segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12611: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (5): Quartéis, Cidades e Vilas por onde passei: Coimbra, Leiria, Trafaria, Tomar, Chaves, Viana do Castelo e Porto (Luís Nascimento)

1. Mensagem do nosso camarada Luís Nascimento, (ex-1º Cabo Op Cripto da CCAÇ 2533, Canjambari e Farim, 1969/71), através da sua neta Jéssica, com data de 17 de Janeiro de 2014:


Quartéis, Cidades e Vilas por onde passei durante a vida militar

VISEU - Assentei praça no RI 14
No primeiro dia entrei na porta de armas e passado meia hora saí pela porta do Cavalo, o Cabo de Dia (João dos Remédios), era meu amigo, mandou-me apresentar no outro dia pela manhã.

COIMBRA - Destacado durante a recruta para o RSS - Regimento de Serviços de Saúde, durante os campeonatos de atletismo da 2.ª Região Militar (à noite, estágio na Rua Direita).

LEIRIA - RAL 4 - Regimento de Artilharia Ligeira, para formação de escriturário, secretariado amanuense e Serviço Postal Militar (gato preto).

TRAFARIA - BRT - Batalhão de Reconhecimento das Transmissões, especialidade de Operador Cripto, fadista (com João Braga), com tirocínio no Arroz Doce, Gingão no Bairro Alto (onde fui de cana pela PM sob o comando do Furriel ou Aspirante(?) Encarnação, jogador de basquetebol do meu SCP.

TOMAR - RI 15 - Regimento de Infantaria 15 - Quartel dos Desenfianços, de uma vez estive 31 dias em casa, só me apresentei para receber o pré.

CHAVES - BC 10 - Batalhão de Caçadores 10 - Recebi a mensagem, em Tomar, para me apresentar lá, bebi uns copos com o pai do falecido Pavão do FCP.

VIANA DO CASTELO - BC 9 - Batalhão de Caçadores 9, o inferno no Forte da Barra, paredes-meias com os estaleiros, pior que o porão do Niassa.

PORTO - Quartel General - De dia formação de Criptologia à noite (DERBY), onde as meninas fumavam e tratavam os militares por “TU” (mais uma vez com acompanhamento da PM até ao QG, com o prémio de mais uma carecada.

De seguida CP até Alcântara-Mar onde me esperava o pasteleiro do Niassa.


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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12604: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (4): Sexo, História, muita fruta das Caldas da Rainha, e dois poemas do clássico do erotismo chinês Jin Pin Mei (António Graça de Abreu)

Guiné 63/74 - P12610: Blogoterapia (247): Reacções intempestivas dos ex-combatentes face a situações provocadoras de stresse (Abel Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), com data de 16 de Janeiro de 2014:

Meus caros camaradas
O que vos conto é verídico, pois fui o protagonista.

Em pleno dia, na baixa da cidade do Porto, nos tempos idos do mês de Junho de 1969, encontrando-me em gozo de férias, ainda sobre a responsabilidade do exército português, um dia fui ao cinema Batalha, sito na Praça com o mesmo nome, onde passei um bom momento de diversão, que me ajudou a esquecer um pouco as recordações ainda recentes que assolavam o meu espírito.

Finda a sessão, descia eu a rua então chamada de Santo António, hoje de novo 31 de Janeiro, e muito bem, em homenagem aos heróis revoltosos de 1891 que protagonizaram a primeira tentativa de implantação da República, pois o povo do Porto esteve sempre e continua a estar contra os tiranos, passava eu em frente à Igreja dos Congregados, mesmo defronte à Estação dos Caminhos de Ferro de S. Bento, quando de repente, sem que tal no momento o justificasse, me jogo para o chão em posição de defesa como se estivesse no teatro de guerra. Isto foi reacção a um estrondo ensurdecedor, vindo do lado da estação ferroviária, que mais me pareceu uma morteirada ou um obus em pleno bombardeamento.

Passados uns segundos que pareceram eternos, reagi e fiquei estupefacto quando me vejo rodeado por pessoas que não conhecia, preocupadas com o que me tinha acontecido. Eu próprio não soube responder, e gostaria que alguém me explicasse o porquê desta minha reacção. Seria ainda o stress ou trauma da guerra?

Fachada da Igreja dos Congregados, à esquerda e Rua 31 de Janeiro em frente. À direita, na penumbra, parte da fachada lateral norte da Estação de S. Bento.
Foto: Blogue Álbum de Viagens, com a devida vénia.

O certo, é que depois desse episódio não mais me aconteceu nada de parecido, fiz uma vida normal até agora, mas esquecer esta situação é que nunca consegui.

Este episódio que se passou comigo faz-me pensar em camaradas que estarão sofrendo com tal doença, mas sem apoio de quem tem responsabilidades no sector da saúde, esquecendo-se que foram os combatentes que morrendo, sangrando e ficando mutilados, os catapultaram para o estrelato, e que agora olham com indiferença para esses bravos heróis, apenas preferindo falar das relações com África, pobres coitados.

Por agora é tudo, um bom 2014 para todos.
Abel Santos

P.S. - Quero deixar vincado que nada me move contra África.
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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12590: Blogoterapia (246): A Op Lança Afiada ou a Impotência da Escrita (Torcato Mendonça, ex-al mil art, CART 2339, Mansambo, 1968/69)

Guiné 63/74 - P12609: Notas de leitura (554): "Mudança Sócio-Cultural na Guiné Portuguesa", dissertação de licenciatura de José Manuel Braga Dias (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Agosto de 2013:

Queridos amigos,
Após a investigação marcadamente inovadora que José Manuel Braga Dias faz na sua tese de dissertação de licenciatura às atitudes e comportamentos dos guineenses perante o fenómeno da subversão e da luta armada, mostra-se igualmente importante o registo que faz aos Congressos do Povo da Guiné, à emergência da nova força militar africana, bem como a caraterização que faz à sociedade guineense tanto em meio urbano como rural.
O autor terá gozado de um acesso privilegiado a meios de informação, respigou comunicações de grande utilidade nas entrevistas, e também por meio de consultas de personalidades sobretudo no campo da administração civil, que lhe permitiram registar impressões e dados que não se encontram noutros documentos da época. Parece, aliás, surpreendente que este trabalho sobre a mudança sociocultural na Guiné Portuguesa não tenha sido objeto de qualquer referência na historiografia mais competente.
Mistérios!

Um abraço do
Mário


Mudança sociocultural na Guiné Portuguesa (3)

Beja Santos

Trata-se de uma tese de licenciatura apresentada no ISCPU com o título “Mudança Sociocultural na Guiné Portuguesa”, e o seu autor é José Manuel Braga Dias. Em jeito de síntese, procurou-se destacar o que o autor escreveu sobre a estrutura sociocultural da Guiné anterior à eclosão do terrorismo e, aspeto verdadeiramente inovador, o que ele escreve sobre as atitudes e comportamentos das etnias guineenses diante da subversão. Oferece-nos um quadro riquíssimo de dados que permitem, inequivocamente, perceber adesões a um lado e a outro, como o PAIGC se aproveitou de tensões étnicas, como os chefes políticos vencidos se refugiaram no PAIGC, como se cometeram erros de palmatória em nomeações pela administração portuguesa, disseca região por região, e, por exemplo, fica-se a perceber o que se passou no regulado do Forreá em que os chefes políticos se refugiram na República da Guiné e não tivessem sido os dignatários religiosos e islâmicos a tomar uma posição de resistência à subversão, a presença portuguesa ficaria ainda mais comprometida do que ficou depois dos acontecimentos de 1963.
No regulado de Fulacunda, a posição dos chefes políticos tradicionais, de uma maneira geral, foi de aceitação e colaboração com o PAIGC. Tratava-se de um território de grandes tensões étnicas, os chefes tradicionais dividiram-se, o PAIGC soube captar a adesão dos chefes tradicionais que viram no movimento subversivo um meio de reconquistar o seu anterior prestígio perdido frente aos Fulas. Analisando o concelho de Catió, fica-se a perceber o que se passou nos regulados de Cantanhez, de Guileje e Cabedu; em Cacine, escreve o autor, a população viu no movimento subversivo um meio de consumar vinganças na população Fula, e em Gadamael as tensões étnicas existentes entre Fulas e Beafadas constituíram fatores de adesão de alguns elementos da população ao movimento subversivo.

Mas a dissertação de licenciatura de Braga Dias não é só muito importante no trabalho de entrevistas e seguramente de documentação restrita a que ele teve acesso junto do Comando-Chefe, quanto às atitudes e comportamentos da população face à subversão. Ele procede a uma análise detalhada aos reordenamentos, aos congressos do povo da Guiné e ao nascimento da classe militar autóctone (comandos, caçadores africanos e fuzileiros). Spínola apostara nos reordenamentos como uma resposta lapidar à subversão, os reordenamentos acabariam com a insegurança entre as populações e criariam um novo estilo de vida já distante da sociedade tradicional de onde a generalidade das populações provinha. É também minucioso, explica ao pormenor os três tipos de casa dos novos aldeamentos e a lógica subjacente, procede a um levantamento das queixas dos povos que se sentiram lesados por viver em reordenamentos. Acresce que a habitação difere de etnia para etnia, há diferenças no tipo de povoamento, a casa dos povos do litoral apareciam em povoamento disperso, aqui de um modo geral, o reordenamento não suscitou problemas. Porém as pequenas povoações dispersas ao longo dos campos de cultura viram no reordenamento uma perda de acessibilidade às bolanhas e uma desintegração da estrutura social e cultural onde viviam.
O autor faz um levantamento de todas estas dificuldades, etnia por etnia, povos do litoral dos povos do interior e elenca os cuidados que devem ser ponderados antes da aprovação de um reordenamento, não esquecendo o regime jurídico tradicional da propriedade imobiliária e dá exemplos concretos. Lembra também que as casas dos reordenamentos tinham sido inicialmente concebidas em função da família nuclear do tipo europeu e não dirigida à família extensa africana. Descreve minuciosamente o reordenamento em si, o celeiro, a escola, o posto sanitário, o bebedouro e o fontenário e expende considerações sobre os reordenamentos como centros difusores da cultura portuguesa. E cintando Spínola, conclui: “As populações reagem diferentemente às exigências do reordenamento, consoante o grau de apego que têm ao chão onde nasceram e outros fatores variáveis de natureza local”.

Os Congressos do Povo da Guiné foram a nova resposta encontrada por Spínola para a luta contra a subversão desencadeada pelo PAIGC. Os congressos eram a exibição pública de uma nova política governamental alicerçada nas elites tradicionais e definida em cinco grandes princípios – “justiça social, respeito pelas instituições, fomento económico e social, participação na administração pública e segurança interna”. O número total dos congressistas aproximava-se dos 500, eram “cimeiras” de assembleias separadas consoante o grau de afinidade étnica e cultural. Sobretudo o segundo congresso obrigou o PAIGC a mudar de agulha, não era fácil encontrar resposta para este tipo de assembleias onde estavam presentes sobretudo representantes das populações integradas nas culturas tradicionais. O governo prometia basear toda a sua política social e económica nas elites tradicionais, as promessas seriam testadas no congresso seguinte. É no contexto destes congressos que Spínola se compromete a fazer a “africanização dos quadros”. Em substância, a organização destes congressos saldaram-se no renascimento do sentimento étnico, a revitalização de estruturas tradicionais, emergiram mesmo movimentos políticos como a Liga Popular dos Guinéus e o Bloco dos Fulas Nativos, a liga era um movimento racista que pretendia a execução imediata da “africanização dos quadros” e o bloco englobava os Fulas-Pretos e que tinha como objetivo afastar dos postos de chefia os Futa-Fulas e os Fulas-Forros.

A força militar africana apresentava-se como relevante na constituição da nova sociedade guineense. Os militares auferiam vencimentos não despiciendos, gozavam de prestígio, estruturava-se em moldes militares importados de Portugal europeu. Este conceito de força africana abrangia militares das tropas regulares, militares enquadrados na guarnição normal da província, milícias e elementos da população em autodefesa. Recorde-se que a africanização começara logo nos primeiros anos da luta armada, com a constituição de milícias, a preparação de populações em autodefesa e a criação de pelotões de caçadores nativos. Depois surgiram as companhias de caçadores nativos que traziam uma ideia nova, o critério étnico, as companhias localizavam-se no seu “chão”. As companhias de comandos africanas não tinham critério étnico mas o de bravura ou valentia comprovada. A força africana trazia orgulho: a farda passava a ser um sinal de promoção social entre a juventude, os desfiles militares eram sedutores para a juventude, havia depois o acesso ao ensino, saúde e assistência, benefícios que nunca são de enjeitar, e depois este serviço militar aparecia também como atividade profissional contra o desemprego. O autor previa que a chamada “africanização dos quadros militares da Guiné” tenderia à substituição normal e gradual de uma cultura dita autóctone por uma cultura portuguesa.

Caminhando para o seu termo, a dissertação de licenciatura de José Manuel Braga Dias aborda ainda a situação atual (ao tempo) da nova sociedade guineense, analisa o prestígio da elite tradicional islamizada, os centros urbanos como meio de acesso à sociedade moderna e os choques decorrentes entre o tradicional e a aculturação proporcionada pelo meio urbano onde são dominantes as forças modernas, refere ainda o imperativo de se encontrar uma forma de urbanização que acolha, com condições decentes de vida, a chegada do fluxo migratório sobretudo dos fugitivos da guerra.

Entre os muitos dados curiosos da tese, Braga Dias observa o seguinte: “Os indivíduos de origem cabo-verdiana apercebem-se que os lugares que até então era quase da sua exclusividade, começam a ser invadidos por guineenses, reagem procurando um isolamento perante os outros indivíduos de origem europeia ou guineense. Hoje, os cabo-verdianos residentes em Bissau tornaram-se uma comunidade fechada só admitindo relações com outros indivíduos de origem étnica diferente quando os unem estreitos laços familiares”.

O autor considera que o seu trabalho irá permitir uma melhor compreensão das mudanças sociais operadas na sociedade guineense, depois da subversão e da luta armada e da reação do governador Spínola após as medidas que envolveram reordenamentos, Congressos do Povo da Guiné, a constituição da Nova Força Africana e o clima de desenvolvimento económico a despeito dos focos de luta armada.

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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12592: Notas de leitura (553): "Mudança Sócio-Cultural na Guiné Portuguesa", dissertação de licenciatura de José Manuel Braga Dias (2) (Mário Beja Santos)

domingo, 19 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12608: Locais e povoações onde gastámos dois anos das nossas curtas mas valiosas vidas - CCAÇ 675 (Belmiro Tavares)

1. Mensagem do nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), com data de 15 de Março de 2013:

Caro Luís Graça:
Atendendo à tua solicitação para aumentar a lista de povoações da Guiné onde gastámos – bem ou mal – dois anos das nossas curtas mas valiosas vidas, envio o meu singelo contributo.

Quanto à longevidade, não tenho que me lamentar, pois tenho um acordo celebrado de boa fé com o S. Pedro, segundo o qual viverei, de boa saúde, até aos 120 anos, porque me foi confiada uma missão importantíssima – colocação de lápides nas sepulturas dos ex-combatentes da Gloriosa CCaç 675. 

Duas povoações da minha zona já constam da lista:
Binta, sede da companhia e Guidage que foi o alvo apetecido no aproximar do fim da Guerra.

Cito outros nomes da minha zona e de terrenos limítrofes:
- Uália
- Sambuiá
- Sambuiadim
- Malibolon
- Udasse
- Santancoto – aqui foi ferido o então Cap. Tomé Pinto
- Banhima *
- Mansália
- Fajonquito
- Quenhato
- Buborim – limite oeste da nossa zona
- Sansancutoto – aqui deixámos um cunhete de munições armadilhado; levaram-no mas nunca soubemos o que aconteceu
- S. João – nossa primeira operação com tiros
- Genicou Mandinga** – a dois passos daqui reconstruímos uma ponte onde deixámos uma placa informativa: “atenção – há armadilhas” – funcionou em pleno
- Genicon Mancanho **
- Lenquetó – o batismo de fogo da CCaç 675
- Massacundá**
- Caurbá
- Faer
- Temanto
- Dungal
- Ufudé
- Fodé Siraia
- Sanjalo
- Tambandinto
- Tambato
- Cansenha – aqui morreu o nosso guia Pathé Balde
- Caurdim
- Canicó
- Fátima
- Tancroal
- Olossato
- Safim
- Cuntima (colina do norte)
- Cajambari
- Barro

 * - já desactivadas quando lá chegámos
** - destruídas pelo PAIGC nas brigas intestinas

Nota: - As povoações que eles não destruíram, nós riscámo-las do mapa; em contrapartida, reconstruímos a Grande Binta – Vila Capitão de Binta – e repovoámo-la com as pessoas que se haviam refugiado no Senegal e que regressaram quando se aperceberam que nós dominávamos a situação; também (re)construímos Guidage.

Aquele abraço
BT

Guiné 63/74 - P12607: In Memoriam (176): Maria Manuela Pinheiro (1950-2014), natural de Torres Novas... Um abraço fraterno e solidário para o Carlos Pinheiro, com quem a Maria Manuela era casada desde 1974... O casal esteve presente nos nossos três últimos encontros nacionais, em Monte Real


Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte Real > 8 de junho de 2013 > VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Almoço de convívio > O Carlos Pinheiro e a Maria Manuela, que vierasm, pela 3ª vez, em Torres Novas... Infelizmente foi a úlltima para a Maria Manuela que nos deixou a 15/1/2014, à beira de completar os 64 anos. Nasceu, em Torres Novas, em 3/3/1950.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados.

1. Mensagem enviada ao Carlos Pinherio em nome de todos nós:

Querido amigo e camarada Carlos Pinheiro

Recebi ontem à noite, por mail do António Duarte, a triste notícia da morte, súbita, da tua esposa, Maria Manuela... É sobretudo um duro golpe para ti e para a tua família e para os teus/vossos amigos. Tens, desde já, o abraço fraterno e solidário dos editores, colaboradores e demais membros da Tabanca Grande. Todos os abraços são precisos, nesta hora, para mitigar a tua dor e ajudar-te a fazer o luto. Todos ficamos pobres e pesarosos pela perda da companheira de um camarada nosso. 

Discreta mas presente, a tua esposa acompanhou-te nos 3 últimos encontros da Tabanca Grande, em Monte Real, desde 2011 (VI Encontro Nacional). Foi a tua estreia, a vossa estreia.  Isso dá-lhe doravante o direito de ser recordada daqui para a frente, no nosso memorial. O nosso blogue é para os bons e para os maus momentos.  É umn blogue de partilha de memórias  e de afetos. É um blogue solidário. E por isso fazemos questão de, à semelhança da mensagem na página do Facebook da Tabanca Grande, dizer aqui no nosso blogue que sentimos a perda da tua companheira como uma perda pessoal. Porque as companheiras dos nossos camaradas nossas companheiras são!

Carlos, vamos guardar a memória da tua companheira, que passa a ser também membro desta comunidade virtual que a guerra da Guiné veio reunir. Ela vem juntar-se à Teresa Reis, que a morte também levou, subitamente, em 2011. 

Maria Manuela Pinheiro (1950-2014), até sempre!

Luís Graça, em nome da Tabanca Grande.

 2. Resposta do Carlos Pinheiro à emnsagem de condolências que lhe enviámos em nome pessoal, e de toda a Tabanca Grande:

Camarigos Luis Graça e Carlos Vinhal

Agradeço-vos as vossas palavras amigas. Como devem calcular estou completamente desorientado a ver se consigo reaprender a viver, mas isso irá demorar tempo. Foram quase 40 anos de vida em comum - tinhamos casado em 28 de Abril de 1974.

 Nos últimos anos, depois de nos reformarmos, éramos a bengala um do outro. Mas a vida prega-nos estas partidas para as quais nunca estamos preparados e neste caso pior ainda pela forma como tudo se desenrolou.

A Maria Manuela tinha nascido em Torres Novas no dia 3 de Março de 1950 e faleceu também em Torres Novas,  no dia 15 de Janeiro de 2014.

Faltam-me as palavras mas quero agradecer-vos sinceramente a vossa ajuda e o vosso apoio.

Obrigado.

Um grande abraço.

Carlos Pinheiro

[ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, Bissau, 1968/70]
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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12507: In Memoriam (175): António Carlos de Oliveira Machado, o Machadinho, 1º cabo especialista MARME da FAP, falecido em 12/7/1969, em Bafatá, na queda do helicanhão de que era apontador... Homenagem de Viseu, sua terra natal (Luís Nascimento)

Guiné 63/74 - P12606: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (7): Estórias de Mansambo onde a guerra foi outra

1. Em mensagem do dia 16 de Janeiro de 2014, o nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74), enviou-nos mais um Pedaço de um tempo.


PEDAÇOS DE UM TEMPO

7 - Estórias de Mansambo onde a guerra foi outra…


Esta era a parte de trás de um abrigo onde se pode ver umas pequenas aberturas que serviam para poder utilizar as armas em direção ao arame farpado que circundava o aquartelamento. Cerca de treze meses foi a minha residência, não era nada mau, mas isso deve-se aos primeiros camaradas que ali foram colocados, onde apenas existia mata, que muito tiveram de trabalhar para os construir. A única coisa boa que por ali havia era uma fonte, que viria a abastecer o aquartelamento, ainda que, para a ir buscar a água apesar de ficar a cerca de duzentos metros do arame, todos os dias esse trajeto era picado e a segurança feita por seis ou sete militares que ali se mantinham enquanto o Unimog 411 “o burrinho” ia fazendo várias viagens, abastecendo os chuveiros e os abrigos. Para além do condutor, que era sempre o mesmo, andava mais um camarada para ajudar na carga e descarga, que era feita com uma terrina da sopa.

O primeiro serviço que fiz em Mansambo foi segurança à fonte, no dia em que os velhinhos nos deixaram. Talvez o dia mais triste do meu tempo de Guiné. Outros mais dramáticos aconteceram, mas a maturidade já era outra…

Parte deste abrigo servia de alojamento à maioria dos condutores que lá estávamos, ali era a residência de sete, na hora das refeições juntava-se a nós o Ladeira, que tinha a especialidade de clarim ou corneteiro… mas tal especialidade não era necessária na nossa companhia. Os homens da corneta passaram a ser padeiros.

Como diz o povo, para aprendermos temos de passar por elas… Certo dia o jantar era bacalhau à Gomes de Sá, o bacalhau até era muito, mas as espinhas eram mais volumosas que a parte comestível -, comestível não é bem assim, porque para alguns humanos as espinhas também são comestíveis. Quando estávamos a começar a jantar o Ladeira lembrou-se de dizer:
- Se me pagarem uma cerveja, como as espinhas todas.

Eu achava que isso seria impossível, disse:
- Eu pago, tens é de comer tudo que está no prato.

O condutor Abílio “já falecido” disse também:
- Eu pago outra.

O amigo Ladeira demorou um pouquinho mais tempo que nós a comer, ao mesmo tempo que ia bebendo umas cervejas, mas o prato ficou completamente limpo.

Depois ainda disse:
- Se pagarem outra, como mais uma dose.

Claro que a resposta aí foi: agora se quiseres comer mais, terás de pagar tu a cerveja.

Foi uma boa lição, quando era mais novo e ouvia alguém dizer que apostava que era capaz de comer ou beber quantidades aparentemente impossíveis, lembrava-me logo do Ladeira… No que toca a comer ou beber, para algumas pessoas, quase tudo é possível.

A última vez que o vi foi no almoço da nossa companhia, a “CART 3493” há cerca de três anos, estava ótimo. Espero que assim continue. Para ele um abraço.

António Eduardo Ferreira
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12572: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira) (6): Cuidado com as aparências

Guiné 63/74 - P12605: Fragmentos de Memórias (Veríssimo Ferreira) (10): Fevereiro de 1967 - Aproveitamento dos tempos livres de Bissau

1. Em mensagem do dia 16 de Janeiro de 2014, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos mais um episódio da sua série Fragmentos de Memórias.


FRAGMENTOS DE MEMÓRIAS

10 - APROVEITAMENTO DOS TEMPOS LIVRES DE BISSAU

FEVº DE 1967

Em Bissau, no poilão, conheci alguém que se dizia, irmã do Amílcar mas nunca me interessou saber se o era mesmo, só gostava de a ouvir dizer, que e tal como eu, nem o podia ver.

Ouvi a voz da Rádio Argel ou Portugal livre, sei lá... e não gostei, bem como a Rádio Moscovo e ena pá... era um fartote de dizer mal de nós, dos nossos governantes, tal como hoje alguns fazemos, dos actuais. Por isso e não valendo a pena estar desinformado, mudava de canal que já nessa época era possível zappingar manualmente a rádio.

Dediquei-me à nossa, das Forças Armadas e como o Durão houvera sido também do meu pelotão, sempre ia transmitindo umas musiquinhas a meu pedido.

Tendo tempos livres aproveitei para "tirar" as cartas de condução militares. Já fora chofer de tudo o que havia com volante, desde jeep's, Unimogs, GMC's, Daimler's, mas aqui na cidade convinha ter um papel assinado, qu'os gajos da polícia, limpos e perfumados, eram beras com'ó caraças e pouco inteligentes, porque se atreviam a ser não só provocadores, mas também abusadores dos poderes que lhes atribuíam e não poucas vezes assisti a situações que poderiam ter vindo a originar verdadeiras cenas violentas.

Eram a Polícia... bonitos e bem fardados... de lenço ao pescoço e tudo, e até conheciam o local, onde estavam aquartelados, comendo do bom e do melhor. Piores que cuspideiras, que destas sempre podíamos fugir, quando derrubávamos os cibes e as víamos, quase posso afirmar que perderiam a fanfarronice se tivessem de combater na mata.

Só se não metiam com os fuzileiros que a experiência sempre deu mau resultado.
Era lindo de se ver como fugiam a sete pés quando os bispavam.

Bissau, começava a ter muitas mulheres Portuguesas, esposas dos ilustres. Inicialmente olhadas como se d'outro Mundo fossem, agora misturavam-se com a pasmaceira citadina e andavam livremente, não sem um ou outro dixote mais atrevido.

Criei uma equipa de futebol na 1.ª Rep, onde fui treinador, jogador em qualquer lugar (sim porque o que eu queria era manter-me activo), os jogos eram marcados para as manhãs de Domingo e deviam terminar na confraternização almoçaral... e assim se ia passando o tempo.

Se repararem na foto, notarão que o dono da bola, sou eu.


De pé, a partir da esquerda: Veríssimo Ferreira, Aurélio, Mila Filipe, Brilhante, Pimenta, Silva e Nunes. Em baixo, a partir da esquerda: Silvestre, Paiva, V. Carvalho, Pinto e Sizenando


Não haviam chuvas agora e as tardes descambavam em passeios à piscina de Nhacra ou até em alegres petisqueiras de camarões em Quinhamel. O tiroteio ouvia-se cada vez mais estrondoso e perto.
Tudo caminhava bem para mim, mas roía-me continuadamente o meu próprio caminho feliz. Bastas vezes me apeteceu desistir e dizer com'ó meu pai: Vão pró Vatícano pázinhos (leia-se vatí, ou seja com acento no "i").

Mais tarde tive de lhe perguntar porque não Vaticano. Respondeu-me e percebi então que usava vatí pela mesma razão que carregava no primeiro "á" daquela palavra tão linda que define o órgão sexual masculino (?) e cujo nome não sei dizer nem ficava bem numa crónica deste estilo galhofoso, educativo e quiçá... quiçá... embora fosse palavra bem corrente na nossa linguagem.

Enquanto briosos militares qu'éramos, vulgar era o "vai pró... (isso). Era um intelectual o meu pai, creiam, aliás como sempre o foi e ainda hoje é recordado aqui perto, em Belas, onde como carteiro, cumpria a sua missão na tasca ali ao lado do rio na Rua Victor Córdon, onde fazia a distribuição, mas com regras que ele próprio estabeleceu, ou seja: quem queria saber se tinha correio, teria de pagar primeiro um copo de "três".

GANDA PAI, que pena tenho de não ser como tu foste.

Foram-me dadas hipóteses de conhecer gentes bem importantes, civis, e foram-se fomentando algumas boas relações entre quem ainda pensava Português, tanto que ainda hoje, quase 48 anos passados, embora poucos, somos amigos e contactamos.

Apreciávamos boa música, boas comidas, boas bebidas e as nossas conversas, foram-me dando conhecimentos que nunca poderia usufruir doutra forma.

Também começava a ser mensalmente possível ter contactos, com moças "verdianas" que ali vinham passar oito dias, em viagens de barcos comerciais que passavam por Cabo-Verde.

Musicalmente surgiu uma melodia que me obrigou até a comprar um "vira discos" e o próprio disco da "Aline," coisa bem linda cantada por um tal de Cristophe e eu que já julgava ter perdido a capacidade de sonhar, voltei a fazê-lo durante os momentos d'ócio.


Também o "Il Mondo" de Jimmy Fontana foi outro dos meus favoritos.


Depois veio o Gianni Morandi com o seu "Nom son degno di te" e lá se me agudizou o romantismo latente então.


Os versos mais pareciam terem sido escritos por mim e como que prestasse uma homenagem de despedida da Guiné, que fora minha nestes últimos 20 meses. Aquele verso "Num monte de pedras, pode nascer uma flor", que ainda hoje preservo ficou como um marco histórico e mais nenhum poeta me emocionou tanto ou escreveu, o que considero um grito de esperança.

COISAS, enfim, duma pobre mente, então e hoje ainda depauperada.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12577: Fragmentos de Memórias (Veríssimo Ferreira) (9): Novembro de 1966 - Qual guerra?

Guiné 63/74 - P12604: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (4): Sexo, História, muita fruta das Caldas da Rainha, e dois poemas do clássico do erotismo chinês Jin Pin Mei (António Graça de Abreu)

Sexo, História, muita fruta nas Caldas da Rainha, ou na Guiné 

por António Graça de Abreu [, foto atual à esquerda, com a esposa, a dra. Hai Yan, de quem tem dois filhos]Isto de ir parar às Caldas, terra de gente dura e tesa, tem toneladas de histórias para contar. 

Da minha parte, apenas dois apontamentos.

1. Os meus pais eram de Lisboa, a família lisboeta era, mas nasci e cresci (até aos 18 anos) no meu querido Porto, terra, amigos e cidade. Mas sou sportinguista, gosto do meu Sporting, de todo o Portugal, bem mais enriquecedor e bonito do que portos, benficas, mais uns tantos clubes regionais. Verde só há um, o da Natureza recatada e exuberante, e o das camisolas das gentes de Alvalade.

Os meus pais, bons portugueses, nos anos cinquenta e sessenta do século passado, vinham frequentemente a Lisboa, no nosso Renault Joaninha, depois num Austin A 35. E costumávamos parar nas Caldas, para atestar o carro com fruta e legumes de excepcional qualidade, comprados no Mercado da Fruta, ali na praça no centro das Caldas.

Nunca mais esqueci.

2. Há uma dúzia de anos atrás, fui convidado pela Associação Portuguesa dos Professores de História para, no seu Congresso Anual, realizado nas Caldas da Rainha, no Museu José Malhoa,  dizer umas palavras sobre a China Antiga, a propósito da inauguração de uma exposição de peças, vasos, recipientes, cálices em bronze, disponibilizada pela Embaixada da República Popular da China em Portugal. Eram tudo cópias recentes de elaboradas peças a apontar para um passado de 25 séculos. Lá fiz a palestra, o meu trabalho possível de divulgação entre os professores de História da maravilha dos antiquíssimos bronzes chineses. 


Museu José Malhoa [, foto da fachada principal, à esquerda, imagem do domínio público, cortesia da Wikipédia] 


Na inauguração da exposição, esteve presente o Embaixador da República Popular da

China em Portugal. Para chegar aos bronzes, atravessava-se parte de entrada do museu onde sobressaía num grande e excelente quadro do pintor Eduardo Malta, uma jovem impecavelmente despida, nua e doce mostrando todos os atributos que fazem do encantatório feminino o lado mais perfeito da espécie humana. Um corpo de jade e alabastro, um convite a todas as loucuras, reverências e silêncios.

O problema dos camaradas da Embaixada da China era o embaixador. Não podia chegar ao Museu das Caldas e dar de caras com a nudez asfixiante, esfusiante, entusiasmante da mulher no quadro do Eduardo Malta. Queriam que ele entrasse por outra porta e passasse ao lado, queriam que ele não lobrigasse a menina nua. 

Mas o senhor Embaixador da China avançou exactamente por onde devia e, pelo canto do olho, demorou-se quanto pôde, na contemplação do corpo perfeito da donzela lusitana.

A propósito de sexo nas Caldas, ou na China, das coisas do homem e da mulher, não resisto a transcrever dois poemas chineses, na minha tradução da金瓶梅Jin Pin Mei, a obra clássica do erotismo chinês, atribuída com muitas dúvidas a Wang Shizhen (1526-1590). Aí vai. Depois digam-me se isto tem ou não ver com as coisas das Caldas e com as coisas de todo o Portugal ou toda a Guiné, ou seja, com as coisas de todo o nosso vasto mundo:

A coisa, com seis polegadas

Há uma coisa, com cerca de seis polegadas,
às vezes mole, às vezes dura.
Quando mole, cai para leste ou oeste,
como um bêbado,
quando dura, viaja para cima e para baixo, 
como um monge enlouquecido.
Tem talento para esgravatar qualquer buraco,
habita sob a região do umbigo,
no reino das Virilhas Fumegantes,
por natureza, faz companhia a dois filhos.
Sim, quantas vezes, a felicidade na luta
com uma mulher formosa?

A coisa, como uma flor de lótus

Quente, firme, perfumada e húmida,
suave misteriosa e sensível,
tem lábios como flores de lótus.
Se feliz, mostra a língua,
abre a boca para sorrir.
Se cansada, adormece,
abandona-se ao desejo do homem.
Habita num antigo jardim,
numa encosta com erva,
no reino do Grande Regaço.
Quando encontra um macho possante
está pronta para a luta,
mas não diz uma palavra.

[Fonte: Jin Pin Mei. Tradução de António Graça de Abreu. Ilustração, acima:  edição chinesa de 1617, imagem do domínio público, cortesia de Wikipedia.]
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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de janeiro de  2014 > Guiné 63/74 - P12599: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (3): Tavira, uma terra com história... (António Manuel Conceição Santos, ex-fur mil op esp, CCAÇ 4540, Bigene, Cadique, Nhacra, 1972/74)

63/74 - P12603: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (30): Só os diamantes são eternos... Ou: hoje ainda se esconde se são os "restos mortais" do Império ou do Eusébio que se votaram no parlamento, para o Panteão.

1. Mensagem de António Rosinha


Data: 11 de Janeiro de 2014 às 15:37

Assunto:  Diamang, Cmdt Vilhena, Cunha Leal - tanta coisa que não sabemos (*)


Amigo José M. Diniz (e penso que me estou a dirigir a C. Martins também),  eu andei na Lunda na tropa e a fazer uma estrada na região de Henrique de Carvalho.

E para a Diamang estive em Cafunfo (1970) a fazer uma picada entre uma futuro lavandaria e um rio que foi desviado para exploração.

Estive perto de um mês a conviver com algarvios exclusivamente, no refeitório dos solteiros, que trabalhavam numa lavandaria no Cafunfo.

Era um mundo à parte dentro de Angola e da própria Lunda.

Não havia minhotos, beirões, transmontanos nem das Ilhas, e o meu contacto profissional era com um homem chamado Bastos, alentejano, de Elvas (?) e conheci e trabalhei recentemente com um neto desse homem (há 10 anos, antes de me reformar).

Diniz, afinal também estavas informado e encostado,  meu malandro. Será que havia segregação nos seleccionados para funcionários da Diamang?

Mas só quero dizer aos dois amigos que,  antes da guerra em 1961, havia os portugueses brancos e mulatos em Angola,  da geração de Cunha Leal e Amílcar Cabral, que pensavam exactamente como já vos ouvi aos dois e a muita gente, que Salazar devia ter "aberto".

As palavras, "abertura", "autonomia", "independência" e no caso moçambicano falavam mesmo à maneira da África do Sul, os brancos no poder, eram conversas que putos leigos como eu, 18 anos em 1957 ouvia constantemente.

Então,  em 1959,  no curso de sargentos milicianos, a maioria eram brancos de 2ª,  como eles diziam,  e mulatos, massacravam a malta que tínhamos ido daqui, de facto muito desconhecedores do que se passava em política, ao contrário daqueles gajos que já tinham a escola toda, anti-colonial, anti-salazarista, anti-imperialista etc., e todos da Mocidade Portuguesa com todas as mordomias e luxos.

Só que, "abrir" achavam bonito, mas muitos deles já hesitavam, nessas ideias, porque havia no Quénia terrorismo e massacres,  embora a Inglaterra tivesse muita força, na África do Sul os boers era à cacetada forte e feia que se seguravam, e no Congo culminou com o desastre que se prolonga até hoje, quando em 1960 se dá a independência do Congo Belga, Ruanda e Burundi.

Sem falar que,  no caso de Moçambique, os boers da África do Sul e Ian Shmith precisavam e tinham essa intenção que aquelas praias e aqueles portos faziam-lhe muita falta.

E no caso de Angola, esses mesmos boers que detinham o ex-Sudoeste Alemão, Namíbia, precisavam das águas do Cunene, do rio Cuando e Cubango para regar aquele deserto.

E no caso da Índia, de Timor e de Guiné, sabemos o que se passava nos cornos do Sekou Touré, do Neru e dos Suhartos ou Sukarnos,  nem sei bem.

Ninguem tinha, nem tem, a mínima consideração por nós, e,  como diz,  o outro "cuidemos dos nossos cuzes".

E não devemos mentir nem esconder as realidades e Salazar sabia do que todos os nossos "amigos" pensavam, até o sacana do Franco nos atraiçoava e na ONU abstinha-se.

Numa altura destas em que passa na Televisão os 90 minutos do Portugal-Coreia na Inglaterra com uma selecção luso-africana, e não se diz que naquele ano, mensalmente na ONU,  Portugal era desmentido, na pessoa do nosso ministro dos negócios estrangeiros, que "Eusébio" não era português, antes pelo contrário era um explorado, escravizado e colonizado.

Foi em 1966 que Chipenda da Académica iniciou a frente Leste em Angola pelo MPLA.

Meus amigos, quando se fala que Salazar podia ter evitado a guerra se abrisse.. Se o fizesse, não existia nada, Guiné e Cabinda não eram PALOP, eram PALOF, um exemplo.

E,  mesmo hoje, só com asinhas é que podemos fiar-nos nos outros que é o que está a acontecer, neste momento com uma irresponsabilidade pueril e infantil de nós todos.

Nós somos mentirosos para nós mesmos ao esconder no jogo Portugal-Coreia que Franco Nogueira lutava contra o mundo inteiro nas Nações Unidas a afirmar que "Eusébio" era português.

E hoje ainda se esconde se são os "restos mortais" do Império ou do Eusébio que se votaram no parlamento, para o Panteão.

Essa portugalidade que existiu é que está a ser imortalizada no nosso muito profundo subconsciente com este fervor futebolistico, só que temos vergonha de o gritar.

Desculpem o jeito, Mas os diamantes ainda continuam lá.

Cumprimentos

Antº Rosinha (**)

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Notas do editor:


Guiné 63/74 - P12602: Parabéns a você (679): José Crisóstomo Lucas, ex-Alf Mil Op Esp da CCAÇ 2617 (Guiné, 1969/71) e Manuel Mata, ex-1.º Cabo Apont AP do EREC 2640 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 18 de Janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12596: Parabéns a você (678): Luís Rainha, ex-Alf Mil, CMDT do Grupo Centuriões (Guiné, 1964/66)

sábado, 18 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12601: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (27): Operações Vacas


1. Mensagem do nosso camarada Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 15 de Janeiro de 2014:

Caros amigos Luís, Vinhal e M. Ribeiro:
Aí vai, com um abração, mais um conto extraído do meu caderno de memórias.
Rui Silva



Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

Do meu livro de memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa” 

27 - OPERAÇÕES - VACA

Na minha Companhia era assim e provavelmente na tua também.
O que se apanhava, e refiro-me aqui e agora à recolha (desvio, mudança de dono, etc.) de gado no mato, era compartilhado irmãmente pela população do Olossato: vaca para nós; vaca para eles.

- Não serei o primeiro a dar-lhe este nome (operação-vaca) aqui no Blogue, pois o Veríssimo Ferreira assim lhe chama no Post 12413.
(Não sabia que no célebre K3 - bifurcação das estradas para o Olossato e para Mansabá, para quem vinha de Farim - já lá havia tropa em 1966). Andámos lá perto em operações de golpes-de-mão e emboscadas -.

O nosso Capitão, e honra lhe seja feita, tinha uma filosofia da guerra muito ortodoxa (para mim e por certo para toda agente da 816). Grande comandante operacional no terreno e também no desenvolvimento dos valores morais, da ética e sobretudo humanos e culturais das povoações por onde assentávamos arraiais.
O tratamento com os seus militares era insuperável, era como se diz, “terra-a-terra” mas sem a mínima quebra do respeito hierárquico. Respeitava e fazia-se respeitar.
Uma das suas primeiras preocupações, não militares, era pôr as crianças numa “escola” com um Furriel a ensinar.
A simbiose população-tropa ou tropa-população, era um dos seus propósitos prioritários.
Não me esqueço mais, e isto já no campo militar, ele tirar a MG 42 do tripé e pô-la no parapeito da autometralhadora improvisada numa GMC (o “Águia Negra” Rogério Cardoso sabe do que estou a falar) expondo-se assim, muito a jeito, à trajetória das balas e dos estilhaços (destes não se livrou, ainda que não gravemente) das granadas inimigas (não foram poucas) numa das emboscadas mais problemáticas que a Companhia sofreu durante a refrega africana. Outra atitude de rara coragem e aqui vou citar o meu grande amigo Rui Alexandrino no seu extraordinário e singular livro “Rumo a Fulacunda”:

...acorri ao local onde deparei com uma cena terrivelmente chocante e verdadeiramente trágica.
Numa viatura GMC da Companhia que estava parada junto à arrecadação, anexa à caserna dos Soldados que se aprontava para escoltar aquela coluna, envoltos em chamas, atingido que fora o depósito da gasolina, ardiam 2 militares do 3.º pelotão.
Rebentavam ininterruptamente granadas de mão e de morteiro que já tinham sido colocadas na caixa da viatura.
O pandemónio e a desorientação eram gerais.
Imóveis os sinistrados, já mortos, ardiam.
Incrédulos, protegiam-se os restantes encobertos pelos cantos e pelas paredes dos edifícios anexos sem saber muito bem qual a atitude a tomar, qual a acção a desenvolver.
Tomou então a iniciativa o Capitão Riquito, comandante da 816 que, protegido por uma auto-metralhadora DAIMLER se aventurou até junto da viatura em chamas, a destravou, lhe engatou um cabo de reboque para que fosse arrastada para o meio da parada, longe da arrecadação onde existiam mais granadas e munições.
Esgotado o combustível e arrefecida a viatura, foi então possível fazer o rescaldo do incêndio e resgatar os corpos que estavam completamente carbonizados.
Uma verdadeira desgraça! Um inacreditável horror!

Recordo bem das primeiras advertências do Capitão (particularmente, e ainda hoje, chamamos-lhe Grande Capitão) dele, logo nos primeiros dias de campanha: Quem fizesse engravidar assumia a paternidade. Balizava o procedimento do pessoal de uma forma humana e muito altruísta. Aquele foi um dos mandamentos a cumprir. Terá sido cumprido?... Julgo que sim.

O povo do Olossato e a tropa da 816 puxavam para o mesmo lado.
Olossato era uma povoação guineense das mais pequenas certamente.
Fomos ali substituir a 566 (um abraço Zé Ribeiro) uma Companhia que tinha feito um belíssimo trabalho quer no campo da luta, quer na construção e na defesa do aquartelamento, quer ainda na ajuda aos sacrificados nativos. Fomos “apresentados” numa ida à base de Iracunda e que foi o batismo de fogo para 2 Grupos de Combate da 816, um batizado que demorou aproximadamente 25 minutos de fogachada (chamei pela minha mãe ali a primeira vez - será que ela ouviu? Até pareceu…-).

Para começar… nada mau…. e eu que me gabava de não me meter com ninguém.
Julgo que a 566 foi a primeira Companhia a sediar e a reconstruir o Olossato.
Nós da 816, fomos render aquela Companhia em outubro de 1965.
Ficamos por ali praticamente 1 ano.

O Olossato foi por assim dizer a nossa terra na Guiné. Fomos encontrar meia dúzia de casas em alvenaria, supostamente outrora de colonos, e o resto era a pequena tabanca das gentes nativas do Olossato.

Havia um chefe de posto com casa própria. Do lado para Farim a loja de panos do Sr. Fodé, a casa do padeiro do outro lado e pouco mais. Isto logo a seguir ao cavalo de frisa que fechava o aquartelamento desse lado. Do lado de Bissorã, já havia mais casas. Logo imediatamente antes da “Porta d’armas”, 2 a 3 casas a vender miudezas, panos garridos e diversidade de coisas muito simples e corriqueiras, regionais e artesanais - a necessidade aguça o engenho - ouvi já isto em qualquer lado. Por ali também inevitavelmente o grande barracão, outrora serração onde se acomodava a guarnição dos Obuses do meu querido amigo Alferes miliciano Brandão.

Libaneses, nem um, ao contrário de Bissorã onde lembro os bailes em casa do Sr. Rui. (eu? Não, o Libanês). Saudades? Talvez! Até então onde tínhamos estado.
No Olossato, bem dentro do aquartelamento, este bem fortificado com troncos de palmeira e chapa de bidão a guarnecer, e de planta quadrada, apenas um civil: um velhote cabo-verdiano que cultivava ananases não sei onde e para o lado de Maqué. Saía de bicicleta e usava um chapéu típico de expedicionário africano. Para ele não havia guerra.
Tinha uma casa também em alvenaria e esta ficava escondida num matagal de plantas e árvores, com algum toque de ajardinado, diga-se. Figura um pouco enigmática.

Dentro do quartel só havia casas em alvenaria e também mais um barracão (sempre as serrações) que servia de caserna aos soldados.
A tabanca da população flanqueava todo o lado Norte do aquartelamento e do lado de fora deste.
Olossato, bem dentro do Oio, e relativamente perto de Morés sempre foi uma povoação da Guiné mas terá sido completamente abandonada aquando de Morés se tornar uma das principais bases inimigas na Guiné. Aqui e julgo que foi a 566 que recolheu gente no mato e trouxe para o Olossato e aí renasceu aquela terra.

Um momento de festa e alegria do humilde povo do Olossato. Senti o pulsar da franca alegria daquela gente. Arrepiava, o chão, vermelho, até tremia. O riso das bajudas e até das mais velhas (estas mais traquejadas nos movimentos da dança) era largo. De face a face, e a mostrar toda uma dentadura muita branca e alinhada. Dentes tinham, nozes? Nem tanto…

Passado este introito (talvez longo. Desculpem!) vamos então às célebres e denominadas “Operações-vaca”.
As “Operações-vaca” tinham por fim, e daí a afinidade com o seu nome, o apanhar, para não usar outro termo mais apropriado, de gado ao inimigo ou pró-inimigo. A maioria do gado em poder daqueles, sabia-se, que era “roubado” aqui e acolá em pequenas povoações indefesas ou aquelas que não queriam colaborar com eles, e que na maioria dos casos não tinha qualquer proteção da tropa. Acresce dizer, que nestas povoações, sem qualquer proteção da tropa, o pessoal aí habitante era sempre suspeito, claro, de colaborarem com os “turras”, ou, no melhor das hipóteses, jogarem com um pau de 2 bicos - coitados pelo dilema -, isto é, eram por eles quando estes apareciam e eram por nós quando aparecíamos nós. Claro que esta situação nunca era de nos convir e, portanto, sempre que eles se negavam ao nosso convite de virem fazer a sua vida e o seu trabalho na povoação de Olossato, onde estariam a coberto das investidas e da política inimiga, ficavam então rotulados de "meio-turras” senão de “turras” mesmo, e daí as consequências. Estas no entanto não eram bem dentro da maneira de atuar da 816 mas, outras Companhias, para quem não acompanhasse a tropa ia-se lá ao outro dia…
Não estou, seguramente, a fazer juízos de valor.
O inimigo também fazia as suas retaliações, para com aquele pessoal, oh(!) se fazia!

Bom, mas para não me desviar das “Operações-vaca”, então sempre que nos inteirávamos de que o inimigo tinha algures grande quantidade de vacas que justificasse a nossa ida (e a nossa necessidade) lá nos púnhamos a caminho. O gado normalmente era guardado por um ou outro indígena, quase sempre armado, e que logo tratava de se por ao fresco, fazendo no entanto antes uma rajada ao pressentir a aproximação da tropa. A rajada era mais para avisar as “casa-de-mato” próximas do que alvejar alguém, mas se pudesse acontecer as duas coisas…

Como estas operações se faziam com alguma frequência nunca faltava carne à tropa e à ávida população, pois o Capitão compartilhava o “apuro” com os nossos fieis amigos e nativos do Olossato.

Era uma operação típica e grotesca; o risco a correr pela malta, salvo um encontro fortuito, embora sempre de admitir logo fora do arame farpado, não era muito previsível, pois, como atrás disse, as vacas nunca estavam, obviamente, perto dos refúgios dos “turras”, e, uma vez as vacas na nossa posse, toda a cena decorrente fazia lembrar o “Far-West”. Aquela grande quantidade de reses, só de uma vez foram à volta de 100, em fila indiana, acompanhada da malta de arma nas mãos, também a fazer lembrar os pistoleiros daquelas paragens do Oeste americano. Havia soldados que chegavam a montar nas vacas, ao bom estilo do rodeo americano, o que elas, aos pulos, tentavam sacudir. Alguns bem queriam mas não havia hipótese, e tudo aquilo tinha feições de um filme de “cow-boys”. Um rodeo (!), isso mesmo! Como víamos nos filmes.

Raramente os terroristas apareciam emboscados, pois como o sequestro era feito de surpresa e em jeito, só tarde eles se apercebiam do golpe, e quando eles apareciam, o azar que havia, era ficar uma ou outra vaca com uma rajada no lombo, pasto para os abutres que andavam sempre por perto. Homem armado, abutre por perto, parecia.

Junto da nossa cozinha, refiro-me à cozinha dos Furriéis, havia uma enorme árvore e por lá estavam sempre meia dúzia de abutres. Apetecia fazer tiro ao alvo, mas constava-se que era proibido (?) matar abutres. E por falar em abutres também lembro-me bem de encontrarmos um burro morto ali para os lados da célebre serração na estrada para o K3 inteirinho na carcaça exterior e com todo o interior comido.
Parecia que estava a dormir. Curioso. Os abutres tiveram o cuidado de preservar a total fisionomia exterior do burro. Literalmente. Prontinho a encher para embalsamar. Impressionante o trabalho cirúrgico dos sinistros abutres.

Carne (aqui já estou a falar das vacas não da do burro), portanto não faltava mesmo com semanas a comer com arroz (mal) pilado, por falta de reabastecimento. O pontão de Maqué (entre Bissorã e Olossato, mais ou menos a meio caminho) onde obrigatoriamente passavam as colunas motorizadas e de reabastecimento era destruído com alguma regularidade pelo inimigo. Mais tarde teve ali lugar um destacamento.
Na nossa companhia havia um magarefe de profissão (civil), o que ajudava e muito a seleção criteriosa de toda a carne do animal Os miolos fritos bem regados a cerveja era um pitéu logo ao meio da manhã.

As operações-vaca rendiam uma boa petiscada ao meio da manhã: miolos fritos muito bem regados a cerveja. Como se pode ver, nos Furriéis também havia bons corneteiros. Eu estou a dizer para a objetiva “ai que rico pitéu”.


Vistas aéreas (de ângulos diferentes - quase opostos -) de Olossato . A primeira foto, propriedade do meu amigo José Ribeiro (CART 566) foi tirada em 1965 e a segunda em 1966, com a diferença sensivelmente de um ano, portanto. Como ponto de referência das duas fotos a caserna dos soldados (A).
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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12188: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (26): Como se faz acabar o vício de cravar cigarros aos outros

Guiné 63/74 - P12600: Convívios (558): Notas de reportagem do XI Encontro da Tabanca da Linha, que teve lugar no dia 16 de Janeiro de 2014 (José Manuel Matos Dinis)

1. Em mensagem do dia 16 de Janeiro de 2014, o nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), mandou-nos a habitual crónica referente ao último convívio da Magnífica Tabanca da Linha, levada a efeito no passado dia 16 de Janeiro.
Reza assim:


16JAN2014, 5ª. feira

O céu alternava entre nublado com chuviscos, e aberto.
Da serra provinha uma ligeira brisa propiciadora do bom encontro entre camaradas da Guiné. Entre estes, avultava uma ausência, a do Sr. Comandante Rosales. De facto, a contas com uma prolongada complicação na zona ilíaca (deve ser lá prós confins ribatejanos), tem cedido às dores que isso lhe provoca, apesar das tréguas passageiras que as drogas lhe permitem, e só sai de casa, muito a custo, quando vai ao médico.

Ainda recentemente, convocou-me para o transportar, e foi um horror. A certa altura, eu já não via o caminho, nem onde punha os pés, e passou a faltar-me a respiração, quando S.Ex.ª fez um movimento que me comprimiu as narinas e a boca, contra umas adiposidades que o estado não remove, enquanto lá de cima da confusão me encorajava mais ou menos nos seguintes termos:
- "Zé! tás a ver a tua sorte, já perdi dez quilos!"

Arriei a carga, quando desfaleci, por acaso junto da viatura transportadora. O país e a tertúlia não sabem o que me devem. Nem eu imagino do que me possam acusar.

Mal tínhamos tomado lugar à mesa em atitudes de domínio territorial para não irmos almoçar para sítios menos dignos, e tocou o telefone. Era S. Exª. que, baixinho, me transmitia umas instruções que antes já delineara. Atento, como só os grandes repórteres são capazes, o grande Pires mandou-me dizer-lhe que já o contactávamos, sacou de um aparelho à profissional da rádio e informação, pôs aquilo a falar em alta voz, e S.Exª. teve ocasião de dirigir uma bonita mensagem aos presentes, entre os quais se registam cinco novidades. Cinco, que aproveitaram a campanha de inverno para se transferirem dos indistintos, para o grupo de Magníficos Tabanquistas da Linha.

Mas o telefonema acabou por transmitir uma preocupação disciplinar de S.Exª., no sentido de que nesta Magnífica Tabanca, ninguém deve ser maior do que S. Exª. o Comandante. É óbvio e eticamente merece toda a legitimidade. Por isso, o camarada Pires, com os seus palmos aferidos, foi encarregado de medir a barriguinha do confrade Miguel, iniciativa que veio revelar que aquele importante elo da formação está nos limites do aceitável, pelo que não deve exagerar. E não exagerou.

Com a chegada dos chouriços convenientemente resfriados, bocadinho quase invisível de paté, e uns queijinhos aceitáveis, o pessoal começou a aquecer as máquinas e a conversa a fluir com agrado. Cá o escrevente, antes que se esqueçam de o referir, tinha preparado umas fichas de presença, que o Canhão levou para tratar em "excel", deu a explicação sobre o preenchimento, e passaram sem sobressalto de mão em mão. Mais uma iniciativa de grande alcance exclusivamente da minha lavra, de cujo sucesso que antecipo, espero que S.Exª. me dê o merecido louvor. Alguém tem que o informar, e eu farei para que não se esqueça.

Nota de razoável interesse sobre a estratégia seguida, antes da primeira parte ter terminado, já se reclamava das instâncias locais a reposição de outros tantos jarros com vinho.

Era uma casa portuguesa, concerteza!

Os excepcionais homens do retrato regalavam-se a praticar no tiro daquela espécie de percutor que às vezes alumia o ambiente, e aproveitavam as poses mais extraordinárias para as fixar em registo para o futuro, não vá alguém dizer que não estivemos na Guiné. No seu canto de retiro, o Sr. Mata trinchava peixes e carnes com visível satisfação. E foi ele que deu o alerta, o inimigo (tempo) passava inexoravelmente, e ele tinha necessidade de recolher a casa. A pedido de alguns tertulianos, enquanto cedia mais alguns momentos, atestou para a viagem com mais um bocado do "buffet" de doces. Espero que tenham reparado e aprovado o magnífico estilo da expressão "o inimigo passava inexoravelmente". Ainda hei-de compreendê-la, e nessa ocasião vou transmitir-vos o significado.

Nesse interim, vou fazer a necessária paragem na reportagem para jantar e deixar-vos em paz de espírito.
Seguem-se alguns retratos do Manuel Resende.
Para amanhã, o Jorge Canhão promete mais artilharia.

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José Colaço e Pardal

Manuel Joaquim e José Rodrigues

Graça de Abreu e José Dinis

Veríssimo Ferreira, Armando Pires e Graça de Abreu

Enf.ª Pára Giselda Pessoa e Maria Helena

Casal Fitas, Maria Helena e Mário Fitas

António Marques e esposa Gina

Miguel Pessoa, à direita, e seu primo (?)

Jorge Canhão

Graça de Abreu e Manuel Joaquim à volta dos livros

Graça de Abreu, José Dinis, Jorge Canhão e Manuel Resende
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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12553: Convívios (557): Próximo encontro da Magnífica Tabanca da Linha, dia 16 de Janeiro de 2014, no sítio do costume. Abertas as hostilidades (José Manuel Matos Dinis)

Guiné 63/74 - P12599: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (3): Tavira, uma terra com história... (António Manuel Conceição Santos, ex-fur mil op esp, CCAÇ 4540, Bigene, Cadique, Nhacra, 1972/74)



Tavira >  Foto nº 13 >  Álbum  fotográfico do nosso camarada António Manuel Conceição Santos [Tomanel]  > Quartel da Atalaia, RI1, CISMI (1)...




Tavira >  Foto nº 13 >  Álbum  fotográfico do nosso camarada António  Manuel Conceição Santos [Tomanel]  > Quartel da Atalaia, RI1, CISMI (2)...


Tavira >  Foto nº 15 >  Álbum  fotográfico do nosso camarada António  Manuel Conceição Santos [Tomanel]  > Quartel da Atalaia, RI1, CISMI (3)...


Tavira >  Foto nº 17 >  Álbum  fotográfico do nosso camarada António  Manuel Conceição Santos [Tomanel]  >  Quartel da Atalaia, RI1, CISMI (4)...


Tavira >  Foto nº 18 >  Álbum  fotográfico do nosso camarada António  Manuel Conceição Santos [Tomanel]  > Quartel da Atalaia, RI1, CISMI (5)...



Tavira >  Foto nº 4 >  Álbum  fotográfico do nosso camarada António  Manuel Conceição Santos [Tomanel]  >  > Centro histórico


Tavira > Foto nº 6 > Álbum fotográfico do nosso camarada António  Manuel Conceição Santos [Tomanel] > Rio Gilão


Tavira > Foto nº 21 > Álbum fotográfico do nosso camarada António  Manuel Conceição Santos [Tomanel] > Ponte (romana) sobre o Rio Gilão


Tavira > Foto nº 23 > Álbum fotográfico do nosso camarada António  nosso Antóinio Manuel Conceição Santos [Tomanel] > Um das 30 igrejas e ermidas...


Tavira > Foto nº 25 > Álbum fotográfico do nosso camarada António  Manuel Conceição Santos [Tomanel] > Ponte (romana) sobre o rio Gilão


Tavira > Foto nº 32 > Álbum fotográfico do nosso camarada António  Manuel Conceição Santos [Tomanel] > Vista parcial da cidade, e a ria de Tavira e as famosas salinas...


Tavira > Foto nº 27 > Álbum fotográfico do nosso camarada António  Manuel Conceição Santos [Tomanel] > Estação da CP  e conjunto escutório (o militar e a mulher tavirense), da autoria do belga  Francis Tondeur (1)


Tavira >  Foto nº 27 >  Álbum  fotográfico do nosso camarada António  Manuel Conceição Santos [Tomanel]  >  Estação da CP  e conjunto escutório (o militar e a mulher tavirense), da autoria do belga  Francis Tondeur (2)



Tavira > Foto nº 29 > Álbum fotográfico do nosso camarada António  Manuel Conceição Santos [Tomanel] >  Estação da CP  e conjunto escutório (o militar e a mulher tavirense), da autoria do belga  Francis Tondeur (3)






Tavira > Foto nº 33 > Álbum fotográfico do nosso camarada António  Manuel Conceição Santos [Tomanel] > > O autor, na ponte sobre o Rio Girão.

Fotos: © António Manuel Conceição Santos (2014). Direitos reservados.


1. O nosso camarada (e membro da nossa Tabanca Grande, desde 21/4/2008)  António Manuel da Conceição Santos (Tomanel, para os amigos) foi  Fur Mil Op Esp,.  CCAÇ 4540 (Bigene, Cadique, Nhacra, 1972/74)... Vive em Faro, mas nasceu em Tavira. O que poucos sabem é que um apaixonado pelas coisas e gentes da sua terra, o Algarve, tendo criado, entre outras páginas na Net, o blogue Um Raio de Luz e Fez-se Luz -. Algarve.. Sigo esse blogue (que não é muito amigável...por excesso de informação)  e há muito que tinha guardado um precioso ficheiro, em power point, com texto e fotos sobre Tavira. Trata-se um "slideshow", com 33 slides, que vale a pena ver e ouvir. Aqui.[Tavira - Tu que já passaste em Tavira].

Eu, que passei por Tavira, no 4º trimestre de 1968,  e que fiquei apaixonada por aquela terra (uma das mais belas do nosso país), não resiti a aproveitar algumas das imagens e do texto do Tomanel... para que pudessem chegar mais longe, através do nosso blogue. De algum modo, estou a antecipar a "romagem de saudade" quevou  lá fazer no último fim de semana deste mês, prenda de anos da patroa... (LG)


Com a devida vénia e um alfabravo para o autor. (LG).


2. TAVIRA – uma terra com história
Brasão de  Tavira. Fonte:  Wikipedia



por António Manuel C. Santos [Tomanel]
[Texto recuperados do "slide show" de visita obrigatória, disponível aqui]


Tu!!!!, que por aqui já passaste … por favor, não te emociones. Sei que vais deitar uma lágrima…

Vamos recuar no tempo em que os fenícios em pleno século VIII a.C. construíram uma fortaleza na colina,  hoje designada de Santa Maria.

Depois vieram os Romanos e é no século I a.C. que Tavira começou a ter um enorme valor,  quer estratégico, quer a nível económico,  devido à arte da pesca, à indústria da salga do peixe e aos produtos agrícolas. Deixaram em Tavira marcas que se encontram ainda bem visíveis e outras que estão a ser postas a descoberto.

Mais tarde, durante o domínio islâmico que ocorreu entre os séculos VIII e XIII, Tavira torna-se uma localidade muito importante, devido ao seu castelo e ao movimento do seu porto.

Tavira é então conquistada aos mouros, em 1242, sendo ocupada pelos cavaleiros da Ordem Militar de Sant´Iago, seguindo-se a tomada de Cacela (vide UM RAIO DE LUZ E FEZ-SE LUZ e procure COISAS DO NOSSO ALGARVE: Cacela Velha – Um cheirinho a Árabe)

Tavira é elevada a cidade em 1520 por D. Manuel I. 

Os anos foram passando e, com o abandono das Praças do Norte de África, com a deslocação dos grandes morgados para o Sul de Espanha à procura de melhor sorte de vida no comércio com as Índias, aliadas ao declínio das pescas e ao assoreamento do rio Gilão, Tavira deixou de ter aquele tão grande interesse e passou a ser uma cidade pacata e, em termos económicos, apenas restava a pesca do atum.

Mas Tavira continuava a ser um ponto estratégico-militar. O que nos interessa aqui é destacar que em 1640 esta pacata cidade passou a ser guarnecida por um Destacamento de um dos dois Regimento do Algarve provindo da Organização do Terço Novo da Guarnição da Corte.

Em 1795, a Rainha D. Maria I manda construir o Quartel da Atalaia, assim era conhecido e assim hoje continua a ser conhecido. Por aqui passaram várias Unidades, mudou de nome algumas vezes, mas, foi em 1948 que aqui começou a funcionar o CISMI (Centro de Instrução de Sargentos Milicianos).

Hoje, este Quartel da Atalaia recebe Companhias de várias especialidades com vista a aprofundar conhecimentos geoestratégicos, como o Centro de Instrução de Quadros (CIQ), bem como o Centro Militar de Férias de Tavira (CMFT).

Foi aqui que,  nas décadas de 60/70 [do Século passado],  milhares de instruendos foram chamados a obter especialização nas várias vertentes para Sargentos Milicianos.

Após a especialização, partiam para serem integrados em Companhias, que depois de receberem instrução, o destino era as guerras de África. Na verdade, eu próprio, natural desta Terra e que aqui fui instruendo, afirmo que este Quartel tornou-se pequeno para a imperiosa necessidade de “fabricar” furriéis milicianos, tendo sido mais tarde, acrescentado um 1º andar.

A falta de camas para todos os instruendos era uma realidade e,  por isso, quem quisesse ou pudesse, poderia pernoitar na cidade em quartos alugados. Nessa altura, Tavira tinha muito movimento devido aos militares que por aqui passavam e aos familiares que aqui vinham.

Ao anoitecer enchiam-se os bares junto ao Rio Gilão e muitos passeavam pelas ruas estreitas à procura de amizades passageiras ou não com as moças da nossa Terra. Morenas, de olhares esguios, passeavam pelo jardim do coreto,  tentando captar a simpatia dos rapazes. Muitas arranjaram namorados e muitas ficaram como madrinhas de guerra.

Sendo certo que Tavira é a Cidade das Igrejas, são cerca de 30 ao todo com ermidas, muitos de nós, instruendos, deambulávamos pelas ruas, por vezes fazendo apostas, na tentativa de descobrir quantas eram.

As margens do Rio Gilão, que divide a cidade ao meio, enchiam-se de casais de namorados. AH!!!! QUE SAUDADES… A ponte Romana era palco de passagem de uma margem para a outra. Naquela altura ainda por aqui circulavam os carros, hoje está vedado ao trânsito automóvel.

Aos fins-de-semana, os que podiam, deslocavam-se à sua Terra, outros ficavam por cá. Os primeiros iam de comboio e levavam o namorico até à estação. Os segundos iam ao cinema ou passeavam por estas bandas. 

Em memória a esta fase da vida local, o belga Francis Tondeur foi convidado a fazer duas esculturas que perpetuassem esta envolvente taviresca.  Essas duas esculturas estão junto à Estação da CP, uma está junta à porta da Estação e representa um soldado. A outra está à beira da rotunda junto à Estação e representa uma rapariga da terra. Ambos fazem adeus, esse mesmo gesto simboliza emoções ambíguas que foram vividas neste local, não se sabe se é de felicidade do regresso ou da aflição do adeus da partida para a guerra.  É uma incógnita que fica e que ninguém deve ousar perguntar ao seu autor.

Hoje, Tavira é uma cidade em franco desenvolvimento, pode-se dizer que é uma cidade limpa.  Vive do comércio local, do turismo, pois tem duas bonitas praias, e sem embargo, é uma localidade do Algarve que obrigatoriamente deve ser visitada.

Aqui vos deixo mais um recanto de COISAS DO NOSSO ALGARVE. Fim 

Por favor: Se acabaste de visitar este blog, faz o teu comentário. Há lá um cantinho que diz “comentários”. O autor agradece.

Imagens: Da responsabilidade do autor.

Textos: Pesquisas locais e Roteiro de Tavira “passear e conhecer”

 Uma produção de:



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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12597: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (2): Caldas da Rainha, a cidade onde estava sediado o Regimento de Infantaria 5, onde era ministrado o Curso de Sargentos Milicianos (Carlos Vinhal)

Sobre Tavira, o Quartel da Atyalaia, o CISMI... vd também (enter outros):

16 de outubro de  2012 > Guiné 63/74 - P10538: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (2): 3.º episódio: O 2.º Turno, no CISMI, na bela terra de Tavira

2 de setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6919: Memória dos lugares (95): Tavira, CISMI, 1968: Foto de família depois das salinas (Carlos Cordeiro)