se deslocar 2/3 vezes por semana entre as duas localidades. Num dos regressos a Piche a coluna, composta por uma dúzia de viaturas, escoltada pelo Pel Fox (1 Auto Met Daimler (Fur Mil Caldas), 1 GMC com 1 Sec de Atir e 1 Auto Metr Fox) comandado pelo Alf Mil Gordo, sofreu a primeira emboscada montada naquele itinerário. A Fox que seguia na frente, foi incendiada por uma granada de RPG7 morrendo os dois elementos da guarnição que iam no seu interior. O Alf Mil Gordo que ia na torre, no exterior, caiu no capim que lhe deu cobertura para não ser encontrado pelos guerrilheiros.

Dias depois o Cap. e alguns Furriéis entraram de licença e quando regressaram, nas vésperas de Natal, já a CCav de Piche tinha sido rendida por um BArt, recém-chegado. O Natal foi passado em Nova Lamego com toda a Companhia reunida. No dia 25 um grupo de “homens grandes” das tabancas vizinhas, foi desejar um bom Natal à Companhia, tocando o Hino Nacional com os seus instrumentos, em que se destacava a Cora.


Natal de 1968 em Nova Lamego (Gabú)

Durante o mês de Janeiro tiveram lugar os preparativos e reconhecimentos na zona do Boé, com vista à Operação de evacuação de Madina do Boé, denominada “Mabecos Bravios”. Para além da CCaç 1790, local, comandada pelo Cap Aparício participaram na operação outras 6 Companhias. A 2 de Fevereiro a CCaç 2403, com 3 GComb (o do Alf Mil Brandão não participou por decisão do Cmdt do Batalhão de Nova Lamego a quem pediu para não interromper os trabalhos de reordenamento em que estava empenhado), deslocou-se para Canjadude e depois para o Cheche onde chegou já no final do dia, transportada nas viaturas destinadas ao transporte, no regresso, dos materiais da CCaç 1790 e da população de Madina. Desta vez todos os GComb eram comandados pelos respectivos Alferes.


Em Canjadude onde as tropas se reuniram para o início, propriamente dito, da Operação. À esquerda os pilotos da FAP Cap. Nico (filmando) e o Sarg. Honório e o Cmdt da Operação Cor Felgas.

Juntamente com a CCaç 2405, do Cap Jerónimo, atravessou o Corubal numa das jangadas, recém-construídas para o efeito, indo cada uma ocupar as colinas que flanqueavam a estrada para Madina, á esquerda e á direita. Quando as Companhias se separaram, já noite fechada, o IN lançou 2 granadas de morteiro sobre a estrada, sem consequências o que, 15/20 minutos antes, poderia ter tido resultados bem diferentes. Na manhã seguinte as Companhias seguiram, apeadas, rumo a Madina, sempre sobrevoadas por 1 T6 ou 1 DO até ao final do dia.


Com o Sarg. Honório (cabo-verdiano) sempre presente

A meio da manhã houve um reabastecimento de água, planeado e, mais à frente, não planeado, um fortíssimo ataque de abelhas à CCaç 2405 que deu origem à evacuação de alguns homens no heli do Comandante da Operação, Cor Felgas, que aterrara entretanto.

A evacuação com protecção do Heli-canhão

Este contratempo provocou grande atraso na coluna e a certa altura o efeito do calor e das abelhas fez-se sentir mais acentuadamente sobre a CCaç 2405, tendo a CCaç 2403, que ia na retaguarda, passado para a frente com o intuito de pedir a Madina reabastecimento de água para o pessoal mais atrasado que estivesse em dificuldades. Quando, cerca de 10 minutos depois, um GComb se preparava para sair do quartel, chegou a outra Companhia.

Reparação de GMC (rebocada) e sem paragem da coluna



Viaturas destruídas por minas ou em emboscadas, encontradas durante o deslocamento

Enquanto o pessoal foi instalado os Capitães receberam do Comandante a missão para o dia seguinte que consistia na ocupação dos morros que se estendiam a sul de Madina entre esta e a República da Guiné.

Quando se fez dia o pessoal ficou surpreendido com o cabeço a que Madina estava encostada e os que a rodeavam. Eram autênticas “montanhas” na Guiné, onde tudo era plano. As Companhias ocuparam as elevações que lhes foram indicadas e aí permaneceram nesse dia enquanto as viaturas chegaram e no dia seguinte enquanto se procedeu ao seu carregamento com os materiais da guarnição e da população civil que ia ser deslocada para Nova Lamego. No dia 6, logo que se fez dia, deslocaram-se para a coluna que já se encontrava em movimento a caminho do Cheche, assumindo a segurança dos flancos e retaguarda. Antes de atingir o rio Corubal a coluna ainda foi alvo de mais um feroz ataque de abelhas que só provocou, como vítimas, a morte de dois cães da população.

As viaturas e pessoal foram atravessando o rio até só restarem as 2 Companhias e parte da CCaç 1790 de Madina. Comandava a Operação de carregamento da jangada o Cap. Aparício. Na penúltima travessia foram transportadas a CCaç 2403 e parte da CCaç 2405, tendo a primeira recebido imediatamente ordem do Cor Felgas para montar a segurança do flanco esquerdo da coluna que partiria, logo que pronta, rumo a Canjadude.



Imagens das jangadas com a CCaç 2403 a embarcar para a última travessia antes da tragédia

Para a última travessia, seria embarcado o pessoal que restava das CCaç 2405 e CCaç 1790, muito menos de 100 homens. Enquanto se aguardava a chegada do pessoal que faltava para a coluna se pôr em marcha foram disparadas 1 ou 2 granadas das armas pesadas do Destacamento do Cheche. Pouco depois surgiu um soldado a correr em direcção ao rio, a chorar, dizendo que a jangada se havia virado e que muita gente tinha caído à água no meio do rio. Através do rádio do Capitão foi ouvido o Cor Felgas em comunicação com o General Spínola, que não esteve no local, dizendo que havia muitos homens desaparecidos no rio. Com grande atraso em relação à hora prevista, a coluna iniciou o deslocamento para Canjadude onde pernoitou.

No dia seguinte chegou a Nova Lamego, onde o Comandante-Chefe falou às tropas participantes na Operação.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 14 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8273: História da CCAÇ 2403 (Hilário Peixeiro) (1): Deslocação para a Guiné e chegada a Nova Lamego