quinta-feira, 5 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9705: Blogpoesia (185): Pelas estradas de Mampatá (José Santos)

1. Em mensagem de 28 de Fevereiro de 2012, o nosso camarada José Santos* (ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 3326, Mampatá e Quinhamel, 1971/73) enviou-nos este seu poema:


Guiné

Pelas estradas de Mampatá
Caminhando
Ao sol, à chuva, ao vento
Olhos esbugalhados
Respira-se
A essência das árvores
Procurando o inimigo
Sobressaltados
Corações a palpitarem
Olhando acolá
Pernas tremendo
É o sofrer descomunal
Das horas que não passam
Horas infinitas
Sem dormir
Com fome, com sede
O tempo não passa
Atravessa-se as bolanhas
Malditas bolanhas
Precauções ao vivo
Cabeças girando
Mosquitos depravados
Umas quantas ferroadas
Em corpos suados
Assim é longo o tempo
Este não passa
Do inimigo nada
Ansiedade,
Palpitações
O sangue quente
Corre nas veias escaldantes
Suor, lágrimas
Mas nada de prantos
O militar é
Valente, destemido, desconfiado
Sofre as agonias
Do combate
Sem pestanejar
Ouvidos atentos à muda 
Da progressão
E o tempo não passa
Escurece
A noite aproxima-se
É mais uma noitada
De pé debaixo das árvores
Umas vezes sentados
Outras deitadas
Cansados
E o tempo não passa
Chega a madrugada
Será mais um dia
Calmo, perturbado
Nunca se sabe
Ouve-se ao longe
Tiros de rajada
Granadas rebentando
Os hélios aproximam-se
O canhão dispara
Vive-se ansiedade
O inferno não acaba
Maldita a guerra
Guerra que aflige o
Mundo
Erros perfeitos da filosofia
Guerra que inflige morte
Provas que a guerra é falsa
Tudo é mexer, fazer coisas,
Deixando rastos
Guerra é lugar confuso de pensamento
A Humanidade revolta-se
É a destruição do povo
É orgulho e crueldade
É química da natureza
A guerra é um sem número de almas
Estas não têm calma
Não é a mesma gente
Nada é igual
Ser real é isto
Pouco me importa
Não importa o quê
Não sei
Mas nada me importa
Que dizer dos que não
Passaram por tudo isto
Sorte, azar
Nunca se sabe
Mas o militar de cabeça levantada
Procura escapar
Não procura sarilhos
Mas não chega o tempo
Sair dali para fora
Na imensidão do capim
Nunca mais acaba
Esta guerra sem fim 
Fazem-se patrulhas
Em botes de borracha
Vêem-se crocodilos
Mandíbulas enormes
É grande o susto
Mas o militar é
Destemido, valente, guerreiro
Audaz, persistente, bravo
E passa mais um dia
E a guerra não tem fim
É grande o sofrimento
O desgaste, a tensão
Nervos à flor da pele
Mas o tempo custa a passar
Os ponteiros do relógio
Não andam
E o tempo não passa
Nervos de aço
Tem um militar

José Santos
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9052: Tabanca Grande (306): José Santos, ex-1º Cabo Enf, CCAÇ 3326 (Mampatá e Quinhamel, Jan 71/Jan 73)

Vd. último poste da série de 21 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9632: Blogpoesia (184): O tuteio ou o tratamento por tu, entre os camaradas da Guiné... (No Dia Mundial da Poesia... e da Água) (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P9704: O Cancioneiro de Gandembel (4): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte IV) (Idálio Reis)












Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 2317 (1968/69) >  O "suplício de Sísifo": os homens-toupeira construindo (e defendendo) a sua "casa" no "corredor da morte", em tempo recorde...


Fotos: © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Continuação do texto da autoria de Idálio Reis (ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317 / BCAÇ 2835 (Gandembel e Ponte Balana, Nova Lamego, 1968/69) [ aqui com o João Barge, um dos autores de "Os Gandembéis", em Monte Real, 2010]:




Os Gandembéis: O Nosso Cancioneiro, as nossas músicas, os nossos poetas (Parte IV) (*) (**)



XII

Já o raio Apolíneo visitava
As terras de Gandembel acendido,
Quando o Moura c´os seus determinava
Que o quartel depressa fosse construído.
A gente na mata muito trabalhava
Como se fosse o engano já sabido;
Mas pôde suspeitar-se realmente
Que o turra nos detectou facilmente.


XIII
Quais para a cova as próvidas formigas,
Levando o peso grande acomodado
As forças exercitam, de inimigas
Ao inimigo turra assanhado;
Ali são seus trabalhos e fadigas,
Ali mostram vigor nunca esperado:
A tanto os soldados andam trabalhando
E c´o a arma amiga sempre vigiando.


XIV
Eis, um dia, no quartel o fogo se levanta
Com furiosa e dura artilharia:
O canhão pela mata o brado espanta
E o morteiro o ar retumba e assobia.
O coração das tropas se quebranta,
C’ o ataque grande o sangue lhes resfria.
Já foge o escondido, de medroso,
E morre o incauto aventuroso.


XV
Não se contenta a gente portuguesa
Mas, sentindo a vitória, destrói e mata;
O soldado, a peito descoberto e sem defesa,
Contra ataca, reage e desbarata.
Da ofensiva ao turra já lhe pesa
Que bem cuidou comprá-la mais barata
Destarte, enfim, o português castiga
A vil malícia, pérfida e inimiga.


XVI

Ao 15 de Julho somos chegados
Que há muito ali estávamos passando,
Por sítios nunca d’outrem penetrados
Prosperamente os ventos assoprando.
Nessa noite, estando mui cansados,
Nos postos os sentinelas vigiando,
Subitamente o turra aparece
E com canhões e morteiros os ares escurece.


XVII
Tão temeroso vinha e carregado,
Que pôs nos corações um grande medo;
Disparando onze canhões, de longo brado,
E tentando o assalto ao grã Rochedo;
Morre o Araújo, ó triste fado, (#)
Um valoroso a menos neste vil degredo!
Já blasfema da guerra, e maldizia,
O Velho inerte e a mãe que o filho cria.


XVIII
Uma reacção medonha s´alevanta
No rude soldado que trabalha,
Com grande tiroteio a turra gente espanta,
Como se visse em hórrido batalhão
Disparam armas e granada tanta,
Pois não têm nesta noite quem lhes valha,
Acolhendo-se à vala que conhecem,
Só as cabeças no cimo lhe aparecem.


XIX
Vem Setembro, e uma nova granada
Se nos mostra no ar, passa e assobia;
Vem outra e outra, ó cousa danada,
Que os céus quebranta e a terra fendia.
Com mágoas de raiva, a gente assustada
Sai dos abrigos e à vala se acolhia;
Estragos fez tão dignos de memória
Que não cabem em verso ou larga história.


XX
Qual míssil estrondoso se veria
No Vietnam, o espaço sulcando
E a morte espalhando na terra fria,
Assim o cento e vinte vai troando. (##)
E vós ó medalhados, triste ironia,
Não cuideis mentira o que estou falando.
Vejam agora os sábios da Escritura
Que segredos são estes da Natura!


XXI
Tão grande era de carga, que bem posso
Certificar-vos que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que um dos sete milagres foi do Mundo:
Com estrondo enorme, horrendo e grosso,
Que mais parecia vir do outro mundo.
Arrepiam-se as carnes e o cabelo
A mim e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo.


XXII
Oh! Caso grande estranho e não cuidado!
Oh! Milagre claríssimo e evidente!
Oh! Descoberto assalto e inopinado!
Oh! Pérfida, inimiga e falsa gente!
Quem poderá do mal aparelhado
Livrar-se sem perigo, sabiamente,
Se lá de Cima a guarda Soberana
Não acudir à fraca força humana?


XXIII
Ei-los subitamente se lançavam
Com as suas armas ligeiras que traziam;
Outros com torpedos arrebentavam
O arame farpado, e deitados se acolhiam;
Dum lado e doutro súbito saltavam
E na porta d´armas vozes se ouviam:
“Entra!! Entra!! Ó tropa vai embora!”
E cada um pensa chegada a sua hora.


XXIV
Sonoras vozes incitavam
Os ânimos belicosos ressonando
Dos turras os tiros que o ar coalhavam,
E os very-lights a mata iluminando.
As bombardas horríssonas bramavam,
Com as granadas de fumos a luz tomando;
Avolumam-se os brados acendidos
À mistura de sangue, dor e gemidos.


XXV
Trava-se a dura e incerta guerra:
De ambas as partes tudo se abala;
Uns leva a defesa da própria terra,
Outros a esperança de ganhá-la.
Logo o grande Lopes, em que se encerra
Todo o valor, primeiro se assinala:
À bazooka se arremete e a terra, enfim, semeia
De sangue dos que tanto a desejam, sendo alheia.


XXVI
Cabeças pelo campo vão saltando,
Braços, pernas, sem dono e sem sentido,
E de outros as entranhas palpitando,
Pálida a cor, o gesto amortecido.
Já perde o assalto o exército nefando,
Correm rios de sangue desparzido,
Com que também da mata a cor se perde
Tornada vermelha, de branca e verde.


XXVII
Destarte o turra, atónito e turvado,
Toma sem tento as armas mui depressa.
Já foge, e de desesperado
O sinal de retirada arremessa.
O obus não pára, mas o soldado
Da arma ligeira, o fogo cessa.
Com tanto esforço e arte e valentia
Assim luta o soldado desta Companhia.

(Continua)


____________


Notas de L.G.

(#) Alf Mil Inf José Araújo, comandante de um  Pel Caç Nat 69 acabado de chegar a Gandembel, morto no "medonho" ataque de 15 de julho de 1968. De seu nome completo, José Manuel (ou Juvenal ?) Ávila Figueiredo Araújo, nascido no Funchal e aqui sepulatdo (no cemitério de Angústias)

(##) Morteiro 120: terá sido usado pela primeira vez, em Gandembel, contra as NT.
___________



Notas do editor:

(*) Postes anteriores da série >

28 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9672: Cancioneiro de Gandembel (1): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte I) (Idálio Reis)

29 de março de 2012 >
Guiné 63/74 - P9676: O Cancioneiro de Gandembel (2): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte II) (Idálio Reis)

3 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9695: O Cancioneiro de Gandembel (3): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte III) (Idálio Reis)

(**) Fonte: REIS, Idálio - A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné: Gandembel / Ponte Balana. Ed. de autor, [Cantanhede], 2012, pp. 204 e ss. [Livro a lançar no dia 21 de Abril de 2012, em Monte Real, no nosso VII Encontro Nacional; um exemplar será oferecido pelo autor aos camaradas inscritos].

Guiné 63/74 - P9703: Um Professor na guerra (Manuel Joaquim) (2): Uma Escola em Mansabá

1. Foi com esta mensagem de 28 de Março de 2012 que o nosso camarada Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) nos apresentou o seu trabalho de que hoje publicamos a segunda parte.

Meus caros Luís, Carlos e Eduardo:
Durante a minha vida militar na Guiné, tirando os quatro meses iniciais, sempre dei aulas, melhor dizendo, fiz alfabetização. Guardei sempre uma parte do meu tempo livre para proporcionar a muitos soldados a obtenção da quarta classe e, nos últimos quatro meses, trabalhei a tempo inteiro com soldados e com crianças. A minha "guerra" foi sublimada com este meu trabalho de que me orgulho e ao qual me dediquei. Talvez ingenuamente foi a procura dessa sublimação o que sempre me conduziu na minha atividade como combatente. Precisei desse objetivo mesmo sem saber ou pouco me importar qual o resultado final.

Titulei este trabalho com "Um professor na guerra". Professor e combatente fui de certeza. O título está para o"frouxo". Arranjam-me um melhor para este relato? Vai dividido em quatro partes. Se acharem por bem publicar é possível que prefiram uma outra divisão. Fica ao vosso critério.

Manuel Joaquim


UM PROFESSOR NA GUERRA

II - Uma escola em Mansabá

Por Manuel Joaquim

O ano de 1967 chegou, tinha a CCaç 1419 dezassete meses de Guiné e estava sediada em Mansabá. Quantas e quantas vezes suspirei pela chegada deste 1967! Ele trazia no “ventre” a senha de largada daquele martírio e a viagem de regresso a Lisboa!

Tinha planeado começar o ano em grande: umas belas e relaxantes férias em Bubaque, o momento ideal para “saborear” a Guiné, longe da guerra e disponível para gozar os encantos do mar e clima tropicais. Já tinha distribuído trabalhos escolares pela minha turma da “escola regimental”, tipo TPC como se diz hoje. Mas, inesperadamente, tudo falhou!

Uns dias antes da minha previsível partida para férias, sou chamado ao Comandante de Companhia. Queria “dar-me” uma missão, criar uma escola primária, em cumprimento de ordem recebida de Bissau para pôr essa escola a funcionar num prazo máximo de três meses. O Governador-Geral viria inaugurá-la.

 - "Toma lá! Como prémio pelo trabalho destes meses todos a dar aulas a 40 e tal soldados, tens agora uma escola primária a teu cargo!"- devo ter pensado na altura. Comecei por dizer que tinha férias aprovadas e marcadas, que não poderia aceitar. Levei como resposta que a situação se não compadecia com as minhas férias. "Porra, lá se foram as férias!

Mansabá, JAN67 > Interior do aquartelamento

Comecei a analisar a situação. Por um lado agradava-me o convite mas, por outro, não encontrava tempo disponível para cumprir a missão. Sendo assim, apresentei uma condição para aceitar e que era a de vir a ser dispensado de toda a atividade operacional. Esta condição foi recusada na base de que a minha saída do Grupo de Combate poderia trazer problemas operacionais. Reiterando que não me seria possível, física e temporalmente, assumir este trabalho, recusei o convite. Se o Comando queria apresentar ao Governador coisa séria teria de lhe apresentar uma escola a funcionar plenamente e não somente um edifício, por muito bonito que fosse. E eu, naquelas condições, não conseguiria cumprir.

Como já disse noutro “post”, fui para a guerra assumindo totalmente a situação de combatente. Desta vez, percebi e aproveitei a situação para me excusar às ações de combate. Aproximava-se o fim da comissão e o “não ir para o mato” seria uma maravilha. De qualquer modo também não me seria possível exercer as funções para que tinha sido “convidado” se continuasse no serviço operacional.

No dia seguinte fui novamente chamado, pensava eu que para mais uma tentativa do capitão. Mas não, foi para me dizer que fora tida em conta a minha situação e que, a partir daquele momento, ficava isento do serviço operacional e com a responsabilidade de pôr a funcionar as aulas na escola a construir de imediato. Senti o incómodo no seu tom de voz, como se quisesse acrescentar: “Já que és tão exigente, sempre quero ver o que vais fazer!” Fiquei sem férias mas com uma qualidade de vida muito melhor. Que alívio!

Dei a notícia à Companhia e a coisa não me foi agradável. Ainda hoje me lembro de não me sentir bem ao olhar os meus camaradas de Pelotão e, principalmente, os meus soldados da Secção. Foi uma separação repentina, uma peça daquela “maquineta” de combate que se partiu. Eles viam o meu trabalho, percebiam com certeza que não poderia estar nos dois lados, mas também invejavam a minha situação. Eu sentia-o, pois comigo aconteceu coisa igual quando vi o meu amigo e camarada de Especialidade e de beliche na caserna de Mafra, Raul Durão (CCaç 1421), sair de Mansabá (K3?) para trabalhar na Rádio em Bissau. Que inveja aquilo me deu! Mas deu-me também um jantar pago pelo Raul quando dele me despedi e deixei Bissau a caminho de Bissorã. (R.I.P. Raul!)

E ... mãos à obra! Fiquei com os dias totalmente preenchidos com o ensino: de manhã, a um grupo de crianças e, de tarde, aos soldados.

Bela “sala” de aulas, à sombra do mangueiro florido! 

O Pelotão de Sapadores ficou encarregado da construção do edifício escolar. Eu, apoiado pelos Furriéis Francisco Germano Passeiro (CCaç 1421) e António Correia (C?), tratava da parte pedagógica e administrativa. Tudo tinha de estar a funcionar como deve ser para finais de março, princípios de abril, altura já marcada para a solene inauguração pelo Governador e Comandante-Chefe Arnaldo Schulz.

E tudo correu como planeado. Para começar apareceram vinte e tal crianças. Como não havia sala, distribuímo-las por nós três e começámos a alfabetização na rua, no meu caso com o grupo das meninas debaixo de um grande mangueiro. Construído o edifício, no princípio de Março tomei conta da parte letiva enquanto os furriéis referidos se encarregaram das atividades circum-escolares.

E lá nos fomos preparando e preparando a miudagem para a festa da inauguração.

É hora de recreio!
Foto de F.G. Passeiro

(Continua)
____________

Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 2 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9692: Um Professor na guerra (Manuel Joaquim) (1): Analfabetismo, um outro combate

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9702: Efemérides (87): Homenagem aos 3 majores do CAOP, mortos a 20 de abril de 1970, no chão manjaco (António Graça de Abreu / Manuel Bento / MACOUPA)


Guiné > Teixeira Pinto (?) > CAOP / CTIG 1 > c. 1970 > Os  três majores, com população local. Da direita para a esquerda: Pereira da Silva, Passos Ramos e Magalhães Osório, ou Magalhães Osório e Passos Ramos (não sabemos se a ordem está correta).

Foto: Maria da Graça Passos Ramos / Círculo de Leitores. In: ANTUNES, J.F. - A Guerra de África: 1976-1974. Vol. II. Lisboa: Círculo de Leitores. 1995. (Com a devida vénia...).


1. Mensagem do nosso amigo e camarada António Graça de Abreu, com data de 12 de fevereiro último:

Junto envio cópia da  foto dos três majores  que está no II vol., pag. 716, de A Guerra de África, de José Freire Antunes, no depoimento do general Almeida Bruno, "Libertar Guidage". A fonte da foto é a esposa de um dos majores, Maria da Graça Passos Ramos.

Dei recentemente uma vista de olhos pelo livro da jornalista Felícia Cabrita intitulado Massacres em África, (Lisboa, Esfera dos Livros, 2008) que dedica trinta páginas (da 180 à 210) ao massacre dos três majores Passos Ramos, Magalhães Osório, Pereira da Silva, do alferes Mosca e dos dois intérpretes manjacos Aliu Sissé e Patrão, todos do CAOP 1, -  a que também pertenci -, na estrada Pelundo/Jolmete a 20 de Abril de 1970. O texto é muito interessante, bem elaborado e documentado e conclui com um sentido poema do general Roberto Durão, (irmão do meu coronel pára-quedista Rafael Durão, comandante do CAOP 1, 1971-1973) dedicado aos três majores.
           
Há uns meses atrás, o coronel Mário Machado Malaquias, meu superior, meu companheiro e meu amigo no CAOP 1 (Comando de Agrupamento Operacional 1) em Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 72/74, enviou-me também um poema, este de homenagem aos três majores. Tinha-o guardado consigo, ignorava quem era o autor do poema, apenas aparecia assinado MACOUPA e perguntou-me se o anónimo poeta não seria eu.

Não escrevi este poema, e tal como o coronel Mário Malaquias não sei quem é o autor (alguém no blogue pode ajudar a descobrir que é o MACOUPA?) mas, com uma ou duas alterações de pormenor, não me importava de o ter escrito. Aí vai:
           
            Brilharam sonhos e certezas,
            Flâmulas brancas esfacelando medos
            No erguer feliz do amanhã sem data.
            E a noite vomitou
            Ecos podres vomitando anseios,
            Ódios amassados na embriaguês de cinza e sangue
            A escarnecer o abraço impossível.
            Agora,
            Que valem escolas e bolanhas fartas
            Se os chacais uivam hálitos vermelhos.
            Que importa o ouro do suor de tantos
            Na promoção das gentes deste chão.
            Quem bebe o sangue vertido nestas matas
            Se o ódio enjeita as vidas ceifadas na rotina.
            Quem ousa meditar a crueza da verdade
            Sem se vergar ao peso da descrença.
            Ah, como eu amo o riso das crianças,
            Para ver de dentro o meu olhar parado
            E vestir ainda a minha alma nua
            Na sordidez de ideias da morte…
            Desenraizado guerrilheiro terrorista
            Vem medir o fundo deste olhar despido
            Que já luziu de esperança e de gestos.
            Vem beber o fel desta chacina
            E diz-me se ainda há sedes por matar.
            Vem.
            Aqui nas matas do Jolmete
            A luta de ideais enraizou na morte,
            Os homens bons que tu sacrificaste
            Acenam ainda o braço que rejeitas.
            Aqui,
            Desenraizado guerrilheiro terrorista
            Se lutas pela Verdade
            Ergue um santuário-mesquita-catedral
            E endeusa os mártires que tombaram de pé
            Pela Verdade,
            Pela Justiça,
            Pela Paz.


2. Comentário de L.G.:

Este poema já aqui tinha sido publicado,em 8 de março de 2011,  na sequência de uma mensagem do 1º cabo telegrafista Manuel Alberto Cunha Bento, membro da nossa Tabanca Grande. De qualquer modo, parece-nos justo e oportuno voltar a publicá-lo, neste mês de abril de 2012, em que se comemora o 42º aniversário deste trágico aontecimento. Tudo indica que o pseudónimo MACOUPA diga respeito a alguém do próprio CAOP/CTIG da época (mais tarde CAOP1), CAOP a que pertenciam os três malogrados majores:

(...) "Vi as várias noticias do massacre no Chão Manjaco,  onde os 3 Majores e o Alferes foram assassinados. Eu pertencia ao CAOP, era Cabo Telegrafista e estava sempre em contacto com os referidos oficiais.

"Alguém do Agrupamento [leia-se, do CAOP] lhes prestou uma homenagem por escrito e deu-me uma fotocópia que eu guardei nos meus arquivos, e que junto para ser inserida no blogue se acharem conveniente (...).
Manuel Alberto Cunha Bento [manuelben@gmail.com / Telem 969 609 701]" (...)

_

Fonte: Manuel Bento (2011).

 ________________

Nota do editor:

Guiné 63/74 - P9701: Parabéns a você (400): Agostinho Gaspar, ex-1.º Cabo Mec Auto da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72; António Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 2406/BCAÇ 2852; Hernàni Acácio Figueiredo, ex-Alf Mil TRMS da CCS/BCAÇ 2851 e José Eduardo R. Oliveira, ex-Fur Mil da CCAÇ 675

Vd. postes de Agostinho Gaspar e António Dias clicando nos seus nomes

Vd. postes de Hernâni Acácio Figueiredo e José Eduardo Rodrigues Oliveira clicando nos seu nomes
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9693: Parabéns a você (399): Álvaro Vasconcelos, ex-1.º Cabo TRMS do STM (Guiné, 1970/72)

terça-feira, 3 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9700: Efemérides (86): Operação Topázio Maior - Páscoa de 1972 (Adriano Neto)

1. Mensagem do nosso camarada Adriano Neto (ex-Fur Mil da CART 3521 (Piche) e CCAÇ 11 (Paunca), 1971/74), com data de 29 de Março de 2012:
 
Quando regressei da Guiné, pensei que a maneira mais fácil de encerrar o capítulo de 25 meses de calor, sede, humidade, pó, abelhas, minas etc., seria rasgar todas as cartas, aerogramas, outros objectos e apontamentos que tinha trazido, ficando apenas com algumas fotos.
Foi o que fiz. A integração na vida civil tomou o seu rumo normal, sem qualquer mazela ou trauma de guerra.

O Luís que me perdoe, a ideia maravilhosa que teve, em criar e editar o Blogue, que comecei a acompanhar em 2009, mas que só em finais de 2011 passei a integrar, avivou-me memórias que estavam bem enterradas.
Deste modo, não resisto em partilhar com todos os ex combatentes da Guiné e em especial com os da CART 3521, a tão marcante “Operação Topázio Maior".

Como já disse, tudo o que me fazia lembrar a Guiné, foi destruído, assim peço a vossa melhor compreensão para alguma falha no meu testemunho.

Terminado o IAO tirado em Bolama, a CART 3521 chegou a Piche a 29/01/72, onde foi recebida de braços abertos pelo pessoal da CART 3332, Companhia que fomos substituir e do BCAV 2922.

Até 18/02/72 foi feita a sobreposição, sempre com o acompanhamento de grupos de combate da CART 3332, que se despediu de Piche a 19/02/72. Os primeiros vinte dias de acção foram tempo suficiente para percebermos que estávamos em zona de grande perigo, onde a qualquer passo o IN espreitava. Bastava recordar o malogrado dia 26/10/71, na estrada Piche-Nova Lamego a CART 3332 sofreu uma emboscada, onde morreram 4 dos seus homens e vários ficaram feridos.

Continuámos a nossa actividade, com grandes acções de patrulhamento, diurno e nocturno, bem como colunas a Buruntuma, Canquelifá, Nova Lamego, Bafatá etc.

“Zona de Guerra” (foi a mensagem deixada pelos companheiros da CART 3332, corroborada pelo pessoal do BCAV 2922: Buruntuma CCAV 2747, Canquelifá CCAV 2748 e Piche CCAV 2749).

Estávamos em finais de Março de 72, dois meses de acções continuadas, alguns quilómetros de patrulhamento e muitos mais de Unimog ou Berliet. Ainda hoje tenho consciência, que não seria ofensa para ninguém, se à data nos chamassem “periquitos”.

Com ou sem experiência, é sob ordem de alta patente, que muitas vezes era surda, cega e muda, que tínhamos que obedecer. Será que, com apenas dois meses de teatro operacional, seria razoável mandar tropas para a zona de Madina do Boé? Eles eram quem sabia… e sem escrúpulo, mandaram-nos para terras que ninguém gostou de pisar. Assim, com obediência, a CART 3521 teve o seu primeiro baptismo numa grande operação, de código “Topázio Maior” .



CRONOLOGIA “OPERAÇÃO TOPÁZIO MAIOR" 

Dia 31/03/72 (Sexta-Feira Santa)
É sob as ordens do Comandante de Sector que toda a Companhia ainda “periquitos”, partiu de armas e bagagens, para Nova Lamego, com o objectivo de participar na "Operação Topázio Maior", que se desenrolou nos chãos de Madina do Boé e tendo como missão o patrulhamento de Canjadude até Bilonco, eixo Ché Ché-Madina do Boé. Não sei se esta zona, depois do fatídico acidente de 06/02/69, que envolveu as CCAÇ 1970 e 2405 (Desastre de Ché Ché/Retirada de Madina do Boé), mais alguma vez tinha sido patrulhada pelas NT.

À data a (tragédia de Ché Ché) estava bem presente na memória de todos os combatentes CTIG. O pessoal da CART 3521 não foi excepção. Retomando o dia 31/03/72, nesse mesmo dia, o 4.º Grupo de Combate, escoltando o 28.º Pelotão de Artilharia, que nos foi apoiar, deslocou-se para Canjadude e restante pessoal pernoitou em Nova Lamego.

Dia 01/04/72 (Sábado de Aleluia)
O 1.º, 2.º e 3.º Grupos de Combate juntaram-se ao 4.º. Foi em Canjadude, terras da CCAÇ 5 e base de apoio para esta Operação, que os comandos da CART 3521 detalharam ao pormenor o que foram os dias seguintes.

Estávamos em plena época seca, o sol tórrido que fazia subir os termómetros até aos 35º, a zona despovoada para onde íamos seguir, obriga-nos a redobradas atenções, com explicação detalhada a todos os intervenientes, como com coragem e determinação devíamos enfrentar os piores cenários que nos pudessem aparecer.

Dia 02/04/72 (Domingo de Páscoa)
Pelas 7h30, com o apoio de um pelotão da CCAC 5, que foi incumbido de fazer a picagem, a CART 3521, deixou Canjadude e deslocou-se pela estrada de Ché Ché, em direcção à margem direita do rio Corubal. No percurso foram detectadas pelos homens da CCAÇ 5, várias minas anti-pessoais PMD6, no total de 16, sendo o pessoal especializado da nossa Companhia, que com grande sucesso, as desarmou e levantou. Cerca das 11H30, debaixo de um calor escaldante, chegámos ao rio Corubal. Tanto calor e um rio onde a água corria com abundância, convidavam a um banho, alguns soldados ainda o sugeriram, mas não, os perigos eram enormes e foi muito fácil controlar toda a gente.

É com o cenário das águas do rio, deslizando suavemente, que a Companhia se instalou no seu esquema de segurança, garantindo toda a tranquilidade aos homens, que iniciaram a montagem dos barcos, que minutos depois nos transportaram para a margem esquerda (Sul).

Sabíamos que estávamos em zona de domínio total do IN, o pessoal estava apreensivo, à memória de todos, veio o desastre de Ché Ché, pois estávamos no mesmo local e tínhamos que cambar as mesmas águas do Corubal, onde no dia 06/02/69 tinham perdido a vida 47 camaradas.

O ambiente estava pesado, diria mesmo fúnebre e tudo começava a ficar pronto, para que se desse início aos trabalhos, com passagem de toda a Companhia para a outra margem.

Inesperadamente, vindos do céu, ouvem-se ruídos estranhos. Para a maioria do pessoal, o roncar do motor dos T-6, era mesmo uma novidade. Para nossa segurança estes pássaros roncantes patrulharam na zona, toda a margem esquerda (sul) do Corubal, local para onde nos iríamos deslocar. Um T-6 fez mesmo um ou dois voos rasantes ao leito do rio.

Do mesmo modo que os T-6 apareceram, desapareceram! Silêncio absoluto. No rosto dos camaradas foram visíveis sinais de segurança e confiança. Foi dada ordem para avançar, não me lembro qual o primeiro Grupo de Combate que se fez aos barcos, mas foram estes homens na margem oposta e em terras de Ché, Ché que emboscados fizeram segurança, permitindo a continuidade da travessia. Pelas 13h30 foi concluído e ultrapassado este obstáculo. A CCAÇ 5, que fazia segurança aos últimos homens da Companhia que navegavam as águas do Rio, regressou a Canjadude, a CART 3521, já em chão de Ché Ché, seguiu a missão.

Em formação bem ordenada, cumprindo meticulosamente os ensinamentos transmitidos, progredimos em direcção a sul, até à margem direita do Rio Cauchã. Aqui, ainda com sol, sem qualquer incidente, nem sinais do IN, montou-se, conforme mandavam as normas a emboscada nocturna.

Dia 03/04/72 (Segunda-Feira de Páscoa e dia de Páscoa nas terras de muitos dos que compunham a CART 3521).
Com o despontar do sol, deu-se início ao levantamento da emboscada. Um sol escaldante, água a conta gotas, zona totalmente deserta, inimigo que era dono e senhor daquelas terras, era o que constava no detalhe da Operação. Com este puzzle bem definido, iniciámos o patrulhamento em direcção ainda mais a sul, rumo ao monte de Bugafal. Aqui, quando contornávamos em fila de pirilau, o monte pelo lado esquerdo e utilizado o velho meio de comunicação, “palavra passa palavra” foi dada uma ordem de paragem, com indicação que seria necessário informar o Comando Superior, da nossa posição no terreno. A Companhia ficou parada conforme seguia, se não me falha a memória, a posição no terreno dos Grupos de Combate foi a seguinte: à cabeça o 3.º do qual eu fazia parte, seguido do 1.º, 2.º e 4.º.

Expectantes aguardávamos a ordem para avançar, mas esta tardava a chegar. Ouviram-se dois rebentamentos seguidos de dois tiros, logo verificámos que era fogo de armas da nossa tropa. Exactamente. Os tiros foram de G3, os rebentamentos de granadas defensivas. Não tivemos qualquer dúvida, algo de anormal se estava a passar. Segundos depois chegou a informação; situação gravíssima! Estávamos a ser flagelados por um violento ataque de abelhas que atingiu fortemente metade da Companhia, 1.º e 2.º Pelotões, com especial incidência, no nosso querido Agostinho Mendes, homem das transmissões que com a antena do Rádio deve ter tocado nos bichinhos, estes sem hesitar abateram-se sobre ele e não mais o deixaram fugir. Viu-se desesperado e terá pensado que com o rebentamento das granadas resolvia o problema, sem êxito, sem forças e carregado de dores, terá posto a G3 em posição automática e disparou dois tiros no peito, ao nível do coração.

Com o ataque deste exército natural, que eram aos milhões, metade da Companhia fugindo dos insectos, abandonou completamente a zona. Afastaram-se tanto, que cerca de 20 homens perderam totalmente o contacto com o restante pessoal. Com esta flagelação, executada pelos principais aliados do IN, a Companhia ficou operacionalmente reduzida a dois grupos, um à frente e outro atrás do foco do ataque. Tínhamos muita gente dispersa na mata e completamente perdidos. Havia necessidade de os encontrar para que fossem reagrupados. Em poucos minutos formou-se um grupo de homens e iniciou-se uma batida de zona num raio de 2 quilómetros.

As horas passavam, estávamos no pico mais alto do sol que em brasa se abatia sobre nós. Cansados, extenuados, sem água e forças, lá se conseguiu reagrupar quase todo o pessoal, sim quase todo, faltava-nos ainda o Comandante do primeiro Grupo de Combate que continuava a monte. Este companheiro, já antes do ataque, manifestava sinais de grande fragilidade física, arrastando-se com dificuldade. Por esta razão, aquando da paragem, foi logo pedida a sua evacuação.

Com a chegada dos meios aéreos, foi-lhes solicitado que nos dessem apoio, para a localização do oficial que continuava fora do nosso alcance. Foi o piloto do bombardeiro T-6 que fazia protecção ao helicóptero que vinha fazer a evacuação quem detectou, a cerca de 2 quilómetros do local onde nos encontrávamos, o nosso camarada Alferes Jorge O. Martins. Seguindo as orientações dadas pelos pilotos do T-6 e helicóptero e graças à força, coragem e determinação do Alferes José António Novais, conseguimos recolher o camarada completamente desfalecido e brutalmente picado.

Informado do que se passou, o General António de Spínola, deslocou-se ao local, inteirou-se da ocorrência e autorizou a evacuação da vítima mortal, bem como dos feridos.

O cenário foi dramático, muitos companheiros; soldados, cabos, furriéis e alferes, estavam exaustos, sem forças e sem água para molhar os lábios, que de secos teimavam em se colar. Mas era preciso tratar dos feridos e dar início às evacuações por ordem de urgência, pois tínhamos combatentes, que com tantas mordeduras, estavam completamente irreconhecíveis, correndo risco de vida. Depois de prestada toda a assistência, chega finalmente a água que vinha em bidões, talvez por lavar, pois foram visíveis sinais de muita gordura. Mais limpa ou menos limpa, não era importante, precisávamos era do tão precioso líquido e esse brilhou aos nossos olhos.

Controlar tanta gente que quase morria de sede e manter toda a segurança, não foi tarefa fácil, valeu a ordem de comando dos que por força das circunstâncias, tinham sido mais poupados e ainda conseguiam manter a cabeça fria, para ir transmitindo a todo aquele pessoal, que estávamos à beira do abismo, logo a ordem foi; “manter rigor e segurança, cuidar de nós seria o mais importante”. Com muita ordem e moderação, o pessoal bebeu e encheu os cantis do tão desejado líquido.

Admitíamos que o número de evacuados fosse grande, mas só no fim das evacuações, pudemos apurar com rigor o seu total (25): Feridos graves (picadas de abelha) 4, insolação 15, astenia 2, paludismo 1, ataque cardíaco 1, epilepsia 1, mortos 1.

Os grandes aliados do IN, sem utilizarem armas de fogo provocaram uma tragédia. No momento contabilizávamos um morto, mas dado o estado crítico em que alguns companheiros foram evacuados, temíamos que mais pudessem vir a falecer. Felizmente que não e todos recuperaram. Com a Companhia reduzida a 2/3 do seu pessoal e o moral da tropa muito em baixo, o Comando-Chefe depois de informado de toda a situação, deu instruções para que a missão fosse alterada.

Por toda a movimentação dos T-6, bem como do vai e vem dos helicópteros, sabíamos que o IN nos teria bem identificados, tínhamos que sair dali rapidamente. Recebidas todas as instruções, o pessoal abandonou a zona, com uma alteração radical, do que anteriormente estava definido para a missão.

De novo em progressão, a Companhia com menos 25 homens, seguiu em direcção ao Rio Cauchã, palmilhou toda a sua margem direita, até à confluência com o Rio Corubal. Neste percurso avistámos pessoas na margem esquerda, supostamente seriam elementos afectos ao PAIGC, não deram pela nossa presença e nós evitamos o contacto. Continuámos o patrulhamento até ao ponto de altitude 72, aqui, já sem sol, montámos nova emboscada e passámos a noite.

Penso que ninguém passou pelas brasas, primeiro porque sabíamos que o IN andava por perto, segundo porque as duas bocas de fogo do 28.º Pelotão de Artilharia, que nos dava apoio na missão, toda a noite fez fogo com o objectivo de dissuadir o IN.

Dia 04/04/72 - Com o romper do sol e aproveitando o fresco da manhã, dirigimo-nos para o Ché Ché e dali para a margem esquerda do Corubal. De novo tivemos que repetir o que dias antes tínhamos feito. Na margem direita, aguardava por nós um grupo de combate da CCAÇ 5, que nos escoltou até Canjadude e daí até Nova Lamego. Aqui, aparentemente em segurança, pernoitámos em casa emprestada, de 4 para 5/4/72.

Dia 05/04/72 - Em coluna militar, regressámos ao Quartel General (Piche), sem qualquer incidente.

FIM DA OPERAÇÃO
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9290: Efemérides (62): A CART 3521 chegou à Guiné no dia 29 de Dezembro de 1971 (Adriano Neto)

Guiné 63/74 - P9699: In Memoriam (115): A CART 3494 do BART 3873 está de luto, pelo falecimento do Fur Mil Inf Raul Magro de Sousa Pinto (Sousa de Castro)




1. O nosso camarada Sousa de Castro (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74), enviou-nos a seguinte mensagem.



Boa tarde camaradas,

Envio em anexo um “doc” referente ao falecimento de um camarada nosso, vítima de doença prolongada.

Agradeço desde já a sua divulgação. 

Faleceu com 62 anos de idade, no dia 01 de Abril de 2012 pelas 14,00 horas na sua residência habitual, em Meadela, Viana do Castelo, vítima de doença prolongada, o ex-Fur Mil Inf Raul Magro de Sousa Pinto.

A Cart 3494 fez-se representar na cerimónia e de acompanhamento do féretro até à sua última morada, no dia 02ABR2012 pelas 16,00 horas, por alguns camaradas d'armas, tendo apresentado aos familiares, em nome de toda a companhia, sentidas condolências. Foram vários os camaradas que se manifestaram, quer telefonicamente, como também por e-mail e SMS, o que a família reconhecidamente agradeceu.

Estiveram presentes:

ex-Fur Mil. Enf. - José Luís Carvalhido da Ponte (Mésinho),
ex-Fur. Mil. Trms - Luís Coutinho Domingues,
ex-1º cabo radiot. - António Manuel Sousa de Castro,
ex-1º cabo enf. - Alcindo Joaquim Pereira da Silva,
ex-1º cabo Atirador - Lúcio Damiano Monteiro da Silva (Vizela)
ex-1º cabo armas pesadas - Francisco Adolfo Ribeiro

- Sousa Pinto fez parte do 4º grupo de combate da CART 3494 que foi emboscado no dia 01DEC72, pelas 07,30 horas na PONTA COLI onde as nossas tropas sofreram 02 feridos graves, vários ligeiros e os guerrilheiros 02 capturados para além de diverso material apreendido.

Foram louvados em 27FEV73 pelo Exmo. CMDT Militar. 



Descansa em Paz camarada! 

Com eleva deferência,

Sousa de Castro
1.º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873

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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P9698: O caso da ponta Coli, Xime-Bambadinca (Jorge Araújo)


1.    O nosso camarada Jorge Araújo* (ex-Fur Mil Op Esp/Ranger da CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1972/74), enviou-nos a seguinte mensagem.


Caríssimo Camarada Luís Graça, e restantes operacionais do nosso blogue. 

O mês de Abril tem sido para nós, até ao presente, um mês fértil em recordações e, simultaneamente, de grandes emoções. E este ano não foge à regra, dando conta, nesta nota introdutória, aquelas que se enquadram no âmbito militar. 

Primeiro; porque no dia 04.Abr.1974, faz hoje trinta e oito anos, aportámos ao Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa, regressados de Bissau a bordo do Paquete Niassa – com direito a escala no porto do Funchal – depois de aí termos concluído a Comissão de Serviço Militar Obrigatório, para três semanas depois, em “25 de Abril”, termos assistido/ participado naquele memorável dia que levou ao fim da(s) Guerra(s). 

Segundo; porque uma semana depois da chegada, em 12.Abr.1974, minha mãe, Georgina Araújo, comemorou o seu quadragésimo sexto aniversário num ambiente de grande euforia e felicidade recíproca, mais humano e ecológico do que nunca, afirmando, após apagar as velas do ‘4’ e do ‘6’, que a maior prenda que tinha recebido naquele dia foi o de poder contar com a presença do filho, o que se entende. Fará agora, no próximo dia 12.Abr.2012, oitenta e quatro primaveras, não estivéssemos, nós, na Primavera. 

Terceiro; porque no dia 21.Abr.2012, tudo leva a crer, estaremos em Monte Real, no VII Encontro Nacional da Tabanca Grande, emboscados à volta de uma mesa tendo por pares ilustres ex-combatentes falando de coisas de que ninguém sabe – peripécias vividas na Guiné –, preparados para uma O.E. cujo alvo (objectivo) é o prato cheio de coisas boas, sabendo nós que o inimigo está observando os nossos movimentos: o colesterol. Vão ser, certamente, mais umas quantas e boas emoções. 

Quarto; (agora mais a sério!) porque no dia seguinte ao ENTG – 22.Abr.2012 – completa-se quarenta anos em que o meu GComb, da CART 3494, travou a sua primeira grande batalha na Ponta Coli (Xime). E é devido a esse acontecimento que estamos hoje aqui, em comunhão de experiências e sob outra super emoção, na medida em que procurámos dar corpo, alma e desejo, ao que vivemos, sentimos e respirámos naquele dia inesquecível ou que jamais esqueceremos. 

Quinto; (de última hora) porque, quando alinhavamos as derradeiras letras deste texto, fomos confrontados com uma mensagem electrónica enviada pelo nosso camarada Sousa de Castro, tabanqueiro n.º 2 deste n/ blogue, dando-nos conta do falecimento do ex-Furriel Sousa Pinto, também ele protagonista neste episódio na Ponta Coli. O funeral realizou-se ontem, 02.Abr.2012, para o cemitério de Meadela (Viana do Castelo). Que repouses em paz. 

Posto isto, eis então a narração desse acontecimento na Ponta Coli. Uma história mais para juntar ao espólio da Tabanca Grande, que está cada vez maior.

ERA UMA VEZ UMA ESTRADA, PALCO DE JOGOS DE SOBREVIVÊNCIA 

I – O CASO DA PONTA COLI - XIME 

A decisão há muito que estava tomada. Faltava apenas esperar por uma oportunidade, para tornar público, na primeira pessoa, a descrição dos sons, das imagens e de mais alguns detalhes gravados na nossa memória de longo prazo, antes que as mesmas se apaguem, sobre um tema que justificou já a participação neste blogue de vários tertulianos (vidé: P9446 + P9457), ou seja, o «caso da Ponta Coli - Xime», aproveitando este momento de recordações para a (re)baptizar como o «palco de jogos de sobrevivência». 

E essa oportunidade chegou agora por quatro motivos particulares: 

1 – Por terem passado já quarenta anos (1972-2012) sobre essa data, sendo também, poi isso mesmo, uma ocasião para prestar homenagem póstuma ao nosso camarada Furriel Manuel Rocha Bento, falecido em combate nesse local. 

2 – Pela necessidade de dar conta da minha versão a todos aqueles que viveram este acontecimento, directa ou indirectamente. Este contributo pretende ser apenas mais uma pequena peça do puzzle da CART 3494, e, concomitantemente, uma outra peça do puzzle, naturalmente maior, que é a história do conflito político-militar do C.T.I.Guiné. 

3 – Pelo convite/desafio suscitado pelas dúvidas do camarada CMDT ex-Cap. Artª António José Pereira da Costa (agora Coronel na reserva), na sua MSG de 2009.03.22 publicada no blogue da Companhia, em que manifestou vontade de saber o que se passou em concreto, uma vez que a sua nomeação para liderar a CART 3494 foi causa/efeito dessa emboscada. 

4 – Para transmitir, publicamente, uma palavra de gratidão a todos quantos naquele dia 22.Abr.1972 deram o seu melhor, num contexto que no início nos era francamente desfavorável, superando as adversidades em defesa da vida – das suas e a dos seus semelhantes, camaradas de armas. Não fora essa transcendência singular e os resultados teriam sido bem diferentes, para pior, como poderão constatar pela leitura do ponto seguinte. 

II – O (DES)ENCONTRO DE 22.ABR.1972 – O jogo dos possíveis 

O dia 22 de Abril de 1972 será sempre um dia para recordar, particularmente por todos os ex-militares que constituíram a CART 3494, e em especial por aqueles que viveram, conviveram e sobreviveram ao jogo do “gato e do rato” ou de “escondidas”, como é comum definir-se, no léxico militar, o conceito de “guerrilha”, como foi o caso dos elementos do 4.º GComb (pelotão) – o nosso. 

Se antes, durante a instrução que obedecia a um programa com tempos e ritmos pré-definidos, que era interrompida por cansaço, conflitos surgidos ou por decisões unilaterais, e em que quase tudo tinha um carácter de simulacro e de associação casual de probabilidades, pois o objectivo primeiro era a aquisição de competências sensoriais e motoras, visando ultrapassar possíveis obstáculos surgidos nos diferentes contextos, agora, neste dia 22.Abr.1972, tudo passou, num ápice, do “faz de conta” a uma situação REAL, em que a regra do “jogo” era, então, a eliminação física do opositor ou dos opositores por antecipação e perícia, num cenário que incluía, ainda, a variável designada teoricamente por «Sorte». 

Mas sorte é quando uma coisa boa nos acontece, sem que seja esperada. É habitual afirmar-se também, numa perspectiva de senso comum, que a sorte versus azar andam ligadas ao destino, para quem nele acredita. Trata-se, assim, de uma força invisível contra a qual não há nada a fazer. Segundo essa crença, destino ou fatalidade emergem de um poder divino que está para além do comum dos mortais. 

Com efeito, para nós, à data militares-combatentes cumprindo o superior dever para com … (?), o dia 22.Abr.1972, sábado – dia de Saturno, deus especialmente querido dos Romanos e a que a língua inglesa continua fiel pois chama, ainda, ao seu sábado Saturday – começou com as normais rotinas de cada dia: alvorada, higiene pessoal, pequeno-almoço, preparação para o cumprimento das tarefas e obrigações individuais e colectivas, em função das competências atribuídas anteriormente, que incluíam, entre outras, a preocupação pelo bom funcionamento do armamento e equipamento adequado e outros apetrechos necessários para a missão. 

E umas das tarefas atribuídas diariamente à CART 3494, do BART 3873, era a de garantir a segurança possível em parte do troço que ligava o Xime a Bambadinca, por causa/efeito do tráfego rodoviário que aí ocorria, uma vez que a possibilidade mais exequível para chegar à cidade de Bissau, ou desta ao extremo leste do território – Bafatá, Nova Lamego, Piche, Canquelifá, Galomaro, Xitole, Saltinho, etc. –, só poderia acontecer por via marítima (Rio Geba) em que o Xime, situado na margem esquerda desse rio, era ponto de chegada e de partida de civis e militares, assumindo-se deste modo como local político-militar-económico estratégico por excelência. 

O tempo diário desse controlo acontecia, maioritariamente, no período em que havia claridade (luz do dia), entre as 07:00/07:30 e o regresso após o Sol se pôr (ocaso), ou, em situações excepcionais, até que ficassem concluídas as actividades portuárias. O ponto escolhido para essa segurança ficava situado numa zona compreendida entre a bolanha contígua ao Xime (Taliuará) e Amedalai, sendo esse local designado por Ponta Coli, e onde permaneciam diariamente os militares escalados para essa tarefa/acção/missão, considerada “Rainha” no conjunto de todas as outras. 

Considerando que em situações ditas normativas as Companhia Operacionais eram constituídas por quatro GComb, no caso da CART 3494 só três estavam aquartelados no XIME, na medida em que o 2.º pelotão encontrava-se destacado, em permanência, na Tabanca do Enxalé, esta situada na margem direita do Geba, em frente ao Xime. Daí que o cumprimento desse dever diário era feito de três em três dias por cada GComb, excepto quando a Companhia tinha de efectuar outras acções ou operações que envolvessem a totalidade dos seus elementos.

Naquela data, o grupo escalado para cumprir a acção/missão referida anteriormente era o 4.º pelotão, constituído por vinte elementos, entre sargentos e praças, uma vez que não havia nenhum oficial (ex: alferes) adstrito, no preciso momento em que o nosso calendário registava apenas oitenta dias de efectiva permanência na região. 

Ao efectivo militar sobredito juntava-se sempre um Guia, no caso o Malan, natural da Guiné, e mais dois condutores auto, uma vez que o transporte até ao local da segurança era feito em duas viaturas Unimog. 

Porém, naquele dia, a saída do aquartelamento não aconteceu à hora que era mais ou menos habitual por se terem verificado diversos factos que contribuíram para algum atraso, o último dos quais relacionado com o esquecimento de um rádio emissor/receptor AVP1, que normalmente era levantado no posto de TRMS ou entregue, na parada, pelo militar de serviço nesse posto a um dos furriéis do GComb. 




Estando reunidas, então, as condições de marcha, após uma análise global de todos os procedimentos habituais, saímos rumo ao objectivo previsto (Ponta Coli) eram aproximadamente 08.00 horas. Os vinte e três elementos que constituíam o universo dos militares destacados para a missão, e que seguiam nas duas viaturas, foram distribuídos de forma aleatória, contabilizando-se doze elementos na viatura n.º 1 (a que seguia à frente) e onze na viatura n.º 2 (a que seguia atrás, naturalmente). 


Para além da nossa companheira residual no mato - G3 - na panóplia do armamento constava, ainda, um morteiro 60, uma bazuca e as respectivas granadas de cada de um deles, distribuídas entre todos os militares. 

Após termos percorrido aproximadamente quatro/cinco Kms. a uma velocidade reduzida, em que se respeitou a distância de segurança entre as duas viaturas, e quando no horizonte se avistava já o «ponto X», e as viaturas continuavam a sua marcha cada vez mais lenta, estando quase a parar, eis senão quando tudo passou a ser diferente, estranho, complexo, num quadro de enorme entropia, em suma, um verdadeiro caos.


Tínhamos caído numa emboscada montada por um bi-grupo do PAIGC (de 52 unidades, de acordo com as informações recolhidas mais tarde), iniciada a partir da linha de segurança por nós utilizada habitualmente, esta situada a cerca de sessenta/ setenta metros da estrada, e que viria a ser a primeira experiência do género vivida por elementos da CART 3494

Ao som das primeiras rajadas de “costureirinhas” (kalashnikov) e de rebentamentos de granadas de “RPG7”, que procuravam atingir os alvos que se encontram nos centros das miras dos guerrilheiros, os nossos camaradas lançaram-se das viaturas para o asfalto, e reagiram, ou não, em função da situação em que cada um deles se encontrava, continuando as viaturas a sua marcha, agora desgovernada, rumo à valeta da estrada, servindo estas de refugio nos instantes iniciais para alguns de nós. 

Entre gritos, gemidos e choros, misturados com a utilização de uma linguagem de elevada erudição adquirida na escola da vida e que, naquele cenário, era própria de quem estava em aflição e, sobretudo, em inferioridade física e numérica, havia mortos, alguns feridos, desmaiados e poucos em condições de estabelecer o equilíbrio entre um dos lados da contenda. 

Tendo em consideração a situação adversa e o papel atribuído a cada um de nós enquanto combatentes, e porque me encontrava na posse de todas as capacidades físicas e psicológicas, pois, como vim a verificar mais tarde tinha sido o único ileso da 2.ª viatura, havia que dar resposta na mesma linguagem bélica, utilizando os recursos disponíveis. 

Entretanto, uma nova contrariedade fez engrossar as dificuldades de então, na justa medida em que não nos era possível comunicar com o aquartelamento, dando conta da ocorrência e sinalizando a nossa posição, para uma primeira ajuda que bem precisávamos por parte da artilharia pesada aí existente (obuses) e depois para o reforço de efectivos no terreno, uma vez que o rádio AVP1, aquele equipamento que fez retardar a nossa saída, estava em parte incerta, vindo a ser localizado, mais tarde, junto ao corpo do Furriel Manuel Rocha Bento, já cadáver. 

Aos poucos, ao ritmo de um tempo que parecia não passar, os desmaiados começam a acordar, os feridos tomam consciência de que ainda têm força suficiente para reagirem, e com os cinco ilesos que continuavam activos e operacionais, através dum impulso colectivo vindo das entranhas e de um grito de contra-ataque, contribuímos para anular a terceira tentativa de sermos apanhados à mão por parte dos elementos do PAIGC, que muito porfiaram mas sem sucesso. 

Por outro lado, o nosso sucesso ficou a dever-se justamente ao esforço de todos, mas em particular a um MALAN (guia) que, sangrando abundantemente da cabeça onde existiam pelo menos duas perfurações, como tivemos a oportunidade de observar in loco, empunhava duas G3, uma em cada braço apoiadas pelas suas axilas, e de pé, em plena estrada, despejava carregadores sem cessar. 

Outra situação que contribuiu, também, para a debandada dos guerrilheiros teve a ver com a circunstância dos municiadores de morteiro e de bazuca, após recuperarem a consciência, depois de terem ficado atordoados na sequência do salto das viaturas em andamento, fazerem uso das suas armas a uma cadência de tiro inconstante, mas mesmo assim relevante, uma vez que o desempenho de ambos estava/ficou dependente da localização das suas munições (granadas) que acabaram por ficar dispersas ao longo da estrada, numa frente de cento e vinte metros aproximadamente, dando a ideia de que estávamos fortemente armados.


Passado o tempo de todas as incertezas, que se estima entre quinze a vinte minutos, durante os quais o meio ambiente se alterou profundamente, produzindo novos odores resultantes da combinação de diferentes elementos, de que são exemplos: o capim e restante vegetação, a terra e a pólvora, mesclados com a humidade e o aumento da temperatura externa e interna - a dos nossos corpos -, os corações começaram a bater a um ritmo cardíaco mais aceitável, e a boa notícia, que era possível transmitir a partir daquele momento, era de que a situação militar estava controlada, caminhando para a normalidade, com a chegada dos primeiros apoios externos e, também, por via da fuga do IN. 

O primeiro elemento a chegar junto de nós, foi o nosso CMDT, Cap. Artª. Vítor Manuel Ponte da Silva Marques, que nos perguntou: “então, Araújo, o que se passou …?”, logo secundado por um enfermeiro da Companhia, que não recordo o nome mas tão só o seu rosto, pois era portador de uma mala de primeiros-socorros. Mais apoios foram chegando à medida que iam sendo mobilizados, quer do Xime quer do Batalhão sediado em Bambadinca, para onde foram transportados os feridos mais graves ou aqueles que justificavam maior atenção. 

No final, o balanço da primeira emboscada sofrida pela CART 3494, foi de um morto (Furriel Manuel Rocha Bento), dezassete feridos entre graves e menos graves nos quais estava incluído o Furriel Raul Sousa Pinto, ferido com dezenas de estilhaços espalhados pelo corpo, mas com maior incidência na cabeça, sendo este o segundo de três Furriéis que enquadravam os restantes militares do GComb, e contabilizados apenas cinco ilesos, fazendo eu parte desse reduzido grupo. Este camarada acaba de nos deixar para sempre. O seu funeral realizou-se ontem - 02.Abr.2012. 

Que dizer mais? 

Que viver é sempre uma possibilidade para qualquer ser humano quando não está em ambiente de guerra convencional. Porém, viver num contexto como aquele que esteve na génese desta narrativa, era uma constante incógnita e/ou interrogação que nos ocupava parte do pensamento, em virtude de poderem ocorrer novos encontros/desencontros no mesmo local e à mesma hora, como veio a verificar-se 222 dias depois, em 01.Dez.1972, tendo por protagonistas os elementos do mesmo GComb, ou seja o 4.º pelotão. 

Numa outra oportunidade, relataremos o que ficou da nossa experiência acerca deste novo episódio ocorrido na Estrada Xime-Bambadinca, no local transformado em palco de muitas emoções/tensões, num jogo de sobrevivência impregnado de superações e de transcendências. 

III – CAUSAS/EFEITOS DESTA EMBOSCADA 

No dia seguinte, domingo no calendário solar também conhecido por Juliano, de Júlio César, o militar (general) e político romano, a vigorar desde o ano de 709 de Roma (45 a.C.), a vida dos combatentes da CART 3494 voltou a ter, na sua agenda, uma nova missão de segurança à Ponta Coli, desta feita a cargo do 1.º pelotão. 

Uma primeira causa/efeito do episódio de má memória do dia anterior foi o de ter produzido uma mudança de atitude na estratégia utilizada anteriormente, no trajecto entre o aquartelamento e aquele local, fruto do debate interno levado a cabo pelo grupo de furriéis operacionais da Companhia, do qual fazíamos parte, no sentido de minimizar os riscos pessoais de cada um de nós, sempre muitos expostos no cumprimento dessa acção/ missão diária. 

E o que ficou acordado, a partir de então, foi a alteração das rotinas anteriores, passando cada GComb a ser auto transportado somente até ao limite da bolanha do Xime e o restante trajecto até à Ponta Coli a ser efectuado a pé, com esquemas diferenciados de progressão e distribuição espacial do respectivo efectivo. 

Uma segunda causa/efeito daquele acontecimento foi a diminuição do número de militares operacionais, consequência dos diferentes graus de enfermidade e de inferioridade física provocados pelos ferimentos em cada um deles, levando à evacuação dos casos mais graves para o Hospital Militar de Bissau, onde permaneceram algumas semanas. Como consequência, o 4.º pelotão ficou inoperacional durante algum tempo. No nosso caso, transitámos de imediato para o 1.º pelotão, uma vez que este GComb se encontrava desfalcado de quadros de comando. 

Uma terceira causa/efeito da emboscada foi a distinção, com o «Prémio Governador», de dois elementos do GComb: o soldado Manuel de Sousa Monteiro, natural da Batalha, e o 1.º Cabo Manuel Amorim do Alto, natural de Terroso, Póvoa do Varzim, os quais adquiriram o direito de gozar na Metrópole, como se dizia à época, um mês de férias. Estes militares eram os municiadores do Morteiro 60 e da Bazuca, desconhecendo eu o nome, ou nomes, a quem se deve a iniciativa de propor estas duas distinções. 
   
Uma quarta causa/efeito deste episódio, e que viria a ter grande influência no devir da organização da unidade social designada por CART 3494 foi o facto do nosso primeiro CMDT, Cap. Artª. Vítor Manuel Ponte da Silva Marques, também conhecido nos meios militares por «Salta-me a Cabeça», consequência do uso frequente deste termo, se ter autoexcluído de a ela continuar ligado. No dia imediato assinou a sua própria guia de marcha, com destino aos Serviços de Psiquiatria do Hospital Militar de Bissau, para não mais regressar ao Xime para junto dos seus camaradas milicianos. 

Durante um pouco mais de três meses a CART 3494 deixou de poder contar com o seu líder, vindo este a ser substituído por uma nova liderança a cargo do Cap. Artª. António José Pereira da Costa (agora Coronel na reserva, como foi já referido na nota introdutória), situação verificada no início do mês de Agosto de 1972. 

Este nosso novo CMDT, o segundo, passados apenas meia-dúzia de dias da sua chegada ao Xime, viria a viver, conviver e a sobreviver, tal como nós, a mais um episódio negativo que marcou a história da Companhia, e do Batalhão, este relacionado com o «naufrágio no Rio Geba», ocorrido no dia 10.Ago.1972. Sobre este acontecimento, e noutra oportunidade, darei a conhecer publicamente a minha versão dos factos que, também eles se encontram ainda gravados na minha (nossa) memória. 

Passados aproximadamente três anos sobre o abandono da Companhia por parte do nosso primeiro CMDT, Cap. Vítor Manuel Ponte da Silva Marques, a sua pessoa e o seu nome acabariam por ficar mais uma vez na história, agora da História de Portugal no período pós 25 de Abril de 1974. O seu nome ficará ligado para sempre ao que foi considerada uma tentativa contra-revolucionária de 11.Mar.1975, conforme nos dá conta o Diário da República de 21.Mar.1975, Decreto-Lei n.º 147-D/75, pp. 430 (4:5), assinado pelo General Francisco da Costa Gomes (1914-2001), à data Presidente da República, acto que levou os seus autores a serem expulsos das fileiras das Forças Armadas. 

Face ao fracasso do seu propósito e de mais dezoito oficiais dos três ramos das forças armadas, no qual o General António de Spínola (1910-1996) se assumiu como líder, o Cap. Vítor da Silva Marques, entretanto promovido ao posto de Major (e que já não está entre nós), e o General António de Spínola, que foi governador militar na Guiné, como sabemos, entre 1968 e 1973, acabariam por fugir para Espanha (Badajoz) e depois para o Brasil, a exemplo, aliás, do que acontecera cento e sessenta e sete anos antes (1808) com o exílio do Rei D. João VI. 
     
Chegados ao fim deste episódio, o primeiro menos agradável que consta no nosso currículo de ex-combatente na Guiné, resta-me enviar para todos os meus camaradas «Fantasmas do Xime», ilustre cognome da CART 3494, votos de muita saúde, e que esta história real que agora passei a escrito, e que certamente acompanharam com muita atenção, vos possa dar o ânimo necessário para continuarem a lutar pela vossa sobrevivência. 

Que sejam felizes! 

Um grande abraço para todos, e até … ‘ao meu regresso’, isto é, até à próxima emboscada. 

Jorge Araújo
Ex-Furriel Mil Op Esp/RANGER da CART 3494
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Nota de M.R.:

Vd. poste de apresentação do Jorge Araújo em: