terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12772: In Memoriam (184): Carlos Schwarz da Silva (1949-2014)... Pepito ca mori!... E obrigado, homem grande e querido amigo, pelo teu calendário de 2014, com belíssimas fotos do Ernst Schade sobre as gentes da tua terra que tu amavas como poucos (Luís Graça)

Calendário da AD para o ano de 2014 >" Os rios do nosso litoral são excelentes vias de comunicação. Tabanca de Djobel". [ Corresponde à folha do mês de janeiro.]

Calendário da AD para o ano de 2014 > "O desenvolvimento é um acto de cultura... Floresta de Lautchande, Cantanhez". [ Corresponde à folha de rosto do calendário.]


Calendário da AD para o ano de 2014 > "Intervir através dos Centros de Divulgação Comunitária de Guiledje". [ Corresponde à folha do mês de fevereiro.]



Calendário da AD para o ano de 2014 > "Valorizar a riqueza do rio Cacheu para melhor conservar os seus recursos". [ Corresponde à folha do mês de maio.]



Calendário da AD para o ano de 2014 > "As mulheres são determinantes no progresso comunitário . Tabancva de Cabedú". [ Corresponde à folha do mês de setembro.]



Calendário da AD para o ano de 2014 > "O peixe é a principal fo nte de proteína na costa do país. Tabanca de Bolol". [ Corresponde à folha do mês de novembro.]


Fonte: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2014). Todos os direitos reservados (Cortesia da da ONG guineense e do fotógrafo Ernst Schade)..

(Imagens reproduzidas com a devida vénia, a partir da digitalização do calendário...Para ver alguns dos originais,  com outra resolução e qualidade técnica, clicar aqui, no sítio do fotógrafo: www.ernstschade.com; o holandês Ernst Schade vive em Lisboa desde 1995;  é um apaixonado por Portugal e pela Guiné.Bissau, para onde viaja com frequência).


1. O Pepito morreu, faz hoje uma semana (*)... Se ele fosse cristão, iríamos assistir a uma missa do 7º dia por alma dele... E no entanto, escrevi, eu que também não sou crente, mas procurando interpretar o sentimento dos seus familiares, amigos e admiradores, bem como o meu próprio sentimento perante este funesto acontecimento: "Pepito ca mori"...

Como há dias eu quis dizer, à nossa querida Isabel Levy, sua companheira de uma vida e mãe dos seus filhos Cristina, Ivan e Catarina, "metaforicamente falando, é verdade, o Pepito não morreu, porque não pode morrer, faz-nos falta"... Psicológica e culturalmente, é uma exclamação (ou um imprecação aos deuses!, se quisermos), que nos  ajuda a suportar o insuportável, enfim, que serve para fazermos  o luto... É a nossa maneira, africana e judaico-cristã,  de fazer o luto...

Quando se perde alguém, como o Pepito,  que nos é muito querido (ou algo que, para nós é/era muito valioso, a nossa casa, o nosso chão, o nosso país... ), passamos por um processo de “luto” que pode ter, em geral, cinco fases, que não são lineares nem necessariamente lógicas e cronológicas:

(i) negação: é a primeira fase do luto, a primeira reação perante a perda, que não aceitamos racionalmente. “É impossível, não pode ser, não acredito!”...O sofrimento causado por tal perda seria tão devastador, que nos leva a denegar, a recusar a realidade, por mais brutal que ela seja (por ex., o corpo de um camarada destroçado por uma mina)...

(ii) raiva: continuamos a não aceitar a perda, mesmo quando consumada…Sentimentos contraditórios de raiva, de onveja e de culpa assaltam-nos… Rejeitamos os pêsames e as palavras de conforto dos outros. Mesmo quando se é crente, invectiva-se Deus: “Porquê eu, meu Deus!?", "Porquê ele, e não eu ?" (, é frequente ouvir isso dos pais em relação aos filhos, podemos ouvir isso no teatro de guerra perante a perda de um camarada que é atingido ao nosso lado);

(iii) negociação: começamos a ponderar a “hipótese da perda”… Se isso aconteceu mesmo, vou negociar, com Deus, com Jeová, com Alá, com o Irã ou com uma qualquer outra força superior que regula a vida dos seres humanos e do universo. Faço promessas ou sacrifícios para que tal não seja verdade…

(iv) depressão: acaba por surgir quando eu tomo consciência da realidade: a morte, a perda inevitável, inexorável, inelutável. Uma profunda tristeza e angústia apodera-se de mim. Há uma vazio existencial. “Nunca mais te verei”… meu pai, minha mãe, meu marido, minha esposa, meu filho, minha filha, meu amigo, meu camarada, a “coisa amada”, o “objeto perdido”… Com o desaparecimento físico da pessoa (ou objeto), passo a sobrevalorizar as memórias a ela/ele associadas… As fotos, os vídeos, os objetos pessoais, as cartas, as roupas, as palavras, ...

(v) aceitação: por fim, vem (ou deve vir, para que o luto não seja patológico) a aceitação da perda. “Morreu, mas morreu em paz, sem dor, com serenidade, com dignidade… E isso consola-me";  Morreu como um herói!"; "Morreu, mas foi um grande exemplo para todos nós"... 

Preenchemos deste modo o tremendo vazio da perda. Aqui é muito importante o “suporte social”, o apoio dos outros, os ritos, os  cerimoniais (, incluindo as cerimónias fúnebres religiosas, civis ou militares)… A “festa do choro”, na Guiné, tem como objetivo levar à aceitação (racional, emocional e social) da morte ou da perda de alguém que nos é/era muito querido oi importante para nós, a nossa família, o nosso grupo, a nossa comunidade…

Este processo foi descrito e tipificado pela primeira vez pela “senhora morte”, Elisabeth Kübler-Ross (1926-2004), no seu livro, já clássico, sobre a morte e o morrer [“On Death and Dying”, New York, 1969].

2. A família do Pepito, os seus amigos, os seus admiradores, os colaboradores da AD, o povo simples das tabancas da Guiné-Bissau  que o admirava como um verdadeiro "homem grande" e "benemérito"... vão ter que fazer o luto pela sua morte... 

E a melhor maneira é celebrar a vida, a esperança, o futuro, é falar do Pepito, é  falar dele, do seu exemplo, da sua vida, da sua obra, dos seus sonhos e projetos, dando-lhes continuidade, renovando-os, acrescentando-lhes algo de novo, que traga o ADN da esperança e do futuro...

"Pepito ca mori": como ele disse aos seus filhos e netos, "desistir é perder e recomeçar é vencer"...Morreu ao km 64 da picada da vida - uma picada bem dura, cheia de minas e armadilhas - mas a sua família, amigos, admiradores e cooperantes da AD não vão deixar que o seu "testemunho" (para usar uma figura do atletismo, das corridas de estafeta 4 x 4) fique caído no "chão"... Dentro de duas ou três semanas os camaradas Carlos Fortunato e Carlos Silva, da ONGD Ajuda Amiga, estarão em Bissau, prontos para acompanhar o descarregamento de mais um contentor com 22 toneladas de livros e material escolar, brinquedos, roupa e calçado, mobiliário,  ferramentas e equipamentos, etc., a distribuir por  diversos destinatários, incluindo a AD... Só que desta vez já não estará lá o Pepito com o seu vozeirão, o seu sorriso franco e aberto, os seus braços comprimidos, para os receber e acolher como só ele sabia receber e acolher!,,, Mas o "Pepito ca mori!", a sua presença tutelar vai-se sentir e fazer sentir, dando força àqueles de nós, guineenses e portugueses, que continuam a pensar e a acreditar que a Guiné e o seu povo têm direito ao passado, ao presente e ao futuro!... Força, camaradas da Ajuda Amiga ! Força, AD!




Camarate, 27-01-2014 - Equipa de voluntários pronta para carregar o contentor com a ajuda amiga... A foto deve tersido  tirada pelo Carlos Silva...  Reconheço, da esquerda para a direita, os camaradas do blogue Carlos Fortunato, Manuel Joaquim e Armando Pires. Cortesia da ONG Ajuda Amiga.



Deixa-me agora falar contigo, Pepito,  tu cá tu cá, sem invocar nenhum privilégio que não seja o da amizade... Gostaria de te ter dito isto, no centro de funerário de Bracarena, na tua despedida: a tua vida  foi inspiradora, e o teu exemplo, os teus valores,  a tua coragem, a tua idiossincrasia, a tua singular maneira de ser e estar na vida e na tua profissão, o teu exercício da cidadania e da condição humana, a tua filosofia do desenvolvimento integrado, sustentado e participado, aplicada e testada nas duras condições da Guiné-Bissau do pós-independência, vão continuar a ser um estimulante e gratificante desafio para todos nós, que te admirávamos, que te apoiávamos, mas que também te criticávamos quando se impunha...(.Por exemplo, o facto de, por vezes,  descurares a tua saúde e até a tua segurança, correndo riscos desnecessários!)...

Para ti, o desenvolvimento era inseparável da cultura, era um "um acto de cultura"!... Na tua terra, na tua prática., na tua liderança, no teu pensamento, nos teus escritos, tu nunca separavas o material do imaterial, o económico do simbólico, o tecnológico do humano, o social do político, o individual do comunitário... Mesmo sendo, ou talvez por isso, um engenheiro agrónomo,  tinhas a grande sabedoria de saber ouvir (e aprender com) os outros!...

3. E aqui apraz-me evocar um dos seus últimos "actos de cultura" (e de amor pela  ONGD que ele ajudou a fundar e a crescer), que foi a edição do calendário da AD para 2014. E de que ele me fez chegar, carinhosamente,  um exemplar, pelo correio, vindo diretamente da tipografia portuguesa, em Lisboa...  Agradeci-lhe nestes termos, em 12 de dezembro passado:

"Pepito, já saiu o calendário de 2014, editado pela AD. Já o recebi em casa, pelo correio. Está lindo. Parabéns pela iniciativa. Parabéns ao fotógrafo e sobretudo ao povo da Guiné (e em especial às suas mulheres)!... É gente linda, fotogénica e fraterna!...

Espero que vocês não fiquem "isolados" do mundo este Natal... O que se passou com o último voo da TAP preocupa-me seriamente, a mim e aos amigos da Guiné... Gostava de conhecer a tua versão dos acontecimentos mas aquilo cheira-me a "banditismo puro e duro"... Há "regras" de convívio entre os povos e os estados soberanos...Um alfabravo. Luis!...

Trocávamos amiúde pequenos mails e ele arranjava sempre tempo para me responder, logo pela manhã, nem que fosse através de duas linhas telegráficas, com a sua grande humildade mas também com o seu proverbial sentido de humor e de ironia: 

"Luís, fico satisfeito que tenhas gostado do calendário. Quanto aos sírios, trata-se apenas de um negócio: recebe-se dinheiro e colocam-se os ditos à força num avião. O que lhes acontece a seguir, pouco me interessa, a mim que já tenho o dinheiro na mão e estou pronto a receber mais uns tantos. abraço, pepito" 

 Reproduzo, acima,  com a devida autorização do autor das fotos, o fotógrafo holandês Ernst Schade seis das treze imagens que dão brilho, calor humano, poesia  e singularidade ao calendário da AD de 2014.

Há dois dias trás eu tinha enviado à Isabel Levy  (***) o seguinte pedido:

"Isabel: Desculpa maçar-te com isto... Recebi em dezembro, pelo correiro, o calendário da AD para 2014... O Pepito condensou,  nas legendas das imagens de cada mês, o essencial da filosofia da AD... Tive oportunidade de lhe dizer na altura que gostei muito da oferta, do calendário, das imagens e das legendas... Tem belíssimas fotos do alemão [, lapso meu, ele é holandês] Ernst Schade...

Achas que, num poste dedicado ao Pepito, eu poderia reproduzir uma ou duas das imagens do calendário, sem violar o "copyright" ? Não sei qual o acordo que a AD tem com ele... Digitalizei as imagens do calendário, não fui ao sítio do fotógrafo"...


A Isabel teve a gentileza me dizer que ele estava em Espanha, que em princípio não haveria qualquer problema, mas que seria melhor obter a sua autorização expressa. O que veio, de pronto, no dia seguinte, com uma gentil mensagem do próprio (que não me conhece pessoalmente):

"Caro Luís Graça,

Só agora regressei de Espanha. Claro que não me importo que o Luís utilize as minhas imagens. Até sinto-me honrado. É totalmente inconcebível que o Pepito já não está [esteja]  cá connosco… Um abraço, Ernst Schade (sou holandês…)".

Fica aqui mais uma homenagem, dupla, tripla, múltipla,  ao nosso querido amigo... cuja memória continuará a ser cultivada e partilhada pelos seus amigos, alguns dos quais aqui sentados no bentém,  à volta do frondoso e mágico poilão da nossa Tabanca Grande ou de outras tabancas dos amigos e camaradas da Guiné.

PS - A ONGD AD - Acção para o Desenvolvimento abriu um espaço, no seu sítio, para mensagens de condolências

Associemo-nos à "equipa da AD [que], neste momento de dor e de luto, gostava de prestar uma última homenagem ao fundador, inspirador e Diretor Executivo da AD: o nosso Pepito, o Pepito dos guineenses e do mundo".
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 18 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12738: In Memoriam (178): Carlos Schwarz da Silva (1949-2014)... Pepito ca mori! (Luís Graça)

(**) Último poste da série > 24 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12769: In Memoriam (183): Relembrando o nosso camarada Fernando Rodrigues, Sargento Chefe Ref, natural de Lagoa, que integrou a CCAÇ 5 (Arménio Estorninho / José Martins)

(***) Que fique, também, aqui registada a mensagem da Isabel Levy, de agradecimento pelas nossas manifestações de pesar, apreço e solidariedade,  enviada no passado dia 23

: "Olá, Luis, tenho acompanhado o teu blog e as palavras amigas de quantos admiravam e gostavam do Pepito. Através de ti envio um abraço imenso para todos eles. Um beijinho, isabel Levy".

Guiné 63/74 - P12771: Parabéns a você (697): Gumerzindo Silva, ex-Soldado Condutor Auto da CART 3331 (Guiné, 1970/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12766: Parabéns a você (696): Manuel Henrique Quintas de Pinho, ex-Marinheiro Radiotelegrafista das LDM 301 e 107 (Guiné, 1971/73)

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12770: CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, 1968: Guia do Instruendo (documento, de 21 pp., inumeradas, recolhido por Fernando Hipólito e digitalizado por César Dias) (5) : Quinta e última parte (pp. 19-21): O jornal "Atalaia" , a rádio "CISMI"... e as 29 capelas e igrejas de Tavira


Foto nº 15 A > Pormenor do jantar do dia  do juramento de bandeira. (1)... O Tony Levezinho, visto de perfil, tendo em frente (lado direito da foto, a olhar para a máquina) o César Dias, que por sua vez tem à sua direita o Fernando Hipólito... Os três tiveram destinos diferentes: o Hipólito foi para Angola, o Levezinho e o Dias para a Guiné, um para Bambadinca e outro para Mansoa...


Foto nº 15 B > Pormenor do jantar do dia  do juramento de bandeira. (2)... 



Foto nº 14 A > Desfile do juramento de bandeira (1)



Foto nº 14 B >  Desfile do juramento de bandeira (2)



Foto nº 14 >  Desfile do juramento de bandeira (3)




Foto nº  13 >  Desfile do juramento de bandeira (4)



Foto nº 13 A >  Desfile do juramento de bandeira (5)



Foto nº 13 B Desfile do juramento de bandeira (6)


Tavira > Quartel da Atalaia > CISMI > 2º semestre de 1968 > O grande dia do Juramento de Bandeira...


Fotos (e legendas): © César Dias (2014). Todos os direitos reservados.[Edição: L.G.]





1. V e última parte da brochura "Guia do Instruendo" (Tavira, CISMI, 1968), pp. 19-21 (*):













Páginas, de 19 a  21,  não numeradas, do "Guia do Instruendo", usado no CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, em Tavira, na altura em que o César Dias lá fez a recruta e a especialidade (sapador) (2º semestre de 1968).

O documento, de 21 páginas, era policopiado a "stencil". O César Dias mandou-nos o documento em "power point", com 21 "slides". As páginas foram convertidas em formato jpg. O original foi-lhe dado pelo seu camarada de recruta, o Fernando Hipólito, que foi depois mobilizado para Angola, enquanto o César foi parar à Guiné. Já aqui agradecemos, publicamente, aos dois.


Imagens (digitalizadas): © César Dias (2014). Todos os direitos reservados.[Edição: L.G.]


PS - A última parte (pp. 20 e 21) era da "lavra do capelão", que transcreve, sem o citar, na p. 20,  um poema, célebre, da II Guerra Mundial, conhecido como "Conversation" [, Conversa com Deus,] de um soldado americano do Kansas City, Frances Angermayer... Encontrei aqui a tradução portuguesa... no sítio do Museu da RTP [, da autoria do major capelão militar do Governo Militar de Lisboa, padre Arnaldo Duarte, e lida num programa gravado em 23/2/1961, numa das palestras do ciclo "Defesa Nacional", com o título: "Os capelães militares na paz e na guerra"].  E  já agora,  o original, em inglês, para os mais curiosos e estudiosos destas coisas (LG)...

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Nota do editor:

Postes anteriores da série:

21 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12750: CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, 1968: Guia do Instruendo (documento, de 21 pp., inumeradas, recolhido por Fernando Hipólito e digitalizado por César Dias) (3) : Parte III (pp. 13-16)

12 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12708: CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, 1968: Guia do Instruendo (documento, de 21 pp., inumeradas, recolhido por Fernando Hipólito  e digitalizado por César Dias) (2) : Parte II (pp. 7-12)

10 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12703: CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, 1968: Guia do Instruendo (documento, de 21 pp., inumeradas, recolhido  pro Fernando Hipólito e digitalizado por César Dias) (1) : Parte I (pp. 1-6)



Guiné 63/74 - P12769: In Memoriam (183): Relembrando o nosso camarada Fernando Rodrigues (1933-2013), Sargento Chefe Ref, natural de Lagoa, que integrou a CCAÇ 5 (Arménio Estorninho / José Martins)

1. Mensagem do nosso camarada Arménio Estorninho (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, IngoréAldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70), enviada ao outro nosso camarada José Martins que por sua vez a encaminhou para o nosso Blogue:

Caro José Martins, Saudações Amigas. 
Conforme o combinado via telefone, junto remeto as fotos devidamente numeradas e com as referências que me são possíveis. 
O Luís Graça solicitou, em comentário, fotos obtidas na Guiné pelo falecido SChefe Fernando Rodrigues, com a finalidade de ser formalizada a titulo póstumo a sua entrada no Blogue Tabanca Grande. 

Os melhores cumprimentos, 
Com um abraço 
Arménio Estorninho


Foto 01: José Martins e Fernando Rodrigues 



Fotos 02, 03 e 04: Com nº (02 e 03) foram reveladas pelo mesmo fotógrafo, porque estão recortadas pela mesma guilhotina. As fotos 03 e 04, têm também em comum o camarada de bigode. Almoços em Messes



Fotos 05, 06 e 07: Marco Fronteiro 69, Pirada, jogo de futebol


Fotos 08 e 09: Sargento Rodrigues acompanhado por camaradas, com dedicatória de “Um velhote entre os velhotes” e na outra estando sentado num banco, não tenho outra referência

Foto 10: Revelada em Bissau, o camarada de pé parece que tem Galões de Alferes ou de Tenente  

Foto 11: Sargento Rodrigues pescando num rio e junto à vedação de arame farpado de um Aquartelamento (Bula, Bolama?). Faz a dedicatória de “Um dia de pescaria junto ao quartel, com atenção distingue-se o arame.” Esta foto foi revelada no mesmo laboratório onde se realizaram as que têm os nº (02 e 03) porque fora recortada com a mesma guilhotina


Fotos 12 e 13: Foram reveladas num laboratório em Bissau, sendo comum a camisa de xadrez  

Foto 14: Na sua dedicatória, “com uns rapazes amigos.” Uma evacuação aérea “Teves” 

Fotos: © Arquivo Pessoal do Sargento Fernando Rodrigues
Legendas: Arménio Estorninho
Editadas por: Carlos Vinhal

Arménio Estorninho

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2. Apontamento do nosso camarada José Marcelino Martins, ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70:

Dos meus registos, sobre a CCaç 5 - Gatos Pretos, consta:

Fernando dos Santos Rodrigues, 2º Sargento de Infantaria, NM 50151111, natural de Lagoa, prestava serviço no Regimento de Infantaria 4 quando foi mobilizado.

- Foi aumentado ao efectivo da Companhia em 20 de Junho de 1969, assumindo as funções de Encarregado do Material de Aquartelamento e de Guerra, assim como a responsabilidade dos serviços de secretaria na ausência do 1.º Sargento.

- Foi louvado pelo Comandante de Companhia em Ordem de Serviço n.º 17 datada de 21 de Março de 1970: “porque prestando serviço na Companhia há nove meses tem desenvolvido um trabalho excepcional no sentido da regularização de todas as cargas de material da Companhia, graças à sua competência, honestidade, qualidades de trabalho e sentido do dever. Muito disciplinado e disciplinador, metódico e com apurado sentido de organização, respondeu ainda pela Companhia na ausência do 1.º Sargento, com tal eficiência e sem prejuízo dos serviços do antecedente a seu cargo. Mercê das suas extraordinárias qualidades pessoais e profissionais, soube o 2.º Sargento RODRIGUES granjear a estima e consideração de inferiores, camaradas e superiores, pelo que os serviços prestados à Companhia são considerados excepcionais e de muito valor. O Comando da Companhia considera-o pois como o seu mais precioso auxiliar administrativo, pelo que o aponta como exemplo a seguir”.

O referido louvor foi considerado como tendo sido conferido pelo Comandante do Batalhão de Caçadores 2893, sendo publicado em Ordem de Serviço n.º 76 datada de 31 de Julho de 1970, e transcrito na Ordem de Serviço n.º 20 datada de 9 de Abril de 1970 da CCaç 5.

- Foi abatido ao efectivo da Unidade em 4 de Junho de 1970 por ter sido transferido para o Centro de Instrução Militar / CTIG.

Do meu álbum fotográfico retirei as seguintes fotos, tiradas entre Janeiro e Fevereiro de 1970, já perto do fim da minha comissão.

Jogo de Casados contra Solteiros, no dia 1 de Janeiro de 1970 




Interior do “Clube Militar de Canjadude”, totalmente construído com os materiais que os guineenses usavam nas suas construções.

Fotos (e legendas): © Arquivo Pessoal de José Martins
Editadas por: Carlos Vinhal

O Sargento Rodrigues cumpriu três comissões na Guiné, tendo antes cumprido uma comissão de serviço na Índia.
Suponho que foi um dos muitos militares que foram retirados daquele Estado Português, antes de se ter dado a invasão final.

José Martins

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3. Comentário do editor

A título póstumo vamos incluir na lista da nossa tertúlia o Sargento Chefe Ref Fernando Rodrigues que privou de perto com os nossos camaradas José Martins, na Guiné, e Arménio Estorninho, na sua terra Natal, Lagoa.
O nosso camarada Fernando Rodrigues, que nasceu a 25 de Setembro de 1933, faleceu no passado dia 29 de Outubro de 2013(*).
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 30 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12223: In Memoriam (165): Sargento-Chefe na Reforma Fernando dos Santos Rodrigues, ex-2.º Sargento "Gato Preto" (José Martins / Arménio Estorninho)

Último poste da série de 21 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12754: In Memoriam (182): Carlos Schwarz da Silva (1949-2014): Pepito ca mori: singela homenagem com quadro de mulher de Bambadinca, a partir de foto datada de 1969, acrílico s/ tela 40 / 40cm (Jaime Machado, ex-alf mil cav, cmdt Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968 / 70; cofundador do Lions Clube de Bissau)

Guiné 63/74 - P12768: Blogpoesia (368): Cinco cartas aos Continentes... (J. L. Mendes Gomes)

Cinco cartas aos Continentes...

por J.L. Mendes Gomes


Fui aos Correios pôr cinco cartas.
Uma a cada Continente.
Deste mundo.

Uma delas
Há-de chegar às tuas mãos.
Onde quer que estejas agora.
Isso me deixa alegre
E faz feliz.

Quero que a abras,
Pela manhãzinha,
Ao nascer do sol.
É a hora a que a vida acorda.
Mais um dia para viver.

Que o da Europa,
Terra das luzes,
Já foi farol!...
Seja melhor
Que foi o de ontem,
E os dos últimos anos,
Quando tudo
Parece
Que voltou para trás...

Depois das guerras grandes,
Uma pequena,
Outra maior,
Ambas ferozes...
E da outra guerra fria,
Que de gelo
Reduziu a pó,
Tanta Fé e
E tanta Esperança
Num futuro medonho e negro
Que é o presente...
Diz-se União!...
Que paradoxo!...
Nunca esteve tão desunida
E desumana!...
Carcomida de mentira.

Venha de novo
Um São Bento que a lavre...
E ponha ao Sol!

Para a Ásia, vasta e extensa,
Das estepes,
Desde os Urais
Lá aos confins,
Pelos caminhos de Marco Paulo,
Onde há povos,
Nossos irmãos,
Filhos de Deus,
Iguais a nós,
Mas tão diferentes...
Vão no silêncio.
Só olham para trás,
De olhos no céu,
Vendo o mundo
De trás para a frente.

Para África, ao sul,
Esse vasto pedaço de mundo,
Com a forma dum coração.
Onde negros e brancos,
Nem sempre deram as mãos,
Apesar de terem a mesma cor
Nos olhos
E no sangue que lhes corre nas veias...
Chegou a hora certa...
Dum grande abraço
E para sempre serem irmãos.


Ouvindo Brendan Perry

Berlim, 2 de Fevereiro de 2014m, 7h17m

Joaquim Luís Mendes Gomes




J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66 [, foto acima, em Catio, 1964, assinalado com um círculo a vermelho; jurista, reformado; autor do livro de poesia "Baladas de Berlim", Lisboa, Chiado Editora, 2013, 232 pp., preço de capa:  € 14; encomendar aqui]

Foto: J.L.Mendes Gomes / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12689: Blogpoesia (367): O passado e o presente no futuro (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P12767: Notas de leitura (567): "O Reencontro, Da Ponte Aérea à Cooperação", por General Gonçalves Ribeiro (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Setembro de 2013:

Queridos amigos,
O general Gonçalves Ribeiro tem um currículo invejável na área da cooperação técnica-militar.
Esta recensão circunscreve-se ao balanço que ele faz quanto à Guiné, está datado mas é uma importante pista de trabalho. Ele elenca as diferentes iniciativas e não esconde a sua consternação quando a guerra civil de 1998-1999 deitou praticamente por terra 20 anos de cooperação, houve que recomeçar e todo o entusiasmo dos tempos primigénios em que havia compreensão para as dificuldades do novo Estado praticamente arrefeceu.
Leia-se devagar, este repositório deixa bem claro que se procurou fazer cooperação com a Guiné sem reservas e de mãos limpas.

Um abraço do
Mário


A Cooperação Técnico-Militar e a Guiné-Bissau - 1

Beja Santos

O livro chama-se “O Reencontro, Da Ponte Aérea à Cooperação” e o seu autor é o General Gonçalves Ribeiro (Editorial Inquérito, 2006).
Gonçalves Ribeiro foi Alto-Comissário para os Desalojados, Representante Militar Nacional nos SHAPE/NATO, Diretor do Departamento de Operações do Estado-Maior do Exército e Diretor-Geral da Direcção-Geral da Política de Defesa Nacional.
Segundo o autor, este livro foi escrito com intenção de resumir e divulgar matérias e factos que julga não deverem ficar esquecidos sob o pó das prateleiras ou simplesmente confinados à memória dos que neles participaram. É um registo da relações que ao longo da década de 90 se foram tecendo e consolidando entre Portugal e os PALOP através da cooperação militar. Este registo é precedido de uma referência aos eventos da Ponte Aérea e o que de mais relevante ocorreu, segundo o autor, no período pós-descolonização. A Guiné-Bissau é objeto de um relato circunstanciado que aqui se resume. Tem talvez importância o que o autor escreve na introdução: “Fatores vários, alguns surgidos na fase da pró-independência, colocaram a Guiné-Bissau na vanguarda da Cooperação Técnico-Militar. Mencionam-se, entre outros: o companheirismo e respeito mútuo que deixaram rasto em muitos dos militares de ambos os países, que lá conviveram na altura da descolonização; o acesso de grande número de jovens e quadros guineenses a cursos de formação militar em Portugal, durante a década de 80; o interesse e o gosto do Presidente Nino Vieira em aprofundar os laços de cooperação com Portugal, especialmente na área militar; as muitas carências com que se debatia o Novo Estado e as inúmeras dificuldades que afligiam o seu povo; a natureza das Forças Armas da Guiné-Bissau que, embora mal estruturadas e com recursos mínimos, dispunham de alguma capacidade marítima para além da componente terrestre”.

O primeiro Programa-Quadro foi aprovado em 1980, abrangeu, prioritariamente, projetos de interesse para a sociedade civil, da engenharia de construções à mecânica de viaturas e do sistema de comunicações à fiscalização das águas costeiras. E traça um diagnóstico da Guiné-Bissau: “País pobre, os recursos naturais escasseavam (e escasseiam); inexistiam receitas públicas para a atividade corrente da administração, aliás desorganizada e inconsistente; a economia não ia além dos patamares da subsistência; a ajuda externa colmatava em grande parte as reconhecidas carências financeiras do país; alimentava, no entanto e indesejavelmente, a corrupção; os habitantes, na sua esmagadora maioria, viviam um quotidiano de miséria”.

Iniciou-se um curso de construções e reparações e os cerca de 20 novos especialistas foram colocados em trabalhos de reabilitação do seu futuro quartel, em Brá. Iniciou-se a Residência da Cooperação Militar Portuguesa e um conjunto de cursos práticos de mecânicos, bate-chapas, pintores, etc. A Residência da Cooperação Militar foi inaugurada em 1992, está situada em Santa Luzia. Nos anos de 1993 e 1994 foram construídas duas lanchas de fiscalização rápidas, concebidas para operarem nos mares e no clima da região e a nível do Exército iniciou-se um novo projeto de restruturação, do redimensionamento e do normativo jurídico respetivo e simultaneamente aprovou-se um segundo Programa-Quadro, isto numa altura em que já sucediam cursos práticos de operadores de transmissões, mecânicos, eletricistas, construções e reparações, no Exército, e de Eletromecânica Naval, Mecânica Naval, Básico de Marinharia, na Marinha.

Procedeu-se à análise dos resultados deste segundo programa para fazer a ligação ao novo biénio: a legislação da Defesa e das Forças Armadas da Guiné-Bissau fora aprovado pelo Governo, iria ser submetida à Assembleia Nacional Popular, as duas lanchas de fiscalização tinham tido trabalhos de manutenção e pequenas reparações, prosseguiam os cursos de Engenharia Militar, etc., etc. Mas a atmosfera dava sinais ameaçadores, tensões nas Forças Armadas, diferendo entre os antigos combatentes e uma nova geração de oficiais e abruptamente Nino Vieira suspendeu Ansumane Mané nas funções de Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, com base de denúncias do seu alegado envolvimento no contrabando de armas a favor dos rebeldes do Casamansa. A instabilidade agravou-se, Ansumane Mané fez uma exposição declinando toda a responsabilidade nos factos e imputando o tráfico de armas ao Ministro da Defesa, Samba Lamine Mané. Os Combatentes da Liberdade da Pátria escreveram um documento que alinhava pelo mesmo diapasão. Em termos formais, a cooperação prosseguia, era desejada pelos dirigentes da Guiné-Bissau, listaram-se novos cometimentos como o fornecimento de fardamento, medicamentos e material para dotar o posto de primeiros socorros da base naval, etc. Em 7 de Junho de 1998, rebenta o conflito, as forças fiéis a Ansumane Mané desencadeavam uma ação armada de que a causa próxima parece ter sido a indigitação do novo Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas. Nino Vieira fez um apelo de apoio militar a países vizinhos, correspondido, efetivos da Guiné-Conacri e do Senegal irão aparecer no teatro do conflito. Grande parte da população guineense considerou a medida intolerável, sentiram-se ocupados por forças estrangeiras, esse estado de espírito agravou-se com os desmandos perpetrados pelos senegaleses na cidade de Bissau.

As autoridades portuguesas estabeleceram um plano de evacuação com efetivos navais e aéreos. O autor observa: “De realçar que quer a distribuição da ajuda humanitária, quer a evacuação de cidadãos ao longo das povoações ribeirinhas, já controladas por rebeldes, foi feita em total sintonia com estes últimos, não se registando da sua parte qualquer sinal de hostilidade em relação a cidadãos portugueses”. O embaixador português, Henriques da Silva, dava conta da existência de 150 a 200 mil deslocados e desalojados na região envolvente da capital e de grandes movimentações de pessoas transportando os seus parcos haveres para Norte e Leste do país. A situação alimentar a higiénica, naturalmente, degradou-se, tudo se tornou catastrófico quando o impacto de uma granada de morteiro no Depósito Central de Medicamentos destruiu a quase totalidade do respetivo stock.

Continuaram a travar-se violentos combates e os rebeldes mantiveram-se firmes em Brá, tendo infligido severas perdas aos senegaleses; progressivamente, antigos militares e jovens militares vindos do interior juntaram-se aos rebeldes. Bissau e arredores tornaram-se num horrível campo de combate. O autor comenta: “Um dos trunfos maiores dos homens de Ansumane Mané era a precisão com que utilizavam as armas de tiro curvo, morteiros e obuses de artilharia. Os alvos escolhidos eram, por norma, concentrações de senegaleses ou os locais onde as suas forças se encontravam aboletadas na cidade de Bissau. Muitos edifícios foram destruídos e outros arrasados. Entre estes últimos, os quartéis de Engenharia e de Serviço de Material, em Brá, por azar situados na linha da frente, onde se travavam os combates mais violentos (…) Igualmente atingido foi o bairro inaugurado, em 1995, pelo Instituto de Cooperação Portuguesa. Constituído por alguns blocos, um deles de construção recente, com vinte apartamentos, servia de alojamento a professores, diplomatas, médicos, etc., em funções diversas, a maioria de cooperação. Em finais de Julho, princípios de Agosto, as tropas senegalesas instalaram posições de artilharia nas imediações do bairro. A resposta dos militares da Junta não tardou. Os bombardeamentos contra aquelas posições provocaram severos danos em dois dos blocos. Os muros de proteção do complexo ruíram em vários pontos. Por ali entrou uma multidão descontrolada que pilhou e saqueou a maioria dos apartamentos”.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12751: Notas de leitura (566): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 4 de 4 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12766: Parabéns a você (696): Manuel Henrique Quintas de Pinho, ex-Marinheiro Radiotelegrafista das LDM 301 e 107 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 23 de Fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12761: Parabéns a você (695): José Carlos Pimentel, ex-Soldado TRMS da CCAÇ 2401 (Guiné, 1868/70)

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12765: Debate sobre o livro "Segredos da Descolonização de Angola", de autoria de Alexandra Marques, no passado dia 18 de Fevereiro, em Oeiras (José Manuel Matos Dinis)

1. Em mensagem do dia 19 de Janeiro de 2014, o nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), enviou-nos o seu testemunho de mais uma tertúlia integrada no ciclo Fim do Império*, em Oeiras, esta realizada no passado dia 18 de Fevereiro cujo tema era o livro de Alexandra Marques, "Segredos da Descolonização de Angola".

Olá Carlos!
Envio-te uma espécie de reportagem sobre um encontro realizado em Oeiras, cuja matéria respeita à descolonização de Angola.
Fi-la de maneira a reportar só o propósito da sessão, e espero ter evitado opinar sobre o que ali foi dito. No entanto, não podia deixar de constatar e transmitir a opinião ali generalizada, ou, pelo menos, incontestada.
Não cito nomes, que constam do livro, para não ferir susceptibilidades, e para que os "árbitros de bancada" não se fiquem pelo comentário sobre causa desconhecida. Ah! Também não me foi pedida a divulgação, faço-o no âmbito das recensões no Blogue e para conhecimento de eventuais interessados.

Um grande abraço
JD


No passado dia 18, na sede da delegação da Liga dos Combatentes Cascais/Oeiras, realizou-se uma reapresentação, com debate, do livro com o título "Segredos da Descolonização de Angola", da autoria de Alexandra Marques, no âmbito do seu doutoramento em história. À guisa de preâmbulo cautelar sobre eventuais reacções emotivas, o senhor coronel Barão da Cunha advertiu para o "picante" da obra, e apelou à urbanidade das intervenções sob os diferentes pontos de vista.

E do que consta esse picante?
Pois o picante radica nos actos de alguns elementos das FA, que durante o período da descolonização de Angola, ali protagonizaram atitudes que causam "vergonha" a alguns dos seus camaradas presentes no encontro. E ficou a sensação, por falta de manifestações divergentes, que na assistência todos repudiam situações de desleixo, de indisciplina e abuso de poder na instituição militar, de desonra à história de Portugal e à ética da condição militar, principalmente consubstanciadas pelo desprezo votado aos cidadãos, e pela entrega indigna de militares portugueses a um movimento, que sobre eles praticou sevícias, como corolário da exagerada desfaçatez de não se terem deixado desarmar pelos anteriores inimigos. Terão ido parar à praça de touros de Luanda.

O senhor coronel-comando Manuel Bernardo, que cumpriu comissões em Angola e Moçambique fez uma síntese sobre a situação militar que precedeu o golpe de 25 de Abril, e adiantou alguma notícia sobre os desenvolvimentos negociais em que participaram as FA, os movimentos ditos de libertação, e o novo poder político de Lisboa, anotando algumas contradições e sucessivas cedências da parte portuguesa.

A Autora referiu os pressupostos da obra, que leu grande quantidade de documentos, vasculhou arquivos oficiais e particulares, que enfrentou relutâncias de diversa ordem, recebeu conselhos para não mexer em certas matérias, mas decidiu prosseguir, e garante que o livro só espelha o que conseguiu provar, quer em documentação, quer por testemunhos. Acrescentou que, pelo menos um militar que entrevistou, já tentou vexá-la numa apresentação anterior, negando a entrevista e a projecção plasmada no livro.
Como se infere com facilidade, há responsáveis que tentam branquear as acções que determinaram e mantê-las escondidas da opinião pública. Igualmente os órgãos de informação sonegam sobre a obra tão importante para o conhecimento público, que já se considera da maior importância e coragem. Ao Expresso, conforme citou, enviou seis exemplares, e até hoje nem uma linha sobre a matéria.
A autora, que exerceu o jornalismo durante 20 anos até enveredar por esta investigação, acrescentou que tem sido essa a atitude dos diferentes órgãos da imprensa, onde, aliás, conta com muitos companheiros de trabalho, que por via do livro chegaram a abrandar o relacionamento.

Por fim, seguiu-se um período de intervenção do público (quase cinquenta pessoas, na maioria militares de profissão). E nesse tempo houve revelações complementares sobre a época em epígrafe. Assim, foi revelado sobre o caso Vila Alice, como consta do texto, que os movimentos entraram em Luanda com 600 efectivos cada, e instalaram-se quase em frente na mesma rua. Esse testemunho, de um oficial nascido em Angola, referiu que estava na Vila Alice a fazer um exame de Karate, participado com um mestre cubano, quando começaram os disparos de um lado para o outro, uns de uma vivenda, os outros de um edifício onde instalaram uma Browning, sob a quase complacência da autoridade portuguesa e a estupefação dos residentes.

Esse famoso episódio dá-nos conta da alteração da normalidade urbana, e foi um anúncio das dificuldades que passariam a afectar a população civil, já que os portugueses não puseram cobro àquela e a outras situações seguintes.
Também foi revelado que antes do apoio oficial cubano, já ali confluíam cidadãos daquele país que faziam a avaliação material para incremento de uma estratégia. E também foi apontada a coordenadora do MFA como parte bastante activa em benefício de um dos movimentos, com capacidade para repatriar quem se lhe opunha, como no caso em que o Alto-Comissário terá incumbido dois oficiais superiores para uma acção revanchista que aqueles recusaram.

A propósito desse Alto-Comissário, um dos presentes exibiu a célebre carta de aconselhamento a mal-tratar os colonos, cuja autoria a autora considerou não estar provada. Mas também ali foi dito, que um empresário, em seu nome e no de outros cidadãos que residiam e exerciam actividades em Angola, escreveu ao almirante no sentido de que lhes fossem dispensados meios de protecção, e obteve como resposta - assegurou que o empresário ainda conserva a resposta - que eram os movimentos que avaliavam sobre a questão da segurança, e acrescentava, que sendo o destinatário branco e português, seria aconselhável deixar Angola para os autóctones, mas com outra expressão, ou seja, desanda enquanto é tempo.

Também se falou do "batalhão em cuecas". A estória resume-se assim: as autoridades portuguesas tinham decidido providenciar por um equilíbrio bélico entre os movimentos, e um batalhão que retirava para Luanda, recebeu instruções para entregar o armamento à Unita, mas que por intervenção de alguém do MFA entregou a outro movimento. Em represália, a Unita aprontou uma emboscada e deixou parte do batalhão em cuecas, o que dá uma boa imagem da decência, e da proficiência da tropa naquele momento, que devia ser de grande responsabilidade, em que mais se exigia ordem e serenidade.
Do que se infere que a tropa, no geral obedecendo a ordens controversas e ofensivas da mais elementar racionalidade, abdicava.

Finalmente, foi divulgado que aquela delegação da Liga dos Combatentes, com o patrocínio da Câmara Municipal de Oeiras, está recolher testemunhos como os que aqui são revelados, para um eventual projecto editorial, na senda das publicações que já promoveu, pelo receberá com interesse todas as colaborações que lhe sejam endereçadas.

JD
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Nota do editor

(*) Vd. poste de 15 de Fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12721: Agenda cultural (302): Tertúlia Fim do Império, dias 18 de Fevereiro, 18 de Março, 1 de Abril e 20 de Maio de 2014, às 15h00, na Livraria-Galeria Municipal Verney/Colecção Neves e Sousa, em Oeiras (Manuel Barão da Cunha)