quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9151: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (17): Quando Paulo VI visitou o Santuário de Fátima

1. Mensagem do dia 10 de Novembro de 2011, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), enviou-nos mais uma das suas histórias e memórias.


HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (17)

Maio de 1967
Paulo VI visita o Santuário de Fátima

No dia 1 de Junho de 1966, acabado de chegar da Guiné, fui colocado no Colégio Militar, como alferes miliciano, em regime de voluntariado.

No ano seguinte, em Abril, mandaram-me ir a Fátima para conseguir que a entidade que tratava das cerimónias atribuisse ao C.M. um pedaço de terreno onde uma delegação daquela Escola pudesse acampar durante uns dias para assistir às comemorações.
O C.M. seria representado por cerca de 20 alunos, o capelão, 2 ou 3 oficiais, 1 sargento, cozinheiros e soldados.

No dia 9 de Maio segui de novo para Fátima “capitaneando” uma coluna de viaturas diversas levando comigo o pessoal de apoio e o material considerado necessário para montar o acampamento: instalar tendas, montar cozinhas, cavar latrinas, etc.

No dia 11 à noite quando os restantes elementos chegaram, já tudo estava em ordem – tudo funcionou na perfeição... possível.

No dia 12, ao fim da tarde, tive uma visita muito especial (provavelmente quase tão importante como a do Papa – digo eu): a minha noiva, uma prima brasileira já viuva e a sua dama de companhia.
Pensei que se tratava apenas duma visita de cortesia ou, quando muito, que se auto-convidavam para o jantar. Mas não! Elas pretendiam algo bem diferente.
Deslocaram-se a Fátima sem reserva de alojamento; pretendiam pernoitar algures que não fosse dentro do carro (já lá dormia o condutor) nem ao relento.

Os hotéis e similares de Fátima deitavam clientes pela “cova do ladrão”; uma multidão das mais variadas gentes “invadiu” aquela povoação para assistir às cerimónias... e ver o Papa.

No nosso acampamento havia ainda uma tenda disponível. Falei com o sargento e em poucos minutos a tenda estava armada e pronta para alojar as ilustres visitas que se fizeram convidadas... ou quase. Já não havia “burros” de campanha (uma espécie de cama articulada com um pedaço de lona a servir de colchão). O sargento mandou espalhar no chão uma espessa camada de palha, colocaram um cobertor por cima, 2 lénçois e outro cobertor. Para campanha não estava mal! Foi uma autêntica dádiva... do Papa!

Acompanhei as três senhoras até junto da tenda; estava ali o sargento, muito solícito; explicou como tudo funcionava e, compenetrado, perguntou:
- As senhoras não são alérgicas à palha, pois não?!
Nenhuma respondeu: coraram e cerraram os lábios. Se abrissem a boca sairia uma estrondosa gargalhada em resposta às boas intenções daquele sargento.

Pela manhã, elas transmitiram que dormiram muito bem, que ficavam clientes e que, pela primeira vez na vida tiveram direito a um pequeno almoço de pé, com o copo de inox na mão e... sem pagar qualquer verba! Nada mau!

Aquela prima brasileira falava pelos cotovelos! Durante anos, sempre que nos encontrávamos, comentava jovialmente:
- Gostei muito daquela noite junto da tropa! Foi única! Acima de tudo gostei de saber que não sou alérgica... posso comer palha!

Belmiro Tavares
Lisboa, 10 de Novembro de 2011
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9033: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (16): As cábulas

Guiné 63/74 - P9150: Memória dos lugares (165): Polibaque, na estrada Jugudul-Portogole-Bambadinca (Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil, CCAÇ 15, Mansoa, 1973)


Guiné-Bissau > Região do Oio > Polibaque, entre Ansonhe e Quibir, a sudeste de Jugudul. Pormenor da carta de Tite (1955) (Escala 1/25000). No mapa do Google, nem sequer consta o topónimo Polibaque...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2011).


1.  Texto do nosso camarigo Joaquim Mexia Alves, régulo da Tabanca do Centro, ex-Alf Mil Op Esp/Ranger da CART 3492/BART 3873, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73 :

Assunto - Curiosidades da memória (*)

Nos últimos cerca de 6 meses da minha comissão, estive na CCaç 15, (formada essencialmente por Balantas), sediada em Mansoa.

Uma das missões da Companhia era fazer segurança na frente da estrada em construção, Jugudul/Portogole [mais tarde, Jugudul/Bambadinca].

No meu tempo, a frente dessa estrada estava num local chamado Polibaque, onde havia um muito curioso quartel/acampamento.

Se a memória não me falha, esse quartel/acampamento estava dentro de uma paliçada de troncos de madeira, muito ao jeito dos fortes dos antigos filmes de índios e cowboys.

Gostaria que alguém pudesse confirmar esta imagem que tenho, para ter a certeza de que não é fruto da minha fértil e delirante imaginação.

É que a ser verdadeira esta memória, julgo que deveria ser caso único na Guiné, e como tal, uma curiosidade digna de registo.

Monte Real, 7 de Dezembro de 2011

Joaquim Mexia Alves

PS - Aqui vai uma foto do emblema da garbosa CCaç15! Na altura disseram-me que "Taque Tchife", em balanta,  significava "Agarra à Mão".



2. Comentário do editor:

Meu caro Joaquim, não é delírio teu,  esse aquartelamento (ou mais provavelmente destacamento existiu... Temos várias referências (no blogue e fora dele) ao topónimo Polibaque (**)... Temos camaradas, como tu, que passaram por lá, na protecção aos trabalhos da estrada Jugudul - Portogole - Bambadinca... E lá viveram, como o Tomás Carneiro. Mas em boa verdade não temos uma única imagem desse destacamento. Nem sequer consta como marcador ou descritor no nosso blogue.

Quem lá esteve, no Carnaval de 1973, desenfiado por umas horas (por uma boa causa, diga-se de passagem, mas que podia  ter-lhe custado os olhos da cara: fez Jugudul-Polibaque sozinho, com o seu Unimog ou  Berliet e a sua G3, só para matar saudades dos amigos e comer com eles um cabritinho assado no forno!),  foi o Tomás Carneiro. Aliás, não passou só lá umas horas... Passou lá algum tempo, em finais de 1973 e estava lá em Maio de 1974, quando foi gravemente ferido numa emboscada...

Pode ser que o Tomás Carneiro (ou o Pedro Neves, da mesma copmpanhia, a CCAÇ 4745 - Águias de Binta) nos possam ajudar... Ou então outra malta que tenha estado ou passado em Mansoa, Jugudul, Polibaque, Bissá, Portogole...

Sabemos que o destacamento (ou aquartelamento) de Polibaque existia em 1974 - provavelmente já sem a paliçada de que se lembra o Joaquim - sendo guarnecido por forças do BCAÇ  4612/72 (Mansoa, 1972/74) sobre cuja história temos vários postes: por exemplo, em 9 de Maio de 1974, as NT sofreram uma violenta emboscada na estrada Judugudul-Bambadinca, de que resultaram 6 mortos (1 militar e 1 civil), 11 feridos graves e 18 feridos ligeiros, além de 5 viaturas danificadas. Simultaneamente, o mesmo "numeroso" grupo IN flagelou o aquartelamento (sic) de Polibaque, com Mort 82 e RPG 7, de que resultaram um morto (Furriel) e um ferido grave (1º Cabo). Nessa altura, Polibaque tinha artilharia (, o que aliás é confirmado pelo Tomás Carneiro). 

Nessa emboscada um dos feridos graves foi o nosso camarada açoriano Tomás Carneiro, que estava então em Polibaque. A sua história dramática já aqui foi contada por ele, no nosso blogue.

Quando o BCAÇ 4612/72 assumiu, em 28 de Novembro de 1972, a responsabilidade do Sector 04, o seu dispositivo no terreno era o seguinte, integrando cerca de 1300 homens em armas:

- CCS / BCAÇ 4612/72: Mansoa;

- 1ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72: Porto Gole e Bissá;
- 2ª CCAÇ / BCAÇ 4612/72: Jugudul, Rossum, Uaque, Bindoro;
- 3ª CCAÇ / BCAÇ 4612 /72: Mansoa, Infandre, Braiua, Pista e Mancalã.

Camaradas: fica aqui o apelo (desesperado...) para nos mandarem uma fotografia, um croquis, um desenho, uma memória descritiva de Polibaque. É esscencial para completarmos o puzzle da nossa memória da Guiné. Eu e o Joaquim agradecemos. (LG)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 22 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9076: Memória dos lugares (164): RTX - Rádio Televisão do Xime, Carnaval de 69, Xime, CART 1746, com o Manuel Moreira e o José Ferraz de Carvalho


(**) Referências a Polibaque

(...) CCAÇ 2587 / BCAÇ 2885

(...) A CCaç 2587 seguiu em 14Mai69 para Mansoa, a fim de render a CCaç 1686 e assumir a responsabilidade do mesmo subsector, com destacamentos em Uaque, Rossum, Bindoro e Jugudul.

Em 15Nov69, por criação do subsector respectivo, a sede da subunidade foi transferida para Jugudul, mantendo os destacamentos de Uaque, Rossum e Bindoro e sendo substituída em Mansoa pela CCaç 2588.

Em 15Jan70, por troca com a CCaç 2588, regressou a Mansoa, com a missão de intervenção e reserva do sector, onde se manteve até 04Mai70, sendo substituída pela CCaçLocher, Bindoro e Polibaque, entre outras, e escoltas a colunas.

Fonte:  Portal Guiné (página de Carlos Fortunato) > Guiné - História > 1969-1974 > BCAC 2885 > CCS/CCAC 2587/2588/2589 (1969/71)

Tomás Carneiro (ex-1.º Cabo Condutor da CCAÇ 4745 - Águias de Binta, Binta, Cumeré e Farim – 1973/74) [ foto à esquerda, em Polibaque, no Natal de 1973]


(...) Com o Carnaval [ de 1973,] à porta recordo-me de uma cena. A “ferrugem” tinha comprado uma cabrita, para preparar uma petiscada que ficou combinada para a segunda-feira (ao fim da tarde), antes do Carnaval. Eu ainda estava nas obras da estrada [Jugudul-Bambadinca,] e não sabia se se trabalharia nessa terça-feira. Disseram-me que sim e fiquei danado.

Vi os tabuleiros a serem preparados para irem ao forno e fiquei chateado por ter que ir, mas lá fui de muito má vontade. Lembro-me que nesse dia me desloquei a Mansoa e quando regressei a Jugudul, me disseram que afinal não se trabalhava no dia de Carnaval.

Peguei na arma, saltei para a viatura e pus o motor a trabalhar. Comecei a rolar devagarinho, para ninguém perceber o que eu ia fazer e saí do quartel. Depois foi pé na “chapa” e toca a “voar” até ao Polibaque. A noite começou a cair rápida e, com os faróis nos médios, lá segui até reencontrar os meus camaradas, que ficaram admirados comigo e com a estória que lhes contei deste “desenfianço”. Enfim lá petiscamos no meio de grande convívio, algazarra e satisfação.

Quando acabamos a refeição disseram-me que tinha correio na secretaria e desloquei-me para lá, mas ao atravessar a parada, que ainda era larga, senti mesmo ao meu lado, um grande rebentamento. Atirei-me de imediato de cabeça para o chão, mas acabei por verificar que afinal era o obus local, que estava a bater a zona. Levantei-me e fui então ao correio.

Já na estrada, de volta a Jugudul, ainda ia com o “coração nas mãos”. Hoje, penso que não repetiria tal doidice, mas, com os 21 anitos de então, até deu para isso e muito mais que viesse (...)

(...) Em fins de Outubro, princípios de Novembro de 1973, fomos transferidos para um quartel novo [ Polibaque,] , que se situava entre o Jugudul e Porto Gole, numa altura em que estava a ser construída uma estrada entre Jugudul e Bambadinca e a cujas obras fizemos segurança. Nesta mudança, esperámos por alguém que nos viria acompanhar e quem devia ser esse algiuém? Nada mais, nada menos, do que os-meus companheiros e amigos “Os Gringos do Guileje”. (...)


(...) José Pedro Ferreira das Neves

(...) fiz o Curso de Operações Especiais em Lamego, 1.º curso de 1973 e dei instrução ao 2.º curso, também de 1973. Fui mobilizado para a Guiné em Julho de 1973 e ingressei na CCAÇ 4745, (Companhia de Intervenção), em Agosto de 1973. Regressei em Setembro de 1974 e passei à disponibilidade no dia 20 do mesmo mês.

Posto: Furriel Miliciano de Operações Especiais (nome de guerra PEDRO). Locais na Guiné por onde andei: Binta, Nema, Farim, Mansoa, Jugudul, Polibaque (Protecção aos trabalhos de abertura da estrada, Jugudul-Bambadinca), Bula, Binar, Nhamate, Capunga, Bissau e outros arredores, que agora não me ocorrem. (...)

Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné > 25 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3148: O Nosso Livro de Visitas (24): José Pedro Neves, ex-Fur Mil da CCAÇ 4745 (Guiné 1973/74)

(...) Batalhão de Caçadores nº 4612/74

(...) O batalhão ficou reduzido a duas companhias, por a 3ª Compª não ter chegado a embarcar. Tendo iniciado a IAO no CMI, em Cumeré, esta foi interrompida a fim de seguir, em 24Jul74, para Mansoa, com vista a efectuar a sobreposição com o BCaç 4612/72.

Em 21Agosto74, assumiu a responsabilidade do Sector O4, com sede em Mansoa e abrangendo os subsectores de Mansabá, Porto Gole, Jugudul, Polibaque e Mansoa. Em 27Agosto74, o subsector de Jugudul foi extinto, por saída da respectiva subunidade e a sua área foi integrada no subsector de Mansoa.

Comandou e coordenou a execução do plano de retracção do dispositivo e desactivação e entrega dos aquartelamentos do sector ao PAIGC, sucessivamente efectuada nos subsectores de Polibaque, em  21Agosto74, Porto Gole, em 02Setembro74, de Mansabá, em 03Set74 e de Mansoa, em 10Set74.

Em 10Set74, após desactivação e entrega do aquartelamento de Mansoa, recolheu a Bissau, onde se reintegraram as suas subunidades entretanto vindas de outros pontos, e onde assegurou a segurança e protecção das instalações da área do sub-comando de Brá, então constituído, até ao seu embarque de regresso. (...)
 

Fonte: Guerra na Guiné 63/74 (Página de Carlos Silva) > BCAÇ 4612/74

(...) Em 05Mar70, rendendo a CArt 2411, assumiu a responsabilidade do subsector de Porto Gole, com um destacamento em Bissá.

Em 17Fev71, rendida pela CCaç 3303, recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso. (...)

Guiné 63/74 - P9149: (Ex)citações (161): Fomos capazes de manter respeito e amizade uns pelos outros e mesmo de deixar saudades (José Brás)

1. O nosso camarada José Brás* (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), deixou este comentário no Poste 9141:

Sem desfazer nas palavras e nos sentimentos que legitimamente dão forma e carácter ao Amílcar Mendes, de tudo isto, gostei e muito da nota de Virgínio Briote.
E nem sequer entrarei em comentários acerca de torturas e assassinatos praticados por gente do PAIGC a conterrâneos seus que lutaram do nosso lado, alguns mesmo, a quem nunca chamarei heróis porque o que os animava era mais uma sanha guerreira e algumas vezes mesmo ferozmente assassina, do que esse tal amor a uma bandeira que não poderiam sentir enquanto símbolo de centenas de anos de história de um povo que conheciam apenas nas relações coloniais.

Sempre achei que o seu engajamento nas nossas fileiras se deveu mais a acidentes na sequência das relações de origem tribal ou mesmo pessoal entre os protagonistas dos acontecimentos, do que a devoções nacionalistas, e que alguns ficaram do outro lado obrigados ou por acidente e outros do nosso lado por conveniências de momento.
E não eram melhores uns que os outros, como seres humanos, senão na diferença de carácter que nos distingue a todos, havendo gente boa e má dos dois lados, se quisermos reduzir o conceito de bom e de mau a esta nota simplificada.

Eu perguntaria a mim próprio o que iria eu pensar de um vizinho que alinhasse com uma potência estrangeira que ocupasse o meu País, enquanto eu dava o coiro contra tal ocupação.
Não conheço maus tratos que o PAIGC tivesse infligido a militares portugueses embarcados em Lisboa para os combaterem, ao contrário, sem colocar em dúvida que tivesse havido algum caso fora do quadro dos prisioneiros em Conakri, o que tenho ouvido são relatos de respeito e de bom tratamento na situação precária em que eles próprios viviam.

Para ilustrar o que digo, conto uma pequena história que vivi em Bissau após o 25 de Abril, no período de sobreposição antes da cerimónia de independência.

No roll up de descolagem de um voo da TAP, na volta à cabeceira da pista um reactor engoliu capim e iniciou o que poderia ter sido fogo.
Concluído que seria impossível sair sem assistência vinda de Lisboa, a tripulação foi para o hotel e eu que conhecia a cidade e tinha saudade de ostras convenci parte dos colegas a irmos a um estabelecimento ali para os lados dos fuzileiros.

Comemos satisfeitos e na volta, junto ao edifício do BNU estavam quatro ou cinco guerrilheiros em guarda às instalações. Iniciei uma conversa com eles e rapidamente descobrimos termos andado aos tiros uns aos outros na zona de Guilege.
As minhas colegas estavam inicialmente apavoradas e acabaram maravilhadas porque não viram da parte desses guerrilheiros nem um sinal sequer de animosidade.

Se há alguma coisa que diferencia portugueses dos restantes europeus é essa ausência de ódio e essa capacidade de dar as mãos sem grandes preconceitos, que atravessou o nosso processo colonial. Prova disso é que no fim, ao contrário do que aconteceu com outros, fomos capazes de manter respeito e amizade uns pelos outros e mesmo de deixar saudades.
No entanto, bom é que não exageremos ao ponto de concluir que somos santos e que não cometemos também algumas atrocidades.

Afinal, os nossos inimigos de então, acabaram mais maltratados pelos seus dirigentes do que por nós, mas isso, a meu ver, não anula a razão da luta que travaram.

José Brás
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 19 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9063: O nosso blogue em números (19): A propósito dos 3 milhões de visitas... Bom mesmo é termos um espaço onde, cada um à sua maneira, diga a verdade da sua vida e da dos seus na mata da Guiné, no respeito e conservando a amizade que aqui se cultiva (José Brás)

Vd. último poste da série de 27 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9105: (Ex)citações (160): Na convicção que a ideia possa germinar (António Matos)

Guiné 63/74 - P9148: O meu Natal no mato (33): Um conto natalício (Juvenal Amado)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado*, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 4 de Dezembro de 2011:

Carlos, Luís e restante camaradas da Tabanca Grande
No Natal é difícil deixar de pensar nos que passámos lá e nos amigos que fizemos para o resto das nossas vidas durante o tempo de tropa.
Nesses dias a troca de telefonemas e emails substituíram os cartões de Boas Festas, que se tinha o cuidado de enviar com antecedência pois os correios atrasavam por estas alturas com o excesso de correspondência.
É assim o progresso.


NATAL DIFERENTE OU UM CONTO DE NATAL

Na Lareira o lume crepita.
As labaredas dançam, transmitem calor, na pequena sala a minha filha brinca. Faz arremetidas contra a árvore de Natal onde as bolas, fios brilhante que ela já conseguiu enredar nos caracóis louros, são uma atracção para os seus olhos azuis e para as suas mãozitas.
Ela tinha sido o nosso menino Jesus no ano passado ao nascer em Dezembro. Agora com um ano e uns dias, é o nosso principal motivo de atenção. Também o foi nas compras e nas prendas, que ela já por diversas vezes tentou desfazer os respectivos embrulhos. Só de manhã irá ao sapatinho como é tradição na minha família.

Na cozinha a minha mulher ultima os acepipes próprios da data. A calma que se vive dentro de casa vive-se no exterior, pois toda a gente está recolhida e à pequena povoação ainda não tinham chegado os barulhos do progresso.
As noites são silenciosas, não há carros nem motorizadas, ouve-se por vezes um cão latir para saber se não está sozinho e logo outros lhe respondem. Depois volta o silêncio debaixo de um céu estrelado e frio ampliado pela escuridão que nos cerca.

A casa dos meus pais na vila de Alcobaça às Porta de Fora (1) era junto a uma das entradas da povoação, por onde havia um trânsito permanente de camionetas de carga, que após a recta reduziam de velocidade pela aproximação da curva, que havia após a habitação. Era pois um lugar bastante ruidoso.
Tive pois alguma dificuldade em me adaptar a este silêncio, mas ainda recordo os amanheceres quando se ouvia o lento chiar das rodas dos carros puxados por mansas vacas, que começam a suas fainas nos campos.

Anda Moreeena anda Mouriiisca - os nomes ditos de forma arrastada, era mais uma conversa do homem com os animais do que uma ordem. A luz do amanhecer começava a clarear e recortava no horizonte a serra dos Candeeiros, os pássaros matinais emprestam uma alegria ao nascer do dia e tudo isto era revigorante para quem se levantava para ir trabalhar.

Amanheceres gloriosos.

Mas voltando à noite de Natal, finalmente sentados à mesa comemos o bacalhau com couves. Os olhos já cobiçam as filhoses, as fatias douradas, o bolo-rei e também uma garrafa de um vinho especial que foi guardado para a ocasião.

O telefone toca e é o Caramba e a Rosa, o Ivo mais a Ângela, o Passos mais a Lena, o Silva e Glória, enfim alguns dos meus ex-camaradas de Galomaro e esposas. Trocamos votos de Boas Festas e muita Paz. Que bom seria tê-los ali, mas mesmo assim noite ficou mais rica.

Secretamente lembro os que perdi de vista e os que não regressaram.

Sete anos depois o passado volta, lembro os três Natais que passei na Guiné e dos camaradas que seria difícil enumerar, com os quais reparti uma garrafa de vinho do Porto depois também termos comido à vez o tradicional bacalhau, batatas e couves. Nunca esqueceremos esses Natais.

Ponho mais um cepo de oliveira no lume, a lareira ganha vida, pego na minha menino Jesus que está a cair de sono, depois de muito se ter revoltado contra ele e levou-a para o quarto.

Fico mais a minha mulher a saborear aquele momento mais um pouco, a seguir pomos os sapatos com as prendas simples junto à árvore, com que contamos surpreender um ao outro e já antevendo a alegria da nossa filha quando de manhã ali chegar, vamo-nos deitar finalmente.

Bom Natal a todos os camaradas e suas famílias.
Juvenal Amado

(1) - A Av. Bernardino Lopes de Oliveira era popularmente conhecida pelas Portas de Fora. Quem vinha das Caldas da Rainha entrava forçosamente em Alcobaça por essa rua.

TCoronel Castro e Lemos, Lopes, Estufa, Sacristão e Alf Mil Veigas

Médico, Narciso, Alf Mil Farinha, Sardeira, Catroga, Correia e André


2. Comentário de CV:

Uma das protagonistas deste Poste, a filha do nosso camarada Juvenal Amado, a Vanessa, faz hoje anos. Para a Vanessa e seus pais, os editores e a tertúlia desejam o melhor da vida.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8857: Estórias do Juvenal Amado (39): O meu Avô Juvenal, o Benjamim e Eu

Vd. último poste da série de 6 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9146: O meu Natal no mato (32): Uma Consoada diferente (José Carlos Gabriel)

Guiné 63/74 - P9147: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (46): A velhice em Bula

1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 4 de Dezembro de 2011:

Olá amigo Vinhal
Segue mais um pouco de “Viagem…” que, em traços gerais vai enquadrar já em Bula a “Velhinha” CCAÇ 2791 nos meses finais de comissão e até à sua saída para o Cumeré onde aguardaria o regresso à Metrópole.
Deste intervalo de tempo, algumas passagens que retenho por me terem marcado, continuarão a ser-te enviadas de modo a cumprir contigo a “Viagem à volta das minhas memórias”.

Um grande abraço para ti e votos de saúde e Paz.
Um outro abraço para o “Pessoal atabancado”, também com votos de saúde e Paz

Para todos um Bom Natal comedido (?) e um Novo Ano …vivendo!
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (46)

A “Velhice” em Bula - Generalidades

Se a memória e os tópicos me não atraiçoam, Abril acaba-se com a 2791 ainda em serviço nos destacamentos, tendo logo no inicio de Maio o meu 2.º GRCOMB arrancado para Bula onde vai recomeçar a actividade operacional, desenvolvendo emboscadas na estrada Bula - S. Vicente a par de operações de contra-penetração basicamente nas zonas de Ponta Matar, para além de patrulhamentos defensivos e de protecção às obras na estrada de Bula - Binar, que a breve trecho viria a ser inaugurada pelo Sr. Ministro.

Ao final de Junho a “Força” sai dos destacamentos e reúne-se dando continuidade à actividade desenvolvida, enquanto se aguardava a rendição. Com esta reunião e para meu contentamento, regressa ao comando o Cap. Branco.

O Julho acaba com novo desmembramento em que o 4.º GRCOMB é destacado para Nhamate para colaborar em acções de defesa a Bissau, enquanto os restantes continuam no seu quotidiano, aguardando a rendição esperada mas que tardava e que acabaria por só chegar nos finais de Agosto, personificada na Rapaziada da 3.ª CAÇ/BCAV 8320. Até que enfim!

Se tínhamos aguentado até ali, havia que fazer tudo por tudo para evitar complicações e problemas. Achava que devíamos jogar o mais possível com a segurança e não nos deixar levar por exibicionismos aventureiristas de “Velhice” que pudessem redundar em desastre.

De um modo geral julgo que este período de Maio até final da comissão, foi vivido com esperança e sensatez, o que terá contribuído para evitar problemas de maior nas situações que fomos obrigados a enfrentar. Ainda bem, já que o Pessoal entrou neste período em 15 operações, algumas delas com recontros mas sem danos de maior.

À minha parte estava destinado um final de comissão “cú de boi”, já que fui “promovido” em parceria com “privilegiados” de outras Companhias, a levantador de minas no extenso campo que se desenvolvia pelo lado Leste da estrada Bula - S. Vicente e onde já tinha andado a “plantá-las” ano e meio atrás. Foi na verdade um bom “biscate” donde uma, julgo até que a grande maioria dos escolhidos e éramos bastantes, não saiu ilesa infelizmente!

Nesta missão, valiam a Fé, o conhecimento, a serenidade, a atenção, o cuidado, a precaução, a certeza, a não rotina, a sorte… Não valiam a ansiedade, o cansaço, a distracção, o facilitismo, a confiança rotineira, a pressa, o eufórico…

As evacuações sucediam-se, o moral baixava, os trabalhos eram suspensos e de novo recomeçavam. Eram manhãs somadas e contínuas de desgaste intenso, físico e psicológico em especial, onde nunca se tinha certeza alguma se o momento seguinte nos seria fatídico ou nos estropiaria, atirando-nos para uma eventual dependência de terceiros que, pelo menos para mim, não era suportável.

Foram na verdade manhãs - só se “trabalhava” até à hora de almoço - intensas, vividas muito intensamente. Ao mesmo tempo e falo por mim, também havia momentos de certo modo libertadores em que nós próprios nos confrontávamos e interrogávamos, nos ficávamos a conhecer melhor, nos sentíamos em paz interior, talvez mais próximos de Deus, o que creio nos ajudava a ultrapassar serenamente os medos e receios que vivíamos.

As tardes, claro, eram para descanso e extravasamentos de variada natureza de molde a reequilibrar o espírito pois que… na manhã seguinte havia mais!

Luís Faria

Salta "Pira”

A “Velhice” do meu 2.º Grupo de Combate

Furriéis da “FORÇA”

Fonte de Bula e as belas lavadeiras

Fotos © Luís Faria
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9032: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (45): Destacamentos - Pedaços

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9146: O meu Natal no mato (32): Uma Consoada diferente (José Carlos Gabriel)

1. Mensagem do nosso camarada José Carlos Ramos dos Santos Gabriel* (ex-1.º Cabo Op Cripto da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Nhala, 1973/74), com data de 3 de Dezembro de 2011:


UM NATAL DIFERENTE

Nesta altura festiva é habitual juntar-se a família e amigos mais próximos para comemorar e trocar algumas lembranças.
Lembramo-nos dos que estão ausentes pela necessidade de procurar por outros países uma melhoria de vida, assim como dos que já nos deixaram por força da idade ou de uma qualquer doença ou fatalidade.

Foi precisamente numa destas lembranças que me veio à memória um Natal único e diferente que passei com uma nova família de amigos no ano de 1973 na Guiné.
Recorri ao meu arquivo de fotos e encontrei umas quantas (já um pouco para o avermelhado) que me fizeram recordar esse Natal passado em Nhala.
Ao olhar para as mesmas foi-se reavivando a memória e lembrei-me do belo jantar (Ceia de Natal) que foi servido a toda a Companhia em que não faltou o fiel amigo bacalhau cozido com couve, cenoura e ovo.

Naquela altura andei um pouco tenso, não só pela data em questão que nos faz recordar mais a família, mas também por sentir receio de um possível ataque do IN, pois temia poder haver um aproveitamento da época para sermos batizados com fogo, o que felizmente não veio a acontecer. Já o mesmo não poderão dizer outros camaradas.

No posto de rádio fizemos um beberete, sendo a mesa composta por frutos secos, bolo-rei, cerveja (bazuca), vinho do porto, brandy, muito champanhe e claro muito mais whisky.
De realçar o belíssimo papel de parede utilizado na decoração e do qual todos tínhamos um pouco.

Ao rever estas fotos, lembro-me de todos os camaradas e de quase todas as suas especialidades, mas dos nomes só me recordo de 4 ou 5, ficando na esperança que ao verem as mesmas, façam alguma intervenção contando mesmo que seja um só episódio de que ainda se recordem, para que o nosso Batalhão e Companhias sejam mais divulgados, contribuindo assim para um maior enriquecimento deste Blogue.

Um abraço para todos os camaradas.
José Carlos Gabriel
Ex-1.º Cabo Op Cripto
2ª CCAÇ/BCAC 4513
NHALA - 73/74

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8744: Histórias da guerra (José Carlos Gabriel) (2): Gabriel já não volta, coincidência ou percepção?

Vd. último poste da série de 31 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5575: O meu Natal no mato (31): A minha mensagem de 1968 na RTP: Um 69 em grande para os meus amigos (Jorge Félix)

Guiné 63/74 - P9145: Convívios (391): Assim foi o jantar de Natal da Tabanca de Matosinhos (Margarida Peixoto)

1. Recebemos do nosso camarada Joaquim Carlos Peixoto este testemunho de sua esposa Margarida a propósito do Jantar de Natal da Tabanca de Matosinhos que decorreu no passado dia 3 de Dezembro na freguesia do Bonfim, cidade do Porto.


JANTAR DE NATAL

TABANCA PEQUENA DE MATOSINHOS

3 DE DEZEMBRO DE 2011, a Junta de Freguesia do Bonfim, situada na Invicta cidade do Porto, cidade cheia de história e lendas, por onde passaram mui Nobres Senhores da Alta Sociedade, estava toda iluminada para receber os mui Nobres ex-combatentes da Guiné. E, não lhes chamo nobres por possuírem qualquer título ou Dom, que lhes foi atribuído por um feito qualquer, ou por terem nascido em berço de ouro numa família, já de si nobre.
São Nobres, porque deram a sua juventude por uma causa que nem eles percebiam muito bem, dada a sua tenra idade, mas que sabiam que era para defender a Pátria.

Mui Nobres, sim, são estes Homens, que vivendo uma juventude em risco, vendo amigos e camaradas caindo ao som de uma bala perdida ou do rebentamento duma mina.

Nobres, sim, porque não vislumbravam nenhum futuro e os sonhos iam-se desvanecendo.

Nobres, sim, porque regressando sem alguém lhes ter dito um “obrigado”, continuam a viver.

Nobres, sim, porque mesmo no meio da desilusão e do nada, levantaram os braços para viverem com dignidade e honestidade o dia de amanhã.

São alguns destes Homens, que já na meia-idade, se reúnem sem ressentimentos do passado e com energia suficiente ainda relembrarem os tempos passados na Guiné-Bissau, tentando ajudar o povo desta mesma Guiné; que mais uma vez se reuniram para, não só passarem uns bons momentos juntos, matando saudades, relembrando a sua mocidade, mas também para angariar fundos para ajudar essa terra mística e atraente que é a Guiné-Bissau.

E como prova de que, na verdade, estes camaradas fizeram a história da sua vida, passando de camaradas a amigos, fizeram-se acompanhar das suas “bajudas”, reforçando ainda mais o sentido de amizade e solidariedade.
Pensava eu que tinha alguma queda para descrever o que me vai na alma, mas perante tal situação, não encontro palavras para exprimir o carinho, o sentido de gratidão e a nobreza de sentimentos que este grupo transmite.
Quero frisar com todo o entusiasmo e dar os parabéns a todos quantos contribuíram para que este evento fosse um êxito.

Após o jantar propriamente dito, onde se vivia num perfeito ambiente de harmonia e amizade, fomos presenteados pelo Rancho Folclórico do Porto que enriqueceu o convívio com a sua apresentação de uma riqueza cultural, revivendo tempos passados, exibindo um guarda-roupa de sonho, que fazia as delícias de cada um de nós.

No final do espectáculo assistimos a uma investida às iguarias natalícias, ofertadas pelos comensais que satisfizeram as delícias do pecado da gula. Não posso deixar de referir, o bolo que viajou do Algarve até ao Porto, representando a Tabanca Pequena de Matosinhos e os seus habitantes, assim como dar os parabéns à autora do quadro leiloado. Felicitar também o autor da cerâmica apresentada e que é uma verdadeira obra de arte. Uma última nota para referenciar a mestria e arte do leiloeiro, o conhecido Zé Manel da Régua.

À Junta de Freguesia e a todos quantos contribuíram para que este jantar se tornasse em mais um passo importante para solidificar esta amizade, bem como todos os que percorreram centenas de quilómetros para se reunirem com antigos camaradas, os meus parabéns e obrigada por verificar que neste lindo Portugal à beira mar plantado ainda há gente com sentimentos Nobres.

Margarida Peixoto

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Nota de CV:

Vd-último poste da série de 4 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9135: Convívios (383): Rescaldo do último Encontro de 2011 da Tabanca do Centro, dia 30 de Novembro de 2011 em Monte Real (Carlos Pinheiro / Miguel Pessoa)

Guiné 63/74 - P9144: O nosso fad...ário (5): Fado Brito que és militar (Letra de Tony Levezinho, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Convívio no bar de sargentos, em meados de 1970 (ainda estávamos em lua de mel, os velhinhos da CCAÇ 12, e os piras do BART 2917, aqui representados pelo 2º Comandante, Maj Art Anjos de Carvalho, e o 1º Sargt Art Fernando Brito)...  Quanto às senhoras: à direita do 1º Srgt Brito (hoje major reformado...), (i) a Helena, mulher do António Carlão, ex-Alf Mil At Inf, CCAÇ 12; à direita do Major Anjos de Carvalho (hoje provavelmente coronel, faço votos que esteja bem de saúde), (ii) a esposa do Major de Operações Barros Bastos (cujo nome lamento não me recordar); e à sua esquerda, (iii) a Isabel, a mulher do José Coelho, o Fur Mil Enf da CCS/BART 2917. (LG)

Foto: © Vitor Raposeiro (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

1. Comecemos pelo princípio: Este fado faz parte do Cancioneiro de Bambadinca. Quem o salvou, do limbo do esquecimento, foi o Gabriel Gonçalves, o 1º Cabo Cripto da CCASÇ 2590/CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71). Eu reconheci a letra e o autor, o nosso querido amigo Tony Levezinho.

Quanto ao homenageado, era o  Fernando Brito, o 1º Sargento da CCS/BART 2917, que chegou a Bambadinca, para tomar conta do Sector L1, em finais de 1970, quando a malta da CCAÇ 12 já pertencia à velhice, com um ano de porrada... O Brito era um senhor, que se impunha não só pelo físico e pelo verbo fácil como pela tarimba e pela autoridade... Naturalmente, suscitava amores e ódios. Tinha idade de ser nosso pai, era um homem esperto e sobretudo sedutor... Tinha uma cultura acima da média, se considerarmos o meio social de origem dos sargentos do quadro. Fazia gala de referir-se à esposa, de ascendência ou de apelido russo (já não posso precisar... Natasha ?).

Fazia questão de sublinhar, perante os reles infantes,  que pertencia à orgulhosa arma de artilharia. Quando ouvíamosum disparo de obus, no Xime ou em Mansambo, comentava ele:
- Lá se foi mais um fato completo!...  De

Não sei porquê, criámos - os furriéis da CCAÇ 12, já velhinhos - uma relação de empatia com o nosso Primeiro Brito, o chefão dos periquitos da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72)...

A nossa CCAÇ 2590/CCAÇ 12 deixou cedo de ter 1º Sargento (O Fragata foi tirar o curso de oficial em Águeda), sendo essas funções desempenhadas pelo nosso querido 2º Sargento José Manuel Rosado Piça, alentejano dos quatro costados, grande cúmplice, grande camarada, grande amigo... Tinha 37 ou 38 anos mas não se foi embora da Guiné sem levar o seu baptismo de fogo... Já no final, nos princípios de 1971, obrigámo-lo a ir ao Poindon, desenfurrejar as pernas e a G-3... Qualquer deles, o Brito e o Piça, alinhavam nas nossas noitadas de Bambadinca. (LG)




Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > Destacamento da ponte do Rio Udunduma > Um bu...rako de muitas estrelas... Na foto, em primeiro plano o Tony Levezinho e o Humberto Reis,  mais os seus Baldés, neste caso o  2º Gr Comb da CCAÇ 12, na ausência do Alf Mil At Inf António Carlão, destacado para o reordenamento de Nhabijões,. "ali ai lado"...


Foto: © Humberto Reis (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados




 Brito... que és militar!



Letra: Tony Levezinho

[Adpat: Fado "Povo que lavas no rio"

[Música: Fado Victória, composição original de Joaquim Campos (1911-1981)
Letra: Pedro Homem de Melo (***)
Criação de Amália Rodrigues, 1961] [Uma interpretação de Amália pode ser aqui ouvida, no YouTube -ficheio apenas áudio]


Refrão

Brito, que és militar,
Que vieste p'rá Guiné,
Em mais uma comissão.
Na CCS ficaste,
Para aturar o Baldé,
A pedir-te patacão.

Fui ver à secretaria,
Por ouvir a gritaria
Que fazia confusão:
- Mim quer saco de bianda!
- Põe-te nas putas, desanda,
Que a mim cá têm patacão!

Filho da puta e sacana
É o que eles te chamam,
Tenho a mesma condição
- Mamadús, eu vos adoro,
se for preciso eu choro,
mas Patacão... é que não!

Refrão

Brito, que és militar,
Que vieste p'rá Guiné,
Em mais uma comissão.
Na CCS ficaste,
Para aturar o Baldé,
A pedir-te patacão.

[ Recolha: GG / Revisão: LG]

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 2 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9129: O nosso fad...ário (4): O Fado da Orion (J. Pardete Ferreira, ex-Alf Mil Médico, 1969/71)

(**) Letra recolhida aqui:

Povo que lavas no rio

E talhas com o teu machado
As tábuas do meu caixão.
Pode haver quem te defenda,
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida não.

Fui ter à mesa redonda,
Bebi em malga que me esconde
O beijo de mão em mão.
Era o vinho que me deste,
A água pura, fruto agreste
Mas a tua vida não.

Aromas de luz e de lama,
Dormi com eles na cama,
Tive a mesma condição.
Povo, povo, eu te pertenço,
Deste-me alturas de incenso,
Mas a tua vida não.

Povo que lavas no rio
E talhas com o teu machado
As tábuas do meu caixão.
Pode haver quem te defenda
Quem compre o teu chão sagrado
Mas a tua vida não.

Guiné 63/74 - P9143: Um novo Monumento aos que tombaram pela Pátria, aos que construíram uma terra (1) (José Martins)

1. Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins* (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 26 de Novembro de 2011:

Boa tarde
Junto trabalho sobre a região norte de Lisboa (Loures e Odivelas) sugerindo razões para a construção de um Monumento aos Mortos na Guerra do Ultramar (1961/74) do então Concelho de Loures.

Cumprimentos
José Martins


UM NOVO MONUMENTO AOS QUE TOMBARAM PELA PÁTRIA!

Aos que construíram uma terra!

Depois da ocupação de Leiria moura e do seu castelo em 1135, da queda da fortaleza nos anos de 1137 e de novo em 1140, e reconquista definitiva da mesma praça em 1142 e da conquista de Santarém em 15 de Março 1147, Afonso Henriques, primeiro rei dos portugueses, rumou a sul com as suas hostes, sobre o vale do Tejo, a fim de conquistar para a cristandade mais uma zona, ainda na posse dos sarracenos.
Nessa mesma altura, o Papa Eugénio III (168.º Papa e com pontificado de 15/02/1145 a 08/07/1153), havia lançado as Cruzadas para libertação da Terra Santa. O rei português pediu a intervenção dos Cruzados flamengos e ingleses que se dirigiam à Terra Santa, e se encontravam em trânsito no Porto, para o auxiliarem na conquista de Santarém e Lisboa, uma vez que o Santo Padre concedia as mesmas indulgências a quem combatesse pela cristandade no Médio Oriente ou na Península Ibérica. Além das indulgências, o rei português oferecia outras benesses aos Cruzados, como a totalidade do saque da cidade, incluindo os prisioneiros de guerra e seus resgates.

Castelo de S. Jorge
(Autor desconhecido)

Desta forma, as forças portuguesas avançam por terra para o vale do Tejo, enquanto os Cruzados, transportados nos seus navios, navegaram para sul, entrando a barra do Tejo e cercando a cidade pelo rio, evitando não só a fuga mas, também, impossibilitando a chegada de reforços à cidade.
Foi posto cerco à cidade entre 1 de Julho a 25 de Outubro de 1147, tendo tomado parte nesta empresa milhares de homens de um lado e outro, havendo um número indeterminado de baixas - mortos e feridos - terminando com a capitulação da praça, de que se conta o célebre feito de Martim Moniz cuja acção foi decisiva na conquista da cidade.

Em qualquer guerra, em qualquer tempo, há sempre uma “ordem de operações” que, ao ser executada pelas forças destacadas, permite antecipar factos ou acções de forma a alcançar o objectivo - a conquista.
Lisboa, assim como outras praças-fortes, por serem detentoras de castelos devidamente guarnecidos pelas suas tropas, não era só o espaço que se confinava dentro das muralhas. Este, que era um espaço exíguo, albergava a burguesia e os militares mas, o povo, esse vivia e trabalhava fora das muralhas, só recolhendo à sua protecção em caso de crise ou guerra iminente. Estas áreas confinantes com os castelos, nalguns casos constituídos por dezenas de léguas [em Portugal, por Decreto de 2 de Maio de 1855, foi estabelecido que uma légua seria equivalente a 5000 metros], eram patrulhadas por forças empenhadas na defesa desse território e, em caso de invasão, como o que agora aqui tratamos, era também patrulhado por pequenos grupos avançados, com a missão de fazer o reconhecimento do terreno, avaliar as forças de defesa e determinar, de posse desses elementos, qual o melhor local e melhor altura de efectuar o ataque. Eram na época os exploradores-observadores ou, no nosso tempo, faziam o que agora fazem os “satélites de observação” ou seja, espionagem.

Face às tácticas militares usadas na altura, chega até ao nossos dias que, tentando evitar a todo o custo a perda de Lisboa a favor dos cristãos, Bezai Zaide, alcaide muçulmano de Sacavém, reúne uma força de cerca de 5000 combatentes, reunidos nas povoações árabes circundantes, para dar combate à força de 1500 cavaleiros e peões de Afonso de Portugal. O combate ter-se-ia travado junto da ponte romana em Sacavém, da qual existem desenhos datados do terceiro quartel do Século XVI, que existia sobre o Rio Trancão. Outro facto atribuído a esta batalha é que, depois da derrota, o alcaide Bezai Zaide se converteu à fé cristã, vindo a ser o primeiro sacristão da ermida dedicada a Nossa Senhora dos Mártires, em memória dos que tombaram no combate.

A Batalha de Sacavém, travada entre D. Afonso Henriques e os Mouros (1147).
© Foto: Wikipédia, com a devida vénia

Algumas teorias e falta de prova documental, atribuem a este episódio os contornos de lenda, enquanto outros aceitam a existência deste combate, embora com uma “grandiosidade menor”, mas também pelos factos de se poder ter tratado do recontro entre duas patrulhas em missão de observação e defesa.
O certo é que, a actual cidade de Sacavém, pertence ao concelho de Loures, pelo que, estando estes locais dentro dos Termos de Lisboa, também foram palco dos combates havidos em 1147, não só no assalto ao castelo, actualmente denominado de S. Jorge, mas em todo o território envolvente, de forma a estabelecer o comando e as ordens da nova entidade ocupante - o Reino de Portugal -, como aconteceu em Odivelas, de que João Ramires foi o primeiro prelado da Igreja de Odivelas, cargo que lhe foi entregue pelo próprio rei. Este prelado e combatente, provavelmente ligado a alguma das Antigas Ordens Militares, veio a falecer em 13 de Fevereiro de 1183, tendo sido enterrado na Igreja de Odivelas.

Os Termos de Lisboa, dos quais só no referiremos aos que pertencem, actualmente aos concelhos de Loures e Odivelas, apesar de nem sempre estarem ligados administrativamente entre si, têm ligações muito mais vastas, começando por serem ligados pelo Rio da Costa que, além de ligar, qual cordão umbilical as duas cidades, era uma via de navegação, desde o Porto da Paiã, na Pontinha, até ao Rio Trancão e, deste ao Rio Tejo até Lisboa.
No que respeita à grande parte da população que não fugiu, e como é hábito dos portugueses desde longa data, e mesmo até na actualidade, existe uma característica bem portuguesa que “quase que força” à aculturação com outros povos.
Se os “Termos” estavam ligados à grande cidade, que se tornou capital do reino em 1256, passou também a viver os sobressaltos que, ao longo dos anos atormentaram Lisboa.

Padrões que assinalam os Termos de Lisboa, da época de D. Maria I
Foto: © José Martins - 8 de Agosto de 2011

Após a morte de Fernando I, último rei da 1.ª Dinastia, por causa da sucessão ao trono de Portugal, Lisboa foi alvo de um cerco pelas forças de D. João I de Castela, que durou 4 meses e 27 dias. Este período que ficou conhecido na história como a Crise de 1383/1385, acabou por levar a um levantamento popular que culminou com a aclamação de Regedor e Defensor do Reino o Mestre da Ordem de Avis.
Após várias escaramuças levadas a efeito por forças comandadas por Nuno Álvares Pereira, Fronteiro Mor do Alentejo, e da Peste Negra que assolou as tropas invasoras, o rei de Castela levantou o cerco em 3 de Setembro de 1384, não deixando de massacrar as populações durante a retirada.

Temos vindo a utilizar a expressão Termo de Lisboa, mas este conceito só foi criado durante os dias seis, sete e oito de Setembro de 1385, com as cartas de doação à cidade de Lisboa, assinadas por D. João I, como reconhecimento pelo auxílio dado na luta contra Castela e da sua elevação a rei. Para que nos possamos aperceber da extensão dos Termos de Lisboa, referiremos algumas das localidades, e seus termos, que passaram a fazer parte deste território: Sintra, Torres Vedras, Vila Verde, Colares Ericeira e Mafra.

Podemos aqui referir dois factos curiosos:
a) Em 20 de Outubro de 1809, Sir Arthur Wellesley, duque de Welington e comandante das forças luso-britânicas, encarregou o Coronel de Engenharia Richard Fletcher, de proceder ao levantamento de pequenos fortins, ao entregar-lhe um memorando em que era especificada a estrutura das futuras Linhas de Torres. Essa linha tinha, sensivelmente, o recorte que se conhece para os Termos de Lisboa.

b) Em 1943, durante a II Guerra Mundial, prevenindo a invasão de Portugal por tropas do Eixo, apesar da neutralidade anunciada, veio a estabelecer-se, no plano de defesa, uma linha que tentaria obstar ao avanço do invasor até à chegada de reforças ingleses, com as guarnições dos regimentos disponíveis (recorde-se que tinha havido mobilizações massivas para os Açores, Cabo Verde, além do reforço das guarnições dos outros territórios), que abrangia, também, o “desenho” dos Termos de Lisboa e das Linhas de Torres.

Mapa das Linhas de Torres - © Foto: Wikipédia, com a devida vénia

Em meados do século XV, ainda nos Termos de Lisboa, nas terras até onde vai a freguesia de Vialonga, deu-se uma batalha entre portugueses, por, mais uma vez e que não seria a última, pelo poder de governar Portugal.
D. Duarte (n. 31 de Outubro de 1391 † 09 de Setembro de 1438) quando morreu, o seu sucessor tinha, apenas, 6 anos de idade. O rei deixa instruções para que a regência, até à maioridade do futuro D. Afonso V (cognominado O Africano, pelas suas campanhas em África, nomeadamente Alcácer Seguer, Anafe, Arzila, Tânger e Larache), a regência, dizíamos, fosse exercida por D. Filipa de Lencastre. Reunidas as Cortes, foi decidido que seria D. Pedro, irmão de D. Duarte e tio de Afonso, a assegurar a regência. Porém, uma facção da nobreza encabeçada pelo Duque de Aveiro, o Conde de Ourém e o Arcebispo de Lisboa que, face a intrigas palacianas, D. Pedro viu-se afastado da corte, refugiando-se no seu Ducado em Coimbra.

Com a subida ao trono de D. Afonso, D. Pedro resolve avançar sobre Lisboa, tendo parte do seu exército deixado Coimbra em 5 de Maio de 1449, vindo a reforçar as suas forças nas imediações da actual Vila da Batalha, chegando à Castanheira em 17, acampando junto ao ribeiro de Alfarrobeira, em Vialonga, a 18 desse mês. Sabedor de que o povo de Lisboa não estava a seu favor, resolve não continuar a marcha sobre Lisboa.
Entretanto, D. Afonso, no dia 16, parte de Santarém para travar o avanço das forças do seu tio e ex-regente. O recontro entre os dois exércitos dá-se em Vialonga no dia 20 de Maio de 1449, no que ficou conhecido como a Batalha de Alfarrobeira.

Mais tarde, em Agosto de 1580, e por causa de nova crise de sucessão com a morte de D. Sebastião em Alcácer-Quibir, novo sobressalto assolou a capital, com a chegada das tropas fiéis a D. Filipe I de Portugal, comandadas pelo Duque de Alba. Tendo entrado pelo Alentejo dirigira as suas tropas para Lisboa, provocando a fuga de muitos populares, que procuraram refúgio nas imediações da cidade. Quis a sorte das armas que pendesse para o lado dos espanhóis a vitória, depois de um breve combate, na zona da ribeira de Alcântara, que causou cerca de 4000 baixas, entre mortos, feridos e prisioneiros. Era o dia 25 de Agosto de 1580.

Devido ao facto de Portugal manter uma aliança com a Inglaterra desde 1294, confirmada em 9 de Maio de 1386 pelo Tratado de Windsor e, confirmado várias vezes ao longo dos tempos, originou que, sempre que houvesse algum conflito que envolvesse esse reino, Portugal estaria envolvido, directa ou indirectamente, como a história haveria de confirmar.
A Restauração da Independência proclamada em 1 de Dezembro de 1640, assim como todos os acontecimentos que lhe estão associados, também abrangeram as gentes dos termos, no sentido de que, os castelhanos instalados em Portugal e, nomeadamente nos seus arredores, influenciaram a actividade e o pensamento dos habitantes dos arrabaldes.

Tendo como pano de fundo a Campanha do Rossilhão, que durou entre 1793-1795, que foi movida pela Inglaterra, com o apoio de tropas portugueses e espanholas, uma guerra contra a Revolução Francesa, período que durou desde 5 de Maio de 1789 a 9 de Novembro de 1799. Foi nesta altura que Napoleão Bonaparte, quando ascende ao poder em França e pretende atingir os interesses comerciais da Inglaterra, lança o Bloqueio Continental, pelo qual seriam fechados todos os portos àquele país. Como de imediato Portugal não adere a esta iniciativa, Napoleão, com os acordos secretos de Tilsti realizado entre a França e a Rússia, datada de 7 de Julho de 1807, iria tentar colocar uma nova ordem mundial a favor destas potências.

De acordo com o Tratado de Fontenebleau, de 27 de Outubro de 1807, o nosso território seria dividido da seguinte forma:
• Lusitânia Setentrional - território entre o rio Minho e o rio Douro, um principado a ser governado pelo soberano do extinto reino da Etrúria (então Maria Luísa, filha de Carlos IV de Espanha);
• Algarves - região compreendida ao sul do Tejo, a ser governada por Manuel de Godoy, o Príncipe da Paz, primeiro-ministro de Carlos IV, com o título de rei; e
• Resto de Portugal - território circunscrito entre o rio Douro e o rio Tejo, região estratégica pelos seus portos, a ser administrada directamente pela França até à paz geral.

Se por um lado a França e a Espanha, através dos seus representantes diplomáticos forçam Portugal a aderir ao bloqueio, e, na iminência da invasão, o Príncipe Regente D. João informa Napoleão que adere ao mesmo, declarando, a 30 de Outubro, guerra à Inglaterra e procedendo à prisão de súbditos ingleses, residentes no país. Paralelamente, por convenção secreta assinada no mesmo dia (30 de Outubro), os signatários da aliança Luso-Britânica, acordam numa manobra para pôr a salvo, no Brasil, a Família Real e a Corte de Portugal.

Quando o país é invadido por tropas franco-espanholas sob o comando de Jean-Andoche Junot, Coronel-General dos Hussardos, que entra no país em 20 de Novembro, as forças ocupantes não encontram resistência militar, atingindo Abrantes no dia 24 e Santarém no dia 28. A vanguarda, das forças ocupantes, composta por dois regimentos, não puderam aprisionar a Coroa Portuguesa de acordo com o decreto de Napoleão datada de 30 de Outubro anterior, que bania a Casa de Bragança do trono de Portugal.
Já se encontrava ao largo, tendo zarpado no dia anterior, a esquadra portuguesa, protegida por navios ingleses que, levavam para o Brasil, alem da Família Real, cerca de 15.000 pessoas, tendo sido deixado ao governo a ordem de “não resistir”.

Com a ocupação de Portugal dão-se escaramuças por todo o país, até que chega o auxilio inglês, cujas forças estão sob o comando do General Arthur Wellesley - mais tarde Duque de Wellington - que desembarca no Porto, onde se inteira da situação e é decidido que o desembarque das forças se fará na foz do Mondego, marchando para sul em direcção a Leiria, onde se lhe juntarão as forças às ordens de Bernardino Freire. Num total de 14.000 britânicos e 6000 portugueses, iriam confrontar o invasor e provocar a Convenção de Sintra, que se realizou em 30 de Agosto de 1808, em cujos termos se previa e aceitava a retirada das forças invasoras, que transportariam consigo, não só o armamento e bagagens mas, também, todo o saque que tinham cometido aos bens portugueses, do estado e/ou particulares. Os protestos portugueses não foram tomados em conta e, ainda hoje, passados 200 anos, se pode verificar nalguns lugares, as atrocidades cometidas contra o património.

Quinta da Carrafoucha – A das Lebres – Santo Antão do Tojal – Loures
Foto: © José Martins - 29 de Julho de 2011

Mais uma vez, as gentes dos Termos de Lisboa, na área percorrida pelos invasores franceses durante a sua permanência na zona, já que o General Junot instalou a sua residência, pelo menos temporariamente, nas Quinta das Carrafouchas, nos campos de A-das-Lebres, em Santo Antão do Tojal - Loures, foram humilhadas e vilipendiadas, mesmo antes da retirada ao abrigo da Convenção anteriormente assinada.

No ano de 1809, há nova invasão francesa contra Portugal, esta sob o comando do Marechal Nicolas Jean de Dieu Soult, restringiu-se ao Norte do País, não lhes sendo possível avançar para sul do Rio Douro.

A terceira invasão francesa, comandada pelo Marechal André Masséna, não atingiu directamente a região norte de Lisboa, nomeadamente o que entende hoje pelos concelhos de Loures e Odivelas.

Nesta campanha foi utilizada outra estratégia, já que uma estratégia que deu êxito não se deve repetir. Nos arredores da capital, entre a actual localidade de Vialonga (junto ao Rio Tejo) e numa linha que se estendia até ao Oceano Atlântico junto à foz do Rio Safarujo, passando pela Serra de Serves, Cabeço de Montachique e Mafra, foi erguida uma “muralha defensiva” construída pela engenharia militar, que seria o principal reduto de defesa nessa invasão - as célebres Linhas de Torres (Vedras).

Tenente-Coronel Sir Richard Fletcher. Engenheiro que dirigiu a construção das Linhas de Torres.
© Foto: Wikipédia, com a devida vénia

Dando combate às tropas invasoras mas, mesmo que em caso de vitória as forças defensivas recuavam, os franceses foram avançando tendo de lutar num combate que hoje seria apelidado de “guerrilha”, esgotando as resistências dos invasores e não lhes permitindo, no “avanço” que iam adquirindo, encontrar alimentos para saciar as suas necessidades, uma vez que as povoações eram incitadas a transportar os seus bens para trás da linha defensiva, ou queimarem o que não fosse possível transportar.

A 14 de Outubro de 1810, o exército francês atingiu as Linhas de Torres, onde as tropas Luso-Britânicas os aguardavam desde o dia 10 e, dando-lhes batalha, os venceram e forçaram a retirar.
Foi mais uma vez a arraia-miúda que “pagou os custos da guerra”, não só no “fornecimento de soldados e/ou simplesmente resistentes”, mas também dando os seus bens para alimentar a tropa e os civis que, face à estratégia traçada pelos generais, teve que sustentar o povo que, “fugindo a barbárie do invasor”, abandonava os seus bens para salvar a vida.

Na sequência da independência do Brasil, proclamada em 7 de Setembro de 1822, mas só reconhecida em 29 de Agosto de 1825, assim como a morte do Rei D. João VI, em 10 de Março de 1826, levanta o problema da sucessão, à qual se apresentam dois dos filhos do monarca falecido: D. Pedro (rei de Portugal como D. Pedro IV de 10 de Março a 28 de Maio de 1826, tendo abdicado a favor de sua filha D. Maria II que governou o país de 2 de Maio de 1826, de jure e a partir de 26 de Maio de 1834, de facto, até 15 Novembro de 1853) e D. Miguel (rei entre 11 de Julho de 1828 e 26 de Maio de1934).

Foi a problemática em volta da sucessão de D. João VI que deu origem às denominadas Lutas Liberais, das quais a mais destacada é o Cerco do Porto (18 de Julho de 1832 a 20 de Agosto de 1833), mas vários combates e escaramuças houve por todo o país, uma vez que as opiniões se dividiam entre os portugueses. Um desses combates deu-se nos campos de Loures, no dia 10 de Outubro de 1833, em que os liberais, apoiantes de D. Pedro, venceram os absolutistas que apoiavam D. Miguel.

Com o país pacificado e consolidado “do Minho a Timor”, depois da perda da importância da coroa portuguesa na Ásia e da independência do Brasil, Portugal vira-se para África.

Entre 19 de Dezembro de 1884 e 26 de Fevereiro do 1885, na Alemanha, sob proposta de Portugal e organizado pelo Chanceler Otto Bismark participam além do país anfitrião e do país proponente, a Grã-Bretanha, França, Espanha, Itália, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Estados Unidos da América, Suécia, Áustria-Hungria, Império Otomano, que acabam por fazer vingar a tese de que o direito a possessões em África terá de advir não do direito de descoberta, mas do direito de ocupação. Foi a conferência de Berlim.

Estamos no último quartel do século XIX e não é só Portugal, mas também outros países, iniciam a corrida a África. Portugal reivindica para si uma faixa que liga Angola a Moçambique, além de outras possessões que foi descobrindo e mantendo ao longo dos séculos. Muitos territórios, com novos senhores, foram “desenhados a régua e esquadro”, acabando por dividir nações, povos, etnias e até famílias.
Foi nesta altura que os Oficias de Marinha e exploradores africanos realizam a exploração do território que viria a ficar conhecido pelo Mapa Cor-de-Rosa, cor com que foi assinalado no mapa apresentado por Portugal na Conferência de Berlim.

A Inglaterra disputando com o nosso país essa faixa de território, que contraria a ideia inglesa de unir o Cabo ao Cairo, lança um ultimato exigindo a retirada de toda e qualquer presença portuguesa na área. Estávamos a 11 de Janeiro de 1890.
A partir desta altura, Portugal, na defesa dos seus interesses ultramarinos, lança campanhas sucessivas nos seus territórios africanos, que continuam muito para além do Armistício da I Grande Guerra, em 11 de Novembro de 1918.

Entretanto, em Portugal, assiste-se ao assassinato do Rei D. Carlos e do Príncipe Herdeiro D. Luís Filipe, em 1 de Fevereiro de 1908, à implantação do Regime Republicano em 5 de Outubro de 1910.

Junta Revolucionária de Loures - Em pé (da esquerda para a direita): Jacinto Duarte, José Joaquim Veiga, Manuel Marques Raso, Joaquim Augusto Dias. Sentados (da esquerda para a direita): António Rodrigues Ascenso, Augusto Herculano Moreira Feio, José Paulo d’Oliveira. Na foto não se encontra o oitavo elemento da Junta Revolucionária: José Ferreira Cleto.
© Foto cedida pelo Arquivo da Quinta do Conventinho

Porém, nesta altura, Loures já se encontrava sob o regime republicano, visto que, quando no dia 4 de Outubro se ouviu o troar dos canhões no Tejo, Augusto Moreira Feio (farmacêutico), Manuel Marques Raso (padeiro), Jacinto Duarte (operário da Câmara Municipal), José Joaquim Veiga (escrivão das Finanças), Joaquim Augusto Dias (comerciante), António Rodrigues Ascenso (ourives e relojoeiro), José Paulo Oliveira (comerciante e regedor) e José Ferreira Cleto, constituídos como Junta Revolucionária, cerca das 15 horas, dos Paços do Concelho situados na Rua Azevedo Coutinho (hoje Rua da República, n.º 70), proclamam a Republica. Destes cidadãos viriam a desempenhar o cargo de Presidente da Câmara, Augusto Moreira Feio (entre 07/10 e 23/11/1910) e Manuel Marques Raso (entre 02/07/1919 e 21/01/1920).

Note-se que, durante o período que se inicia cerca da última década do século XIX, se desenvolvia uma Campanha de Ocupação em África, que duraria até aos anos trinta do Século XX, tendo sido enviadas para África várias expedições que envolveram mais de 35.000 homens oriundos da metrópole, tendo originado, num calculo estimado, mais de 5600 mortos e 2300 feridos e incapacitados.

Houve uma guerra mundial que, mais uma vez e para defesa dos territórios de além-mar, foi formado o Corpo Expedicionário Português, que mobilizou cerca de 57.000 homens, originando 2287 mortos e 12.508 feridos ou incapacitados, que estiveram em campanha desde Janeiro de 1917 até à desmobilização geral que ocorreu já no ano de 1919.

Em 1941, já durante o decurso da II Guerra Mundial, e perante a hipótese de invasão de tropas, e apesar da neutralidade portuguesa, foram mobilizados para os Açores e para Cabo Verde, mais uns milhares de homens, além dos que ficaram em estado de prontidão no território nacional, para fazer face à defesa de Lisboa.

No final dos anos 50 do século passado, novos ventos sopram sobre África, iniciando-se, ou continuando, o aparecimento de movimentos independentistas que, pouco a pouco foram conseguindo a sua emancipação face aos países administrantes, sendo Portugal um dos últimos a reconhecer tal direito, o que levou ao envolvimento de cerca de um milhão de homens nas três frentes de combate, além da retaguarda constituída pelas famílias e amigos dos que partiam, originando cerca de 10.000 mortos e um número, até hoje ainda não quantificado, de feridos e incapacitados.

Todo este esforço, repartido por todo o território nacional, não passou ao lado das gentes que, durante esses períodos, habitavam os termos de Lisboa que, no nosso sentido restrito, são os actuais concelhos de Loures e Odivelas.
Muitos dos militares anónimos, que daqui partiram, deixando os campos e as fábricas ou os escritórios e as escolas, e que, tomando uma farda e uma arma, abalaram à sombra da Bandeira das Quinas oferecendo, se necessário, a sua própria vida.

É ao esforço da Raça Portuguesa e, muito especialmente, aos que tombaram para além do mar, mas também àqueles que, voltando ao solo natal, consigo trouxeram as amarguras e as penas duma estadia em teatro de guerra, que se pretende louvar, erigindo um MONUMENTO AOS COMBATENTES DO ULTRAMAR, inscrevendo nele o nome dos que tombaram, mas que inclua, ainda que não explicitamente, aqueles que, por razões várias, a História não registou o seu nome: O Combatente Desconhecido!

Estandarte Nacional da Ligas dos Combatentes
Foto: © José Martins – 14 de Novembro de 2009.

(Continua)
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 11 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9023: Patronos e Padroeiros (José Martins) (24): São Martinho de Tours, militar que se tornou santo