sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12569: E fazíamos grandes jogatanas de futebol (4): Futebolices em Mampatá e a CART 2519... (Mário Pinto)


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a seguinte mensagem.


Camaradas,

Já que estamos numa de futebolices, Mampatá e a CART 2519 não podiam ficar indiferentes ao pontapé na bola que salutarmente se fazia naquela altura por lá.

Ficaram célebres algumas peladinhas que fazíamos com a inclusão do Capitão da Companhia, que aliás era o próprio a incentivar o pessoal para a mesma. Entretanto aproveitavámos a peladinha para lhe aplicar umas valentes caneladas de amizade que levava o mesmo, muitas vezes, a queixar-se e com hematomas nas pernas, tal era a dose.

Chegou-se também a fazer um Campeonato com as Companhias de Aldeia Formosa, respectivamente, CART 2521 e CCAÇ 2616 e CCS do Batalhão, que ficavam a cerca de 7Km de nós.

O nosso Vagumestre e o Fur Mil José Alberto Gonçalves, do Pel Caç Nativos, chegaram mesmo a criar uma escola de djubis de Mampatá onde ensinavam algumas práticas da modalidade.

O Futebol  nem sempre foi uma constante da nossa Companhia, pois nos primeiros tempos a intensidade e o empenhamento na construção da estrada Buba-Aldeia Formosa era tal que a nossa disposição para qualquer coisa era nula. Só mais tarde e depois de nos termos fixado na Tabanca é que criámos condições para a sua prática com o fim de nos recrearmos nos momentos de descanso..... 

Junto algumas fotos desses tempos, com maior predominância sobre as escolas de Jubis de Mampatá.  [Seguem algumas fotos desses bons tempos].








Um abraço a todos
Mário Pinto
Fur Mil At Art da CART 2519 
___________ 

Nota de M.R.: 


Vd. último poste desta série em: 

9 DE JANEIRO DE 2014 > P12561: E fazíamos grandes jogatanas de futebol (3): O 'Jogo da Bola' nos intervalos da guerra: os craques da CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74) ... (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp)

Guiné 63/74 - P12568: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (29): O que os rapazes dos cachecóis precisam de saber: que o Eusébio foi um português muito especial, que ajudou a escrever uma página muito especial da história de Portugal, da Europa e de África...


1. Texto enviado, em 8 do corrente, pelo António Rosinha [, fur mil em Angola, 1961/62, foto à esquerda; topógrafo da TECNIL, Guiné-Bissau, em 1979: ou, como ele gosta de dizer,colon, em Angola, de 1959 a 1974; cooperante na Guiné-Bissau, de 1979 a 1993; membro da nossa Tabanca Grande desde 29 de novembro de 2006]:


Assunto: De Gungunhana a Eusébio ou de Mouzinho de Albuquerque a Maurício Vieira de Brito e Tudela e os rapazes dos cachecóis


Tem gente que com um grão na asa dá-lhe para cantar, uns dá-lhe para o fado, outros coisas de Joselito e passodobles, e há um amigo meu que por tudo e por nada, após o café e bagaço saía-lhe o Kanimambo.

Um dia, ainda antes do café e do bagaço disse ao "jovem", na casa dos 50 que João Maria Tudela tinha morrido recentemente.

Quem é essa pessoa? Perguntou-me ele.

Claro que como antigo "cólon", quando cheira a colónias, lá tenho que explicar, as coisas que mais novos tiveram a sorte de não ter visto, e o meu amigo lá soube que cantava a música de um "cantor colonial" em Landim, patrício de Eusébio.

Penso que mudou de reportório após a minha explicação.

Claro que podemos gostar de ouvir música de Wagner sem saber sequer que essa pessoa existiu.

Isto vem a propósito de os "rapazes dos cachecóis", que tanto se manifestam, principalmente os do Estádio da Luz, se imaginarão as voltas que o mundo deu, para Eusébio ir parar a uma Selecção Nacional de um País europeu, e porque razão se discute se um simples futebolista deve ou não ir para o Panteão Nacional.


Penso que estes jovens dos cachecóis precisavam de uma explicação da parte dos mais velhos, porque também acho que estes jovens estão como o intérprete do Kanimambo, que cantava em Landim e não sabia quem era o Moçambicano João Maria Tudela, E PENSAM QUE Eusébio representou só futebol para a geração dele.

É que corremos o risco de enlouquecermos uma geração, se não ensinarmos os rapazes a olhar para Eusébio sem bola.

Que não é uma simples bola que leva Eusébio a poder morar eternamente em certos "condomínios".

Claro que não ficam mais felizes se souberem que Gungunhana era patrício de Eusébio, que veio de barco para Portugal a convite de Mouzinho de Albuquerque e não sabia jogar à bola e falava em Landim.

E também não ficarão mais felizes se souberem que foi um angolano, Maurício Vieira de Brito, que trouxe o Moçambicano e outros africanos para Portugal para jogarem à bola.

Também tem que se dizer à juventude dos cachecóis que aquilo que representa a figura de Eusébio não é consensual para todos os portugueses da geração do Eusébio.

Antes pelo contrário, temos que dizer aos jovens que tirando a bola, a lembrança de Eusébio divide alguns portugueses da sua geração, principalmente uns que eram mais europeístas, outros mais africanistas.

Os rapazes precisam saber tudo, principalmente que uma simples bola não é política, nem religião, portanto haverá algo mais representativo para os portugueses a acompanhar a imagem de Eusébio.

E também se tem que divulgar e explicar, porque na terra natal, Moçambique, não há uma manifestação oficial exuberante como em Portugal.

Talvez se os mais jovens tentarem compreender 
todos os motivos, razões e até contradições nas
origens de tanta admiração lusa pela figura de Eusébio, 
aí a "bola" não será tão pontapeada.


[Foto à esquerda: Outdoor da Câmara Municipal de Lisboa, com um "obrigado" ao Eusébio, Reproduzido, com a devida vénia, do sítio da CML]


Teremos que dizer ao pessoal mais novo, que Eusébio foi um português muito especial, que ajudou a escrever uma página muito especial da história de Portugal, da Europa e de África.

Uma página em que podem entrar com destaque, Gungunhana e Tudela, Maurício e também Adolfo Vieira de Brito, angolanos, presidentes dos encarnados

Cumprimentos,

Antº Rosinha
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Nota do editor:

Último poste da série > 31 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12527: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (28): A TAP e a Guiné-Bissau ou... a Guiné "TAPdependente"

Guiné 63/74 - P12567: Notas de leitura (551): "Antologia da Terra Portuguesa - Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Macau e Timor", por Luís Forjaz Trigueiros (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Agosto de 2013:

Queridos amigos,
Mal irrompeu a guerra em Angola e surgiram obras de reportagem sobre a região; o mesmo acontecerá com a Guiné e Moçambique.
Autores de cunha nacionalista, caso de Luís Forjaz Trigueiros e Amândio César, lançar-se-ão em obras de cunho antológico.
Este volume de Luís Forjaz Trigueiros é sintomático quanto à quantidade e qualidade de autores: Cabo-Verde preenche praticamente metade do volume, as outras colónias terão porções muito mais magras. Trigueiros optou por Zurara em vez de André Álvares de Almada, ambos indispensáveis; escolheu Fernanda de Castro, foi pena ter escolhido um texto menor”; selecionou avisadamente páginas de Teixeira da Mota e João Augusto da Silva. Estranhamente, nem uma palavra sobre Fausto Duarte.
Para que conste.

Um abraço do
Mário


A Guiné aos olhos de Luís Forjaz Trigueiros

Beja Santos

Pelos anos 1960, a Livraria Bertrand lançou uma coleção que deixou nome: Antologia da Terra Portuguesa. O país que éramos então foi descrito região por região, com exceção do chamado Ultramar em que Luís Forjaz Trigueiros escreveu volumes separados para Angola e Moçambique e Manuel de Seabra escreveu sobre Goa, Damão e Dio e Luís Forjaz Trigueiros sobre Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe, Macau e Timor.

A fatia de leão coube a Cabo-Verde, Forjaz Trigueiros compendiou textos, por vezes de uma enorme beleza, assinados por escritores como José Osório de Oliveira, Manuel Lopes, António Pedro, Nuno de Miranda, Gabriel Mariano, Onésimo Silveira, Baltazar Lopes e Daniel Filipe.

Mais curto será o espaço que o autor reservará à Guiné, mas convém referir que escolheu bem o que saiu das mãos de Gomes Eanes de Zurara, Augusto Casimiro, Fernanda de Castro, Maria Archer, Teixeira da Mota, António de Cértima, João Augusto, Landerset Simões, Manuel Belchior e Manuel Henriques Gonçalves. Escolha é escolha, sempre sujeita a reparos, na conceção de um Portugal do Minho a Timor, Forjaz Trigueiros, dentro da sua lógica, escolheu avisadamente. Como se passa a referir.

Primeiro, o autor do chamado achamento da Terra dos Negros, Gomes Eanes de Zurara e a sua Crónica dos Feitos da Guiné. Lançarote, almoxarife de Lagos, dirige-se ao Infante D. Henrique e pede licença para ir à Guiné:
“E se Deus trouxer o feito de nossos contrários, presas de grande valor, pelas quais de vosso quinto devereis receber grande proveito, do qual nós não ficaremos sem parte. E disto, senhor, vos praza havermos vossa resposta, para despachadamente seguirmos nossa viagem, enquanto nos o verão dá tempo para isso”.

Chega-se à Guiné – então o que se entenderia por ela – Nuno Tristão e outros são frechados e morrem do veneno das setas. A viagem prosseguirá em condições precárias, com logística deficiente, poucos homens, os nautas chorosos pela morte do capitão, de escudeiros e homens de pé. E como numa oração Zurara escreve:
“Ó grande e supremo socorro de todos os desamparados e atribulados, que nunca desamparas aqueles que te chamam em maior necessidade, que ouviste os clamores daqueles que gemiam a ti! Onde bem mostraste que ouvias suas preces, quando em tão breve lhe enviaste tua celestial ajuda, dando esforço e engenho a um tão pequeno moço, nado e criado em Olivença, que é uma vila de sertão mui afastado do mar, o qual avisado por graça divinal, encaminhou o navio, mandando ao grumete que diretamente seguisse o norte, abaixando-se um pouco à parte do levante, ao vento que se chama nordeste, porque ali entendia ele jazia o reino de Portugal, cuja viagem eles seguir desejavam!”.

E elogia os nautas inexperientes que conduziram a torna-viagem, onde foram recebidos pelo Infante, “contar-lhe o forte aquecimento da sua viagem, apresentando-lhe a multidão das frechas com que seus parceiros morreram, de cuja perda o Infante houve grande desprazer, porque quase os criara todos, não pôde escusar tristeza daquela humanidade que ante a sua presença pelo espaço de tantos anos fora criada”.

Passando à frente de Augusto Casimiro e Fernanda de Castro, temos Maria Archer (1899 a 1982) a descrever um tornado em Bissau:
“Calmaria. Uma nuvem branca mancha o azul intenso do céu. Não bole folha. O mar é de leite. De súbito surge um ponto negro no horizonte e em poucos minutos aumenta, amplia-se, cobre todo o céu como uma tampa negra. Um furacão terrível desencadeia-se. As árvores desfolham-se, dobram-se, gemem. Batem as portas e janelas, estilhaçam-se vidros, há gritos nas casas. As ruas despovoam-se. Toda a população se recolhe. Quem não encontra abrigo deita-se no chão. Os barcos, no porto, são balouçados por vagalhões medonhos. Partem-se as amarras. Os animais, espavoridos, correm pelos campos.
Uns minutos de inferno. Dez, quinze minutos, o máximo. Depois o tornado vai-se, passa, leva a outros lugares o seu estrondo de maldição. Volta o céu azul, o ar calmo, o sossego. Foi-se o tornado”.

Segue-se depois um termo de comparação, saíra da Guiné em 1918, não havia uma única estrada, nem iluminação elétrica, nem esgotos ou águas canalizadas. Não havia automóveis na Guiné, os barcos a motor eram raros. Décadas mais tarde, sente-se por lá um outro ritmo de vida. Passou-se a viajar de automóvel pela Guiné, de gasolina pelos rios e canais, certos burgos estão iluminados a eletricidade. Há hortas, há desporto, resiste-se mais ao clima. E a autora termina assim:
“Despediram-se de mim, no cais, o cozinheiro mandinga, o criado de mesa grumete, a lavadeira cabo-verdiana, a muleca mancanha, que era gentia, como todos os da sua raça.
E eu pensei : 
- Eis um grupo que representa o povo da Guiné!

O criado grumete e a lavadeira cabo-verdiana diziam-me: 
- Deus lhe dê boa viagem! E benziam-se.

Eu não sei se lhes dei, a vocês, uma ideia do que é a Guiné, e do seu encanto de terra bárbara e do seu pitoresco de Babel das raças indígenas. Eu, por mim recordo-a com a mais intensa impressão que me deixou a África”.

Forjaz Trigueiros escolhe páginas esplêndidas de Teixeira da Mota sobre a expansão portuguesa na Guiné, e depois poesia de António de Cértima. Um escritor ainda recentemente aqui abordado, João Augusto Silva, autor da obra premiada “África, da vida e do amor na selva”, é o autor seguinte de onde podemos ler o “Apólogo do Falcão e Abutre”:
“À sombra de uma árvore, um alto poilão secular, descansa, tranquilo, o abutre. No mesmo ramo em que ele assenta, caiado pelos dejetos brancos de tantos que ali passaram, veio pousar um falcão. Depois de trocarem cumprimentos, o falcão sempre palreiro e irrequieto, increpou o abutre de desprezível, de cobarde, de madraceiro, e quantos nomes lhe acudiram à cabeça louca e leviana. Chamou-o e tornou a chamar o ser mais miserável da criação. Mas, finalmente, furioso com o silêncio enervante do abutre, aconselhou, para terminar: 
- Deixa a carne podre e infecta dos monturos e faz como eu, que me alimento com a carne dos animais que abato à custa de um labor intenso. Porque não abandonas essa vida de pária, sempre no esterco à procura daquilo que outros abandonam?

O abutre, paciente, ouviu tudo e não teve o mínimo gesto de protesto, de indignação sequer. Nisto, porém, em grande velocidade, passou entre os dois uma avezita de penas multicolores. Doido, desordenado, o falcão lançou-se em perseguição da ave; mas tão desastradamente o fez que, de encontro a um tronco robusto, foi bater em cheio com o peito. Louco, cheio de dor, piando e repiando, caiu no chão, exânime, sobre as folhas secas.

Nesta altura, o abutre, lentamente, levanta voo e vai pousar, sereno, junto ao moribundo. O falcão, nas vascas da agonia, ainda pôde ver, a seu lado, cheio de horror, a silhueta tenebrosa e agoirenta do abutre. E trémulo perguntou: 
- Que vens aqui fazer? Grave, imperturbável, o abutre respondeu: 
- Aguardo o teu fim.”

Forjaz Trigueiros inclui ainda textos de Landerset Simões, Manuel Belchior e imagens da Guiné da autoria de Manuel Henriques Gonçalves. Não deixa de ser estranho certas omissões, como é o caso de Fausto Duarte, nome relevante da literatura colonial.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12549: Notas de leitura (550): "O Muro", por Afonso Valente Batista (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12566: História da CCAÇ 2679 (66): Amizade que ficou (Cândido Morais)

1. Mais um episódio para a série da História da CCAÇ 2679, desta vez a cargo do nosso camarada Cândido Morais (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71) que nos fala de amizade, aquela que nos marca indelevelmente:


HISTÓRIA DA CCAÇ 2679

66 - Amizade que ficou 
(a veracidade dos factos aqui relatados, não implica realidade nos nomes dos intervenientes…)

Nos quintais da minha aldeia há sempre alguma coisa para fazer, e o meu não escapa a essa certeza. Se quisermos, podemos dispor de permanente entretenimento, que vai das tarefas mais rotineiras às mais pesadas ou mais complexas. Mas há também aqueles momentos em que decidimos intimamente ultrapassar as preocupações pelos trabalhos que nunca encontrarão o seu termo, aproveitando as condições de que dispomos, para usufruirmos alguns momentos de repouso e de libertação, apreciando as dádivas de Deus que tantas vezes nos passam despercebidas e temos ali sempre à mão.

Foi num desses momentos, numa amena tarde primaveril, que - estendido ao sol de um leve calor reflectido pelo empedrado do chão - espraiei o pensamento pelos anos vividos na Guiné-Bissau ao tempo da guerra colonial, dando comigo a reflectir sobre amizades firmes e indestrutíveis que lá consolidei. Na verdade, essas amizades foram de tal modo fortalecidas pelo tempo e pelas adversidades, que ainda hoje, passados tantos anos, estão declaradamente presentes nas palavras e na emoção dos nossos encontros, como se fosse ontem que nos despedimos no cais da cidade do Funchal.

Nessas cogitações, lembrei-me dum facto passado em pleno destacamento de Copá, que foi o local mais isolado que conheci na ex-colónia - na sua ponta leste -, e que quase penetrava o solo hostil dum dos países vizinhos que davam guarida ao IN.
A quietude do dia, a sensação agradável que sentia sob o sol ameno que me visitava no quintal, deram-me tempo para sentir saudade daqueles tempos difíceis, que não me inibo de abordar em conversas com os amigos, embora com muito pouca frequência. Intimamente, instalou-se em mim a convicção de que não albergo problemas de consciência relativamente à guerra, na qual compareci por imposição da pátria que todos tínhamos na altura, e durante a qual nunca me desviei dos caminhos que tiveram o seu inicio na minha terra natal, bem como das minhas mais profundas convicções sobre a convivência entre os homens, mesmo que sejam elementos activos e contrários duma dura guerra, e senhores de diferentes convicções.

Por vezes, passam-nos ao lado alguns factos da vida real em que fomos intervenientes ou que sucederam próximos. Por isso, penso que é bom que os rememoremos, para melhor entendermos a sua dimensão e os seus possíveis efeitos sobre a nossa própria vida: Os Silvestres do meu pelotão nada tinham a ver um com o outro. Nem parentesco, nem proximidade que se enxergasse nas suas características pessoais. Sempre distingui um do outro, conhecedor que era de cada uma das personalidades, que eles também não disfarçavam. Os únicos pontos que detinham em comum eram o facto de ambos usarem o apelido Silvestre, ambos serem casados (na Madeira, muitas vezes os casamentos ocorriam muito cedo…) e se não incorro em erro, ambos terem já deixado alguma descendência na pérola do Atlântico.

Um dia, descansava eu na espécie de palhota que utilizava para me proteger do sol abrasador em pleno dia - localizada no centro do destacamento -, dedicando quase exclusivamente o pensamento às questões do dia a dia do aquartelamento, por vezes também desviado para o Minho distante onde pairava a minha saudade, ou para problemas menores que se me apresentavam para resolver naquele inóspito local. De dia, raramente éramos atacados no aquartelamento, pois dispúnhamos de boa visibilidade para o exterior e o IN não conseguiria aproximar-se muito sem ser detectado pelos homens destacados nos abrigos e valas exteriores que cercavam completamente a tabanca e as instalações militares que com ela se misturavam. Seriam, por isso mesmo, um alvo fácil, e por isso também preferiam mover-nos ataques nocturnos, durante os quais conseguiam aproximar-se mais do arame farpado que era a nossa primeira resistência no terreno, imediatamente antes das valas que interligavam os vários abrigos entre si, em círculo de razoável dimensão. Na altura, a guarnição do aquartelamento era composta por dois pelotões, sendo um nativo – de homens recrutados no próprio território e que podiam ser de diversas etnias – e, o outro, um dos quatro pelotões da Companhia de Caçadores madeirenses (CCAÇ 2679), neste caso o 1.º pelotão, no qual me encontrava integrado.
O sossego que reinava naquele momento, acabou por ser bruscamente interrompido pelo José António, Cabo do meu pelotão a quem fora confiada a HK, que era natural da ilha de Porto Santo, onde ainda há pouco tempo detinha funções de funcionário camarário. Vinha ofegante, e transmitiu-me apressadamente:
- Meu furriel, venha ali a baixo, que os Silvestres estão engalfinhados! E parece-me que isto não vai acabar bem…

Levantei-me de imediato e parti em direcção ao local onde se desenrolava a contenda, tendo de imediato verificado que já havia bastante população local a assistir, de semblante carregado e aparentando reprovação. Dei imediatamente ordem, em voz alta, para que parassem com a briga, mas verifiquei, um pouco surpreso, que não me prestaram a mínima atenção. E por isso concluí que a coisa estava mesmo azeda e seria necessário tomar uma medida drástica, tanto no sentido de que se apercebessem da minha presença e acabassem com a contenda, como também para que a população se compenetrasse que a tropa tinha uma disciplina a cumprir, mesmo que fosse preciso que alguém de tal se encarregasse. Por isso, avancei sobre ambos – que se encontravam aos tombos pelo chão, agredindo-se mutuamente – e peguei o que na altura estava por cima, segurando-o firmemente pelos sovacos e atirando-o de imediato contra a parede de uma cubata próxima. O segundo levantou-se então e, sem ver sequer quem o separara do seu opositor, correu novamente sobre ele, recomeçando a luta, agora em pé. E foi esse momento que me deu azo a que, dispondo de ambos em posição normal e erecta, os agredisse uma ou duas vezes – não me lembro bem -, “fazendo-lhes ver” que era eu que estava presente e que era necessário que a briga acabasse ali mesmo.

Na verdade, sucedeu aquilo que lhes era exigido. Ambos pararam de se agredir e ambos se quedaram numa posição submissa, que muito me consternou na altura, de tal modo os vi abatidos e conscientes de que tinham participado numa grande asneirada. Não me detive muito tempo por ali e, vendo os ânimos serenados definitivamente, afastei-me aparentando calma e serenidade, mas intimamente envolvido num turbilhão de pensamentos e de interrogações sobre se eu próprio teria procedido da melhor maneira.

Para mim, as decisões que normalmente se seguem a grandes e inesperados acontecimentos, nunca devem ser tomadas a quente. E por isso me dirigi para a palhota, onde voltei a estender-me sobre a esteira de verga, reflectindo agora no incidente em que acabara de participar. “Que diabo, homens casados e com filhos na Madeira, a portarem-se assim”! E eu? Não acabara também por fazer o mesmo? Bem… não foi exactamente a mesma coisa, eu fiz isso apenas para separá-los e para impor a necessária disciplina, coisa que a mim competia nessa altura! Mas não haveria outro modo, sem ser a bater? Talvez houvesse, mas eles não obedeceram doutra forma…”

Foi longa a minha meditação sobre o assunto, que continuei a amadurecer durante a noite, julgando-me apto a reagir na manhã seguinte. E a primeira coisa que fiz foi mandar chamar os soldados Silvestre, a quem fiz questão de receber juntos. Quando os vi entrar – ambos de rosto alterado e demonstrando preocupação -, concluí de imediato que também eles não tinham passado bem a noite. Era sabido que atitudes como aquela, se participadas, poderiam ser alvo de duro castigo, e isso eles não queriam, a poucos meses do final da comissão de serviço. Por isso optei por falar com eles utilizando firmeza na voz mas alguma compreensão no semblante.

- Dá licença, meu furriel?
- Entrem, se fazem favor e fechem a porta.
- O “nosso” furriel mandou chamar?
- Mandei, mandei. Que é que vos parece?
- Pois…

E foi então que eu, com alguma verborreia para não correr o risco de eles me interromperem, lhes fiz ver a gravidade do que tinham feito. Falei-lhes no único inimigo que tínhamos de enfrentar e que se encontrava lá fora, na defesa da imagem da guarnição perante as populações nativas, na necessidade de preservação da harmonia no interior do pelotão, no perigo de um deles se magoar seriamente, nas “notícias” que poderiam ser enviadas para a Madeira pelos seus próprios colegas, nas questões disciplinares ligadas a factos como aquele, mas também no problema que me tinham criado quando me vi obrigado a agredi-los para manter a ordem e a disciplina, a eles, homens casados e já com filhos a crescer…

Conforme ia falando, também os fixava intensamente. E comecei a aperceber-me que os rostos crispados que detinham até ao início da conversa, se iam distendendo quase imperceptivelmente, e o olhar tenso se ia transformando, parecendo dar a entender algum alívio e compreensão pelo que eu ia dizendo, e que eles escutavam atentamente.
Quando acabei de falar, gerou-se um silêncio pesado dentro daquele exíguo espaço fechado, tardando a ser quebrado por um deles, que entendeu dizer-me:
- Meu furriel! É só isso que tem para nos dizer?
- É, Silvestre. É só isso que tenho para vos dizer…
- Pois, meu furriel, nós pensávamos que vínhamos cá para ouvir qual era a “porrada” que íamos apanhar…
- Não Silvestre, não há “porrada” nenhuma. Eu queria é que vocês tivessem mais juízo e não me obrigassem nunca mais a fazer uma figura daquelas!
- Mas, meu furriel, nós os dois já fizemos as pazes ontem, e até viemos juntos para cá. Aquilo foi um bocado de cerveja a mais, e passou logo…
- Pois passou – acrescentei eu – mas o espectáculo toda a gente o viu ou soube dele, e eu não escapei a isso tudo que vocês criaram. E isso não tinha que acontecer!
- O meu furriel dá licença que lhe diga? Pois bateu e bateu muito bem! Nós até vínhamos para cá a dizer que ainda tínhamos levado poucas, depois do sarilho que armamos. E até vamos ser muito mais francos, pois vínhamos também a conversar que, se apanhássemos uma “porrada”, ela seria muito bem merecida! O “nosso” furriel que nos desculpe, mas isto também nunca mais torna a acontecer.

Fiquei sentado por uns instantes, que julgo que foram breves. E avaliei a simplicidade daqueles homens endurecidos por uma vida adversa na Madeira, e depois por longos meses de isolamento no mato da Guiné, por noites sem dormir, e por tantas, tantas saudades que mal caberiam na pequena ilha onde os tínhamos ido buscar, e que não podiam visitar, mesmo no gozo das férias a que tinham direito, pois não dispunham de dinheiro suficiente para a viagem de avião. Intimamente, senti-me ainda pior do que quando decidi chamá-los, e experimentei um estranho aperto na garganta face àquela demonstração de genuína humildade, contendo a possibilidade de qualquer outra palavra que pudesse indiciar um pedido de desculpas que decerto eles não compreenderiam mas eu achava muito natural nesse momento.
Depois, em comedido impulso, dei eu próprio dois passos em frente, torneando a mesa que tinha entre mim e eles, e abracei ambos sem levar em conta a eventual existência de alguma regra militar que me impedisse de o fazer. Foi apenas um curto momento, resultante dum gesto espontâneo e imediatamente correspondido, qual bálsamo salutar e mitigador das asperezas duma guerra crua.

No calor ameno de um sol primaveril que me visitava no quintal, eu trouxe à memória o rosto dos Silvestres do meu pelotão, emergentes daquele grupo de homens rudes e humildes, que nos olhavam directamente nos olhos, e que eram solidariamente firmes como as rochas são dos montes, quando as incidências da guerra aconteciam. Os Silvestres nada tinham a ver um com o outro, a não ser o facto de terem nascido na mesma ilha, e de serem tão bravios quanto ela era há mais de 40 anos. Mas eram os homens do meu pelotão, em quem confiava cegamente e que me alegraram sempre com a sua amizade, presente ainda nestas cogitações - que por vezes alimento - sobre a crueza duma guerra que alguns querem fazer esquecer, mas que foi apenas mais uma, entre tantas que o mundo alimentou.

Nestes curtos momentos em que lhes dedico o meu pensamento, eu sinto por eles a mesma gratidão e a mesma amizade.

(Com esta história verídica, pretendo apenas prestar homenagem aos madeirenses de quem guardo grata memória)

Cândido Morais
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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12448: História da CCAÇ 2679 (65): Dia da Raça (José Manuel Matos Dinis)

Guiné 63/74 - P12565: O Destacamento da Ponte do Rio Udunduma - As acções especiais durante o segundo semestre de 1973 (parte I) (Jorge Araújo)

1. Mensagem do Jorge Araújo (ex-Furriel Mil. Op Esp / Ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974), com data de 25 de Novembro de 2013:

Caríssimo Camarada Luís Graça,
Os meus melhores cumprimentos.
Depois de três narrativas tendo por enquadramento histórico a «Ponta Coli» [Postes: 9698; 9802 e 12232], eis outra, agora referente à presença dos camaradas militares da CART 3494 na «Ponte do Rio Udunduma».
Entre a “Ponta…” e a “Ponte…” o que muda é a vogal, uma vez que a substância da nossa missão era a mesma: «SEGURANÇA», mas em diferentes pontos [locais] na Estrada Xime-Bambadinca, afastados, entre si, meia-dúzia de quilómetros.
Ora leiam a 1.ª parte.

Obrigado
Jorge Araújo
Nov/2013


O DESTACAMENTO DA PONTE DO RIO UDUNDUMA 
(XIME-BAMBADINCA) 

- As acções especiais durante o 2.º semestre de 1973 [parte I] -

1. A génese da segurança à Ponte do Rio Udunduma 
 - Antecedentes históricos 

A história diz-nos, enquanto memória de um passado que continua presente, que a segurança à 1.ª Ponte [velhinha] do Rio Udunduma, situada na Estrada Xime-Bambadinca, teve o seu início no dia 29 de Maio de 1969, 5.ª feira, na sequência da dupla acção do PAIGC, levada a cabo na noite do dia anterior (28/29Mai69) por dois bigrupos (cerca de 100 elementos). Essas duas acções tiveram como alvos o ataque ao Aquartelamento de Bambadinca, sede, à época, do BCAÇ 2852 (1968/70), e, simultaneamente, à Ponte do Rio Udunduma, situada a cerca de quatro quilómetros desta localidade, a qual foi dinamitada, resultando desse acto ter ficado parcialmente danificada, conforme se pode observar nas imagens a baixo.

Foto 1 – Estrada Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma – Jul/1973] – imagem de como ficou a ponte velha na sequência da explosão de 28Mai1969, obtida ao nível do solo.

Foto 2 – Estrada Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma – Jul/1973] – imagem da ponte velha, obtida da nova estrada onde foi construída uma nova ponte sobre o rio, inaugurada entre finais de 1971 e início de 1972. 

Os primeiros operacionais das NT a avançar para esse local foram os do 3.º GComb da CART 2339 (1968/69), sediada em Mansambo, sob o comando do Furriel Carlos M. Santos (Vd Postes: 7459 e 7859).

Foto 3 – Estrada Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma – Jul/1973] – imagem da estrada velha, assinalando-se a ponte semidestruída em 1969, e Bambadinca, ao fundo, como local mais próximo, a quatro quilómetros desta. Na linha do horizonte, vê-se a nova estrada na qual é possível contar uma coluna de mais de uma dezena de viaturas civis, em direcção ao Cais do Xime. 

Recuperado o controlo daquela pequena fracção de terreno circunscrita ao afluente do Geba e da bolanha contígua, a Ponte do Rio Udunduma, mesmo depois de ter ficado bastante danificada, não mais voltou a estar/ficar desprotegida até ao fim da guerra de guerrilha [Abril/1974], devido à decisão de aí se instalar uma força militar [especial] que, com o decorrer do tempo, haveria de dar lugar à organização de um Destacamento [amostra de… ou mini…].

Entretanto, uma nova ponte haveria de ser construída a seu lado, a poucas dezenas de metros, maior e perfeitamente adequada ao grande fluxo rodoviário, civil e militar, que diariamente circulava nesta estrada, com ligação a toda a zona leste do território, com maior destaque para as localidades de Bafatá, Nova Lamego, Piche, Canquelifá, Galomaro e Saltinho. Segundo julgo saber, a sua construção esteve a cargo da empresa Tecnil, e a sua inauguração deverá ter ocorrido entre finais de 1971 e início de 1972.

Foto 4 – Estrada Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma – Jul/1973] – imagem da nova ponte construída pela empresa Tecnil. Ela foi obtida da ponte velha.

Durante cinco anos, muitos foram os camaradas que aí permaneceram vigilantes, num contexto desprovido de qualquer retaguarda de apoio militar, em que cada um de nós estava completamente abandonado à sorte da divina providência e à sua couraça, tendo como mais-valia a capacidade de sobrevivência, pois se tivesse acontecido algum ataque, ele seria sempre de surpresa, e, por esse método, nem os peixinhos se salvavam. Em suma: miserável e degradante, já que não tinha rigorosamente nada. Ou melhor, tinha o que as imagens abaixo deixam entender.

Foto 5 – Estrada Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma – Jul/1973] – imagem de um buraco aberto no chão, coberto de troncos de palmeira, terra e chapas de zinco a cobri-los, protegido no exterior com bidões de gasóleo cheios de terra, com uma pequena abertura, tendo no seu interior uma cama de ferro, especial do mobiliário militar, com colchão adequado …a um sono tranquilo [que enorme ironia].

A cama tinha um mosquiteiro comprado em Bafatá, nas “libanesas”. Este acabaria por ter uma dupla função, na medida em que, protegendo-nos dos mosquitos e das melgas, servia também de cama elástica e/ou trampolim para treino de flexibilidade e destreza dos ratos do mato que nos visitavam durante a noite, em sessões contínuas. Para além desta actividade físico-desportiva em ginásio coberto, sem necessidade de inscrição prévia ou celebração de contrato de fidelização, a equipa de roedores ainda tinha a pouca vergonha de nos levar os sabonetes e as meias para a sua comunidade, algures nas redondezas, certamente muito importante na sua higiene.

Era, então, um contexto maravilhoso … e com muita animação.

Foto 6 – Estrada Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma] – o mesmo chalé T0 quatro anos antes, com o camarada furriel Humberto Reis, do 2.º GComb da CCAÇ 12, em momento de reflexão (P7481), aguardando… talvez a passagem do carteiro? ou, ainda, uma boleia para a metrópole? OU…? Só o próprio nos poderá dizer!

Entre o tempo das fotos 5 e 6 [quatro anos], outros camaradas por lá passaram de diversos Grupos de Combate destacados das Unidades instaladas naquele Sector (L1), considerado um dos de maior vastidão em todo o TO, nomeadamente: CART 2339 (1969), de Mansambo – CART 2520 [1969 - 2 secções], do Xime – CCAÇ 12 [1969-71], de Bambadinca – PEL CAÇ NAT 52 [1972] – PEL CAÇ NAT 63 [Out/1972] – CART 3493 [Mar/1973 - 2 secções], de Mansambo – CART 3494 [Abr/1973-74 - 1 secção +], de Mansambo-Xime.


2. As acções especiais durante o 2.º semestre de 1973 

Com a transferência do Xime para Mansambo, ocorrida nos primeiros dias de Março de 1973, a CART 3494, através dos seus diferentes GComb, passou a ter uma agenda e missões muito distintas das que tinha tido anteriormente no Xime, o que é perfeitamente natural e normal, pois não havia [não há] dois contextos iguais.

No nosso caso, foi-nos atribuída mais uma missão especial: a de comandar uma “secção +” do meu pelotão [o 1.º], num total de doze elementos, com o objectivo de proteger a(s) Ponte(s) do Rio Udunduma, actividade que registava já quatro anos.

Avançámos com armas e [poucas] bagagens, na medida em que as condições logísticas e físicas do local eram incrivelmente pouco dignas e, por essa razão, um desafio permanente à superação de qualquer ser mortal.

Não havia nada… mas mesmo nada… com excepção de capim, três buracos no chão, muitos mosquitos e alguns ratos, conforme relatos anteriores. Electricidade cá tem. Água cá tem. Comida cá tem. Mas criatividade e improvisação… muita.

Dois petromax e a claridade da lua; alguns lustres de garrafas de cerveja; poucas velas de cera, reforçadas com meia-dúzia de isqueiros [os dos fumadores], era esta a panóplia de instrumentos que iluminavam os nossos olhos e ideias e aqueciam, simultaneamente, os nossos corações, durante as noites. Mas, como o ser humano é um ser de assimilação e de acomodação [tal como se verifica nos tempos de hoje], as semanas e os meses lá foram passando ao ritmo de… um dia de cada vez.

Esse ano de 1973 foi um ano muito duro para todos nós, militares no CTIG. E no local da Ponte do Rio Udunduma não foi diferente ou excepção. As orientações recebidas dos meus superiores, em particular do comando da CCS, de quem o “grupo especial” dependia logisticamente, assentavam num dualismo cartesiano [de René Descartes, 1596-1650], construídas na ideia de que de dia era para trabalhar, à noite era para estar vigilante. Enfim… já passaram quarenta anos.

Como não fomos para a Guiné em viagem de turismo, as alternativas eram escassas ou quase nulas, pelo que, a bem da defesa pessoal e da melhoria das condições de vida naquele contexto, lá metemos as mãos à(s) obra(s), levando-nos a alterar, significativamente, a sua paisagem por via de algumas benfeitorias.

Dito isto, passaremos em revista três dessas acções especiais, organizadas por fases, e que completam a primeira parte desta história da nossa vida colectiva.


A) – FECHO DO CONDOMÍNIO…


Fotos 7 e 8 – Estrada Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma] – a primeira acção especial desenvolvida por elementos do 1.º GComb, da Cart 3494 [um grupo constituído por uma dúzia de militares = a 1 secção +], foi a delimitação do território, do então designado «Destacamento da Ponte», ou, ainda, por «Condomínio da Ponte». Merece relevo a elevada capacidade técnica de todos os seus executantes. [O 1.º, na foto 8, é o soldado Joaquim Cerqueira, do lugar da Valinha - Amarante].

Tratou-se de uma experiência de alto valor pedagógico, na justa medida em que fez apelo à motricidade fina do efectivo aí residente, por via de não existirem protecções das mãos, vulgo luvas, na manipulação do arame farpado. De referir, que esta acção aconteceu na época das chuvas.


B) – CONSTRUÇÃO DE NOVAS MORADIAS…


Fotos 9 e 10 – Estrada Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma] – as imagens dão conta do modelo de arquitectura da nova moradia T1. Era rectangular, com duas águas, e tinha dois quartos e uma sala de jantar, mas não havia comer. Os alimentos, confeccionados em Bambadinca, na CCS, chegava-nos às diferentes horas do dia, segundo a sequência das refeições. 

O edifício foi construído junto ao caminho da “estrada antiga” [picada].
Como estará hoje?


C) – CONSTRUÇÃO DA “ROTUNDA DA PONTE” – A 1.ª NO MATO …


Fotos 11 e 12 – Estrada Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma] – as imagens referem-se à «Rotunda da Ponte» que decidimos construir [sem projecto, logo sem aprovação autárquica] como ícone da CART 3494, através da reprodução do seu símbolo. Para a sua construção foi utilizado o cimento sobrante da moradia e as pedras foram retiradas dos espaços envolventes da nova ponte. Para sinalizar a aproximação à rotunda foi pintada a base [disco] de um bidão de gasóleo com “obrigatório circular” e colocado em local visível, na extremidade de um tubo de ferro. Como curiosidade, todos os veículos que por lá passavam [em particular o jipe do CMDT OP do BART 3873], os seus condutores cumpriam o código da estrada. 


D) – INSTALAÇÕES DE APOIO…

Foto 13 – Estrada Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma] – imagem referente às óptimas condições higiénicas do aldeamento… de muitas estrelas… sobretudo à noite.

É possível, ainda, observar os nossos animais da/de companhia, em processo de socialização… e de solidariedade.

Com esta imagem, damos por concluída a primeira parte da história referente à nossa passagem pela Ponte do Rio Udunduma – 2.º semestre de 1973.

Espero que tenham gostado de a ler, independentemente de aqui e ali ter utilizado alguma ironia e imagens metafóricas, e de ver as imagens seleccionadas.

Como complemento, acredito que a narrativa tenha servido, quiçá, como elemento de comparação com um vasto leque de outros exemplos que constam do currículo de muitos de Vós, e que ainda estamos a tempo de dar conta na nossa «Tabanca».

Um forte abraço para todos, com muita saúde e energia.
Jorge Araújo.
Nov/2013

Guiné 63/74 - P12564: Parabéns a você (676): Bernardino Parreira, ex-Fur Mil da CCAV 3365 e CCAÇ 16 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 9 de Janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12560: Parabéns a você (675): Manuel Vaz, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 798 (Guiné, 1965/67)

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12563: Recordações de um "Zorba" (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) (6): Soube, em Lisboa, no dia do meu casamento (29/6/69), da minha morte, em combate, ocorrida a 12/10/67, conforme averbamento na caderneta militar...




Fotocópia da folha da caderneta militar do Mário Gaspar... onde foi averbada a sua morte, supostamente ocorrida em 12 de outubro de 1967



1. O Mário Gaspa[, ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68}, já aqui referiu um facto insólito, o averbamento da sua morte, na cadern eta militar (*)... Junta agora uma fotópia dessa página (**). Recorde-se aqui a história:



(...) Foram surgindo cada vez mais encontros com o IN, a Operação Reparo (Ago 67) e Operação Remate (Set 67), ambas no “corredor de Guileje"; a 12 de outubro de 67 morreram numa Patrulha, através do rebentamento de um engenho explosivo, o Furriel Miliciano n.º 04412863 Vitor José Correia Pestana – Especialista de Explosivos de Minas e Armadilhas, natural freguesia de Abitureiras, concelho de Santarém e distrito de Santarém  –  e o Soldado N.º 00131466 António Lopes da Costa, natural de Cerva, Concelho de Ribeira de Pena e Distrito de Vila Real.

Fui entregar alguns dos haveres do Pestana que tinham ficado na Secretaria, à sua família na sua terra natal – Abitureiras, que tem uma rua com o seu nome. 

No dia 12 de outubro de 67 não estava com ele, e tenho pena. Quando tive conhecimento que morrera encontrava-me de licença, e só me deram a informação quando à minha chegada a Bissau. Curioso é que no dia 29 de Junho de 69, no dia do meu casamento, na igreja de São João de Brito, em Lisboa, o padre diz:
– Estou a casar o morto vivo!.

Fiquei admirado por aquilo que ouvira. Dias depois volto à igreja para receber a minha Caderneta Militar, que me tinha sido solicitada pelo sacristão para os averbamentos. E como nunca a tinha folheado, tentei-me e abri. Nela está impresso Baixa de Serviço: Por Falecimento e mais à frente onde é narrado o meu percurso militar, diz: Morto a 12 de outubro. Nas linhas de cima consta 1967, portanto fui dado como morto no dia das mortes do Pestana e do Costa, e só não informaram a minha família da minha morte porque me encontrava de licença. 

Reclamei e não obtive uma resposta que me convencesse. (...)

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Notas do editor:


(*)  Vd. poste de 8 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12412: Tabanca Grande (413): Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art, MA da CART 1659 - Zorba (Gadamael e Ganturé, 1967/68)

Guiné 63/74 - P12562: Filhos do vento (25): A Associação da Solidariedade dos Filhos e Amigos dos ex-Combatentes Portugueses na Guiné-Bissau (FIDJU DI TUGA) já tem estatutos... O recenseamento que começou a ser feito pode ir aos 500 / 1000 "fidjus di tuga"... Precisam de equipamento: 1 computador portátil, 1 gravador e 1 máquina fotográfica digital (Pepito)

1. Mensagem do nosso amigo Pepito, diretor executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento:


Data: 9 de Janeiro de 2014 às 13:41

Assunto: Criada a Associação Fidju di Tuga


Olá,  Luís:

Levo ao teu conhecimento que está em avançado processo de legalização a Associação FIDJU DI TUGA (ver estatutos em anexo).

Fomos contactados pela Direção, Fernandinho da Silva (5880597), Presidente, e José Maria Indequi (5218200 e 6612146), Secretário, duas pessoas muito sérias que pretendem recensear os filhos dos militares portugueses que prestaram serviço na Guiné-Bissau, contar as suas estórias e pô-los em ligação com as famílias portuguesas que assim o entenderem.

O contacto deles é fidjudituga@yahoo.pt

Já começaram a trabalhar e fizeram já o recenseamento de 60 pessoas nestas condições, pensando que ele possa atingir o valor entre 500 a 1.000 fidjus.

Eles fazem um apelo para serem ajudados com um computador portátil, um gravador e uma máquina fotográfica digital.

Esta Associação pode vir a responder às solicitações, das quais algumas nos têm chegado, de famílias portuguesas, normalmente dos filhos, que querem saber dos irmãos que por aqui ficaram.

É muito emotivo o que se está a passar de um lado e de outro, o sentimento de solidariedade, de procura amiga, de reencontro consigo próprio.

Uma das pessoas que nos contactou, filha de um antigo militar, procura agora ajudar os sobrinhos nas suas atividades escolares.

São atitudes que nos calam fundo, que mostram valores que julgávamos desaparecidos e que são uma referência de vida para todos nós.

Um abraço amigo

pepito

Acção para o Desenvolvimento. Visite o nosso site em www.adbissau.org e o nosso projecto de ecoturismo em www.ecocantanhez.org.

2. Estatutos da Associação Fidju di Tuga



CAPÍTULO  I (Disposições Gerais):

ARTIGO 1º

Denominação: Associação da solidariedade dos filhos e amigos dos ex-combatentes portugueses na Guiné-Bissau (FIDJU DI TUGA).

Artigo 2º

Sede e Duração

1 —  Endereço: Plaq-2.

2 — FIDJU DI TUGA é constituída por tempo indeterminado.

Artigo 3º

Forma e a lei aplicável:

Assume a forma de pessoa colectiva de direito privado, subordinado ao regime da mesma, sem fins lucrativo.

CAPÍTULO II (Objecto Social e os objectivos):

Artigo 4º

1—  FIDJU DI TUGA tem por objecto social o reconhecimento da paternidade pela autoridade de Portugal para todos os filhos de ex-combatentes e dos descendentes.

2— Defender os valores da cidadania, de igualdade, justiça social e o carácter democrático, laico e pluralista da sociedade e do estado.

3— Reagrupar e fortalecer os FIDJU DI TUGA na Guiné-Bissau com uma visão sócio-cultural comum que nos unem.

4---Contribuir para o desenvolvimento humano, solidário e duradora entre os associados, amigos e a comunidade portuguesa residente e não residente na Guiné.

Artigo 5º (Princípios orientadores):

1--Em toda a sua actuação A FIDJU DI TUGA deverá ter em conta, os direitos fundamentais consignados na lei guineense e noutras convenções internacionais ratificadas pelo estado da Guiné-Bissau e que está em vigor.

2---Dominar os textos legislativos, regulamentares e de politica de desenvolvimento na Guiné-Bissau.

CAPÍTULO III (Dos Associados):

Artigo 6º (aquisição da qualidade de associado)

1— São considerados FIDJU DI TUGA, todos os filhos de EX-MILITARES, nascidos no período colonial até a data da independência da Guiné-Bissau mediante o preenchimento da ficha de inscrição com duas fotografias actual entregue na direcção da associação.

2-- Podem ser considerados também associados, os cidadãos estrangeiros da C.P.L.P; que queiram, mediante ao cumprimento dos requisitos explícitos no nº 1 desse artigo.

Artigo 7º

Categoria dos associados:

a) Associados fundadores (são os participaram na assembleia constituinte da FIDJU DI TUGA);

b) Efectivos

c) Honorários;

d) Benemérito.


Artigo 8º (idiomas):

A FIDJU DI TUGA tem como as línguas do trabalho, o português e o crioulo

Artigo 9º (direitos e deveres dos associados)

1 --São direitos dos associados:

a) Eleger e ser eleito para os cargos associativo nos termos estatutários;

b) Gozar das regalias e benefícios que a FIDJU DI TUGA lhes proporciona;

c) Assistir todas as reuniões da A.G. tomar parte nos seus trabalhos e exercer seu direito de voto;

d) Fazer as propostas e sugestões a direcção executiva;

e) Pedir a convocação da A.G.em reuniões extraordinárias conforme aos estatutos;

f) Consultar os documentos da associação.

NOTA: A FIDJU DI TUGA será dirigido por filhos dos ex-combatentes.


2— O gozo de todos os direitos e regalias conferidas pelos presentes estatutos, está condicionado ao pagamento das quotas num período de um ano como efectivo;

3— Deveres dos associados:

a) Cumprir com os estatutos e demais regulamentos bem como as resoluções da A.G. e deliberações direcção executiva tomada, uma e outras dentro do objectivo e fins da associação;

b )zelar pelo prestigio e o bom nome da associação;

c) Aceitar os cargos para que foram eleitos ou nomeados e exerce-los gratuitamente;

d) Acompanhar e colaborar nas actividades dos órgãos da associação;

e) Comparecer e participar nos trabalhos da A.G.

f) Pagar regularmente a quota, cujo valor mensal é de 2.500fcfa

4-OS associados honorários gozam dos mesmos deveres que os outros associados salvo os previstos nas alinhas. c e f deste artigo.

Artigo 10º (perda da qualidade do associado)

Perde a qualidade do associado aquele que, praticou o acto gravemente lesivo aos interesses a FIDJU DI TUGA ou dos associados, seja expulso em reunião de A.G. por maioria de dois terços dos associados presentes mediante a proposta da direcção executiva ou de um quinto dos associados inscritos com pleno gozo dos seus direitos.

Pode também qualquer associado solicitar a sua retirada da associação, nesta circunstância o demissionário perde todo o direito, não podendo exigir a restituição de qualquer bem.

Artigo 11º (Readmisssibilidade)

1— poderá ser readmitido na qualidade do associado efectivo aquele que, estando abrangido pelo artigo 11º seja ilibado da acusação pela A.G. por maioria de dois terços dos associados presentes, após apreciado a revisão do processo a requerimento do interessado.

2----No caso do associado demissionário, ele terá que pagar as quotas desde a data da retirada até a da readmissão.

Artigo 12ª (Recursos)

Constituem recursos de a FIDJU DI TUGA. As quotizações dos seus associados, os fundos provenientes das suas actividades, as heranças ou donativos e contribuições do estado.

CAPÍTULO IV (Dos Órgãos e competências):

Artigo 13º  São órgãos da FIDJU DI TUGA:

a) A Assembleia Geral;

b) A Direcção executiva,

c) Conselho fiscal.

Artigo 14º (Assembleia Geral)

1--- A Assembleia Geral é o órgão soberano da associação e é constituída por todos os associados efectivos no pleno gozo dos seus direitos.

2---Considera-se associado no pleno gozo dos seus direitos aquele que tenha as suas quotas em dia e cumpra os outros deveres estatutários.

Artigo 15º

1--A Assembleia Geral reunirá, ordinariamente, duas vezes por ano e extraordinariamente, quando se julgar necessário pela direcção da associação ou quando convocada expressamente para o efeito pelo seu presidente ou pelo menos, por dois terços dos associados no pleno gozo dos seus direitos.

2— A Assembleia Geral reunirá, até 15 de Dezembro, para apreciação e aprovação do projecto de orçamento e de actividade e, até 31 de Março, para apreciação do relatório e contas referentes ao transacto.

3— A Assembleia Geral só será de liberativa com presença de metade dos seus associados ou meia hora depois com qualquer número de associados presentes.

4— A Assembleia Geral é dirigida por um presidente e um secretário, por ele eleitos para o efeito, quando da eleição da Direcção executiva.

5— A convocação far-se-á por carta-o circular, pelo menos com quinze dias de antecedência e da qual constará a ordem do de trabalhos.

Artigo 16º

. Compete á Assembleia Geral.

1— eleger entre os seus membros os órgãos da Associação,

2— discutir e apreciar os projectos, orçamentos e Actividades e Relatórios e contas de gestão.

3— Deliberar sobre todas as matérias que lhe foram submetidas.,

4— pronunciar-se sobre a admissão e exclusão de associados.

Artigo17º  (Direcção)

1— A Associação é dirigida por uma direcção constituída por seis membros, eleitos em Assembleia Geral, por um período de 5 anos, passando este, será convocada uma A.G.extraordinária para eleger uma nova Direcção

2— A composição da Direcção é a seguintes:

a) Presidente,

b) Secretário,

c) Tesoureiro,

d) Jurisdição,

e) Dois suplentes.

Artigo 18º  (competência do presidente)

1— Representar a associação em todas os actos, judiciais ou não, perante todos os organismos públicos e privados,

b) Convocar e presidir às reuniões da direcção,

c) Nomear as comissões ou grupos de trabalho, que se julguem convenientes,

d) Tomar as decisões em assuntos de reconhecida urgência, dando, tão pronto quanto possível, conta do ocorrido á Direcção.

e) Autorizar certificados, actas e documentos expedidos pela associação,

f) Autorizar aquisições e pagamentos.


2---Propor orientações estratégicos da associação.

3---Gelar pela boa aplicação dos estatutos e do regulamento interno.


Artigo 19º

Competências do secretário:

a) Cuidar dos livros da associação, designadamente o ficheiro dos associados,

b) Encarregar-se da correspondência dos associados, mantendo-os a par das decisões da Direcção e da A.G.,

c) Escrever actas das reuniões da Direcção e expedir as convocatórias das Assembleias Gerias,

d) Elaborar relatório anual das actividades da associação, de que dará conhecimento á A.G.ordinária, mediante envio prévio a todos os membros da associação

Artigo 20º

Competência do tesoureiro:

a) Efectuar pagamentos e receber receitas em nome e por conta da associação e conservar os fundos da mesma.

b) Apresentar relatórios de receitas e despesas, sempre que forem solicitados.

NOTA: A jurisdição compete a fiscalização da legalidade da actuação de todos os órgãos associativo.

c) Apresentar um relatório económico anual á A.G.em que se apresenta, em traços gerais, as realizações e recursos de pode dispor para a actividade da associação.

d) Quaisquer alterações só poderão ser introduzidas, desde que aprovadas, pelo menos, por dois terços dos associados presentes e desde que o numero total destes não seja inferior metade do numero total dos associados.


Artigo 21º  (Competência do Conselho Fiscal.)

a) Examinar os livros de escrituração da associação.

b) Opinar sobre os relatórios do desempenho financeiro e sobre as operações patrimoniais realizadas.

c) Apresentar relatórios de receitas e despesas sempre que forem solicitados.

NOTA: A jurisdição compete a fiscalização da legalidade da actuação de todos os órgãos associativo.

CAPÍTULO V

Artigo 22º (Dos estatutos)

1— Os estatutos da associação só poderão ser alterados por decisão tomada em A.G.extraordinária, convocada para o efeito, com pelo menos, trinta dias de antecedência, devendo a respectiva convocatória ser acompanhadas alterações propostas.

CAPÍTULO VI

Artigo 23º (Disposições finais)

1— A dissolução da associação só poderá ser decidida em A.G.extraordinária convocada expressamente para o efeito, e desde que aprovada por três quarto dos associados presentes, se o numero destes não for inferior a metade e mais um, do numero total de associados.

2— Em de dissolução, os bens da associação terão o destino que A.G. decidir, devendo em princípio, destinar-se prioritariamente instituições, particulares ou não, que se dediquem á infância desvalida.

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P12561: E fazíamos grandes jogatanas de futebol (3): O 'Jogo da Bola' nos intervalos da guerra: os craques da CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74) ... (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp)


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Xime > CART  3494 > Uma equipa do 4.º Gr Comb (pormenor), o grupo que sofreu duas emboscadas na Ponta Coli (22 de Abril e em 1 de Dezembro de 1972). Em primeiro plano , da esquerda para a direita, estão o Teixeira (soldado), o Manuel Rocha Bento [fur mil, natural de Ponte Sor,  morto na emboscada de 22/4/1972, a única baixa em combate ao longo dos mais de vinte e sete meses de comissão da companhia],  o Jorge Araújo (furriel, autor deste poste), o Sousa Pinto (furriel) e o Monteiro (1.º cabo).

Foto (e legenda): © Jorge Araújo (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]


1. Mensagem do Jorge Araújo [ex-Furriel Mil. Op Esp / Ranger, CART 3494 (Xime-Mansambo, 1972/1974)]:

Data: 18 de Outubro de 2013 às 15:16
Assunto: O "Jogo da Bola" nos Intervalos da Guerra de Guerrilha ...


Caríssimo Camarada Luís Graça,

Os meus melhores cumprimentos.

A ideia de escrever mais um pequeno apontamento histórico relacionado com as nossas vivências na Guiné, nos já distantes anos de 1972 a 1974, nasceu por influência de nova consulta ao nosso baú fotográfico, ainda que reduzido, mas onde existiam algumas imagens dos nossos tempos de lazer, em particular os registos sobre a prática do «jogo da bola», vulgo futebol.

Como eram relativas, maioritariamente, a camaradas da minha companhia (CART 3494), foi para eles
que enviei a primeira versão sobre o tema, como seria natural e normal, e publicada no blogue CART 3494 & camaradas da guiné (Vd. Msg 190).

Agora, como membro da Tabanca Grande,  entendi que se justificava dar conta, também, deste facto, independentemente de se tratar de um tema pouco abordado neste contexto, mas que merece, tal como os outros, um espaço de debate e de contraditório.

Espero merecer a V. concordância.

Obrigado pela atenção.

Jorge Araújo [, foto de então, à esquerda]


2. Comentário de L.G.:

Jorge, obrigado por te teres lembrado de que o tema da bola em tempo de guerra também nos interessa (ou deve interessar). Ou não fosses tu um homem da educação física!... Estamos de acordo sobre a importância que tem o exercício físico não só na preparção e manutenção da capacidade operacional do combatente como na proteção e promoção da saúde do indivíduo...

Por outro lado, nada do que diz respeito aos tempos passados no TO da Guiné nos é indiferente, desde a atividade operacional  à ocupação dos tempos livres entre duas operações... Dito isto, o teu texto já deveria ter sido pubklicado, atendendo á ordem (cronológica) de chegada. Estava devidamente sibnalizado (, este mais outros dois que estão  pendentes,), mas tenho que reconhecer publicamente que houve, da minha parte, uma descoordenação na atribuição de editor, assunto de que já te escclareci, internamente.

Resta-me pedir desculpa pelo lapso que não representa qualquer juízo de desmérito. Pleo contrário: o teu texto ganha atualidade com o desaparecimento do nosso ídolo de adoslecência, o Eusébio da Silva Ferreira (1942-2014), e com o início da publicação desta nova série, "E fazíamos grandes jogatanas de futebol"...O teu texto é ouro sobre azul e não haveria outra melhor oprotunidade editorial para o divulgar do que este início de 2014. Recebe o meu abraçlo fraterno, extensivo aos "heróis da bola" que tu, tão carinhosamente, aqui evocas, e que é também também uma homenagem ao único camarada da tua companhia que morreu em combate o Manuel Rocha Bento, de Ponte Sor (Passa a ter um descritor no nosso blogue, em homenagem à sua memória).

PS - Como tu bem exemplificas com o teu caso, o "jogo da bola", nas condições duríssimas da Guiné (terreno do campo de jogos, humidade do ar, temperatura, situação de guerra, falta de equipamento...) também não era isento de riscos (físicos); cabeças, braços e pernas partidas, luxações e outras lesões músculo-esqueléticas...


3. Guiné  > O jogo da bola nos intervalos da guerra: memórias de há 40 anos do Xime, Bambadinca e Mansambo (1972-73) 

Jorge Alves Araújo
ex-Furriel Mil. Op Esp / Ranger
CART 3494
(Xime-Mansambo, 1972/1974)

[Jorge Araújo, foto de então, à direita]


Revisitando, uma vez mais, o baú de memórias relacionadas com as vivências e experiências que fazem parte do nosso currículo militar construído no CTIGuiné, entre 1972 e 1974, organizadas por contexto e estruturadas segundo uma classificação que varia entre factos bons e menos bons (ou maus!), eis que, pelo presente, vos quero dar conta de uma prática lúdica que, tradicionalmente, ocorria a meio da tarde, depois de cumpridas as principais tarefas impostas pela natureza dos diferentes deveres.

Era, então, o tempo da prática a que chamo do «jogo da bola», vulgo futebol, e que despertava sempre grande entusiasmo no seio da nossa companhia (provavelmente semelhante à esmagadora maioria de outras unidades, das menos às mais numerosas), estando sempre garantida elevada adesão, quer fosse na qualidade de agentes activos (os jogadores), quer se tratasse de agentes passivos (os assistentes), fenómeno que continua a ser recorrente nos dias de hoje.

Contudo, era necessário a existência do objecto que dá sentido ao jogo – a bola – suscitando, a partir de então, um desejo crescente de a pontapear, constituindo-se, por essa via, como um poderoso meio de socialização.

Esta bola mágica, como lhe chamam muitos estudiosos do fenómeno, porque tem a propriedade de entrar em movimento em função das suas cinco dimensões: direcção, colocação, velocidade, rotação ou trajectória, faz depender o seu resultado da acção exógena que sobre ela é exercida. Deste modo, esta bola (todas as bolas!) tem, assim, um movimento variável e aleatório, por via de seguir um itinerário dependente do modo como é impelida, batida ou arremessada. Daí se considerar que a bola continua a ser um brinquedo que exerce sobre o Homem, jovem ou adulto, uma atracção que se renova permanentemente.

Praticada nos intervalos da guerra de guerrilha, esta que por definição emerge da táctica que utiliza (ataques rápidos seguidos de fuga; confronto indirecto; emboscadas; ataques surpresa, por via da grande mobilidade dos seus intervenientes), o «jogo da bola» contribuiu, de facto, para o desenvolvimento de competências relacionadas com factores tácticos, técnicos, psicológicos e físicos, quando analisado numa perspectiva endógena de superação ou transcendência de que cada jogo está impregnado, e que ajudou a lidar melhor com o “jogo do gato e do rato”, driblando o melhor possível as dificuldades/adversidades e os problemas colocados em cada situação pelo IN.


Quando alguém fazia surgir um exemplar da dita «bola mágica», mesmo que o seu aspecto/estado fosse igual ou pior que a imagem ao lado, logo nascia a vontade de a fazer rolar, organizando-se de imediato dois grupos informais, ainda que alguns dos seus intervenientes se encontrassem na fase de aprendizagem, por ausência de prática anterior, garantindo, a maioria das vezes, sucessivas desforras ou “tira teimas”, em função dos resultados, em novo intervalo da guerrilha, mas que acabariam por se revelarem de importantes no reforço da coesão de todo o colectivo da CART 3494, com influência positiva em palcos (recintos) mais adversos.

Após a conclusão de cada «jogo da bola», o processo de socialização mudava de terreno de prática, sendo transferido para o bar, onde os golos tinham outro sabor, e as conservas, os enchidos, a mancarra, a castanha de caju, e outras iguarias de ocasião, eram digeridos/as, igualmente, com grande prazer e satisfação, muitas das vezes em substituição da ementa da semana «arroz de estilhaços».

Aqui a vitória estava sempre garantida, erguendo-se os diferentes troféus conquistados, ainda que o tempo de jogo não fosse igual para todos os jogadores, passe a metáfora.



Foto n.º 1 – Xime (Maio de 1972) – Fase do jogo fora das quatro linhas, em que se verificou prolongamento. Da esquerda para a direita, os furriéis: Ferreira, Godinho, Araújo.


Em função do exposto, os testemunhos fotográficos que seguidamente se apresentam por ordem cronológica, referentes a este tema, reportam a momentos onde a câmara esteve presente. A qualidade de cada um não é a melhor, mas não nos podemos esquecer que todas as fotos têm mais de quarenta “chuvas” de vida e, tal como os humanos, vão sofrendo mutações.

A todos os camaradas que estiveram na zona leste da Guiné, ou os que por lá passaram, espero que tenham recordado as boas memórias dos vários locais identificados: Xime-Bambadinca-Mansambo, em particular os camaradas da minha companhia (CART 3494), ou aqueles que, em cada ocasião, tiveram o privilégio de nelas estarem incluídos, numa época em que cada um de nós teria apenas 21/22/23 anos, pois foi esse o principal objectivo que me moveu ao escrever mais esta singela retrospectiva histórica.

FOTOGALERIA




Foto n.º 2 – Xime (Abril de 1972) – Eu com uma postura à imagem e semelhança do saudoso José Maria Pedroto (1928-1985), treinador de futebol de alguns dos mais importantes clubes portugueses (FC Porto, Académica, Leixões, Varzim, Setúbal, Boavista e Guimarães), considerado o primeiro treinador português a concluir um curso superior, nascido na Freguesia de Almacave, Município de Lamego.

A cidade de Lamego acabaria por ficar ligada ao meu itinerário militar, uma vez que foi aí que ficou traçado o meu destino de combatente, com guia de marcha para a Guiné (BART 3873/CART 3494, formado no RAP 2, em Vila Nova de Gaia), na sequência da conclusão do curso de especialização em “Operações Especiais/Ranger”, no complexo do CIOE, de Penude.



Foto n.º 3 – Xime (Abril 1972) – Uma equipa do 4.º Gr Comb, o grupo que sofreu duas emboscadas na Ponta Coli – a primeira, em 22 de Abril de 1972; a segunda,  em 1 de Dezembro d1972 (Vd. Postes: 9698 e 9802).

Na 1.ª linha, da esquerda para a direita, estão o Teixeira (soldado), o Bento (furriel), o Araújo (furriel), o Sousa Pinto (furriel) e o Monteiro (1.º cabo).

Esta imagem foi obtida três semanas antes da primeira emboscada, onde viria a falecer o camarada Furriel Manuel Bento, natural da Ponte de Sor, e que seria a única baixa em combate registada pelo contingente metropolitano da CART 3494, nos mais de vinte e sete meses de comissão.



Foto n.º 4 – Xime (Abril 972) – Uma equipa mista da CART 3494. Imagem obtida quinze dias antes da primeira  emboscada na Ponta Coli, com destaque, na 1.ª fila, para o furriel Manuel Bento (o 1.º da direita) e o furriel Sousa Pinto (o 2.º da esquerda), falecido em 1 de Abril de 2012.


Foto n.º 5 – Xime (Abril 1972) – Fase muito animada de um «jogo da bola» no centro da parada do aquartelamento.



Foto n.º 6 – Bafatá (28 de Janeiro de 1973) – Equipa da CART 3494 que se deslocou a Bafatá para realizar um jogo com um misto de militares aquartelados naquela região.



Foto n.º 7 – Bafatá (28 de Janeiro de 1973) – Imagem referente aos preparativos de regresso ao Xime, após a conclusão do jogo.



Foto n.º 8 – Bafatá (28 de Janeiro de 1973) – Imagem referente à fase que antecedeu o início do jogo.



Foto n.º 9 – Bafatá (28 de Janeiro de 1973) – Imagem após a conclusão do jogo.



Foto n.º 10 – Mansambo (Abril 1973) – Equipa de sargentos e oficiais organizada após a transferência do Xime para Mansambo, ocorrida em Março de 73, em substituição da CART 3493, deslocada para Cobumba, localidade situada em pleno Cantanhez.

Em 1.º plano, da esquerda para a direita: os Furriéis: Araújo, Ferreira, Oliveira e Godinho. Em 2.º plano, segundo a mesma ordem: Correia (Alferes), Luciano Costa (Capitão – o 3.º da Companhia), Jesus (Furriel) e Araújo (Alferes).




Foto n.º 11 – Bambadinca (30 Set 1973) – Equipa mista constituída por elementos da CCS/BART 3873 e da CART 3494, escalada para os jogos (dois) com a CCS/BCAÇ 3872 (Galomaro).

Em 1.º plano, da esquerda para a direita: Costa, Ferreira, Romão, Sousa e Adérito. Em 2.º plano: Mesquita, Santos, Carrasqueiro, Alberto, Rainha, Araújo, Gonçalves e Oliveira.



Foto n.º 12 – Bambadinca (Novembro de 1973) – Imagem obtida no campo de futebol de Bambadinca (instalações do BART 3873), a meio da tarde, num contexto informal de prática lúdica.


Na sequência da nossa deslocação a Galomaro, o “prémio do jogo” foi a de me ter lesionado no rádio (osso), entre o estilóide radial e o escafóide, do braço esquerdo, obrigando-me a andar durante cinco semanas com ele engessado, como aliás, é possível observar na foto.

Do meu lado direito, e entre postes, está o ex-Furriel Comando, da 35ª CCmds, Américo Costa, colocado na CCS do Batalhão, na sequência de ferimentos em combate.

Um forte abraço para todos, com muita saúde e energia.

Jorge Araújo

Fotos (e legendas): © Jorge Araújo (2013). Todos os direitos reservados.
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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12555: E fazíamos grandes jogatanas de futebol (2): Os craques da CCAÇ 12 e da CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) (Fotos de Benjamim Durães)