sexta-feira, 28 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11772: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (7): O Xitole e o "alfero" Francisco Silva (CART 3492, 1971/73), a emoção de um regresso



Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 >  Antiga casa do comando, agora transformada em morança particular. "Com que emoção o Francisco Silva descobriu as pinturas nas paredes que alguém,  muito antes dele, ali pintou" (1)


Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 > Antigas instalações das NT, agora edifício do "Comissariado da Polícia de Ordem Pública, Sector do Xitole".



Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 >  "Descer à fonte e beber da água do poço que o outro Silva, o básico, como foi identificado pelo Mamadu, ia esvaziando todos os dias, arrastando a água para o quartel".


Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau (30 de Abril - 12 de maio de 2013) - Parte VII

por José Teixeira


O José Teixeira é membro sénior da Tabanca Grande e ativista solidário da Tabanca Pequena, ONGD, de Matosinhos; partiu de Casablanca, de avião, e chegou a Bissau, já na madrugada do dia 30 de abril de 2013; companheiros de viagem: a esposa Armanda; o Francisco Silva, e esposa, Elisabete; no dia seguinte, 1 de maio, o grupo seguiu bem cedo para o sul, com pernoita no Saltinho e tendo Iemberém como destino final, aonde chegaram no dia 2, 5ª feira; na 1ª parte da viagem passaram por Jugudul, Xitole, Saltinho, Contabane Buba e Quebo; no dia 3 de maio, 6ª feira, visitam Iemberém, a mata di Cantanhez e Farim do Cantanhez; no dia 4, sábado, estão em Cabedú, Cauntchinqué e Catesse; hoje, 5, domingo, vão de Iemberém, onde estavam hospedados, visitar o Núcleo Museológico de Guileje, e partem depois para o Xitole, convidados para um casamento ] (*)... Uma crónica, especial, é devida para celebrar o emocionante reencontro com o passado, por parte do ex-alf mil Franscisco Silva, que esteve no Xitole,  ao tempo da  CART 3942 / BART 3873 (1971/73), antes de ir comandar o Pel Caç Nat 51, Jumbembem, em meados de 1973,[LG]


Parte VII > Encontros e reencontros no Xitole, em 1 de maio de 2013


Palmilhar religiosamente a terra onde estava localizado o quartel, tentando reencontrar as dimensões das casernas, outrora existentes. Calmamente. Saboreando passo a passo o tempo e o solo que pisava. Olhando com nostalgia para os vigorosos poilões que continuam a dar vida e sombra à tabanca. Olhos cravados nos rostos que se aproximam esperando lobrigar um sorriso conhecido, que o tempo não ousara apagar da sua mente.

Localizar os postos dos morteiros 81, eram dois. Um ali, o outro acolá, afirmava convicto.

As valas, salva vidas, cujos contornos ainda estão bem marcados no terreno baldio, onde outrora os corações batiam apressadamente e hoje são um pasto verdejante para alimento das pachorrentas cabras que deambulam perdidas entre as moranças.

O betão dos abrigos, nas extremidades do quartel que resistiu às intempéries e à malevolência dos vencedores. São hoje estranhos monumentos perdidos no tempo e no terreno para a juventude. São um perene testemunho das lutas de vida ou morte que ali se travaram.

A densa floresta que envolve a Tabanca do Xitole, com bandos de pássaros de linda penugem que em revoada se passeiam no céu azul numa algaraviada permanente, continua a guardar bem dentro de si os terríveis mistérios de vida e morte dos tempos da luta.



Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Azarai > 30 de abril de 2013 > Um primeiro encontro inesperado com o passado




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 > O regresso ao passado, à magia da tabanca do Xitole. O Francisco Silva junto ao que resta de um momnumento à CART 2413.



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 > O Aliu do Xitole que reconheceu de imediato o Alfero “paraquedista” , o “Sirva”. Amena cavaqueira com o Aliu a falar do “Alfero Sirva”, "manga de bom pessoal"

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 >O Aliu (antigo menino da messe dos sargentos)  e o Francisco Silva  

Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]


Ainda em Bissau o primeiro encontro com o passado. Passeávamos pela antiga messe dos oficiais, numa viagem de regresso às origens no que hoje é um hotel de luxo – Hotel Azarai, quando um senhor bem vestido o encara de frente e provoca uma conversa. Era o Diretor de um instituto estatal.

Ao tempo, estudava em Bissau e passava as férias na tabanca natal. Pergunta-lhe de repente: 
Você não era o Alferes paraquedista que esteve em tal parte?

Espanto geral do Francisco Silva, hoje médico no Hospital Amadora Sintra. De facto,  era conhecido como o “alferes paraquedista”.

Seguiram-se os primeiros embates com a memória que restou do tempo vivido no Xitole, logo ali alimentados pelo cavalheiro bem vestido e continuaram na tarde do dia seguinte, naquele local sagrado: A Tabanca do Xitole.

Naquele peregrinar numa tarde em que o Sol se esqueceu de nós, as histórias de cada lugar reencontrado, guardadas com acuidade no sótão da sua mente, assaltam-lhe a memória presente e toldam-lhe o pensamento.

Memória alimentada pelo Mamadu Aliu, outrora o menino da messe dos sargentos, que identificou à primeira vista o “Alfero paraquedista”. Sempre ele, calmo e sereno, observador de ouvido atento, como no tempo em que comandava os seus soldados perdidos na selva da guerra.

Os ataques, as reações e os seus efeitos…

A história do “turra” que pretendia matar a sentinela. Para o efeito trazia consigo uma faca afiada nos dois gumes. Morreu com um tiro certeiro, mesmo ali à porta do abrigo, quando se preparava para exercer a sua nefasta ação. O trabalho que tiveram depois para se libertarem do corpo…
“guerra é guerra, meu ermon, como me disse o Braima Camará em 2008, meu inimigo de outros tempos.

A história do saariano apresentado ao Silva como um perigoso cubano. Ele tinha ligado tão pouco a esta cena do saariano, que a deixou escapar da memória, mas veio agora o menino da messe, o Aliu,  recordar-lha com todos os pormenores e quanto o ficaram a admirar pelo seu acto. Contou ele que o Alfero paraquedista se apresentou junto do prisioneiro e lhe fez umas perguntas. Depois mandou que lhe dessem uma cerveja e o mandassem embora. O prisioneiro agradeceu, mas recusou,  alegando que era muçulmano. Então o Silva ordenou que lhe dessem um sumo e deixou-o ir em paz. O Alfero Silva era uma boa pessoa…

A história do ataque sofrido, debaixo de uma terrível tempestade, sem resposta pronta, com muitas granadas a rebentar dentro do quartel. O estrondo da tempestade abafou o ruido das primeiras bombas e só não morreu muita gente no Xitole porque os deuses da guerra estiveram do nosso lado. Não foi no tempo do alferes Silva, mas o Aliu trouxe-o à ribalta

História confirmada nessa mesma noite na Residencial do Saltinho em amena cavaqueira com o guarda noturno da pousada. Não é que ele mesmo foi um dos atacantes, nessa tarde maldita.

Graças a Deus que estamos aqui os dois. Palavras sentidas do antigo inimigo, que também esteve no célebre ataque às cinco da manhã com tentativa de penetração à tabanca, para raptar o régulo, segundo afirmou. Este ataque sofreu-o o Silva com toda a intensidade, competiu-lhe a ele comandar a defesa, como comandante.

O Alferes paraquedista lembrou que viu, neste ataque,  um inimigo em cima de uma árvore e enviou-lhe os seus cumprimentos através de um dilagrama.

O agora amigo e grato a Deus pelas duas vidas que se salvaram confirma que o ataque com as armas pesadas estava a ser comandado de cima de uma árvore. O rebentamento do dilagrama assustou o comandante que caiu abaixo da árvore e partiu uma perna.

Sentados no chão traçaram as linhas de defesa e ataque. Um e outro entenderam-se na perfeição. Ainda se recordam do terreno palmo a palmo e da localização das máquinas que vomitando fogo semearam a morte e a dor. Localizaram as posições das armas pesadas de uns e de outros. A fuga com as granadas a rebentarem nas suas costas. O arrastar dos feridos e foram bastantes. Foi dia de ronco para os tugas comandados pelo Alfero paraquedista.




Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 > > Bajudas (1)


Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 > Bajudas (2)


Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 > Junto ao poço. O velho mecânico, o Seido Baldé, contente por abraçar o "alfero Silva".


Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 > Antiga casa do comando, agora transformada em morança particular.  Pinturas (2)


Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 >  Antiga casa do comando, agora transformada em morança particular.  Pinturas (3)


Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 >Antiga casa do comando, agora transformada em morança particular.  Pinturas (4)


Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]



Descer à fonte e beber da água do poço que o outro Silva, o básico, como foi identificado pelo Mamadu, ia esvaziando todos os dias, arrastando a água para o quartel.

As mulheres e as bajudas a tomarem banho como antigamente com os peitos generosamente descobertos, agora um pouco envergonhadas. Será que é por já estarmos velhos, ou mudaram-se os tempos…

A Casa do Comando, transformada em morança. Os seus habitantes aceitaram o desafio e deixaram o Silva entrar no espaço que foi seu por algum tempo. Com que emoção descobriu as pinturas nas paredes que alguém muito antes do Silva ali pintou. Fotografei-as para a posteridade.

O velho mecânico, o Seido Baldé, veio dar uma ajudinha, a este deambular pela história do alferes Silva relembrando outras cenas vividas num tempo que já passou há muito tempo, mas que continua bem presente nas nossas mentes e só vão desaparecer com a morte que o destino nos marcou.

Braços abertos e sorrisos de quem se bateu por uma Pátria que os abandonou na primeira oportunidade.
Estávamos no dia primeiro de Maio – dia do trabalhador. Um grupo de cidadãos festejava com uma batucada bem regada este grande dia. Não se podia perder esta oportunidade. Há que chamar as nossas mulheres para participarem na festa. Há que cantar e dançar. Há comer e beber à saúde da classe do trabalho que enriquece o mundo, mantendo-se pela sorte maligna que a persegue. Sempre pobrete, mas alegrete.



Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 > Restos do aquartelamento


Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 >Restos do aquartelamento: a vala que corria para o Rio Corubal


Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 >; Seido Baldé  e Francisco Silva



Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 > Amigos posam para a posteridade: Seido Baldé, Francisco Silva e Mamadu Aliu... Ao fundo, uma antena de telecomunicações.

Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]


Para completar tão gratificante tarde, o menino da messe de sargentos convida o Silva para o casamento da sua filha que se realizará no sábado seguinte, sem que primeiro tenha tido o cuidado de ir junto da esposa do Silva para a informar que o alfero Silva era boa pessoa e muito estimada pelos africanos do Xitole.

A saga continuou. Desde o motorista que nos acompanhava, antigo cabo do exército português e nos fala com entusiasmo desmedido dos amigos que viu partir, ao Galissa que em Iemberém se identifica como “bandido que vai na mato” e hoje é o diretor da rádio local.

Não foi por acaso que esteve nas matas de Jumbembem exatamente no tempo em que o Silva comandava o Pelotão de Nativos aí estacionado. Não foi por acaso que estiveram frente a frente num terrível ataque que o PAIGC desenvolveu. Aninhados no chão reestruturam de novo as suas linhas de defesa e de ataque, como se tivesse sido hoje.

Apreciei todas estas (re)vivências do Francisco Silva neste seu regresso à Guiné. Ouvi um antigo soldado português dizer: 
Tive muitos amigos portugueses que caminharam e combateram a meu lado. Grandes amigos. Tenho manga de sodades. Gostava de os poder abraçar de novo…

Perante tantas emoções, eu,  o Zé Teixeira, senti-me na obrigação de abrir a minha veia poética e deixar que a esferográfica deslizasse pelo papel, escrevinhando algumas linhas que pretendem traçar o meu estado de espírito.


GUERRA É GUERRA
por Zé Teixeira

Guerra é guerra, meu 'ermon' (a)
Quando passa, não deixa saudades.
Mas, muitas amizades, neste mundo perdido
Os antigos inimigos se procuram,
Para saldar as contas com um abraço sentido.

Armas caladas,
Em mãos armadas,
Cantam horrores,
Silenciam com a morte,
Quem por má sorte
Lhe sofre as dores.

Sangue e pranto,
Em jorro constante,
Num jardim sem flores,
E na última despedida,
Clamam pela vida,
Que queriam viver.
E pelos seus amores,
A sua razão de ser.

A esperança, essa resiste,
Num corpo ainda quente,
Até aos últimos estertores.
…E uma vida se perdeu.

A seu lado ainda há vida,
E de armas na mão.
Não acredita,
No sangue que correu,
Chora uma lágrima sentida,
E avança.
Destemida.
Na vingança de quem morreu.

Verte a raiva que lhe vai no sangue
Para dentro da palavra
Que transpira asperamente.
Põe o dedo no gatilho,
E com que raiva lavra,
O destino de quem matou.
Inutilmente.

Até que a guerra tem seu fim,
Finalmente.
Inimigos de ontem,
Hoje perguntam, num abraço de paz,
Selado eternamente.
Que fiz eu?
E tu meu irmão,
O que nos aconteceu?

Choram lágrimas de alegria,
Caldeadas com lágrimas de dor,
Não pelo que sofreram,
Já passou,
Sem desejos de vindita,
Mas pelos amigos que perderam,
Na guerra maldita.
Que alguém sem rosto criou.

Zé Teixeira

(a) Braima Cassamá (Antigo guerrilheiro do PAIGC) meu inimigo. Reencontrado em 2008

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Nota do editor:

Último poste da série > 22 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11745: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (6):De Iemberém a Guileje, a caminho de um casamento no Xitole

Guiné 63/74 - P11771: In Memoriam (153): Américo Justino do Carmo Martins, ex-sold cond auto, CCAÇ 557 (Cachil, Bissau, Bafatá, 1963/65): mais um homem bom que se despede da terra da alegria (José Colaço)

1. Mensagem do José Colaço:

 Data: 27 de Junho de 2013 às 23:53

Assunto: Óbito

Caro Luís Graça e editores


Não fazia parte da tertúlia mas fez parte da minha companhia caçadores 557, mais um que se despede de nó, s foi ontem sepultado no cemitério de Santa Catarina, Tavira. O soldado condutor 1600 Américo Justino do Carmo Martins,  vitima de ataque cardíaco fulminante. [, foto à direita].

Era um elemento muito estimado entre nós,  eu perdi um amigo de verdade, era impressionante o modo com ele me abraçava quando nos encontrávamos. 

Era um lemento assíduo, ele e toda a sua família desde filhos,   genros e netos,  em todos os almoços de convívio da CCaç 557. 

Diz-se "queres ser bom,  morre ou ausenta-te",  mas não é o caso do Américo,  ele era aquele homem simples,  sem maldade,  por esse motivo por onde passou deixou grandes amigos. Isso mesmo pode ser comprovado, demonstrado ontem: Santa Catarina e arredores se deslocaram-se em peso,  a dar a gritar em silêncio o último adeus ao Américo.

Um abraço
Colaço.

PS -  Segue em anexo foto do Américo.
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Nota de editor:

Último poste da série > 10 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11688: In Memoriam (152): Cap inf José Jerónimo Manuel Cravidão, cmdt da CCAÇ 1585 (Nema e Farim, 1966/68), morto em combate há 46 anos, em 4 de junho de 1967; natural de Arraiolos, os seus restos mortais repousam em Elvas; nunca foi condecorado (Claudina Cravidão / Jaime B. Marques da Silva)

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11770: Os nossos médicos (55): Sondagem (n=93): 35% dos respondentes dizem ter passado pelo HM 241 (Bissau), e 8% foi evacuado para o HMP (Lisboa)




Sondagem sobre os nossos médicos (n=93).  Período: de 22 a 27 de junho de 2013. Resposta múltipla, em frequências relativas (%)



1. Como sempre nas nossas sondagens, tratando-se de amostras de conveniência, não podemos fazer generalizações para os universo dos nossos leitores que foram combatentes na Guiné, e muito menos para  o universo dos nossos combatentes na Guiné (1961/74).

Mesmo assim, estes dados, respeitantes a 93 respondentes não deixam de ser curiosos, podendo revelar algumas tendências:

(i) Só uma minoria (17%) é que nunca esteve doente, ou pelo menos nunca terá recorrido ao médico ou ao enfermeiro; 

(ii) Três em cada cinco foram vistos, uma ou mais vezes, pelo médico; e outros tantos  pelo enfermeiro;

(iii) Havia um ou mais médicos em cada batalhão; já o mesmo não aconteciam a nível de companhia (segundo 37% dos respondentes);

(iv) 35% da rapaziada conheceu o HM 241 (Bissau); ou esteve lá internado, ou foi lá a uma consulta externa (de especialidade):

(v) Oito por cento do total dos respondentes  foram evacuados para a metrópole, para o HMP (Hospital Militar Principal), em Lisboa...

Seria interessante que estas respostas, apesar do seu nº relativamente reduzido (n=93), pudessem ser objeto de comentários de respondentes e não-respondentes... Como sempre, as respostas são anónimas. E a sondagem realizou-se ao longo de 6 dias (de 22 a 27 de junho, tendo terminado às 13h).. Mais uma vez os nossos agradecimentos a que se dispôs a perder um minuto e fez questão de colaborar. Bem hajam, camaradas!

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Nota do editor:

Último poste da série > 27 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11769: Os nossos médicos (54): Respostas ao questionário: José Colaço (CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) , Fernando Costa (BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, mar73 / set74) , e Rogério Cardoso (CART 643 / BART 645, Bissorã, 1964/66)

Guiné 63/74 - P11769: Os nossos médicos (54): Respostas ao questionário: José Colaço (CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) , Fernando Costa (BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, mar73 / set74) , e Rogério Cardoso (CART 643 / BART 645, Bissorã, 1964/66)

1. Respostas ao questionário sobre os nossos médicos (*):

José Colaço [, ex-Soldado Trms, CCAÇ 557, CachilBissau e Bafatá, 1963/65]

  Luís, não tenho fontes credíveis que possam contrariar o camarada J. Pardete Ferreira mas,  do que se passou com a minha companhia,  parece-me que em princípio iam quatro médicos por batalhão, porque o que retenho na memória é que em cada companhia ia um médico: no caso da minha companhia fazia parte integrante o tenente médico miliciano Dr. Rogério da Silva Leitão e creio que a 555 também tinha um médico e a 556 também e com a CCS seguia também um médico,  creio que com a patente de capitão.

 Em referência à CCAÇ 556 podes colher informações através do ex-alferes Jorge Rosales e da CCAÇ 555 através do ex-furriel Norberto Gomes da Costa, ambos elementos da tertúlia. 

Quanto à CCS do  batalhão 558,  foi para Moçambique mas sei que se reúnem em almoços anuais de convívio.

Se isto puder ajudar,  faz uso dele.

Um abraço
Colaço

PS - No arquivo geral do exército é possível saber se as companhias iam integradas de médico ou não e o José Marcelino Martins com os conhecimentos que tem e a ajuda da Teresinha,  da Liga dos Combatentes, desenleia essa meada,  de certeza.


Fernando Costa [, ex-fur mil trms, CCS/BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, mar73 / set74]

Amigo Luís Graça,

O Batalhão 4513 (Guiné 73/74) só tinha um médico, que estava em Aldeia Formosa. Não havia 3,  como vem  referido no texto.

Fernando Costa
Ex-Furr Mil CCS/BCAÇ 4513

Rogério Cardoso  [, ex-fur mil, CART 643 / BART 645, Bissorã, 1964/66]

Camaradas, vou responder pela ordem:

(i) 4 médicos no Batalhão;

(ii) Ficaram toda a comissão

(iii) Cart 642- Drº Raul Silva, Otorrino-Porto (falecido);

 Cart.643- Dr. Manuel Lourenço R. Campos, Albergaria na Velha:

Cart.644 - Dr. José Luis Barbosa, Espinho;


(iv) Fui consultado várias vezes.

(v) Não havia enfermaria.

(vi) Ao HM 241, fui uma única vez.

(vii)  Sim,  fui evacuado para o HMP, por ferimentos em combate.

(viii) Não.

(ix) Sim,  a população era atendida diariamente.

(x) Centenas,  por mês.
________________


24 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11756: Os nossos médicos (52): Com o pessoal do meu batalhão, partiram, em 24/4/70, no T/T Carvalho Araújo, très alf mil médicos: Vitor Veloso, José A. Martins Faria e Eduardo Teixeira de Sousa (António Tavares, ex-fur mil, CCS/ BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72)

19 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11731: Os nossos médicos (51): O BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) teve pelo menos 4 médicos e prestava assistência à população civil (Benjamim Durães)

18 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11724: Os nossos médicos (50): Os batalhões que passaram pelo setor de Farim tinham um número variável de médicos, de 1 a 4... Quanto ao HM 241, era só... o melhor da África Ocidental (Carlos Silva, 1969/71)

14 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11704: Os nossos médicos (47): Qual era a dotação médica de um batalhão ? Três médicos por batalhão, diz-nos o ex-alf mil méd J. Pardete Ferreira (CAOP1, Teixeira Pinto; HM 241, Bissau, 1969/71)

(...) Questões:

(i) Quantos médicos seguiram com o vosso batalhão, no barco ?

(ii) Quantos médicos é que o vosso batalhão teve e por quanto tempo ?

(iii) Lembram-se dos nomes de alguns ? Idades ? Especiallidades ?

(iv) Precisaram de alguma consulta médica ?

(v) Estiveram alguma vez internados na enfermeria do aquartelamento (se é que existia) ?

(vi) Foram a alguma consulta de especialidade no HM 241 ?

(vii) Foram evacuados para a metrópole, para o HMP ?

(viii) Tiveram alguma problema de saúde que o vosso médico ou o enfermeiro conseguiu resolver sem evacuação?

(ix) O vosso posto sanitário também atendia a população local ?

(x) (E se sim, o que é mais que provável:) Há alguma estimativa da população que recorria aos serviços de saúde da tropa ?...

Guiné 63/74 - P11768: Parabéns a você (594): Vítor Caseiro, ex-Fur Mil da CCAÇ 4641 (Guiné, 1973/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11754: Parabéns a você (594): Vasco Joaquim, ex-1.º Cabo Escriturário do BCAÇ 2912 (Guiné, 1970/72)

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11767: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (17): Jovens politicamente atentos

1. Mensagem do dia 24 de Junho de 2013, do nosso camarada  Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, BissauBissorã e Mansabá, 1965/67):

Cartas de Amor e Guerra

Nota prévia:
[A publicação de vastos excertos da minha correspondência de guerra tem, como único objectivo, o de dar a conhecer alguma coisa da vida mais pessoal de UM soldado, EU neste caso, enquanto combatente numa certa guerra e num determinado tempo histórico, com os seus amores, amizades, ideias políticas, formação cultural e religiosa, etc.
Não serve, hoje, para travar qualquer batalha, muito menos de cariz político-ideológico. Porventura, também terá algum interesse para possíveis investigadores que queiram caracterizar certo tipo de combatentes, não mais do que isso.
Actualmente, como é natural, sou uma outra pessoa, tenha conservado ou não algo da minha maneira de ser e de pensar de então. Não apago nada, antes tenho orgulho do “eu” que ressalta desta correspondência de amor e guerra, mas seria abusivo que quem me lesse me pensasse, hoje, a “figura” esparramada no conteúdo desta correspondência de há mais de 46 anos.
O mesmo digo sobre o que se passa com a parceira destas cartas, a minha querida namorada / companheira de então e até hoje.]

Manuel Joaquim


CARTAS DE AMOR E GUERRA

17. Jovens politicamente atentos

Bissorã, 1966 > Praça com monumento a Raimundo Serrão, Governador da Guiné (1949 – 1953) e Estação dos Correios. 
Foto retirada, com a devida vénia, de “Rumo a Fulacunda”, blogue de Henrique Cabral (fur mil CCaç 1420) 

Bissorã, Nov.-17-1965
Agradavelmente, minha querida, li a tua última carta mais pelo espírito de contemporização consciente que demonstras perante certos pequenos conflitos que surgem entre nós do que por qualquer outro motivo.
(… … …)
Tanto tu como eu devemos andar com os nervos à flor da pele. O mais pequenino desentendimento pode provocar uma “explosão” (…). Mas nada de grave acontecerá.
Já cá recebi os cigarros. Agradecido por não teres deixado fugir a oportunidade de me presenteares, (…).

(…), isto cá vai correndo. (…), continuo sem me ressentir fisicamente do esforço que me é exigido.
A temperatura é tolerável. Embora durante o dia faça um calor de rachar, respira-se agradavelmente logo que desaparece o sol. E as noites chegam a ser bastante frescas. Estamos na época do cacimbo. Até Maio não chove. Por mais incrível que pareça, já bati o queixo com frio por duas vezes. Mas isto só sucede em operações no mato.
Às vezes somos obrigados a estar horas seguidas na mais completa imobilidade e, se isto sucede quando estamos molhados - atravessar pântanos com água pelo pescoço é um martírio – então o friozinho aparece renitente. (…) pouco tempo depois de o sol nascer, o calor começa então a apertar numa progressão de espantar.
(… … …)
A diferença horária é, no respeitante à Metrópole, de uma hora mais cedo durante a hora de inverno de aí e de duas horas na de verão. As noites são praticamente iguais aos dias. Pelas 5.30h da manhã começa a amanhecer e anoitece pelas 17.30h. Tanto o amanhecer como o anoitecer são bastante rápidos (mais ou menos meia hora).

Já há tempos te disse que Bissorã é uma vilazinha sede de concelho. Antes de rebentar a insurreição dizem que tinha uma vida bastante movimentada. Agora está um pouco paralisada. Deve ter uns dois mil e tal habitantes. Praticamente, a população é negra como não podia deixar de o ser. Há cá alguns comerciantes brancos mas não são portugueses, são emigrantes libaneses. Estes, com alguns caboverdeanos, são a elite cá da terra. Estão aqui duas companhias aquarteladas. Os sargentos vivem em casas particulares. Aquela onde estou é bastante boa e espaçosa. Se me esquecesse de que à volta existe a floresta cheia de guerrilheiros (à volta da vila, não da casa) pensaria que estava hospedado numa boa pensão. É que até as refeições são servidas num pequeno restaurante. Não temos messe. (…).

Centro de Bissorã, nos inícios da década de 1970. A marca (O), à esquerda - baixa da foto, identifica a casa onde habitei durante um ano (Out./65 – Out./66)
Foto do cap mil Carlos Oliveira, cmdt. CCaç 13, retirada com a devida vénia do website leoesnegros.com.sapo.pt/ de Carlos Fortunato, fur mil CCaç 13.

As operações fazem-se, normalmente, de noite (…) prolongando-se pelas primeiras horas da manhã. Regressamos completamente arrasados de cansaço. É que além da tensão psíquica há sempre uma caminhada (…), pelo meio da selva e dos pântanos, a abrir caminho. Depois descansa-se.

Já tive a sorte de em 15 dias fazer uma só operação. Foi aquela sequência de dias de sorna! Levantamo-nos quando queremos, ninguém nos chateia e chegam-se a passar dias a dormir, comer, ler, ouvir música e, como não podia deixar de ser, a escrever.

Não imaginas o cansaço que se apodera de nós depois de uma operação. Para fazeres uma ideia digo-te que, uma vez, ainda na operação mas já no regresso a Bissorã, sofremos um ataque. Está claro que a primeira coisa a fazer é atirarmo-nos para o chão e procurar um abrigo qualquer. Pois, nesta altura, um soldado da minha secção, com as balas a assobiarem por cima de nós, adormeceu! Dei por isto quando senti ressonar a meu lado. Tínhamos passado toda a noite a andar!

Ao regressarmos, o chuveiro e a cama são uma obsessão. Mais nada lembra. Acontece às vezes chegar correio nesta altura. Os olhos abrem-se a custo, olha-se para a carta, põe-se em cima da mesa-de-cabeceira e dá-se meia volta para “o reino de Morfeu”.

Ainda hoje presenciei um facto destes. Um camarada chega do mato, lava-se, estira-se na cama. Chega correio da mulher. Apesar de já há alguns dias andar preocupado com a falta de carta (…), só aconteceu isto: abre o sobrescrito, tira a carta e … o envelope cai para o chão, as folhas ficam-lhe em cima do peito e o rapaz cai num profundo sono. (… … …).

(…), penso que te dei uma ideia mais exacta do que é a nossa vida por aqui. Surgem bons momentos que amenizam a dor que, lá bem no fundo, habita estes corpos lançados abruptamente numa guerra estúpida. Relembram-se peripécias passadas, contam-se anedotas, joga-se, procura-se por todos os meios esquecer, tentar esquecer a posição actual em que nos encontramos.

Bissorã, 1966 > O “restaurante” do Sr. Maximiano e da D. Maria ou a célebre tasca / messe de sargentos. Comia-se bem (pelo menos no meu tempo).
© Rumo a Fulacunda, blogue de Henrique Cabral (fur mil CCaç 1420)

E já que estou a falar dos meios de passar o tempo, lembro-te que há uma falta imensa de notícias da Metrópole. Não no aspecto pessoal mas no geral. E vou fazer-te um pedido. Talvez, de vez em quando, o possas satisfazer. Era nem mais nem menos que o envio de jornais e revistas. (…). Aqui, um jornal de há quinze dias lê-se com a mesma sofreguidão com que aí se lê o diário da tarde ao sair do prelo.

Quando estiveres disposta a fazê-lo e tiveres possibilidade, manda-me o “Diário de Lisboa” [*] ou o “República”[*] ou os dois, de dias diferentes, e a revista “Seara Nova”[*]. Se em qualquer outro jornal, ou mesmo nesses, achares um assunto que julgues interessar-me podias recortá-lo e mandar-mo numa carta.

Esse tal “Manifesto da Oposição Democrática”? Não tens possibilidades de o recortar de algum jornal? Gostava de o ler. A revista “Seara Nova” é mensal. Quanto a qualquer outra revista peço-te que não gastes dinheiro de propósito para ma enviares. (…). Que dizes? (…). Desculpa todo o trabalho que com este pedido te possa vir a dar. (…), esse teu possível gesto contribuiria para amenizar um pouco as agruras desta vida. (…).

Meu amor, por hoje fico-me por aqui (…). Uma carta diferente (…). Com ela poderás acompanhar-me melhor. E imaginarás mais facilmente o ambiente em que vou passando estes longos dias à espera de te ir cair nos braços, respirar fundo e gritar-te:
- É agora, minha querida! Estou livre! Vamos para a frente! Construamos o nosso mundo!

Ajuda-me a suportar todo este Inferno!
Todo teu, apaixonadamente, beijo-te e abraço-te. Até sempre!
M.

[*] [Os “Diário de Lisboa” e “República” (jornais diários) e a revista mensal “Seara Nova” estavam ligados à oposição política ao Governo e ao regime do Estado Novo, declaradamente os dois últimos. Em 1965, era Oliveira Salazar o chefe do Governo. Marcelo Caetano suceder-lhe-ia em Setembro de1968.]


Vale de Figueira, 24 – Nov. 1965 
(… … …). 
Satisfazendo o teu pedido, segue o Manifesto da Oposição. Deu que falar pelo país inteiro, alarmado com a liberdade da sua publicação em todos os jornais diários. O que não quer dizer que não tivesse havido prisões, originadas pela simulada liberdade de imprensa (…). Ao tomarmos conhecimento do seu conteúdo fica-se de boca aberta, apalermado. Como foi possível ter passado à célebre censura portuguesa? Mas a verdade é que passou. Mais para fazerem crer ao nosso povo que goza de completa liberdade e que o governo actual, pacífico e sempre atento às necessidades e aspirações desse mesmo povo, o escuta para depois decidir se deve atendê-lo. 
São eleições livres, como apregoam à boca cheia … e a publicação deste Manifesto não foi mais do que uma armadilha atirada ao povo. Pretexto para justificarem essa afirmação de liberdade, verídica quanto a eles, asquerosamente vergonhosa e mentirosa quanto a nós. 
Alguns dos candidatos pelo círculo de Braga (…) já lhes caíram nas garras e pagam essa liberdade nas masmorras de Caxias. Foram os únicos que levaram por diante, até onde lhes foi permitido e possível, as suas manifestações. Conservaram-se em acção, firmes nos seus propósitos até à última hora. Por fim, sem auxílio dos outros círculos que foram ficando pelo caminho, a única alternativa que lhes restava era também desistir. (…). 
E cá continuamos na mesma, senão pior ainda. A situação que se respira na metrópole é bastante difícil. (…). O descontentamento é geral. (… … …). 
Agora, ponto final nestes assuntos e vamos falar de nós. 

(…), fiquei imensamente satisfeita com a tua última carta, a que escreveste aí em 17 do corrente. Uma tranquilidade tão grande, confiança, alegria quase invulgar para os que se encontram em tais situações. Até o trabalho me corre melhor, (…). 
(… … …). 
Agora, meu amorzito, pelas tuas indicações sobre a tua situação (…), “controlo” mais acertadamente as tuas actividades. Sei que enquanto estou na minha repartição, tu tens umas horas de folguedo, de liberdade. Enquanto durmo, tu te debates, tu estás jogando a tua vida. E como todos, esse jogo é incerto. Tanto se pode ganhar como perder. (…) nós cremos que a sorte nos favorecerá e o prémio desse jogo será a tua sobrevivência, a tua saída, ileso, desse inferno. (… … …). 

Os jornais e revistas que me pedes e outras que tenho, enviar-tos-ei logo que possível. Já tinha pensado nisso. Só o que me não ocorreu é que poderia recortar os assuntos que te pudessem interessar e mandá-los por carta. Como tenciono, agora, mandar-te uma encomenda em caixote, aproveito para te mandar algumas revistas e jornais. 
(… ……). 
Recebe os mais ternos e carinhosos beijos e abraços da tua N.


Na imagem supra: 
“Manifesto à Nação" > cabeçalho de um doc. político extenso (mais de 5000 palavras), publicado no “Diário de Lisboa” de 15 de outubro de 1965.
Fonte: Fundação Mário Soares > Imprensa diária > Fundo DRR-Documentos Ruella Ramos.

Na imagem abaixo:
“Manifesto à Nação” > Excerto deste doc. onde se fala da política ultramarina então seguida pelo governo português.


[Dizem ainda os signatários deste “Manifesto à Nação” que na campanha eleitoral para as eleições legislativas teriam de aludir ao “Caso do Relatório da ONU contra Portugal”. E sobre este assunto declaram:]

"O país tomou conhecimento através de uma nota do Ministério dos Negócios Estrangeiros - que diga-se de passagem ilustra bem os métodos habituais do regime para quem a opinião pública interna não conta – da existência de um relatório elaborado pelo Secretariado da ONU a pedido do Comité de Descolonização, e no qual ao que se diz, além de se citarem “tendenciosamente textos oficiais”, de “erros de facto” e de “insinuações”, se fazia “pela primeira vez” um comentário analítico de modificações na composição do governo português. 
Através da nota do Ministério dos Negócios Estrangeiros não se fica a conhecer mais do que brevíssimos tópicos do Relatório da ONU e da resposta do governo português. No entanto, há um facto inacreditável que avulta sem contestação: é que o governo português exige, em nome da justiça, uma ampla divulgação do seu documento igual à que obtivera, ao que parece, o texto das Nações Unidas. Está certo: deseja-se que o mundo possa conhecer e aquilatar das razões do Governo mas, paradoxalmente, nega-se, do mesmo passo, esse direito ao Povo Português – que pareceria dever ser o primeiro dos interessados em conhecer e meditar os documentos em presença! 
Quer dizer: a uma avidez de publicidade no exterior corresponde uma cruel e desprestigiante negação da mesma publicidade no plano interno. Com a diferença: é que, segundo os jornais portugueses depois informaram, a ONU corrigiu o erro publicando a defesa do Governo enquanto o nosso Povo continua na ignorância - sem saber em que consistiu o ataque que nos foi feito e, bem assim, as razões de defesa invocadas”.
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11732: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (16): Aerogramas e insuficiência das mensagens

Guiné 63/74 - P11766: Convívios (518): 6ª jornada da Tabanca da Ajuda Amiga, no Forte da Lage, em Paço d' Arcos, Oeiras, 5ª feira, dia 27 de junho (Carlos Silva)




1. Mensagem do nosso amigo  e camarada Carlos Silva, membro da direção da ONGD Ajuda Amiga  [, foto à esquerda]


Data: 25 de Junho de 2013 às 08:20
Assunto: Tabanca  da Ajuda Amiga: convívio 27-06-2013


Amigos & Camaradas

Na próxima 5ª feira temos a 6ª jornada da Tabanca da Ajuda Amiga no Forte da Lage, em Paço d' Arcos, [Oeiras].

Segue a ementa.

Devem telefonar previamente para a Dª. Emília, telemóvel 917 248 557, para informarem qual o prato preferido.

Um abraço e até 5ª feira para quem vai
Carlos Silva

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P11765: Convívios (517): Amargos chocolates no último Encontro da 2.ª C.ª/BCAÇ 4512, dia 1 de Junho de 2013, em Fátima (Manuel Luís R. Sousa)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Sousa (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), com data de 16 de Junho de 2013:

Camarada e amigo Carlos Vinhal:
Com os meus cumprimentos, envio-te em anexo um texto, ilustrado com algumas fotografias, alusivo ao encontro dos ex-combatentes da 2.ª Companhia do Batalhão 4512, a que eu pertencia, que esteve sediada em Jumbembém, Farim, Guiné,de 1972 a 1974, que teve lugar no passado dia 1 de Junho em Fátima.
É uma espécie de acta do evento que põe em evidência emoções fortes desse dia, num misto de alegria e alguma tristeza, atentas as circunstâncias ali expressas.
Coisas de ex-combatentes!

Um abraço
Manuel Sousa


“AMARGOS” CHOCOLATES! 
SENTIMENTOS DE EX-COMBATENTES!

Volvido todo este tempo, cerca de quarenta anos depois, após a guerra colonial, é ver os ex-combatentes, ano após ano, a percorrerem quilómetros a partir das mais diversas localidades do país, e mesmo do estrangeiro, a convergirem para um ponto de encontro, ávidos de se encontrarem e confraternizarem com companheiros de armas, movidos por esses sentimentos recíprocos de afectividade que perduram no tempo tantos anos depois.

É aí que recordam, entre efusivos cumprimentos, bom repasto e alguns copos bem bebidos, as peripécias de guerra em que se viram envolvidos em campanha, ao serviço da Pátria.

Recordam também os episódios colaterais à guerra colonial, como, por exemplo, o seu relacionamento com as bajudas, no caso da Guiné, com as crianças e a população nativa em geral e, ainda, dos bons momentos, apesar de tudo, passados entre companheiros de luta.

Em suma, recordam esses instantes que lhes absorveram parte dos verdes anos da juventude, em que, pela irreverência própria da idade, e alguma irracionalidade até, se consideravam imortais, por paradoxal que pareça, mesmo sabendo que a todo o momento uma bala lhes poderia trespassar o corpo ou uma mina poderia explodir debaixo dos pés, fazendo-os desaparecer.

Impelidos por esses laços de amizade que nos unem, vincados, portanto, por essas adversidades em que nos vimos envolvidos, no passado dia 1 de Junho teve lugar o nosso encontro anual, da 2.ª Companhia do Batalhão 4512 que esteve em campanha em Jumbembém, Farim, Guiné, de 1972 a 1974.

Este ano o local escolhido foi Fátima.
Acompanhem-me nas emoções deste dia:

Depois da concentração da maior parte dos ex-combatentes, os do norte, no parque de estacionamento do Jumbo da Maia, segui-se a viagem de autocarro, rumo a Fátima.

Fizémo-nos à estrada, de autocarro, em direção a Fátima. 
(Foto de Eduardo Augusto da Silva)

O encontro com os ex-combatentes do centro e sul do país foi junto à Capelinha das Aparições, sendo um pouco perturbado o silêncio daquele local de oração com os efusivos cumprimentos entre todos pelas saudades acumuladas ao longo do ano, e durante quarenta anos em relação a alguns que pela primeira vez se juntaram a nós.

Ponto de encontro junto à capelinha das aparições em Fátima, onde se nota a presença de alguns ex-combatentes. 
(Foto de Eduardo Augusto da Silva)

Seguiu-se a homilia na Capelinha das Aparições pelas intenções da multidão habitual presente e em especial pelos ex-combatentes já falecidos, quer em relação aos nossos companheiros, quer quanto a outro contingente que combateu em Moçambique.

Depois da missa, retomámos o autocarro em direcção ao restaurante “Truão” situado nos arredores de Fátima.
Entremos pois e vejamos o que o dia nos reservou neste local.

À entrada do restaurante “Truão”. 
(Foto de Eduardo Augusto da Silva)

Uma vez já instalados à mesa, já a petiscar as “entradas”, o nosso anfitrião António Bastos, pediu-nos que nos levantássemos e que ficássemos em silêncio em homenagem aos nossos companheiros falecidos. As emoções ficaram ao rubro, com o derramamento de algumas lágrimas aqui e ali, quando, surpreendentemente, através da instalação sonora do restaurante, ecoaram os acordes do “toque de silêncio” que se prolongaram durante cerca de três minutos.
Seguiu-se em uníssono a reza de um “Pai Nosso” por alma desse nossos companheiros nesse momento solene e de pesar.

Todos em silêncio, durante cerca de três minutos, enquanto se ouviam os acordes do “toque de silêncio” através da instalação sonora do restaurante.
(Foto de Eduardo Augusto da Silva)

- Uma salva de palmas para todos (os falecidos). - Bradou o nosso “Rio Mau” após a oração.

A salva de palmas pedida não se fez esperar e soou por toda a sala.

Ainda tomados pela comoção do momento, retomámos então as “entradas” e as hostes iam ficando animadas, como é habitual nestas alturas, em são convívio, entre a jantarada e uns copos bem bebidos ao longo da tarde.

Momentos do convívio. 
(Foto de Eduardo Augusto da Silva)

No final do dia, ao microfone, o nosso anfitrião António Bastos preparava-se para dar por terminado o convívio, altura em que eu interferi, quebrando o guião que estava estabelecido, para transmitir uma mensagem que era, no fundo, dar-lhes conta, a todos os companheiros, de um texto que enviei aqui para o blogue, onde tinha sido publicado poucos dias antes (P11626)*.

Tomei então a palavra, fiz uma pequena introdução saudando todos os camaradas, especialmente aqueles que, quarenta anos depois, pela primeira vez, se tinham juntado a nós, e saudei também, particularmente, duas pessoas especiais que se encontravam na sala.

Feita esta introdução, fiz a alocução da mesma mensagem, uma espécie de acta que lavrei sobre o convívio do ano anterior, por razões excepcionais que podereis verificar, cujo texto a seguir transcrevo no essencial:

“À MEMÓRIA DE UM COMPANHEIRO EX-COMBATENTE

No dia 26 de Maio de 2012, teve lugar o último encontro de ex-combatentes, relacionado com a minha 2.ª Companhia do Batalhão 4512, cuja comissão decorreu nos anos de 1973 e 1974 em Jumbembém, Farim, na Guiné.

O evento teve lugar na freguesia de Ruivães, Vila Nova de Famalicão. O ponto marcado para a concentração da maior parte do pessoal, para seguir depois todo junto até Ruivães, foi no parque de estacionamento do Jumbo da Maia.

À medida que uns e outros iam chegando, sucediam-se os efusivos cumprimentos entre todos os companheiros de luta, uns pela saudade acumulada durante o último ano, outros, pelo menos um, por ter sido a primeira vez que se juntavam a nós.

Nestas alturas é incontornável falar-se de episódios de guerra, e não só, que nos marcaram durante a nossa comissão em campanha durante dois anos da nossa juventude…

…Depois da concentração, à hora marcada, partimos para Ruivães, onde fomos recebidos pelo anfitrião organizador da festa, na sua própria vivenda, o também ex-combatente, nosso companheiro, José Carvalho de Sousa.

Este nosso companheiro era emigrante na Suíça que, juntamente com a esposa e a filha, D. Goretti e Alzira, respectivamente, ao longo de vários anos em que estes encontros se têm vindo a suceder, viajava expressamente daquele pais para Portugal e vice-versa para se juntar a nós nestes dias.

Era um companheiro alegre e bem disposto que nos brindava e mimava com os chocolates da Suíça que com satisfação nos distribuía, ora no autocarro em viagem para o local previamente estabelecido, ora já no restaurante da festa.

No ano anterior, em 2011, no decorrer do encontro na Mealhada, o nosso amigo José Carvalho de Sousa manifestou o desejo de ser ele o organizador da festa de 2012. E assim foi.

Esperava-nos então em Ruivães um encontro inesquecível:

A recepção aos ex-combatentes foi feita com a contagiante alegria deste nosso anfitrião na sua bonita vivenda que construíra com as suas poupanças de emigrante em local nobre da freguesia de Ruivães, ali junto ao adro da igreja paroquial.

Seguiu-se a homilia habitual naquela igreja em homenagem aos nossos companheiros já falecidos e, à saída, para nossa surpresa, assistimos à exibição da fanfarra dos Bombeiros Voluntários locais.

Entrámos depois no salão paroquial, paredes-meias com a mesma vivenda, onde nos foi fornecido um lauto banquete por uma empresa de restauração, abrilhantado, para mais uma surpresa nossa, por um conjunto musical lá da terra.

Seguiram-se algumas intervenções de camaradas que, invariavelmente, aludiam à excepcional organização da festa por este nosso companheiro, perante a sua esfuziante alegria e alguma emoção que nos contagiou a todos.

Eu próprio intervim, revelando a todos o projecto em curso do meu livro PRECE DE UM COMBATENTE, prestes a ser concluída a sua edição, cujas histórias ali relatadas eram comuns a todos nós.

O nosso amigo anfitrião comeu, falou, dançou, transpirou, emocionou-se, distribuiu os habituais chocolates, ofereceu lembranças, entre as quais umas garrafas de bom vinho.

Enfim, era manifesta a felicidade que lhe ia na alma pela festa que nos proporcionou, totalmente a expensas suas, pois não aceitou um cêntimo que fosse de ninguém.

Terminada a festa, nos dias imediatos, regressou à Suíça com a família de onde tinha vindo propositadamente para organizar a festa, embora com o apoio de dois camaradas, o Bastos e o Carneiro.

Volvidos cerca de dois meses, nos primeiros dias do mês de Agosto, voltávamos a Ruivães em circunstâncias bem diferentes!:

Fomos despedir-nos do nosso inesquecível camarada José Carvalho de Sousa que acabava de ser “mobilizado”, desta vez para integrar o exército de Deus lá no Céu.

Ele tinha-se despedido de nós, de facto, conscientemente ou não, há dois meses atrás quando, rejubilando de alegria, nos recebeu.

Já não tive oportunidade de lhe oferecer um livro, visto que o primeiro que recebi foi precisamente no dia do seu funeral, quando regressei a casa.

Fiz questão de o oferecer mais tarde à família.

A sua figura ficará gravada de forma indelével nas nossas memórias enquanto por cá andarmos.

Até um dia companheiro. Maio de 2013”

Terminada a minha mensagem, dados os seus contornos, espontaneamente atroou pela sala uma longa salva de palmas em homenagem ao nosso amigo José Carvalho de Sousa, entre soluços e algumas lágrimas, mais evidentes nas duas pessoas especiais que, como disse, se encontravam no local. O silêncio caiu novamente na sala no meio de toda a comoção, em contraste com a animação que se sentia naquele final de convívio.

Depois da morte deste nosso companheiro ficou em nós a tristeza de, nos futuros convívios, nunca mais sermos mimados pelos chocolates com que ele sempre nos brindava.
O mesmo era dizer que ele nos tinha deixado para sempre.

Recuando um pouco, ao momento da concentração no princípio do dia, no Jumbo da Maia, eis a minha primeira emoção do dia que me tocou particularmente:
Ali chegavam também, para minha grande surpresa, a esposa e a filha do nosso saudoso companheiro, vindas expressamente da Suiça para se juntarem a nós neste dia, as duas pessoas especiais que estavam na sala a que antes me referi.

Com elas traziam, imaginem, o que me sensibilizou ainda mais, além de admirar a sua coragem em terem vindo, a cestinha dos chocolates com que aquele saudoso camarada sempre nos brindou ano após ano.

Para terminar, e era aqui que eu queria chegar, além de vos apresentar a “acta” do convívio deste ano, a presença deste nosso companheiro, enquanto esteve entre nós, era indissociável dos chocolates com que habitualmente nos brindava.
Porém, a simpática oferta desta guloseima por parte da esposa e da filha este ano não esteve associada à sua presença, para tristeza de todos nós.

Atentas estas circunstâncias, “amargos” chocolates aqueles!

Terminado o convívio, em que foi patente ao longo de todo o dia a alternância de momentos de alegria e de tristeza, a que estive atento e aqui tentei reproduzir, finalmente a fotografia de família para a posteridade e, depois, o regresso a casa.

Foto de família no final do convívio para a posteridade. 
(Foto de Eduardo Augusto da Silva)

Foi um dia de emoções fortes!
Coisas de ex-combatentes!

Junho de 2013
Manuel Sousa
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 25 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11626: In Memoriam (151): À memória do meu companheiro ex-combatente José Carvalho de Sousa do 4.º Pelotão/2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512 (Manuel Luís R. Sousa)

Último poste da série de 25 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11761: Convívios (516): Último lembrete para o 3.º Encontro dos Bedandenses, a levar a efeito no dia 29 de Junho de 2013 na Mealhada (António Teixeira)

Guiné 63/74 - P11764: Os nossos médicos (53): Homenagem ao pessoal da saúde do meu BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74 (Juvenal Amado)


Guiné > Zona leste > Setor L5 > Galomaro >  CCS/BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74) > Alf mil médico Vieira  Coelho, ou simplesmente dr. Vieira Coelho. [, Presumo que seja o dr. Mário Jorge Silva Vieira Coelho, especialista em ortopedia e traumatologia, com consultório no Porto (LG)].

Guiné > Zona leste > Setor L5 > Galomaro >  CCS/BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74) > Da esquerda para a direita: dr. Pereira Coelho mais alferes mil Vasconcelos, Veiga e Parente

Guiné > Zona leste > Setor L5 > Galomaro >  CCS/BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74) > Fur mil enf Graça mais os seus ajudantes, Santos e Correia, na enfermaria.

Guiné > Zona leste > Setor L5 > Galomaro >  CCS/BCAÇ 3872 ( Galomaro, 1971/74) > O enfermeiro Catroga, prestando à população civil cuidados de enfermagem comunitária, ou "em ambulatório"

Guiné > Zona leste > Setor L5 > Galomaro >  CCS/BCAÇ 3872 ( Galomaro, 1971/74) > Enfermeiro Catroga e o Padre Nuno

Guiné > Zona leste > Setor L5 > Galomaro >  CCS/BCAÇ 3872 ( Galomaro, 1971/74) > Natal de 1973 > Dr , Narcíso, Alf Farinha, Sardeira, Catroga, Correia e André.

 Guiné > Zona leste > Setor L5 > Galomaro >  CCS/BCAÇ 3872 ( Galomaro, 1971/74) > O alf Vasconcelos e o Médico Vieira Coelho

Guiné > Zona leste > Setor L5 > Galomaro >  CCS/BCAÇ 3872 ( Galomaro, 1971/74) > Pessoal de saúde de prevenção no decorrer de uma operação.

Fotos (e texto): © Juvenal Amado (2013). Todos os direitos reservados.


1. Fotos enviadas pelo Juvenal Amado [, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74; natural de Alcobaça, vive em Fátima]:


Camaradas,  este é um pequeno contributo para o tema [Os nossos médicos] mas também uma homenagem devida por nós todos.

Um abraço
Juvenal Amado


2. Os nossos médicos, por Juvenal Amado


No dia 18 de Dezembro de 1971, o  dr. António Pereira Coelho embarcou no Angra do Heroísmo integrado no Batalhão 3872, rumo à Guiné.

Penso que já estava em Galomaro no início de Fevereiro de 1972 quando o batalhão lá chegou, pois no mesmo dia assistiu um camarada da CCS/BCAÇ 2912 ( batalhão que fomos render), que teve o azar de bater com a cabeça no funda bolanha quando aí mergulhou.

Contava ele  há uns tempos no grupo dedicado a quem passou por Galomaro: 

Caros amigos deste extraordinário Grupo de convívio à distância, hoje decidi contar-vos uma história pessoal:

“Eu não sou muito preciso em datas mas, no dia em que os "periquitos" do BCAÇ. 3872 chegaram a Galomaro ( ao principio da noite ),  nessa tarde eu fui tomar banho à "bolanha" que ficava à saída de Galomaro e à esquerda na estrada para Bafatá, num dos "mergulhos" bati com a cabeça no fundo da referida "bolanha",  fiz uma luxação na cervical e no dia seguinte fui evacuado para o Hospital de Bissau onde permaneci cerca de um mês.

Passei à disponibilidade com uma má postura na cervical e,  passados uns anos tive que ser operado no Hospital Santa Maria,  em Lisboa. Fiquei com uma parcial mas acentuada deficiência física que, ao longo dos anos,  foi aumentando e, há dois anos a esta parte, estou confinado a uma cadeira de rodas e impossibilitado de sair de casa. 

É esta a minha recordação,  viva e diária, de GALOMARO... DESTINO... E PASSAGEM.”

Este camarada é pois um dos que está possivelmente fora das estatísticas oficiais uma vez que passou à disponibilidade isentando o exército da responsabilidade quanto à sua deficiência adquirida em tempo de serviço.

O referido médico esteve sempre presente nas nossas aflições. A mim tratou-me de um violento ataque de paludismo e outros pequenos achaques, que me fizeram estar internado na enfermaria três vezes.

Montou uma sala onde passou a fazer pequena cirurgia e tentou inclusive debelar uma epidemia de furunculose que atacou os soldados de Galomaro entre o 9º  e os 12 meses de comissão. Vi casos de camaradas com vários furúnculos na cova do braço ou por detrás do joelho, nas costas, no pescoço etc. Quem não foi atacado pela maleita gozava com os outros,  dizendo que se tinha ouvido no rádio que vinha mais um carregamento dessa praga para o 3872.

Na verdade era muito doloroso e incapacitante e inicialmente chegaram a ser internados na enfermaria, mas com o propagar do problema acabaram por ficar nos respectivos abrigos. O dr P. Coelho chegou a enviar amostras de pus para ser feita uma vacina para o problema.

Estava sempre disponível para nós bem como o atendimento às populações. Mulheres grávidas, meninos com infecções após a circuncisão, promoveu a vacinação das populações bem como a debelar doenças sexualmente transmíssíveis, como aconteceu após festa da tabanca ter havido o perigo de contágio em larga escala dos seus habitantes. Acabou dessa forma à nascença com possíveis propagações mais alargadas.

Mais tarde foi transferido para o hospital de Bafatá como director e,  juntamente com a sua esposa que também lá se juntou a ele, continuou a cuidar das populações.

Ele também foi o responsável por nós praças termos direito a comprar uma garrafa de uísque por mês e a tê-lo disponível na venda a copo na cantina. Até à data o referido, nem pelos nossos narizes passava e tínhamos que pedir a um furriel se nos dispensava alguma. “Problemas de distribuição”.

Em Galomaro foi substituído pelo dr. Vieira Coelho, que ficou connosco até ao fim da comissão.

Também esse médico deixou amigos e o respeito dos soldados que com ele privaram ou dele necessitaram.

O dr Pereira Coelho e o dr Vieira Coelho evitaram muitos problemas de saúde e actuaram firmemente, evacuando camaradas quando assim era exigido, por essas razões ficaram na memória de todos nós.

Se não estou em erro, no tempo do 3972 o médico sediado na sede do batalhão prestava serviço médico às companhias operacionais, não tendo porem a certeza se o Saltinho não seria assistido por médico de Bambadinca.

Bem hajam por isso.
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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11756: Os nossos médicos (52): Com o pessoal do meu batalhão, partiram, em 24/4/70, no T/T Carvalho Araújo, très alf mil médicos: Vitor Veloso, José A. Martins Faria e Eduardo Teixeira de Sousa (António Tavares, ex-fur mil, CCS/ BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72)

terça-feira, 25 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11763: Bom ou mau tempo na bolanha (15): Os verdes anos (Tony Borié)

Décimo quinto episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.



Quase todos os antigos combatentes, quando escrevem as suas memórias, mencionam os companheiros que estiveram a seu lado, durante o horroroso conflito armado por que passaram.

É uma verdade, todos, mesmo todos, se fecharmos os olhos por momentos, recordamos o amigo, aquele que não era muito amigo, e até aquele que era mesmo um pequeno inimigo, e fazemos isso, talvez porque naquela altura, estávamos numa idade jovem, eram os “verdes anos”, ainda estávamos a gravar no pensamento tudo o que era novo, as pessoas que nunca tínhamos visto antes, umas que eram parecidas connosco na sua maneira de proceder, outras não, algumas eram instruídas e absorvíamos as suas palavras que para nós era novidade, outras que eram rudes na maneira de se exprimirem, mas com bons sentimentos, enfim, sem nos apercebermos estavamos a frequentar, embora num cenário perigoso, uma boa “escola da vida”.


O Cifra teve um amigo no cenário de guerra, que nunca o mencionou aqui, e também nunca lhe colocou qualquer nome de guerra, e não é agora que lho vai pôr, porque sempre respeitou o seu sofrimento, portanto vai tratá-lo única e simplesmente por “amigo”, era das ilhas, falava com um sotaque diferente, também era primeiro cabo operador cripto, sofria a ausência da sua esposa e um filho que deixou nas ilhas, todos os dias procurava um local um pouco afastado, colocava-se de joelhos, quase sempre com a cara virada para o que julgava ser a ilha de onde era oriundo, murmurava umas lamúrias, que devia ser rezar, chorava, de vez em quando levantava a cara e as mãos e fazia umas preces em voz alta.


Este amigo que trazia a fotografia da esposa e do filho sempre consigo, fez um pequeno quadro onde colocou essa fotografia, e sempre que entrava de serviço, esse quadro era posto na mesa onde decifrávamos as mensagens. De vez em quando o Cifra via-o a falar sozinho, e questionado, dizia que falava com a esposa. Escrevia um aerograma por dia para ela e talvez para a família, um maço de cigarros durava-lhe para três dias, bebia um pouco de vinho, na altura da refeição, não ia para a tabanca, não convivia com mais ninguém, a não ser com o pessoal da cifra ou das transmissões. A sua roupa estava sempre impecável, e dizia que era assim que a sua esposa queria que ele andasse. Durante dois anos nunca criou problemas com ninguém, por outras palavras, vivia o seu mundo de saudade da sua família, sofrendo e criando alguma angústia.

O Cifra, sempre pensou que este amigo, sim, sofreu com a guerra, sofreu tudo o que aquela zona de conflito onde estava estacionado lhe provocava, menos talvez o contacto directo com os guerrilheiros, que os militares de acção tinham, mas tirando essa vertente, este amigo sofreu todas as horas, todos os dias que foram a sua estadia em Mansoa. O seu aspecto, no final da comissão, era de uma pessoa com muito mais idade do que na realidade tinha, criou algumas rugas e já caminhava um pouco curvado.

Dizia que era oriundo das “Flores”, a ilha mais linda dos Açores, e mais perto de outro continente.

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11750: Bom ou mau tempo na bolanha (14): "Tarrafo", um livro, um documento (Tony Borié)