quinta-feira, 12 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9739: Estórias avulsas (60): “Estórias lá para a banda de Bedanda” (Luís Gonçalves Vaz/Mário de Azevedo)



1. O nosso amigo Luís Gonçalves Vaz (foto do lado direito), membro da Tabanca Grande e filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG - 1973/74), enviou-nos a seguinte mensagem, apresentando-nos o seu primo Mário José Lopes de Azevedo, que foi Furriel  Miliciano de Artilharia da CCAÇ 6, BEDANDA, 1970/72.



A famosa e feliz foto do ex-Alf Mil Médico Amaral Bernardo: a saída do obus 14, de noite. "Foi tirada com a máquina rente ao chão. Bedanda tinha três. Uma arma demolidora. Um “supositório” de 50 quilos lançado a 14 km de distância... 



  3 fotos do álbum de memórias do Mário de Azevedo 

Camarigos,

Ontem passei o dia, perto de Ponte de Lima, num lugar espectacular, em casa do meu primo Mário Zé. 

Sabem quem é? 

É mais um ex-combatente que esteve na Guiné a “fazer a guerra”, o Mário José Lopes de Azevedo, Ex-FURRIEL MILICIANO na CCAÇ6 em BEDANDA de 70/72

Eu já sabia há muito tempo que ele tinha combatido na guerra da Guiné, antes de eu lá ter estado, mas desta vez, contou-me inúmeras histórias, nomeadamente do muito fogo que fez, como artilheiro com o seu obus 14, para apoiar “respostas” a ataques do IN, a diversos aquartelamentos da Zona. 

Desafiei-o a realizar um “Artigo” para o nosso blog, e ele prometeu-me que iria pensar nisso. Mas das “estórias” que me contou ontem, aquela que me ficou na “retina”, envolve-o a ele e um outro militar, de apelido já não me recordo. 

Vou aqui apenas citar a sua parte final, numa bela noite em plena época seca (penso que era uma noite…) e numa amena cavaqueira, um grupo de militares de Bedanda, alguns com grande responsabilidade no aquartelamento, estavam a beber cerveja muito calmamente, quando de repente… se inicia um forte ataque ao aquartelamento, em que o Furriel Mário Azevedo (por sorte ou azar…), caiu no mesmo abrigo que um outro militar, que por ironia do destino seria seu superior, e este último com um ar natural, ordenou ao furriel Azevedo: 

“Então furriel Azevedo, não vai para junto do seu obus? (as explosões sucediam-se…).

O furriel Mário Azevedo respondeu também naturalmente: 

“Eu vou já meu … (já não me lembro do posto desse militar!)… se vier comigo até lá…”, pois ainda eram uns 150 metros até o obus 14 cm do furriel Mário Azevedo… 

Parece que ficaram os dois, no mesmo abrigo, até a “coisa” acalmar… E felizmente, segundo me contou o ex-furriel Mário de Azevedo, não houve vítimas a registar. 

Na altura deste pequeno episódio, a Companhia de Caçadores 6 (CCAÇ 6) era então comandada pelo jovem Capitão de Cavalaria, Carlos Ayala Botto, futuro ajudante de campo do General Spínola. 


Fotografia tirada no bar do aquartelamento de Bedanda", o Furriel Artilheiro, Mário Azevedo é o de óculos, ao lado direito do alferes médico Mário Bravo. Em primeiro plano, do lado direito, o furriel miliciano Pires. Ao lado direito do Mário de Azevedo é o Furriel Monteiro.
  
Mas o grande objetivo deste artigo/mensagem, é em nome deste ex-combatente, o furriel artilheiro Azevedo, mandar um grande abraço para todos aqueles, que com ele conviveram, em Bedanda, entre o mês de Junho de 1970 e o mês de Julho de 1972, especialmente os seguintes furriéis: 

Furriel Mil Pereira (Artilheiro) de Tomar
Furriel Mil Domingos (Artilheiro) de Gaia
Furriel Mil Ribeiro (Atirador) de Guimarães
Furriel Mil Revés (Amanuense) do Algarve
Furriel Mil Carvalho (Atirador) de Famalicão
Furriel Mil Azeredo (Atirador) do Porto
Furriel Mil Magalhães (Atirador) de Barcelos
Furriel Mil Pires (o da fotografia do lado direito)


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971/72>  O Alf Mil Médico  Mário Bravo, entre os furriéis da companhia, estando ao seu lado direito, o Furriel Artilheiro, Mário de Azevedo. O militar da viola é o Cabeças, e o furriel ao lado do Mário de Azevedo é o Monteiro. É nítida a boa disposição, a boa música e um bom uísque. Segundo dados recolhidos no nosso Blog, O alferes médico, Mário Bravo não terá estado mais do que 4 meses em Bedanda (entre Dezembro de 1971 e Março de 1972, com algumas saídas, pelo meio, até Guileje, Gadamael e Cacine).

Brevemente teremos um artigo do Mário de Azevedo de Braga, pois eu vou lembrando-lhe…

Forte Abraço:
Luís Gonçalves Vaz
(Tabanqueiro 530) 

Fotos 2, 3 e 4: © Mário de Azevedo (2011). Direitos reservados.

Nota: As fotografias 5 e 6 foram retiradas do nosso Blogue.
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Notas de MR:


O nosso Amigo e Camarada Mário Azevedo é mais um elemento da CCAÇ 6, a dar sinais de vida e das suas memórias, juntando-se a vários Camaradas daquela unidade que, ao longo da vida do blogue, aqui têm vindo prestar os seus depoimentos e expor as suas fotos, de que momento me consigo lembrar: 

Hugo Moura Ferreira, ex-Alf Mil At Inf, 1966/68
Artur Ferreira, ex-1º Cabo Enf, 1968/70
Carlos Ayala Botto, (Cor Cav, situação de reforma, Cmdt da CCAÇ 6), 1970/72.
José Figueiral, ex-Alf Mil, 1970/72
Mário Bravo, Alf Mil Médico, 1971/72
Pinto Carvalho, ex-Alf Mil, 1971/72
Carlos Azevedo, ex-1.º Cabo, 1971/72,
António Teixeira, ex-Alf Mil, 1971/73
Vasco Santos, ex-1º Cabo Op Cripto, 1972/73

Em nome do Luís Graça e demais Camaradas desta já imensa tertúlia, apresento ao Mário José Lopes de Azevedo os nossos melhores votos de boas vindas e estadia entre nós, aproveitando para lhe recordar, também eu, que ficamos à espera das suas histórias e das fotos que adivinhamos ainda ter no seu espólio.

(*) Vd. também desta série o poste:


Guiné 63/74 – P9738: Convívios (414): XXIV Almoço do Pessoal do BCAÇ 2884, dia 26 de Maio de 2012 em Fátima (José Firmino)

 

1. Por intermédio do nosso camarada Sousa de Castro, o José Rodrigues Firmino (Ex-Soldado Atirador da Companhia de Caçadores 2585/BCAÇ 2884 Jolmete, Guiné, 1969/1971) pede que seja publicitado o Almoço/Convívio do BCAÇ 2884 a ter lugar em Fátima no dia 26 de Maio de 2012.



 
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 – P9734: Convívios (334): 29.º Encontro do Pessoal do BENG 447, dia 5 de Maio de 2012 nas Caldas da Rainha e 33.º Almoço do Pessoal da CCAÇ 1911, dia 5 de Maio de 2012 na Mealhada (Lima Ferreira / Fernandino Vigário)

Guiné 63/74 - P9737: Um Professor na guerra (Manuel Joaquim) (4): Mansabá, solene inauguração

1. Foi com esta mensagem de 28 de Março de 2012 que o nosso camarada Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) nos apresentou o seu trabalho de que hoje terminamos a sua apresentação:

Meus caros Luís, Carlos e Eduardo:
Durante a minha vida militar na Guiné, tirando os quatro meses iniciais, sempre dei aulas, melhor dizendo, fiz alfabetização. Guardei sempre uma parte do meu tempo livre para proporcionar a muitos soldados a obtenção da quarta classe e, nos últimos quatro meses, trabalhei a tempo inteiro com soldados e com crianças. A minha "guerra" foi sublimada com este meu trabalho de que me orgulho e ao qual me dediquei. Talvez ingenuamente foi a procura dessa sublimação o que sempre me conduziu na minha atividade como combatente. Precisei desse objetivo mesmo sem saber ou pouco me importar qual o resultado final.

Titulei este trabalho com "Um professor na guerra". Professor e combatente fui de certeza. O título está para o"frouxo". Arranjam-me um melhor para este relato? Vai dividido em quatro partes. Se acharem por bem publicar é possível que prefiram uma outra divisão. Fica ao vosso critério.

Manuel Joaquim


UM PROFESSOR NA GUERRA

IV - Solene inauguração

Continuando a falar da nova escola de Mansabá passo por cima da sua óbvia atividade que é o ensino o qual, neste caso e de minha responsabilidade, não passou da iniciação na língua portuguesa e na matemática. É que, poucos dias após a sua inauguração, o meu Bcaç 1857 saiu de Mansabá a caminho de Bissau, em fim de comissão.

Logo em janeiro no início das aulas, debaixo do frondoso mangueiro, comecei a pensar no que as crianças poderiam oferecer aos visitantes da sua escola, no dia da sua inauguração, para além de cantarem o Hino Nacional, tarefa de que me incumbiram e eu garanti cumprir. A primeira ideia que me surgiu foi a de elas se apresentarem com canções populares locais. Ainda começámos a ensaiar uma, por sinal muito bonita, mas numa noite de insónia veio-me à ideia ensinar-lhes canções populares portuguesas. Percebi de imediato que, se o conseguisse fazer, a coisa iria funcionar como uma maravilha para as “chefias”! Ratice!

Se rápido o pensei, mais depressa pus mãos à obra, melhor dizendo, memórias e gargantas a funcionar! Sentia ser esta uma tarefa muito difícil para a miudagem, por não saberem falar português, mas dois meses dariam para memorizar duas canções. E, com esta ideia, comecei a ensaiar o “Malhão” aproveitando uns vinte minutos diários, no final das aulas de cada dia. Fiquei espantado com a rapidez com que aprenderam a música (lalalá lá lá). Mas a letra estava mais difícil, havia dificuldade na sonorização de certas sílabas, a coisa não estava a ser fácil. Da minha parte, alguma experiência nesta área ajudou-me a obter bons resultados. Tinha coro infantil!

Perante este resultado fiquei tão entusiasmado que lancei a canção “Ó Rosa arredonda a saia”. Que problema para conseguirem dizer/cantar “órrosárredondássaia”! Mas conseguiram! Como o conseguiram com a “Tia Anica de Loulé”! O que é certo é que , em dois meses de ensaios, as canções estavam que se “podiam” ouvir. “Sabiam-me” musicalmente melhor do que quando cantadas pelos meus alunos na metrópole, devido à expressão mais sonora das palavras, com as sílabas muito mais abertas. Esta vocalização foi precisa para aquelas maravilhosas crianças apreenderem os sons de todas as sílabas (não esquecer que estavam a começar a aprender português e muitas daquelas palavras eram para elas como é o chinês para mim!).

E vamos agora ao Hino Nacional. Aqui é que foi o busílis! Enquanto que nas canções infantis eu lá lhes conseguia explicar o sentido das palavras e das frases, nos versos do Hino a explicação era impossível! (Quando ouço alguém a tentar cantar em inglês sem saber uma palavra desta língua, lembro-me sempre dos meus alunos de Mansabá a cantarem “A Portuguesa”!) Imaginem-se a explicar-lhes o que são “heróis do mar”, “nobre povo”, “esplendor de Portugal”, “brumas da memória”, “egrégios avós”, etc.

Pois é, não percebiam nada do que estavam a cantar mas memorizaram aquela caterva de sons alinhadinhos que até parecia que sabiam o que estavam a dizer!: “Irós di má ...nó...bipô ô ô naçãvalen...ti...mutá”, etc. etc.

Chegou o grande dia, a inauguração da escola. Os três Furriéis a ela ligados (eu, o Passeiro e o Correia) estavam um pouco nervosos, eu especialmente, mas correu tudo muito bem. O Hino Nacional, cantado por aquelas crianças, saiu lindo! (Foi fantástico elas memorizarem todas aquelas palavras(?)-sons! A sua memória era maravilhosa!) E as canções populares portuguesas foram um sucesso. E foram tão bem cantadas! Arnaldo Schulz gostou tanto que me veio dar um abraço e bater mais umas palminhas às “minhas” crianças.

Este acontecimento foi reportado na imprensa e na rádio da Guiné. Num jornal a que chamo Diário da Guiné (não tenho ideia nenhuma da sua existência) saiu uma reportagem de que mostro aqui a parte principal e que mandei à namorada (os sublinhados são dessa altura):

Bissau, 25Abril67 (...) “Como já reparaste vai aqui um excerto do Diário da Guiné. O jornal não identifica a minha actividade militar em Mansabá (...) Fiquei um pouco admirado quando li a reportagem. Na fotografia, a minha presença vai assinalada com uma seta. Aqui vai tudo para te distraíres um bocado! Ah ah ah! (...)Até fui abraçado pelo general! A exibição coral foi, na verdade,um sucesso. Palavra que me chegaram as lágrimas aos olhos quando, à frente das crianças, a exibição coral passou muito além do que eu pensava. Dois dias depois ouvi pela rádio a transmissão e fiquei visivelmente orgulhoso pela maravilha como me saíu o “Malhão”, a “Tia Anica de Loulé”, “Ó Rosa arredonda a saia” e outras.(...)”


Uns vinte e poucos dias depois destes factos, deixámos Mansabá. O melhor que tenho para encerrar este relato da minha vida de militar-professor é esta transcrição do que então disse à namorada, na última carta que lhe escrevi da Guiné: (...)Saí de Mansabá com as lágrimas nos olhos pois não consegui conter-me perante a despedida afectiva daquelas crianças. Ver criancinhas negras com lágrimas na face e abraçadas a mim foi demais. Nunca pensei que as coisas chegassem a este ponto. Foi qualquer coisa de inolvidável (...).”

FIM
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Nota de CV:

Vd. postes da série de:

2 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9692: Um Professor na guerra (Manuel Joaquim) (1): Analfabetismo, um outro combate

5 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9703: Um Professor na guerra (Manuel Joaquim) (2): Uma Escola em Mansabá
e
9 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9721: Um Professor na guerra (Manuel Joaquim) (3): Na escola, com as crianças

Guiné 63/74 - P9736: Nós da memória (Torcato Mendonça) (21): Aí está a segunda parte da recensão

 


1. Terceiro texto, de três, que o nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69) enviou em mensagem do dia 26 de Março de 2012 para integrar os seus "Nós da memória":


NÓS DA MEMÓRIA - 21
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

Aí está a segunda parte da recensão
 
Leio. Leio o que alguns grandes Combatentes dizem e ficou escrito no livro e, aqui no blogue, com a tua escrita. Nada mais comento e, menos ainda, transcrevo. Já o fizeste e seria abusivo de minha parte acrescentar algo mais. Fiz na primeira parte. Fica a vontade da leitura do livro.

Se fosse ler todos os livros sobre a Guiné de que fazes recensões nada mais fazia. Desejo é que continues a fazer recensões e a dar assim conhecimento desses livros a nós, a mim claro. Creio que muitos outros assim pensam.

Termino com uma frase do Coronel Maurício Saraiva, que transcrevo:

- O coronel Maurício Saraiva escreve: … Para mim, como para todos esses homens, foi uma autêntica honra termos sido os primeiros Comandos da Guiné. Um comandante não é ninguém sem os seus soldados. Eu tive muita vaidade nos meus soldados. E o que eu fui, foi à custa deles, com eles e por eles

Estás de acordo com ele.
Claro que sim.
Comandar era difícil e quem comandávamos merecia-nos muito respeito.

NOTA: - Os comentários foram transcritos dos P9508 e P9528, publicados no Blogue e tiveram recensão de M.B.S. (Mário Beja Santos) ao livro "Os Últimos Guerreiros do Império".
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9725: Nós da memória (Torcato Mendonça) (20): Leio

Guiné 63/74 - P9735: O Cancioneiro de Gandembel (6): Do Hino de Ganbembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte VI) (Idálio Reis)
















Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (8 de abril de 1968 a 28 de janeiro de 1969) > Aspetos da dura vida quotidiano dos  homens-toupeira, que tiveram de construir de raíz e defender, num curto espaço de tempo (inferior a nove meses), dois  aquartelamentos, Gandembel e Ponte Balana. Total de ataques e flagelações: 372. Fotos do notável álbum de Idálio Reis, editadas por L.G.

Fotos: © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.



1. Pedido de esclarecimento, enviado a 10 do corrente,  ao Idálio Reis, a propósito de mais algumas passagens de Os Gandembéis:


Idálio: Espero que tenhas tido umas boas (e santas) páscoas. Mando-te mais um poste, relativo ao canto II de Os Gandembeis... Decifra-me as estrofes V e VI... O 'magriço' (o capitão Moura ?) que vai para Bissau, tentar "mexer os seus cordelinhos" (referência á deusa 'Cunha')... É sibilino, para os de fora da tua companhia... Um abração... Luis


2. Resposta do Idálio, com data de 11 do corrente:


Meu caro Luís

Porque teria de estar hoje em Coimbra, cheguei ontem de umas pequenas férias, deambulando por sítios do acaso, em rotas isentas de portagens.

E logo atentei no correio virtual. O Blogue dá a conhecer a morte do teu pai. Ainda que sentisses que a definitiva separação se aproximava, há sempre um sentimento de perda, um pesar profundo.

Quanto ao Cancioneiro, lá o vais divulgando, e os nossos poetas têm gostado.


O Canto II continua a narrar a odisseia de Gandembel, e lembra o 4 de Agosto, o trágico dia do Changue-Iaia.


O [hoje] tenente-general Jorge (Barroso) de Moura, para quem crê que a Cunha o favorece... Este militar era um homem inteligente, não o podemos negar. Foi um dos melhores alunos do seu curso da Academia, que o distinguia dos restantes pares. E,  para além de uma óbvia amizade que tinha com o Almeida Bruno, sempre encontrou,  nos estados-maiores de Schulz e de Spínola, alguém que tivesse sido seu professor.

Quanto ao Maia, já te referi quem era. Com poucos meses de comissão, dos alferes da origem da Companhia, restámos ambos. E sempre nos considerámos, e jamais tivemos uma qualquer quezília, mínima que seja.  Mas considero que o forte Capitão soube bem aproveitar-se do subalterno mais antigo, e este até por vezes se sentia envaidecido.


Há um facto curioso, sobre o qual nunca me referi, porque totalmente urdido e parabenizado pelos militares ditos de eleição, e que tem a ver com os condecorados da guerra colonial. Do que sei, na minha Companhia só houve uma cruz de guerra da 3ª ou 4ª classe, que foi atribuída ao Maia. Mas este assunto é tabu, sobre o qual não gosto de me pronunciar, porque no geral fere susceptibilidades.

A estrofe V, com o magriço a entrar rapidamente no helicóptero... É verdade que Barroso de Moura teve um problema na mão, pois inclusivamente viria a se operado no Hospital de Bissau, já a Companhia tinha abandonado Bissau. Agora o que originou tal traumatismo, não sei. E aqui a voz da caserna até pode ser maliciosa [...].


De todo o modo, as consequências do acidente em trabalho, foram morosas na sua cura, pelo que até creio que o homem poderia necessitar de mezinhas especiais, e que...tornar a Bissau lhe convinha.

                                                                  
V
Mas o magriço, que já então lhe convinha
Tornar a Bissau, acostumado,
Que tempo concertado e ventos tinha,
Para ir buscar o descanso desejado.
Recebendo o piloto que lhe vinha
Foi dele alegremente agasalhado;
Rapidamente no helicóptero entrou
E, sadicamente, c´o a mão ligada acenou.

VI
Jorge de Moura, o forte Capitão
Que a tamanhas empresas se oferece,
De soberbo e altivo coração,
A quem a Cunha sempre favorece,
Para aqui se deter não vê razão,
Que sequiosa a terra lhe parece
Por diante passar determinava
E assim lhe sucedeu como cuidava.


Mais 3 notas:  (i) o furriel Abel Simões, morto no Changue-Iaia, era natural do concelho de Montemor-o-Velho, e não Novo; 

(ii) o posicionamento de Gandembel, era ali bem próximo ao pontão do rio Balanazinho, não mais de 50 metros; 


(iiii) o aparecimento de um gandembelense, o ex-furriel Júlio Madaleno, que ali apareceu para render o Magalhães Alves, gravemente ferido a 15 de Maio na pesquisa de água no Balana. 


Já lhe escrevi [ao Júlio Madaleno], mas não há quaisquer lembranças quanto à presença deste homem connosco. Fiz-lhe um convite para estar na confraternização da Companhia. Mas como pode ser possível que não tenha guardado a mínima recordação de um graduado que ainda esteve algum tempo em Gandembel? 


E, para mim, à falta de melhores desculpas, só encontro uma explicação. Em Gandembel, tudo rodava à volta do grupo de combate, indistintamente. A busca perseverante de se acabar com os trabalhos, não nos dava tréguas. E à noite, o bando aninhava-se, em que os graduados tinham a benesse de não fazerem os postos de sentinela fixos, porque neste aspecto da vigilância a sua função era de maior abrangência, de calcorrear os postos e despertar os mais exaustos.


E por agora é tudo. O Lema Santos, uma figura que muito admiro, também me deu a conhecer a sua satisfação por estar presente em Monte Real.


Um cordial abraço do Idálio Reis    


3. O Júlio Madaleno deixou o seguinte comentário, com data de 10 do corrente,  ao poste P9726 (*):


Velhos companheiros: Certamente não vos lembrais de mim porque fiz uma efémera passagem pela [CCAÇ] 2317 quando quis o destino que fosse substituír o fur mil Alves devido à infelicidade que o vitimou. O meu nome é Júlio Madaleno e operei o tal morteiro 120 que lá foi colocado e estava instalado na parte de trás do abrigo da Browning. Pelas frequentes consultas que faço ao blogue estou informado do livro do amigo Idálio Reis e do almoço programado para 9 de junho [, data do convívio do pessoal da CCAÇ 2317, em Paredes ],  onde vou tentar estar presente para rever antigos camaradas de armas. 

 Um grande abraço do ex-fur mil J M
juliomadaleno@gmail.com  
(No facebook identificável em foto com guitarra).

4. Continuação da publicação de "Os Gandembéis", poema  de autoria coletiva (mas com forte contributo do poeta João Barge, 1944-2010), escrito em 1969, que retrata a epopeia da CCAÇ 2317 em Gandembel e Ponte Balana (*), recolhido e reproduzido pelo nosso  camarada e amigo Idálio Reis, engenheiro agrónomo reformado, residente em Cantanhede, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317, no seu livro A CCAÇ 2317 na guerra da Guiné: Balana / Ponte Balana, edição de autor, 2012 (il, 256 pp.).

Recorde-se o que aqui tem sido dito:  este livro  é uma peça fundamental para a historiografia da guerra colonial na Guiné; o seu lançamento será feito no Palace Hotel, no próximo dia 21, no âmbito do VII Encontro Nacional da Tabanca Grande.  




Canto III

I
Estas sentenças tais o velho honrado
Dizendo estava, quando abrimos
As malas e as fizemos ao sossegado
Vento, e do quartel temido nos partimos. (#)
E, como é já na guerra costume usado
A bandeira desfraldando, o céu ferimos
Dizendo: “Boa viagem”. E logo as viaturas
Fizeram as usadas roncaduras.
II
Passámos à Formosa Aldeia
Que das muitas bajudas assim se chama;
Das que nós passamos a primeira
Mais célebre por nome que por fama,
Mas nem por ser a derradeira
Se lhe avantajam quantas o Moura ama.
Ali tomámos todos um bom assento
Por tomarmos das terra mantimento.
III
Por Nhala passámos, povoada
De gente amiga, que ali vivia;
E de luz total sendo privada
Mesmo assim do turra se defendia.
Novamente nos lançámos à estrada
P’ra chegar a Buba, ainda de dia,
Onde ainda a Companhia não sabe
Se irá haver descanso ou a guerra acabe.
IV
Contar-vos longamente as perigosas
Cousas da estrada, que os homens não entendem.
Súbitas emboscadas temerosas,
Morteiradas que o capim em fogo acendem,
Negros chuveiros, noites tenebrosas,
Bramidos de canhões, que o mundo fendem,
Não menos é trabalho que grande erro
Ainda que tivesse a voz de ferro.
V
Casos vi em que os rudes fuzileiros
Que têm por mestra a longa experiência
Não acreditarem casos certos e verdadeiros,
Mas julgando as cousas só pela aparência.
E os Comandos, com fama de guerrilheiros,
Só por puro engenho e por ciência
Se distinguiam quando formavam,
Porque nas armas aos demais se igualavam.
VI
Daqui fomos cortando muitos dias
Entre tormentas tristes e bonanças,
Na larga mata fazendo novas vias, (##)
Só conduzidos de árduas esperanças.
Com o turra tempo andamos em porfias
Que, como tudo nele são mudanças,
Poder nele achamos tão possante
Que passar não deixava por diante.
VII
Era maior a força em demasia
Segundo para trás nos obrigava,
Da estrada que contra nós ali se abria
Pelo poder da máquina que trabalhava.
Ó malvado Nino da porfia,
Que sempre estás onde a gente estava!
Em vão os tiros esforças iradamente
Pois nós não tememos a tua gente.
VIII
Desta parte descanso algum tomamos
E do rio fresca água, mas contudo
Nenhum sinal aqui da paz achamos
No povo, com nós outros quase mudo.
Ora vejam em que tamanha guerra andamos
Sem sair nunca deste viver rudo,
Sem vermos nunca nova nem sinal
Da nossa tão desejada terra Natal.
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Notas de L.G.:

(#) Abandono do aquartelamento de Gandembel (e do destacamento de Ponte Balana)  em 28/1/1969 e partida para Aldeia Formosa.

(##) Transferência para Buba, em 8/2/1969 onde a CCAÇ 2317  ficou, até 14/5/1969, a fazer segurança aos trabalhos de renovação da velha estrada Buba-Aldeia Formosa.

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Nota do editor:


(*) Vd. último poste da série > 10 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9726: O Cancioneiro de Gandembel (5): Do Hino de Ganbembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte V) (Idálio Reis)

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Guiné 63/74 – P9734: Convívios (413): 29.º Encontro do Pessoal do BENG 447, dia 5 de Maio de 2012 nas Caldas da Rainha e 33.º Almoço do Pessoal da CCAÇ 1911, dia 5 de Maio de 2012 na Mealhada (Lima Ferreira / Fernandino Vigário)

1. Mensagem do nosso camarada Lima Ferreira, ex-Fur Mil do BENG 447:

Caro Carlos Vinhal
Agradecia que divulgasses o Almoço do Batalhão de Engenharia 447 da Guiné.

29. º ENCONTRO DE EX-OFICIAIS, SARGENTOS E PRAÇAS DO BENG 447

QUE SE VAI REALIZAR NO PRÓXIMO DIA 05 DE MAIO, NO RESTAURANTE O CORTIÇO, EM TORNADA - CALDAS DA RAINHA.

AS INSCRIÇÕES PODEM SER EFECTUADAS PARA:

LIMA FERREIRA - lima_ferreira@soldex.pt ou lf.limaferreira@gmail.com
tel. 229 384 595 ou 919 977 304

FRANCISCO ARAUJO - f.g.araujo@live.com.pt
tel. 963 154 718 ou 229 956 462

Cumprimentos
Lima Ferreira

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2. Mensagem do nosso camarada Fernandino Vigário (ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 1911, Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69):

Caro amigo Carlos Vinhal, uma boa noite.
De novo em contacto convosco, desta vez para confirmar a minha impossibilidade de estar presente no convívio da Tabanca Grande em Monte Real. De 15 a 22 do mês corrente, está prevista e marcada uma estadia de sete dias em Albufeira, Algarve, integrado no programa Turismo Sénior Inatel.

Aproveito para enviar em anexo o anúncio do convívio anual do BCaç 1911 na Mealhada, se acaso for possível anunciar o mesmo no Blogue, desde já agradeço.

Um forte abraço
Fernandino Vigário

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 – P9729: Convívios (333): XXI Encontro do Pessoal da CCAÇ 2381, dia 28 de Abril de 2012 em Torres Vedras (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P9733: Memória dos lugares (179): Documentários sobre a Guiné-Bissau realizados Pedro Mesquita com o patrocínio da AD (José Carlos Marques, jornalista)

1. Mensagem de José Carlos Marques, jornalista, com data de 4 de Abril de 2012, dando conta de um projecto cinematográfico na Guiné-Bissau com o apoio da AD:

Caro Carlos Vinhal
O meu nome é José Carlos Marques e sou jornalista.
Escrevo-lhe por causa de um projecto cinematográfico em que estou envolvido, que tem a Guiné-Bissau como pano de fundo.

Em 2011, com o apoio da ONG guineense AD (Acção para o Desenvolvimento), eu e o realizador Pedro Mesquita estivemos em Iemberém, no sul da Guiné, e na região do Cantanhez, onde começámos a filmar um documentário. Estamos a preparar um filme sobre os régulos daquela região e vamos voltar à Guiné-Bissau em Maio deste ano.

Cantanhez de Pedro Mesquita em 2010

Venho pedir a sua ajuda na divulgação deste projecto. Criámos um site que explica o que estamos a fazer.

 O endereço é: www.donos-do-chao.info

Ao mesmo tempo, temos também a decorrer uma campanha de recolha de fundos para financiar o documentário. Estamos inscritos num site de Crowdfunding*, conceito que passa pela recolha donativos particulares para apoiar projectos culturais.

Pode consultar a nossa campanha (em inglês) no endereço www.indiegogo.com/thelandlords

O que lhe pedia era que fizesse chegar aos milhares de visitantes do seu blog a notícia deste nosso projecto e da nossa campanha.

Agradeço desde já a sua atenção.

Com os melhores cumprimentos,
José Carlos Marques
jcmarques78@gmail.com
963 409 492

Nota do editor:
(*) - Ver aqui conceito de Crowdfunding
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9625: Memória dos lugares (178): Sobre a ponte da estrada Canchungo - Cacheu, ao Km 6 (Carlos Schwarz/Pepito)

Guiné 63/74 - P9732: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (35): O Irã animista e o Djinné muçulmano

1. Mensagem do nosso amigo tertuliano Cherno Baldé, com data de 5 de Abril de 2012:

Caro Luis e Carlos Vinhal,
Num comentário ao mais recente Post da minha série de memórias de infancia, o Luis Graça, com a perspicácia que lhe é caracteristico, perguntou-me se, por acaso, havia alguma relação entre o velho Irã dos Poilões sagrados e o Djinné dos muçulmanos.
Nunca tinha pensado no assunto e na tentativa de refletir e encontrar as (des)semelhanças acabei compilando o texto que agora vos envio para vossa apreciação. É um texto de pura curiosidade e criatividade pessoal sem qualquer pretensão de carter sociológico ou etnológico.

Um abraço amigo aos dois e cumprimentos aos demais editores e colaboradores da TG.
Cherno Baldé


Viagem pelas maravilhas da minha terra

O Irã animista e o Djinné muçulmano

Entre o temível e poderoso Irã dos povos animistas das florestas do sul e o Djinné, vizinho ciumento, atrevido e folgazão dos muçulmanos da região Sahelo-Sahariana, coexistem algumas similitudes da mesma forma que se podem observar grandes diferenças, dependendo do ponto de vista de quem observa de fora.


O Irã - onde vive e como se manifesta?

Entre os chamados animistas, o Irã desempenha, por meio de cerimónias, rituais próprios e canais de comunicação específicos, uma importante função reguladora da vida social, económica e politica das comunidades que animam a sua existência, formando um tronco comum cuja base se assenta no culto dos mortos e se reproduz através de mitos fundadores, à volta dos quais se constroem os pilares (a cosmogonia) das sociedades tribais e se processa a ligação essencial entre o mundo visível (dos vivos) e o mundo invisível, ou seja, dos que tendo partido para o além, ainda continuam a influenciar a vida quotidiana dos vivos por meio de sinais e de linguagens que apenas os iniciados, pessoas consagradas, os Djambakôs, podem entender e decifrar.

Falar do Irã é falar da vida que, por sua vez, nos faz retornar a terra, a mãe que gera a vida e que é, ao mesmo tempo, o centro, o umbigo do mundo onde convivem e interagem dois mundos que se afrontam e se completam. A trinómica ligação entre as dimensões: Irã-vida-terra, é tão importante para o funcionamento do culto tradicional como é essencial a manutenção da eterna e fundamental ligação entre o mundo dos vivos e o dos mortos, entre as ideias, a magia e a religião dos homens.

Os Djambakôs, sacerdotes por excelência e intermediários da comunicação entre dois mundos, não usam artefactos alógenos. Os seus pés nus devem estar em contato com a terra, devem ser puros na sua conduta moral e espiritual e fazer uso de uma linguagem simples e genuína.

O Irã pode viver em qualquer sítio porque dotado de poderes e invisível ao olho humano, mas o seu habitat privilegiado são os poilões gigantes de base piramidal e altura imponente das florestas tropicais. Quanto a questão sobre como se desloca e de que se alimenta, os povos animistas, envoltos ainda num espesso nevoeiro de tabus, medos e secretismos não fornecem muitos detalhes a esse respeito, no entanto, sabe-se que a sua característica principal continua a ser o manto sagrado (manifestação do sagrado). O Irã, a imagem e semelhança dos seus seguidores é, acima de tudo, comedido e discreto, sendo também, por acréscimo, nacionalista acérrimo e incansável defensor dos usos e costumes tradicionais.

Local de culto animista

Quanto as cores que usa, no seu dia-a-dia, o Irã tem uma certa preferência pelas cores garridas, em especial a cor vermelha e a rosa, símbolos da vida, da fertilidade e da regeneração natural.

O Irã possui um carácter forte e afoito, tal qual o grau de álcool da sua bebida de eleição, a aguardente. Todavia, não é contra as bebidas mais finas, pois adora o vinho do Porto e não desdenha o uísque ou o conhaque Escocês. Não dispensa, ainda, a água simples e pura, bebedouro das almas penadas. O Irã é, também, um ser profundamente social, com famílias grandes e ruidosas sendo muito exigente quando se trata de zelar pela segurança dos seus bens e a integridade dos membros da sua família, em especial dos filhos.

Divertido, às vezes, sem nunca sair do sério, o Irã é justo nas sentenças que aplica e implacável nas suas represálias. Não esquece uma promessa dada, que pode passar dos avós aos seus bisnetos, de geração em geração, sem mudar a sua essência. As regras que impõe são para cumprir a risca (...)


Djinnégi – vizinhos, admirados e odiados

Quanto ao Djinné dos muçulmanos, qual um rei (Irã) destronado do seu trono de culto, trata-se de um ser ambivalente, dessacralizado, com características que variam entre o ser humano e o ser diabólico, mas sobretudo ele é um ser extraordinário que em certas ocasiões é dotado de super-poderes e noutras não passa de um ser velhaco e oportunista que não hesita em trocar suas pernas tortas e moles com as de uma pobre criança desprotegida.

O Djinné, vizinho admirado e odiado ao mesmo tempo, serve de bode expiatório para justificar as fraquezas do muçulmano assim como todas as frustrações da vida no mundo estreito, obscuro e adverso em que se tenta impor, malgrado a sua crença num Deus Único e Omnisciente. Não estando autorizado a tirar a vida dos homens, uma dádiva de criação divina, ele é, frequentemente, culpado de estar na origem da paralisia infantil e da doença dos pés moles, dos maus-olhados e dos ventos quentes, maléficos das regiões tropicais.

Por vezes tido como profundamente religioso e praticante assíduo, cuja devoção não é valorizada por Deus, Senhor da terra e dos céus, na justa medida da sua dedicação, outras vezes é tido como um alcoólatra incorrigível que estimula a desordem e o caos e atormenta os espíritos mais fracos.

O Djinné, também, habita na natureza, com morada nas grandes árvores, em particular nas mais frondosas e saborosas, a Tabay e a Tambarina. Como as pessoas, em relação aos quais sente inveja e tem ciúmes devidos a benevolência que Deus lhes concedeu em seu detrimento, há Djinnés de todos os tipos e para todos os gostos: homens e mulheres, velhos e jovens, bons e maus. O seu meio de locomoção preferido são os nossos vulgares remoinhos de vento que acompanham o período quente da quaresma tropical.

Regeneração natural > Flor e fruto da bananeira

Assim, os remoinhos concentrados e longilíneos que circundam a aldeia dirigindo-se, calmamente, as bolanhas, junto as nascentes de água, são os mais velhos que vão matar a sede. Os mais novos, quando se deslocam não resistem a tentação de entrar nas aldeias, devastando casas e campos de lavoura, pondo em prática, pelo seu comportamento odioso, as ideias conspiratórias tecidas pelos mais velhos nas conversas de bentém, a sombra das árvores tambarinas e tabay.

Para seu azar, não tem seguidores nem servidores e os seus detratores são numerosos. Às vezes, pondo de parte o terrível ódio da vizinhança, beneficia um ou outro humano, mais perseverante, com a sorte de uma resplandecente e rápida riqueza, mas apesar disso, é ele que carrega a totalidade do fardo da responsabilidade sobre os malefícios humanos na terra.

O Djinné, estando intimamente associado a revelação de fenómenos raros e não controlados pelos humanos, como a riqueza ou o azar que nos invadem sem bater a porta, ele também é considerado um artista e músico de dotes excepcionais. Isto é tão certo que a música que o homem consegue (re)criar para alegrar a sua alma, leviana por natureza, não passa de uma péssima réplica da original e coreográfica Djinnegi ópera.

Mulheres grandes regressando a casa depois do dever cumprido

Por favor Senhor... atende que é uma urgência

Ter a sorte e o dom de assistir à cena de uma concentração desses seres em festa de consagração é o maior espetáculo a que um humano pode ter na sua curta e miserável vida. Mas, como sempre acontece, esta possibilidade, sendo muitíssimo rara, não está isenta de perigos. No mundo fantástico dos Djinnés o riso é um atributo completamente desconhecido e a melodia excepcional saída dos seus instrumentos musicais únicos é acompanhada de uma grotesca e hilariante dança de pés coxos. Assim, aos humanos que foi dado assistir e que não conseguem resistir a tentação do riso são sancionados com a perda imediata das suas pernas a favor daqueles demónios, passando a ornamentar o corpo disforme de um Djinné afortunado, que se vê assim liberto da sua maldita condição, imposta dos Céus, a sua vil, diabólica e Djinnégi raça:

Ao infeliz humano que assim se vê privado dos privilegiados meios de locomoção que Deus, por amor e a sua imagem lhe concedeu, no princípio dos tempos, restará olhar para o céu coberto de nuvens sombrias e marcadas pela fugaz passagem da chuva que demorou a chegar e entoar a cantilena da sua triste sorte nascida no rápido deslize de um (sor)riso humano:

- Nâgghel Nâgghel fêthtu-ferééé!... Ndúunda wyôô kanh-wawymma!!! (1)

É esta a melodia que sai das flautas nómadas dos pastores fulanis e se espalha infinitamente longe no deserto, levada pelo vento e pela brisa quente do Sahara. Cantilena de esperança num mundo em rápida transformação, caminhando firme nos trilhos secos das suas manadas de bovinos, rumo ao sol nascente.

Se é verdadeiro ou falso, desconheço. É esta a mensagem e o ensinamento que nos transmitiram em prolongadas noites de luar africano. A palavra ao seu dono. Quem falou já não está aqui. Enquanto uns vão outros regressam. O fio da vida se tem princípio não tem fim. Tenham boa noite e bons sonhos.

Bissau, Abril de 2012.
Cherno Abdulai Baldé

Notas de Cherno Baldé:
- Djinné - Singular
- Djinnégi - Plural

(1) - “Sol, oh sol amigo, mande a tua luz, intensa, pois as trevas dizem que são mais fortes que tu!!!
Canção de crianças pastores após a passagem das chuvas. Apelo as forças da natureza.

Consulta bibliográfica:
1. Tratado da história das religiões, Edições ASA. 1992 e 1994 de Mircea Eliade.
2. Antropologia: Ciência das sociedades primitivas? De J. Copans, S. Tornay, M. Godelier e C. Backes-Clément. Perspectivas do homem, Edições 70, 1988.

Fotos: © Cherno Baldé (2010). Todos os direitos reservados.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9671: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (34): Cherno Fanca, aliás Cherno Comando, aliás Cherno Amadu...As peripécias de um jovem fula nos labirintos da guerra colonial