Capa da História de Portugal, publicada recentemente em fascículos pelo jornal “Expresso”, com a coordenação do historiador Rui Ramos mais a colaboração de Nuno Monteiro e Bernardo Vasconcelos e Sousa: no seu 8º. volume fala na nossa Guiné.
16 X 23,5; Encadernação: Cartonado; An o: 2009.
A nossa História vai sendo feita, com a distanciação e a ausência de paixões possíveis, respeitando-se a verdade dos factos, respeitando-se a verdade histórica.
(…) O exército português seguiu os manuais de contra-guerrilha: actuou através de pequenas unidades de infantaria ligeira, procurou “africanizar” a guerra e tentou obter a simpatia da população, contribuindo para a melhoria do seu nível de “bem estar.”
(…) Em 1974, 50 por cento das forças portuguesas eram do recrutamento local. Na Guiné, mais de metade dos choques com o PAIGC já era da responsabilidade dos 9.000 homens das milícias nativas. Nesta colónia, entre 1969 e 1974, o exército furou 140 poços e construiu 196 escolas, 630 diques e 8.313 alojamentos e garantiu cuidados de saúde ao nível mínimo da Organização Mundial de Saúde (1 médico por 10.000 habitantes).[4]
(…) Em Portugal, a ditadura impediu debates públicos e a sociedade rural forneceu soldados obedientes e acolheu, com agrado, os seus prés. Como constataram militantes da oposição, na província a guerra foi aceite depois de se perceber que “não matava tanta gente como se julgava.”[5] Eis a verdadeira chave da guerra de África, obscura e pouco mortífera, demorou a impor a urgência de outras soluções.
Leio, a pags. 39: Da Guiné, a 24 de Outubro de 1972, o comandante-chefe (Spínola) informava Caetano de que o PAIGC “atravessa uma grave crise”, encontrando-se “em situação de manifesta inferioridade”.
(Mas)
Como confessou depois de 1974, Marcelo Caetano concluíra “realisticamente” que a “independência” (de Angola, Moçambique e Guiné) era “inevitável.”[6]
Leio a pags. 44:
Marcelo Caetano deu aos generais a oportunidade de protagonizarem grandes manobras e gerarem grandes expectativas. Kaúlza e Costa Gomes chegaram a anunciar o “fim da Guerra”. Spínola compôs uma personagem característica, com monóculo e pingalim, e começou a lembrar o presidente de uma república africana. Aos jornalistas pedia para lhe fazerem perguntas “de maneira a que os seus leitores percebam que onde digo Bissau deve ler-se Lisboa.”[7]
O seu objectivo, tal como o de Kaúlza, era provavelmente a eleição presidencial de Julho de 1972. A reeleição de Américo Tomás terá derivado, tanto da vontade de Caetano em conservar equilíbrios como da apreensão que já lhe inspiravam os “senhores da Guerra.”
Em Setembro de 1972, o chefe do Governo cooptou Costa Gomes para chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, apesar da oposição do Presidente da República. Mas deixou Kaúlza e Spínola a remoer dissidências. Ambos exageraram as vantagens que tinham supostamente adquirido entre 1970 e 1972. Kaúlza prometia a vitória se lhe dessem mais 10.000 homens e Spínola se o autorizassem a negociar com a guerrilha – para melhor culparem Caetano pelo arrastar da guerra. Na Guiné, Spínola deixou correr o rumor de que o Governo, para concentrar recursos em Angola e Moçambique, admitia desguarnecer o território e até provocar uma “derrota calculada.”[8]
A partir daí, os oficiais da Guiné encararam todas as dificuldades – como o abate de cinco aviões entre Março e Agosto de 1973 por mísseis terra-ar – de um ponto de vista apocalíptico. O PAIGC não conquistou nenhuma posição e só em Janeiro de 1974 atingiu outro avião. Mas tudo mudara psicologicamente.
Agora o meu comentário, António Graça de Abreu.
Previam-se, de facto, cenários apocalípticos para a Guiné. Que não aconteceram pela simples razão de que o PAIGC não tinha força, diante de 40.000 soldados portugueses, mais 9.000 tropas africanas, como NT. Os guerrilheiros eram 6.000, apenas 2 a 3 mil no interior da Guiné, Não se registou nenhum apocalipse até à manhã de 25 de Abril de 1974. Mas a guerra ia acabar, tinha de acabar. Não houve derrotas militares nem vitórias militares, mas sim o sinuoso fluir das vontades dos homens por dentro das lágrimas do tempo.
António Graça de Abreu
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[1] Otelo Saraiva de Carvalho, Alvorada em Abril, Lisboa, , 1977, pag91/92. [2] Luz Cunha, A Vitória Traída, Lisboa, 1977, pag. 72.
[3] José Pedro Castanheira, Quem mandou matar Amílcar Cabral, Lisboa, 1999, pag.117 e 219-221.
[4] John P. Cann, Contra Insurreição em África, 1961-1974, o Modo Português de Fazer a Guerra, Lisboa, 1998, pag.pags. 30-31, 136-138.
[5] J. A. Silva Marques, Relatos da Clandestinidade, o PCP visto por Dentro, Lisboa, 1976, pags.85-86.
[6] Marcelo Caetano, Depoimento, Rio de Janeiro, 1974, pag. 34 e O 25 de Abril e o Ultramar, Lisboa, 1977, pags. 13,15 e 64.
[7] Avelino Rodrigues, C. Borga e M. Cardoso, O Movimento dos Capitães e o 25 de Abril, Lisboa, 1974, pag. 246.
[8] Otelo Saraiva de Carvalho, Alvorada em Abril, Lisboa, 1977, pag. 142.
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Nota do editor:
Último poste da série > 2 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10607: Notas de leitura (424): O meu serviço cívico na Guiné, em 1991 (2) (Mário Beja Santos)
É por esta causa que me tenho batido neste blogue, ao longo de mais de cinco anos. Não contra as diferentes e naturais opiniões divergentes de cada um, mas contra os falsificadores da História que, às vezes, brotam na terra do blogue como cogumelos no Outono, cogumelos envenenados, se bem me faço entender. Tenho por detrás de mim o meu humilde, limitado conhecimento e entendimento das coisas do mundo. E, já agora, um mestrado em História (1999) pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
A mais recente História de Portugal, publicada recentemente em fascículos pelo jornal “Expresso” com a coordenação do historiador Rui Ramos mais a colaboração de Nuno Monteiro e Bernardo Vasconcelos e Sousa; no seu 8º. volume fala na nossa Guiné.
Não resisto a transcrever uns tantos parágrafos, enquadrados convenientemente no período que todos vivemos, o fim da ditadura, o ocaso do regime de Salazar e Marcelo Caetano. A páginas 21 e 22-23 desta História de Portugal leio:
Não resisto a transcrever uns tantos parágrafos, enquadrados convenientemente no período que todos vivemos, o fim da ditadura, o ocaso do regime de Salazar e Marcelo Caetano. A páginas 21 e 22-23 desta História de Portugal leio:
Perante a recusa do Governo português em negociar com eles a independência, (os movimentos de libertação) optaram pela luta armada. Nunca, porém conseguiram sujeitar Portugal a uma guerra com a intensidade da que os franceses enfrentaram na Argélia (1954-1962) ou os norte-americanos no Vietname (1964-1972). A partir de países vizinhos actuaram em zonas fronteiriças, através de pequenos grupos cuja acção principal foi a minagem de estradas e pistas ou a realização de emboscadas. Na Guiné, onde devido à pequenez do território o raio de acção da guerrilha foi maior, os 6.000 militantes do PAIGC nunca terão tido sob seu controlo exclusivo mais de 25.000 dos cerca de 500.000 habitantes.[1] Sujeitos a uma vida dura – as suas baixas em relação ao exército português eram 20 vezes superiores[2] – e avassalados por querelas tribais e ideológicas, foram muito susceptíveis a deserções e traições: na Guiné, a PIDE tinha informadores “no núcleo mais chegado à direcção do PAIGC e ao próprio secretário-geral.”[3]
(…) O exército português seguiu os manuais de contra-guerrilha: actuou através de pequenas unidades de infantaria ligeira, procurou “africanizar” a guerra e tentou obter a simpatia da população, contribuindo para a melhoria do seu nível de “bem estar.”
(…) Em 1974, 50 por cento das forças portuguesas eram do recrutamento local. Na Guiné, mais de metade dos choques com o PAIGC já era da responsabilidade dos 9.000 homens das milícias nativas. Nesta colónia, entre 1969 e 1974, o exército furou 140 poços e construiu 196 escolas, 630 diques e 8.313 alojamentos e garantiu cuidados de saúde ao nível mínimo da Organização Mundial de Saúde (1 médico por 10.000 habitantes).[4]
(…) Em Portugal, a ditadura impediu debates públicos e a sociedade rural forneceu soldados obedientes e acolheu, com agrado, os seus prés. Como constataram militantes da oposição, na província a guerra foi aceite depois de se perceber que “não matava tanta gente como se julgava.”[5] Eis a verdadeira chave da guerra de África, obscura e pouco mortífera, demorou a impor a urgência de outras soluções.
Leio, a pags. 39: Da Guiné, a 24 de Outubro de 1972, o comandante-chefe (Spínola) informava Caetano de que o PAIGC “atravessa uma grave crise”, encontrando-se “em situação de manifesta inferioridade”.
(Mas)
Como confessou depois de 1974, Marcelo Caetano concluíra “realisticamente” que a “independência” (de Angola, Moçambique e Guiné) era “inevitável.”[6]
Leio a pags. 44:
Marcelo Caetano deu aos generais a oportunidade de protagonizarem grandes manobras e gerarem grandes expectativas. Kaúlza e Costa Gomes chegaram a anunciar o “fim da Guerra”. Spínola compôs uma personagem característica, com monóculo e pingalim, e começou a lembrar o presidente de uma república africana. Aos jornalistas pedia para lhe fazerem perguntas “de maneira a que os seus leitores percebam que onde digo Bissau deve ler-se Lisboa.”[7]
O seu objectivo, tal como o de Kaúlza, era provavelmente a eleição presidencial de Julho de 1972. A reeleição de Américo Tomás terá derivado, tanto da vontade de Caetano em conservar equilíbrios como da apreensão que já lhe inspiravam os “senhores da Guerra.”
Em Setembro de 1972, o chefe do Governo cooptou Costa Gomes para chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, apesar da oposição do Presidente da República. Mas deixou Kaúlza e Spínola a remoer dissidências. Ambos exageraram as vantagens que tinham supostamente adquirido entre 1970 e 1972. Kaúlza prometia a vitória se lhe dessem mais 10.000 homens e Spínola se o autorizassem a negociar com a guerrilha – para melhor culparem Caetano pelo arrastar da guerra. Na Guiné, Spínola deixou correr o rumor de que o Governo, para concentrar recursos em Angola e Moçambique, admitia desguarnecer o território e até provocar uma “derrota calculada.”[8]
A partir daí, os oficiais da Guiné encararam todas as dificuldades – como o abate de cinco aviões entre Março e Agosto de 1973 por mísseis terra-ar – de um ponto de vista apocalíptico. O PAIGC não conquistou nenhuma posição e só em Janeiro de 1974 atingiu outro avião. Mas tudo mudara psicologicamente.
Agora o meu comentário, António Graça de Abreu.
Previam-se, de facto, cenários apocalípticos para a Guiné. Que não aconteceram pela simples razão de que o PAIGC não tinha força, diante de 40.000 soldados portugueses, mais 9.000 tropas africanas, como NT. Os guerrilheiros eram 6.000, apenas 2 a 3 mil no interior da Guiné, Não se registou nenhum apocalipse até à manhã de 25 de Abril de 1974. Mas a guerra ia acabar, tinha de acabar. Não houve derrotas militares nem vitórias militares, mas sim o sinuoso fluir das vontades dos homens por dentro das lágrimas do tempo.
António Graça de Abreu
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[1] Otelo Saraiva de Carvalho, Alvorada em Abril, Lisboa, , 1977, pag91/92. [2] Luz Cunha, A Vitória Traída, Lisboa, 1977, pag. 72.
[3] José Pedro Castanheira, Quem mandou matar Amílcar Cabral, Lisboa, 1999, pag.117 e 219-221.
[4] John P. Cann, Contra Insurreição em África, 1961-1974, o Modo Português de Fazer a Guerra, Lisboa, 1998, pag.pags. 30-31, 136-138.
[5] J. A. Silva Marques, Relatos da Clandestinidade, o PCP visto por Dentro, Lisboa, 1976, pags.85-86.
[6] Marcelo Caetano, Depoimento, Rio de Janeiro, 1974, pag. 34 e O 25 de Abril e o Ultramar, Lisboa, 1977, pags. 13,15 e 64.
[7] Avelino Rodrigues, C. Borga e M. Cardoso, O Movimento dos Capitães e o 25 de Abril, Lisboa, 1974, pag. 246.
[8] Otelo Saraiva de Carvalho, Alvorada em Abril, Lisboa, 1977, pag. 142.
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Nota do editor:
Último poste da série > 2 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10607: Notas de leitura (424): O meu serviço cívico na Guiné, em 1991 (2) (Mário Beja Santos)