quinta-feira, 24 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13035: Blogues da nossa blogosfera (66): Coisas da Vida - A Vida como ela é - A Bochecha de Boi (Jorge Teixeira - Portojo)

1. O nosso camarada Jorge Teixeira (Portojo), (ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70), enviou-nos este seu trabalho publicado no Blogue Coisas da Vida de que é autor e administrador:


COISAS DA VIDA

A VIDA COMO ELA É

A BOCHECHA DE BOI

Sábado passado, num almoço com ex-camaradas no Choupal dos Melros, em Fânzeres, Gondomar, o prato principal foi Bochecha de Boi assada.
Lembrei-me então de um episódio da minha vida de vaguemestre (ou vagomestre), por acaso e obrigado, durante o meu período militar na Guiné, mais concretamente em Catió e que durou cerca de 4 meses. Já lá vão 45 anos.

Para quem não sabe, este ofício determina, no Exército Português, o responsável pela alimentação de uma unidade militar. Em França é o Carteiro, que distribui a correspondência aos militares. Para o caso não interessa nada e prossigamos.

Não interessam agora as razões porque me foi imposto o lugar e serviço. Já estão por aí divulgadas.
Então aqui vai a razão das minhas recordações.

Estamos em Dezembro (68) e num sábado estava a jogar à bola quando apareceu esbaforido a chamar-me um dos rapazes do "Rancho" que tinha de ir já ao Refeitório. Não era a hora do Rancho, portanto não poderia haver nenhum levantamento. Para a refeição da noite era ainda cedo, estava tudo controlado. Perguntei ao moço - não me lembro quem foi - qual o motivo do alarme. - Está ali um preto com uma vaca para vender, disse ele. Pensei para mim, mau maria, não é bom sinal. É roubada, pois nunca tinha visto uma vaca na zona operacional de Catió. E eram famosos os roubos dos Balantas, Sem desprimor para as outras etnias.

Cá vai a informação (para os amigos ex-camaradas que não se lembrem ou não sabem e para os que desconhecem o que foi aquela vida, em Catió), a população era-nos hostil. (Alô pessoal da 1913 e da 2865, confirmam?). Mesmo para conseguirmos comprar uma frango era preciso uma boa relação com alguém.

Adiante.
Lá fui ver a vaca. Eu sei o que é uma vaca, sempre soube, claro, mas aquele bicho mais parecia uma carga de ossos a fingir de vaca. Já agora não sei se era vaca ou boi.
É certo que a memória é difícil de recuperar 45 anos, mas lembro-me que estava todo de pé atrás a olhar para o moço - que já não o era - que se dizia dono da vaca.

- Como a trouxeste, tem corda?
- Está aqui furriel.
- És o dono verdadeiro ou roubaste-a? - Logicamente que não ia dizer que a roubou.
- De onde vens e onde guardavas a vaca? - Não me lembro sequer da resposta. Mas o homem deveria ter os papeis de identificação e permanência (sei lá, mas imagino) em ordem. Mas deve ter vindo pela bolanha e não pela vila.

Para a rapaziada era uma festa ver a vaca no refeitório. Já lhe tinham ido buscar capim e água. A vaca (ou boi) estava serena/o a mastigar e eu ali a pensar o que deveria fazer. Compra furriel, era a voz d'ordem.

- Bom, quanto custa a vaca?
- 2.000 pesos.

Eu a olhar para o bicho e a pensar quantas refeições daria e a como sairia cada uma. E onde vou guardar o bicho se não tenho frigoríficos. Não quero a vaca, pensei, mas o cozinheiro-chefe pensou por mim e disse:
- Ofereça 1.500 pesos e vamos aos frigoríficos das messes e do rancho, compramos gelo fazemos frio e a vaca vai dar 3 refeições.

Acertado o preço com o vaqueiro, fui acordar o primeiro sargento para lhe pedir o dinheiro. O senhor Luz, mais conhecido com o pica-estradas. Só por causa do nariz, porque nunca deve ter posto o pé fora do portão em toda a comissão. O homem deitou-me uns olhos de raiva por ir acordá-lo da sua sesta e pior ainda, por lhe ir pedir dinheiro.
Lá comprei a vaca, foi logo morta para evitar problemas com o possível dono, mandei chamar o médico que por acaso estava em Catió para lhe ver as entranhas, estava tudo bem, menos o fígado que estava cheio de bichinhos mas isso não era grave para a saúde dos militares desde que não fosse confeccionado.

Para os interessados e antes de chegar ao ponto, devo dizer que a vaca, incluindo a cabeça, (cá está a bochecha) os miúdos aproveitáveis, os pés (chamados de mão de vaca, uma delícia gastronómica pelo menos aqui no Norte) mais a sua carcaça pesava menos de 90 Kg. O que saía o Kg a 17 pesos mais ou menos. Essas contas nunca me saíram da cabeça.
Carne fresca tem de ser repartida. Fiz as contas à totalidade dos militares na base, dava salvo erro 17 kg para os sargentos e 6 para os oficiais. Tudo na proporção. Mas não poderia ser só a carne, tinham de levar ossos também.

Aqui chegados começou a confusão. Iria vender a carne a 19 pesos. Quem quer quer, quem não quiser que deixe que os rapazes agradecem. Chamei os vagomestres da messe dos oficiais e dos sargentos para saber o que queriam. O dos sargentos era o Picota Dias, que deve estar lá para Águeda. Só pensava em dinheiro para o bolso dele, claro. Não quis carne nenhuma aquele preço. Perdia dinheiro. Ainda lhe disse, estás a dar uma messe de m.... aos gajos, só estás mamar, dá-lhes um consolo e eles ficam felizes. Eu quero que eles se fod.... Palavras directas do Dias.

O senhor Alferes da messe dos oficiais - sei quem era, não me lembro do nome e se não estou em erro trabalhava na Oliva ou na Eduardo Ferreirinha. Encontrei-me com ele anos mais tarde por motivos profissionais e creio que também num dos almoços da CCS/BART1913 - queria carne para dar uma refeição de bifes e uma segunda de qualquer coisa.
- Ó Alferes, espere aí, não vou mandar cortar carne para bifes para os senhores oficiais. Vai a eito e é o que der. E você resolva lá na sua cozinha.

Teixeira prá aqui e prá li, pois senhor alferes, se eu quiser comer um bife vou ao Taras Buba que é só sair a porta d'armas, trinco a carne que ele vai buscar não sei aonde, fecho os olhos e finjo que é bife. Pago 20 pesos e está feito.
Creio que o homem se chamava - e se for verdade espero que ainda se chame - Silva, saiu chateado e lá fui eu chamado ao comandante Cardoso. E o bicho vaca ou boi à espera de ser cortado, ali pendurado no refeitório, os abutres já sobrevoavam o quartel.

Disse-me o Comandante:
- Teixeira sabe do nosso problema alimentar, porque não distribui a carne ao Alferes?
- Meu comandante, não neguei a distribuição, o que neguei foram uns quilos de bife. Imagine, meu comandante, se a rapaziada sabe que mandei para a messe de oficiais carne para bifes? O que eles iriam fazer, um novo levantamento de rancho? E os sargentos?
- Pode retirar-se - disse-me o Comandante Cardoso.

Ao final do dia, levei um bife ao Comando. Não sei o que o homem lhe fez, mas a bandeja da apresentação da refeição regressou vazia.
A cabeça da vaca, mais concretamente as suas bochechas, com o resto dos miúdos deu uma refeição de feijoada. Dei mais duas refeições de carne, talvez tenham sido uma com esparguete e outro uma jardineira. Claro que entravam os chouriços juntamente, para encher. Não me lembro, mas não devo ter muitas dúvidas sobre isso.

Os sargentos ficaram furiosos com o Dias. Os oficiais não faço ideia como ficaram. Nem o meu, o Xarez, conversou nadinha comigo. Aliás já era normal.
Passados uns dias, apareceu um indivíduo com o cipaio, a reclamar uma vaca roubada que foi dada à tropa. Não me lembro como ficou a situação.

A bochecha de vaca - ou boi - que me fez recordar esta história.

Na ponta esquerda, eu no tempo em que era vago ou vaguemestre. Junto a mim, o "gajo" que me orientava o serviço. Era o cabo rancheiro. Espero que ainda esteja por cá. Ajudou-me muito pois eu não percebia nada daquilo. Mas só sei que não tinha de me preocupar. E tinha imensas horas livres e o jipe à disposição. Dois bons camaradas me ajudaram nesse tempo. Ambos condutores. Um creio que é o gerente dos Armazéns Peixoto - Gondomar e Valongo -. O outro trabalhou na Pacence. 
A foto foi num dia de futebol, provavelmente um norte-sul em que não alinhei.
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11795: Blogues da nossa blogosfera (65): Poema de Saudade sobre a Guiné, no Blogue da Lusofonia (Mário S. Oliveira)

Guiné 63/74 - P13034: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (88): O senhor Camilo da Bafatá

1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 12 de Abril de 2014:

Carlos:
Além de constituir “paparoca para o blogue” mas sobretudo com vista a esclarecer determinados mal entendidos relacionados com um tal Sr. Camilo de Bafata, agradecia, se assim o entenderes, a publicação do que se segue na ainda série “A GUERRA VISTA DE BAFATA”

Um abraço.
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ

88 - O Sr. Camilo de Bafata

Caros camaradas, principalmente os que fizeram comentários sobre esse Senhor, o tal que costumava dar uns lautos jantares à oficialidade lá do sítio.

Porque ando a rever tudo quanto escrevi no blogue e à semelhança daquele comentário que tardou anos, sobre um dos três majores que “não teria sido morto e até estava vivinho da silva”, também só agora, passados três anos é que tomei conhecimento de um comentário ao meu Poste 6185 de 19MAR10 pela razão de só ter sido feito passados três meses da sua publicação.

Como “sói” dizer-se: Camilo há só um, o de Bafata e mais nenhum. Não era o de Nova Lamego e sobretudo não era o impostor de Bambadinca, que na minha cara me disse que, sim senhor, era ele e que, sim senhor, era ele que dava os tais jantares em Bafata.

Lendo o tal comentário, anónimo, (que para mim não o é mas respeito essa atitude) fica-se a saber que o tal Sr. Camilo, como aliás sempre fui dizendo, era natural de Mirandela e exercia as funções de gerente da “Casa Esteves” situada em frente à sede do Batalhão e da sua própria casa.

Segue-se a transcrição do atrasado comentário:

Anónimo disse…
Sr. Fernando:
Obrigada por “revisitar” e gostar tanto da terra que me viu nascer e de onde tenho tantas recordações muito felizes… Não valerá a pena identificar-me, porquanto sou filha de um dos comerciantes portugueses que lá residiram, portugueses estes que me parece não serem muito da vossa simpatia… Adiante, e para quem realmente conheceu Bafatá, o Sr. Camilo era transmontano, de Mirandela, (infelizmente já falecido) e não o Senhor Cabo-Verdiano da fotografia, e era o gerente da casa “Esteves”, edifício que se situava em frente do quartel, e que, de facto oferecia alguns jantares, para os quais eram também convidados alguns militares. O que não significa que praticasse o tal jogo de dominó, como insinuaram… Foi uma óptima pessoa, e um grande amigo do meu pai, e da minha família, pelo que me parece conveniente, fazer alguma justiça à sua memória. De qualquer modo Sr. Fernando, adoro as suas histórias sobre Bafatá e como esta terra o deixou apaixonado… Muito obrigada por gostar de Bafatá. Uma sua leitora que espera sempre ansiosamente pelo capítulo seguinte.
Domingo, Junho 13, 2010 12:15:00 da manhã

O impostor.

À esquerda o edifício do Batalhão e mais abaixo a casa do Sr. Camilo. À direita em frente à sua casa ficava a casa comercial Esteves. (Fotos com 40 anos de diferença).

Fernando Gouveia
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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12996: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (87): Diário da ida à Guiné - 18/03/2010 - O dia seguinte

Guiné 63/74 - P13033: Convívios (585): XXXI Almoço do pessoal da CCCAÇ 2317 / BCAÇ 2835, dia 7 de Junho de 2014 em Penafiel (Joaquim Gomes Soares)

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Gomes Soares (ex-1.º Cabo da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835, Gandembel / Ponte Balana, 1968/70), com data de 11 de Abril de 2014:

Amigo Carlos Vinhal,
Como de costume envio-te em anexo as informações do meu almoço para que seja publicado, se possível, no site do Luís Graça.
O almoço realizar-se-á no dia 7 de Junho pelas 12h.

Um abraço,
Joaquim Soares





AMIGO E COMPANHEIRO:

NO ALTO DE UMA ELEVAÇÃO NÃO MUITO PRONUNCIADA, NUM LOCAL QUE SEMPRE CONSTITUIU IMPRESCINDÍVEL PASSAGEM PARA QUEM VAI DO PORTO PARA VILA REAL, A 2 KM DO RIO SOUSA BANHADA A NASCENTE PELO PEQUENO TÂMEGA, SITUA-SE A PEQUENA E REQUINTADA CIDADE DE PENAFIEL.

A ORIGEM DO NOME PENAFIEL É DIFERENTE EM DIVERSAS LENDAS, SENDO NO ENTANTO A MAIS COMUM A QUE AFIRMA QUE A ORIGEM DO NOME SURGIU DE FORTIFICAÇÕES EXISTENTES NA LOCALIDADE. QUANDO SE DEU A FUNDAÇÃO DA CIDADE, ERGUIAM-SE AQUI DOIS CASTELOS. UM DELES SITUAVA-SE JUNTO AO RIO SOUSA, A NORTE DO SEU LEITO, E CHAMAVA-SE CASTELO DE AGUIAR DE SOUSA. O SEGUNDO NA MARGEM SUL DO RIO CAVALUM, E A POUCOS KMS DA MARGEM DIREITA DO RIO, DENOMINAVA-SE CASTELO DA PENA (PENNAFIDELIS). ATACADO DIVERSAS VEZES PELOS MOUROS, ESTA ÚLTIMA FORTIFICAÇÃO NUNCA SE RENDEU, O QUE LHE VALEU O EPÍTETO DE "FIEL" PASSANDO ASSIM A SER CONHECIDA POR CASTELO DE PENAFIEL.

ESTE ANO PARA O NOSSO ALMOÇO DE CONVÍVIO, ESCOLHI O RESTAURANTE TRÊS MIGUÉIS, LDA. ESTE RESTAURANTE, COMO JÁ É CONHECIDO PARA ALGUNS DE VÓS, SITUA-SE NA RUA PADRE LOPES COELHO 4575-267 OLDRÕES. TEL 255612465.

O ALMOÇO DESTE ANO REALIZA-SE DIA 7 DE JUNHO, UM SÁBADO, E CONTAMOS CONTIGO A PARTIR DO 12H.

COMO DE COSTUME DEIXO-TE O MEU CONTACTO, PARA QUE POSSAS MARCAR A TUA PRESENÇA, DAR NOTÍCIAS OU SABER INFORMAÇÕES:

TEL 225 361 952 OU 224 015 462 
TELM: 936 831 517
Email: joaquim.gomes.soares@hotmail.com

SE PUDERES, NÃO PERCAS MAIS UM DIA DIFERENTE, CHEIO DE ANIMAÇÃO E DE CONVÍVIO. 
AGRADECIA QUE ME CONFIRMASSES A TUA PRESENÇA LOGO QUE POSSÍVEL, DE PREFERÊNCIA ATÉ DIA 31 DE MAIO.

UM ABRAÇO,
Joaquim Soares



EMENTA

APERITIVOS E ENTRADAS VARIADAS

BEBIDAS: 
Vinho maduro da casa branco ou tinto 
Vinho verde da casa branco ou tinto 
Água Sumos Cerveja

SOPA: 
Sopa de legumes 
Canja de galinha

PEIXE: 
Bacalhau à Liberdade 

CARNE: 
Borrego Assado/ Lombo de Porco 

SOBREMESA: 
Buffet de bolos 
Fruta da época 
Bolo Festivo 

CAFÉ 

DIGESTIVOS DA CASA: 
Aguardente da casa 
Brandy 
Vinho do Porto 
Whisky Novo
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P13023: Convívios (584): 11º Convívio da CCAÇ 2527, próximos dias 11 e 12 de Maio em Buarcos (Miguel Soares)

Guiné 63/74 - P13032: Memórias de um Lacrau (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) (Parte XIII): Guiro Iero Bocari... Alguém sabe onde fica(va) ?



Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Setor de Paunca > CART 11 (1969/70)  "As nossas tendas" [... material de campismo de luxo: eram tendas quentes no tempo das chuvas, frescas no tempo seco... Conhecia-as bem, em Contuboel, aquando da formação da CCAÇ 12, em junho e julho de 1969... LG]


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Setor de Paunca > CART 11 (1969/70)  >  Rua principal da povoação.. [Igual a tantas ooutras... LG]


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Setor de Paunca > CART 11 (1969/70)   > Cervejolas e telefonias não podiam faltar.... [lá no cu de Judas, LG]


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Setor de Paunca > CART 11 (1969/70)  > Duche com cheio a gasolina e sabor  a cola-cola [... Ou a "arte suprema do desenrascanço"...LG]


Fotos (e legendas): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]


1. Continuação da publicação do álbum do Valdemar Queiroz [, foto à direita, Contuboel, 1969]... 

Desta vez,  com 4 fotos de Guiro Iero Bocari,   onde o nosso camaraad esteve destacado com o seu Gr Comb, em data incerta, provavelmente 1970. Sobre esta tabanca em autodefesa só tínhamos até agora uma referência. Passamos a ter duas. Ficava a escassa distância da fronteira com o Senegal, integrando o setor de Paunca.



Guiné > Zona leste > Mapa de Paunca (1957) (Escala 1/50 mil) > Detalhes: posição relativa de Paunca, Paiama, Sinchã Abdulai e Guiro Iero Bocari, junto à fronteira com o Senegal.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

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Guiné 63/74 - P13031: 10º aniversário do nosso blogue (22): Quando os senhores coronéis da censura censuravam notícias com declarações de Spínola e a escalada da guerra no CTIG, incluindo a queda do DO 27 em que pareceu, entre outros, o major Jaime Frederico Mariz, comandante do COP 3, em 7/4/1973 (António Duarte, leitor do blogue)



Documento gentilmente cedido pelo nosso leitor António Duarte

1. Mensagem do nosso leitor António Duarte (perfeitamente identificado por endereço de email válido)


Cartaz do nosso 10º aniversário, da autoria do
nosso camarada  Miguel Pessoa [], ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca,
1972/74, um dos heróis dos céus da Guiné]
Assunto: recorte do Jornal República, de 18 abril de 1973,  censurado,  sobre militares desaparecidos na Guiné


Caro Carlos Vinhal:

Em primeiro as minhas desculpas por me dirigir assim directamente mas foi o único meio que encontrei depois de ter lido o vosso blogue.

Explico esta minha liberdade:

Dando volta aos meus papéis velhos,  encontrei uma tira de notícia que supostamente deveria ter sido publicada no dia 18 de abril de 1973 no Jornal República mas que foi censurada.

Esta tira de noticia era o meio que os jornalistas apresentavam aos censores para acordo de publicação e ... censura. Esta foi censurada.

Chegou às minhas mãos,  entre outras tiras com outros assuntos,  por oferta de um amigo que fez parte da comissão de extinção da PIDE/DGS e que em 1975 teve acesso a estes documentos.

Nesta volta dos meus papéis, como referia a militares desaparecidos na Guiné, procurei pelos nomes na internet e cheguei ao vosso blogue.

Representa esta tira uma amostra de como os militares e o seu desaparecimento / morte era tratado e escondido do país.

Aqui lha envio para que disponha como quiser e deixo os meus parabéns pelo vosso blogue e do que representa emocionalmente e historicamente.

Um abraço

António Duarte [, leitor identificado]

Guiné 63/74 - P13030: 10º aniversário do nosso blogue (21): Obrigado, amigos e camaradas, pelos parabéns, que vão direitinhos a todos aqueles que alimenta(ra)m este projeto... E já agora, façam a vossa "prova de vida", façam o "teste do pezinho" (... Era o que fazíamos, lá naquela terra verde e rubra, todos os dias ao acordar, verificando se o polegar do pé direito mexia, antes de nos levantar da cama)

1. Comentário do fundador e editor do 
blogue Luís Graça, em nome dos demais editores e colaboradores permanentes:


Obrigado pelos  parabéns de aniversário, recebidos durante o dia de ontem, mas que não devem vir para mim. Eles vão direitinhos a todos nós que alimentaram (e alimentam) este projeto, desde o dia 23 de abril de 2004...

Eu limitei-me a "emprestar" o então "blogueforanada" (, que raio de nome!), o blogue " onde escrevia as minhas "blogarias" (que nada tinham a ver com a Guiné) desde outubro de 2003...

O primeiro escrito sobre a Guiné ou relacionado com a guerra, foi justamente em 23/4/2004... (vd. a seguir).

Tertúlia, hoje Tabanca Grande: um  ribeiro que deu origem a um rio, que por sua vez teve (e tem ) muitos afluentes... E que queremos seja cada vez mais "caudaloso"...

Somos 654 ? Sim, entre camaradas e amigos da Guiné. Infelizmente 5% já morreram, mas ocupam um espaço muito especial, na nossa memória, no nosso blogue, no "talhão" dos que da lei da morte já se libertaram...

Sem contar as muitas centenas, se não milhares, que já por aqui passaram, sem, por uma razão ou outra, terem querido ou podido formalizar a sua adesão à Tabanca Grande: 2 fotos + 1 história ou simples apresentação e aceitação das nossas regras de convívio, que são basicamente as da camaradagem, da verdade, da partilha, da tolerância e do respeito mútuo...

654 não são muitos em 10 anos, são 65 por ano, em média... Mas pelo TO da Guiné, desde 1961 até 1974 passaram mil unidades e subunidades... Ora, nem todas elas estão ainda devidamente representadas no nosso blogue...

10 anos a blogar sigbnifica mais de 13 mil postes, ou seja, em média 1300 por ano, 4 por dia... Mais de 50 mil comentários, cinco mil por ano, cerca de 14 por dia...

8 convívios anuais, sendo o próximo, o 9º  já com data marcada: será realizado em Monte Real,  como de costume,  no Monte Real Palace Hotel, no dia 14 de junho próximo, sábado... (Aperitivos, almoço e lanche ajantarado: 30 morteiradas; facilidades de alojamento no hotel, para quem quiser vir de véspera ou ficar no fim de semana).

1 Tabanca Grande com "delegações" em vários sítios, dentro e até fora do país, uma pelo menos, a da Lapónia, mesmo que seja uma tabanca de um tabanqueiro só...

Amigos e camaradas, associem-se à nossa festa, e sobretudo aproveitem para fazer a "prova de vida", sob a forma do "teste do pezinho"... Escrevam-nos,. por estes dias,  a dizer que estão vivos e, mais ou menos, de boa saúde...

"Teste do pezinho"? Era o que fazíamos na Guiné, todos os dias ao acordar: verificar se o polegar do pé direito mexia, antes de levantar da cama...

Um bom dia  para todos/as.

Luís Graça





Primeiro poste do blogue Luís Graça  Camaradas da Guiné: 23 de abril de 2004 > Guiné 69/71 - I: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra... Acabou por ser transformado em poema que inclui numa antologia poética, a publicar, espero, ainda este ano... (LG)



2. Hoje tenho pena de nunca ter escrito um aerograma a uma madrinha de guerra

por Luís Graça

Com o atraso de décadas, 

quiçá de séculos,
presto hoje o meu preito
às mulheres do meu país
 que se vestiam de luto
enquanto os maridos ou noivos 
ou namorados ou irmãos
ou simplesmente amigos
andavam na guerra do ultramar.
(Ou guerra colonial, como se queira).
Já foi há tanto tempo 
que eu perdi as contas aos contos,
às estórias, 

às vidas, 
às lendas, 
às narrativas.

Venço, por fim, a minha relutância, 

o meu preconceito, 
o meu medo do irracional
e porventura o meu medo visceral do sagrado,
e presto a minha homenagem
às mulheres 

que rastejavam no chão de Fátima,
implorando à Virgem o regresso dos seus filhos,
sãos e salvos.
Só as mulheres, em bando, são capazes
de implorar a piedade dos deuses
e ao mesmo aplacar a sua ira,
para logo a seguir imprecar contra eles,
se for caso disso.

Decididamente, 
sem pejo nem pudor,
presto a minha homenagem
às mulheres que continuavam,
silenciosas e inquietas, 

ao lado dos homens
nos campos, nas fábricas e nos escritórios.
Por que havia um silêncio 

que não era cumplicidade,
que não era traição,
que era inquietação,
que não era claudicação,
que era a raiva a crescer dentro do peito,
que era porventura já
a emergência, a explosão da revolta e da liberdade.

Descubro a cabeça, 
tiro o chapéu, 
ajoelho-me,
perante estas mulheres do meu país
que ficavam em casa, 
rezando o terço à noite,
como a minha mãe e as minhas manas 
e até o meu pai,
a quem, de resto, nunca agradeci este gesto de amor.
Nem em público nem em privado.
Nunca saberia, porventura, merecê-lo
nem muito menos agradecê-lo.

Mas também endosso
as minhas palavras de admiração
às que aguardavam com angústia,
pelo aerograma, 
na hora matinal (e às vezes mortal)
do correio, vindo do SPM número tal.
Sem esquecer as que, muito poucas,
subscreviam abaixo-assinados
contra a guerra
(era proibido dizer colonial).
Às que, muito poucas, escreviam, 
liam,
tiravam a stencil 
e distribuíam
comunicados e folhetos clandestinos.

Às que, também raras, 
sintonizavam altas horas da madrugada
as vozes da rádio 
que vinham de longe
e que falavam de resistência
em tempo de solidão e de servidão.

Homenageio, sim, àquelas 
que, muitas, tiravam carinhosamente
do fumeiro (e da barriga) 

as chouriças e os salpicões
e os nacos de presunto, 
e até as morcelas e as alheiras
que iriam levar até junto dos seus filhos,
homens-toupeiras, 
no outro lado do mundo,
no calor dos trópicos
e na humidade dos abrigos,
um pouco do amor de mãe, 
das saudades da terra,
dos cheiros da casa e dos animais,
dos sabores da comida, 
e da alegria da festa.

Mas também, e porque não,
às, muitas, e em geral adolescentes, virgens,
e às jovens solteiras, namoradeiras,
que se correspondiam com os soldados
mobilizados para o ultramar,
na qualidade de madrinhas de guerra.

Não tive, nunca quis ter, 

madrinha de guerra,
por preconceito, 
por orgulho e preconceito,
por achar que era uma instituição ou criação
do Estado Novo,
dos senhores da guerra,
e das senhoras que os geravam…

Hoje tenho pena de nunca ter escrito um aerograma
a uma madrinha de guerra.

Lisboa, 23/4/2004

Revisto, 23/4/2014
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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13028: 10º aniversário do nosso blogue (20): Um corredor de paz, a estrada (alfaltada) Bambadinca-Bafatá, onde o PAIGC nunca conseguiu penetrar... pelo menos no período de 1969/71 (fotos de Benjamim Durães, a quem mandamos um alfabravo fraterno e solidário num momento difícil para ele, como pai e avô)

Guiné 63/74 - P13029: Parabéns a você (724): David Guimarães, ex-Fur Mil Art MA da CART 2716 (Guiné, 1970/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P13014: Parabéns a você (723): António Branquinho, ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 63 (Guiné, 1969/71)

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13028: 10º aniversário do nosso blogue (20): Um corredor de paz, a estrada (alfaltada) Bambadinca-Bafatá, onde o PAIGC nunca conseguiu penetrar... pelo menos no período de 1969/71 (fotos de Benjamim Durães, a quem mandamos um alfabravo fraterno e solidário num momento dificílimo, para ele, como pai e avô)



Foto nº 1

Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4

Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Estrada Bambadinca-Bafatá > c. 1970 > Um enorme rebanho de gado vacuum, pertencente a um "homem grande" fula,   passeia-se livremente na "autoestrada" do leste...


Fotos: © Benjamim Durães (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]

1.  Não havia nenhum sítio na Guiné onde as nossas tropas  não pudessem ir, por mar, terra ou ar, com maiores ou menores efetivos, incluindo as regiões consideradas sob controlo do PAIGC, como era o caso, no setor L1, da margem direita do Rio Corubal, abrangendo os subsetores do Xime, Mansambo e Xitole...

Em contrapartida, o PAIGC, pelo menos no meu tempo (junho de 1969 a março de 1971) nunca ousou atacar, flagelar, emboscar ou pôr minas e armadilhas neste autêntico oásis de paz que era a "autoestrada" do leste, a primeira estrada asfaltada do território, construída pela TECNIL (se não erro), ligando dois centros nevrálgicos da zona leste, em pleno coração fula, Bambadinca, a sudoeste e Bafatá a nordeste.

Estou a falar do tempo em que passaram por Bambadinca o BCAÇ 2852 (1968/70) e BART 2917 (1970/72), sendo a CCAÇ 12 uma subunidade de intervenção, com soldados, fulas, do recrutamento local (Badora e Cossé) e quadros e especialistas de origem metropolitana.

Recorde-se que o fotógrafo, Benjamim Durães, foi  fur mil op esp,  Pel Rec Info, CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72). Vive em Palmela, é um dos habituais organizadores dos convívios da CCS/BART 2917, e está neste momento a viver um grande drama, a doença de uma das queridas netas, de 10/11 anos,  a mais velha, a Bruna, que tem um prognóstico reservadíssimo, estando por isso a precisar, ele e toda a sua família, de uma palavra amiga, solidária, de toda a Tabanca Grande. 


VII Encontro Nacional da Tabanca Grande  > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012 > O avô Benjamin Durães trouxe, desde Palmela, os seus cinco netos: Bruna, Fábio, Marta, Rafael e Tiago (na foto não estão por esta ordem; a Bruna é a mais velha, hoje com 10/11 anos)... Todos devidamente equipados e ostentando na lapela o crachá do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) a que orgulhosamente pertenceu o nosso camarada, fur mil op esp e DFA - Deficiente das Forças Armadas.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P13027: Memórias de Mansabá (31): Com o tempo interiorizámos três ou quatro coisas: (i) que tínhamos sempre medo; (ii) que de dentro do mato era muito difícil disparar um LGFog ou até um morteiro; e (iii) depois do primeiro tiro tínhamos a ideia que conseguíamos controlar as coisas (Ernesto Duarte, ex-fur mil, CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67)


Guiné > Região do Oio > K3 > Um abrigo em construção...

Foto: © Ernesto Duarte (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Mensagem de Ernesto Duarte [ex-fur mil. CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67],

Data: 19 de Abril de 2014 às 21:29

Assunto: um abrigo em construção

Boa noite, Luís

Já passaram 49 anos e eu continuo a arrepiar-me, e em vez de ter sonhos tenho pesadelos, ainda hoje não sei muito bem o que é dormir, dormir considerado normal! Só que as forças vão faltando e vão aparecendo alguns problemas!

Chegados à Guiné, mais propriamente a Mansoa, a nossa primeira saída, se é que se pode chamar, ao que supostamente fomos fazer, uma saída!

Na estrada Mansoa-Bissorã, uma auto metralhadora tinha sido atingida com uma granada anticarro, restou o esqueleto!

Corridos poucos dias, ida para Mansabá, com armas e bagagens, muita bagagem, penso que todos nós só tínhamos um pensamento, é na próxima curva que vem aí a nossa granada!

Com o tempo interiorizámos três ou quatro coisas:

(i) Que tínhamos sempre medo, e que a fuga teria que ser sempre para a frente, nunca voltar as costas;

(ii) Que de dentro do mato era muito difícil disparar uma bazuca, um roquete, assim como os célebres morteiros 120;

(iii) Depois do primeiro tiro tínhamos a ideia que conseguíamos controlar as coisas.

Era de uma tensão de rebentar os nervos a um santo, o espaço de tempo que mediava entre o ouvir a granada sair e o cair! Não valia a pena nos mexermos, porque nunca ninguém tinha uma ideia onde ela ia cair!

Os morteiros 120 começaram a ser utilizados, quando fazíamos os golpes de mão, depois do primeiro tiro o nosso poder de fogo era superior, e quando eles se calavam ouvia-se o disparar do morteiro, que supostamente estaria regulado para a zona que eles ocupavam, ou zona por onde tínhamos feito a aproximação!

Rapidamente atirávamos as granadas incendiárias e íamos como se fossemos atrás deles, flectindo depois em ângulo recto e lá tínhamos sempre uma bolanha para passar!

Eles faziam três, quatro morteiradas, mais tarde soubemos que era-lhes muito difícil o disparar de dentro da floresta e o terreno não tinha consistência para o prato, aparelho de pontaria, etc.

Onde apanhámos com maior eficácia, mas também para aí uma meia dúzia de tiros, foi em Morés!

Os deuses decidiram a nosso favor porque os tiros caíram na bolanha e perderam eficácia! Era uma granada pesada foi muito para o fundo, mas esses estavam bem apontados, ou casualidade.

Os abrigos de Mansoa, se os tinha não me lembro, os de Cutia eram do modelo da fotografia, os de Mansabá mais tipo trincheira clássica, os de Manhau, de Banjara e K3 eram iguais mais pormenor menos pormenor. Farim também não me lembro como eram!

Todos nós, mesmo as chefias dizendo maravilhas de aquilo, tínhamos consciência, que se caísse uma granada na frente, próximo da vigia, que as hipóteses eram nulas e se uma dos 120 caísse em cima que aquilo não aguentava!

O primeiro tiro que deram no primeiro ataque ao K3, de noite, acertaram com uma granada anticarro numa viatura, que com a ajuda da gasolina do depósitos só ficou uns restos do chassi!

Aconteceu que nesses ataques, ainda com os abrigos em construção, a foto é do meu abrigo acabado, puseram dentro do arame dúzias de granadas. Atiravam granadas muito velhas que não rebentaram, mas era contando com os rebentamentos por simpatia. Mas tal como em Cutia, Manhau e Banjara, não acertaram uma, excepto a da viatura.

No K3 não se ouvia a saída dos canos porque havia umas LDM no rio Farim que faziam fogo para as laterais, era mesmo guerra adulta.

Eu daquele abrigo via em frente a chama das Costureiras e servia-me de uma Manelica 8mm, ponta redonda, dos meus caçadores nativos! Fazia tiro instintivo e aquilo causava grandes estragos, passava um morro baga-baga com uma facilidade espantosa. Eu disparava e os caçadores carregavam!

No meu tempo, por falta de apontadores que deveriam ter, por ser difícil disparar do mato, por serem armas de tiro curvo, o aproximarem-se só lhes trazia desvantagens e por aquilo a que chamamos sorte, não acertaram nenhuma, depois, depois não sei!

O nosso grande inimigo foram as minas! Levantámos muitas mas também rebentaram muitas!

No meu tempo ainda não se falava muito em canhões sem recuo!

Mando-te uma foto do referido abrigo numa fase ainda da construção!

Quantas cavadelas, quantas pazadas de terra!

Um abraço,
Ernesto
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P13026: 10º aniversário do nosso blogue (19): "Manga di ronco", minha gente! (Silvério Dias, grã-tabanqueiro nº 651... e "poeta todos os dias")

1. Mensagem de hoje do Silvério Dias [, ex-1º srg art ref, locutor do PFA, Bissau QG/CTIG, com 9 anos de Guiné..., de 1967 a 1976], e que é uma das última das "aquisições" da nossa Tabanca Grande, onde se sentou, à sombra do respetivo poilão, frondoso, protetor, fraterno e mágico, no lugar nº 651 (*):


Para afixar, no "Jornal de Parede" que se apresenta no grande poilão...


"Manga di ronco",  minha gente!
A "Tabanca" está de parabéns.
Dez anos, à data presente,
Juntou milhares como reféns!

Presos, sim, às recordações
Daquela Guiné distante,
Na lonjura e nas emoções
Da nossa idade pujante.

Os bons e maus momentos
Que perduram em memórias...
Hoje, esqueçamos os lamentos,
Lembrando as tais "estórias"...

E tantas temos para recordar...
Da bolanha, da picada, do abrigo,

A nossa vida a salvaguardar,
Pois havia o tal inimigo!...

Cantemos pois ao passado:
Parabéns, "Grande Tabanca"!
O presente anda hipotecado
E, ao futuro, já se desanca!

Muitos abraços 
e um nunca acabar de "partir mantanha"
Silvério Dias, grã tabanqueiro nº 651.
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P13025: 10º aniversário do nosso blogue (18): Sou um privilegiado. Faço parte dos 650 (Rui Silva)



10.º Aniversário do Blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”

- Claro que não podia deixar passar o 10 .º Aniversário do Blogue sem vir à “parada” dizer o que me vai na alma -

Em primeiro lugar, parabéns ao Blogue, nas pessoas:

- Do seu distinto fundador, camaradão Luís Graça, a que é oportuno se louvar o seu grande nível quer cultural quer intelectual, que valorizam extraordinariamente o Blogue e que, em boa e feliz hora, o montou e desenvolveu.

Bem hajas Luís, e o meu continuado obrigado (!)

- Parabéns ao abnegado, prestimoso e estimado co-editor, meu grande amigo Carlos Vinhal.

- Parabéns ao co-editor e grande colaborador também, meu grande amigo Magalhães Ribeiro.

- Parabéns ao Hélder Sousa e à colaboração, também pelos seus desenhos, ao Miguel Pessoa.

- Parabéns a outros colaboradores que, não estando em cena atualmente, muito contribuíram também ao desenvolvimento de tão notável como importante rubrica na internete, afinal o mais atual e sofisticado meio de comunicação na sociedade de hoje.

- Parabéns a todos que colaboram com as suas escritas, as suas histórias, a sua poesia, os seus comentários e até os seus pensamentos.

Afinal, parabéns 649 camaradas!!

P. S. - peço desculpa ao Miguel por utilizar o excelente trabalho gráfico que ele fez.

Rui Silva
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Notas do editor

Rui Silva foi Fur Mil na CCAÇ 816 (BissorãOlossatoMansoa, 1965/67)

Último poste da série de 23 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P13024: 10º aniversário do nosso blogue (17): A Tabanca do Centro associa-se a este dia grande para a Tabanca Grande e para a sua tertúlia

Guiné 63/74 - P13024: 10º aniversário do nosso blogue (17): A Tabanca do Centro associa-se a este dia grande para a Tabanca Grande e para a sua tertúlia


PASSA HOJE O 10º ANIVERSÁRIO DA TABANCA GRANDE



 
O belíssimo postal alusivo ao 10.º aniversário da Tabanca Grande, de autoria do nosso camarada Miguel Pessoal


Quando os nossos “mais velhos” fazem anos, sentimos uma grande alegria e fazemos uma grande festa.

É sempre um momento especial viver os aniversários daqueles que nos deram origem, e isso envolve não só a gratidão, mas também a amizade que forçosamente tem que existir entre aqueles que vivem em família.

E os combatentes, da Guiné ou de outras guerras de África, são uma família, porque viveram e vivem as mesmas situações, porque se preocupam uns com os outros, porque afinal procuram para todos a alegria da vida, tantas vezes magoada por factos passados e presentes.

Tal como na vida em família, os “mais velhos” dão origem, acompanham o crescimento, e quando os “descendentes” se “independentam”, alegram-se com o seu sucesso, e por isso mesmo estes se sentem sempre ligados, agradecidos e concorrem sempre para o bem-estar desses “mais velhos”.

Por tudo isto e por todas as razões, parabéns à Tabanca Grande na pessoa do Luís Graça, seu fundador, do Carlos Vinhal, Eduardo Magalhães Ribeiro, Virgínio Briote, seus fundamentais colaboradores, e de todos os combatentes que dela fazem um pouco a sua casa e para ela concorrem, construindo com as suas histórias e opiniões, a enorme família de combatentes que a Tabanca Grande é, e que, sem dúvida, ajudará, e muito, a que um dia, (afastadas as paixões politicas e outras), se faça a verdadeira história do que foi a guerra que Portugal travou em África.

Um abraço, daqueles dos combatentes quando se reencontram, ou seja, intenso, forte, apertado e alegre à Tabanca Grande pelo seu aniversário.

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Nota do editor

Último poste da série de Guiné 63/74 - P13020: 10º aniversário do nosso blogue (16): Falar ou não falar da guerra, aos filhos... O 25 de abril, o 11 de março, a catarse do blogue, o meu primeiro livro, os primeiros convívios ao fim de 48 anos... (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil, CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66)

Guiné 63/74 - P13023: Convívios (584): 11º Convívio da CCAÇ 2527, próximos dias 11 e 12 de Maio em Buarcos (Miguel Soares)

1. O nosso Camarada Miguel Soares que pertenceu à CCAÇ 2527, Bigene, 1969/71, enviou-nos uma mensagem solicitando a divulgação do próximo convívio da sua companhia.

11º Convívio da CCAÇ 2527
11 e 12 de Maio em Buarcos - Figueira da Foz

Camaradas,

Caro Amigo não o conheço pessoalmente, é de facto impossível conhecermo-nos a todos mas fui um dos combatentes da CCAÇ 2527, que esteve em Bigene, desde 1969 a 1971.

E ao ver o blogue fiquei de facto muito contente. A minha companhia vai fazer o 11º Convívio na Figueira da Foz, nos próximos dias 11 e 12 de Maio, em Buarcos, Figueira da Foz e será organizado pelo Carlos Nunes!

Os nossos convívios são sempre de 2 e 3 dias, nunca de 1 dia só, e de 2 em 2 anos vamos aos Açores, pois os especialistas eram do Continente e os atiradores eram açorianos (que vivem com mais dificuldades).

Contacto: Miguel Soares - 933 827 567.

E-mail: Soares@masterteam.pt

O nosso historial de convívios ao logo dos últimos anos tem sido o seguinte:

O 1º Encontro foi na ilha de S. Miguel, organizado pelo Octávio Rego e Graciano Cavaco (durou 3 dias);

O 2º em Alcobaça, José Pequeno e Rosa Santos (já falecido);

O 3º em Braga, Miguel Soares, Carvalho e Lucena (durou 3 dias);

O 4º na Ilha Terceira, Fernando Mendonça e família;

O 5º em Coimbra, Jorge Silva;

O 6º na Amora/Lisboa, José Pequeno;

O 7º em Portimão, José da Silva Nunes;

O 8º Não me lembro;

O 9º em Gouveia;

O 10º em Castelo Branco,

O Comandante da companhia era o Capitão Leonardo dos santos Freixo.

Um abraço,
Miguel Soares 

Mini-guião: © Carlos Coutinho (2012). Direitos reservados. 
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

16 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12994: Convívios (583): X Encontro do pessoal da CART 1742, dia 31 de Maio de 2014, em Leça da Palmeira e Perafita - Matosinhos (Abel Santos)

Guiné 63/74 - P13022: Em busca de... (241): Fotos e histórias do cinema ao ar livre e do empresário Manuel Joaquim dos Prazeres, que deambulou pelo território entre 1943 e 1972 (Lucinda Aranha, filha e escritora)

Foto n.º 2

Foto n.º 3

Foto n.º 4

Fotos: © Lucinda Aranha (2014). Todos os direitos reservados.

1. Mensagens de 2 e 8 do corrente, de Lucinda Aranha, membro mais recente da nossa Tabanca Grande,  nº 654 (*):

(i) Em tempos, encontrei no vosso site umas crónicas escritas pelo Carlos Geraldes, uma das quais se intitula O Dia de S. Cinema.
Entrei então em contacto com o Diamantino Pereira Monteiro que pôs o meu cunhado José Filipe Soares, que fez o serviço militar na Guiné, em contacto com o Geraldes. O caso é que sou filha do Manuel Joaquim, o personagem dessa crónica que tinha um cinema ambulante com o qual percorreu toda a Guiné entre 1943/70.
Era minha intenção escrever uma biografia do meu pai, projecto que então abandonei porque tinha entre mãos um outro livro que entretanto foi editado pela Colibri. Finalmente, a biografia do meu pai está praticamente acabada, mas não consigo resposta do Carlos Geraldes e também não o encontro como vosso seguidor. Faço-lhe, no entanto, referência no livro assim como ao vosso site. Espero não haver problema.
Também gostaria de poder contar com o vosso apoio, quaisquer informações, divulgação.

Muito obrigada,
Lucinda Aranha Antunes

(2) Caro Carlos Vinhal
Junto envio o texto de apelo que gostaria de ver publicado no blogue.
Em anexo seguem as fotografias de meu pai que podem ajudar à sua identificação. (**)
Atenciosamente
Lucinda


"Caros amigos,
Estou a escrever uma biografia ficcionada sobre Manuel Joaquim dos Prazeres, meu pai, que andou, entre 1943/72, pela Guiné com um cinema ambulante, dedicando-se também à caça grossa e dando apoio aos administradores e chefes de posto quando havia problemas com os geradores. Por isso, agradeço todas as informações que eventualmente tenham sobre ele, assim como fotografias, particularmente alguma relacionada com o cinema ao ar livre. "

Lucinda
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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 15 de abril de 2014 >Guiné 63/74 - P12991: Tabanca Grande (433): Lucinda Aranha, filha de Manuel Joaquim dos Prazeres que viveu em Cabo Verde e na Guiné entre os anos 30 e 1972, e que era empresário de cinema ambulante

(...) um cinema ambulante com o qual correu desde os anos 40 aos anos 70 do século passado a Guiné e, quando a guerra colonial começou, entreteve civis, militares e guerrilheiros, oficialmente terroristas para o Estado português, convivendo com todos eles, admirando por igual Salazar e Amílcar Cabral com quem chegou a privar e de quem a Julinha se orgulhava de dizer que conhecera ainda rapazinho de calções. 

O próprio Zezinho Araújo, ministro de Luís Cabral e um dos assinantes do Acordo de Argel, foi durante os seus tempos de estudante em Lisboa visita assídua, com a irmã Noémia, de nossa casa. Até uma vez por lá apareceu o Agostinho Neto, quem sabe se levado pelo Manelito, angolano embarcadiço casado com a Maninha, afilhada de casamento do Nequinhas e da Juju, que apadrinharam também o casamento da Cecília e do Fidelis, célebre por ter vivido nos EUA, onde quase dera o nó com uma americana. Só a Nené escapou a esta onda de enlaces que es cusa di relaxo não era com ela, como dizia numa misturangada de português e crioulo da Praia, exemplo acabado de aculturação.

Nestas suas andanças lá ia com a sua velha Ford, gerador, projector, ecrã, filmes os mais inócuos possíveis (capa e espada, cowboys, musicais, comédias, dramas), os seus ajudantes nativos, os seus acompanhantes de quatro patas, os amigos cães que alimentava, afagava, acudia na doença, com quem convivia tu cá tu lá, que era médico e veterinário autodidacta. 

Veja bem, insistia o Nequinhas, que esses amigos são compadres, grandes comerciantes, sírios e libaneses, chefes de posto, administradores, governador, até um deputado e que seria do meu cinema – o cinco pesos e leva cadeira – sem o apoio deles? Era a pergunta com que sempre punha fim ao arrazoado da sua Julinha, farta de aturar gente que só dava trabalho. Já agora não se esqueça daqueles régulos que trouxe cá a casa, em 63, aquando da comemoração do dia da raça, acrescentava minuciosa, lembrando os “homens grandes” que arrebanhavam à força o grosso dos espectadores, que pateavam e ululavam quando o Nequinhas censurava os beijos dos actores tapando-os com a mão. (...)

(**) Último poste da série > 8 de abril de 2014 >Guiné 63/74 - P12949: Em busca de... (240): À procura dos Artilheiros de 1969 em Gadamael (Manuel Vaz)

terça-feira, 22 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13021: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (32): Férias da guerra: o "Lourosa", padres, religião, cinema e etc.

1. Em mensagem do dia 14 de Abril de 2014, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos mais esta "boa memória da sua guerra".


Memórias boas da minha guerra 
(não publicado)

31 - Férias da guerra - o “Lourosa”, padres, religião, cinema e etc.

O soldado Guilhermino Dias era conhecido por “Lourosa”, o nome da terra onde nascera. Embora de freguesias diferentes, sendo eu de Fiães, concelho de Sta Maria da Feira, esse facto proporcionava-nos um relacionamento de vizinhos. E, como era do meu pelotão, estávamos mais ou menos ao corrente do que se passava lá na terra. Jogava bem à bola; ele era “quarto de defesa” do Lusitânia de Lourosa. “Adoecia” muitas vezes (tal como outros) mas estava sempre bom para jogar futebol.
Também era bastante religioso. Quem o quisesse ouvir cochichar de noite e em plena operação, era procurá-lo no final do pelotão, junto ao enfermeiro e a um alferes, a rezarem o terço. Este alfero, era também conhecido pelas promessas que fazia ao Senhor Santo Cristo em momentos aflitivos, oferecendo vacas aos pobres lá da sua ilha. Felizmente, como faltou a muitas Ops., safou-se de umas quantas manadas que seriam necessárias para cumprir outras possíveis promessas.

Como eu conhecia a história do “roubo” do padre Damião de Lourosa, brincava com o Guilhermino acerca disso. Estou a referir-me ao conflito de poderes que afastou (chegando a envolver centenas de GNR) o padre que esteve sequestrado durante semanas pela população de Lourosa. Esta história viria a servir de inspiração a Bernardo Santareno para a obra “A Traição do Padre Martinho” (1969). O poder, eclesiástico (Bispo do Porto) e civil (Presidente da Câmara da Feira, que era de Fiães), pretendiam colocar lá um padre de Fiães, contra a vontade e alguma rivalidade da população. As posições extremaram-se de tal forma que o povo deixou de ir à igreja.

Quando vim de férias, da Guiné, ele fez questão que eu fosse visitar a família.
- Está bem. Vou aproveitar para ver a Procissão dos Passos no Dia de Ramos, que calha ao dia 7 de Abril - disse eu, para o provocar.
Ao que ele logo respondeu:
– Ó Silva, sabe que sou muito crente a Deus Nosso Senhor Jesus Cristo, mas não me foda com essas merdas. Não queriam mais nada, não? Padre de Fiães, Presidente da Câmara de Fiães, Bispo do Porto e ainda mais o sacana do Salazar!? Puta que os pariu!

Foto do "Lourosa" comigo, no mesmo local de fronte da casa onde o Padre Damião esteve sequestrado. Também é o mesmo local onde a procissão parava para a primeira intervenção do Padre Pregador.

******
- Olha quem está ali à porta. – disse a minha mãe. – É o mestre Rufino. Está sempre a perguntar por ti.
- Então Zéca, como vai aquela porcaria que tanto tem prejudicado a nossa rapaziada? – perguntou o mestre, enquanto me abraçava emotivamente, evidenciando a sua amizade e alguma curiosidade. – Olha que o Salazar está no fim e logo que “vá co caralho”, isto vai mudar tudo. Vê se te safas mais algum tempo, porque a coisa está para muito breve.
- Não há problema nenhum – respondi alegremente, ao mesmo tempo que observava a minha mãe que nos espreitava, enquanto limpava os olhos.
E continuei:
- Olhe que até estou a gostar daquilo. Não se faz puto; é só patuscadas e não nos falta nada. Além disso, viajar é das coisas mais agradáveis e nós tivemos a sorte de andarmos sempre de um lado para o outro. Nunca passeei tanto na minha vida!
- Agora reparo, trouxe esse carro? – perguntei admirado, enquanto ele confirmava orgulhosamente abanando a cabeça. – Mas, como foi possível?

Ele justificou:
- Desde que me morreu a patroa, coitada, com aquele mal maldito, resolvi dar uma volta à minha vida. Como vias, ela parecia uma força da natureza: cheia de saúde e sempre a trabalhar. De repente, lá se foi. Não houve santo nem remédio que lhe valesse. Como a rapariga está lá para Gaia há já uns anos e o meu filho, que se apaixonou por África, não troca o Congo por Portugal, fiquei sozinho. Não veio quando a mãe morreu, mas esteve cá há pouco tempo e trouxe-me uma prenda. Imagina: comprou lá uma carta de condução para mim! Sou analfabeto mas não sou burro, fui à escola de condução e aprendi rapidamente a conduzir. Como tive sempre uma vida regrada, juntei uns tostõezitos e agora quero viver melhor. Não queres vir dar uma volta?
- Parece que adivinhou, porque tenho de ir a Lourosa visitar a família de um colega do meu grupo e ainda não sabia como. Vamos lá então, e aproveitamos para lembrar os velhos tempos. - respondi-lhe.

O mestre Rufino trabalhava de pedreiro e formava equipa com mais 2 ou três ajudantes. Apesar de analfabeto, não receava pronunciar-se sobre qualquer assunto. Como fiquei órfão de pai, ele acarinhou-me ainda mais. Devo a ele algumas ideias que me acompanharam pela vida fora. Pelo menos aprendi a encarar de forma diferente algumas certezas inabaláveis.
O mestre gostava muito de cinema e quando eu era miúdo, chegava a pagar-me o bilhete para o acompanhar. Fazíamos mais de 4 km a pé até Sta Maria de Lamas, para ver os filmes de cobóiadas, capa e espada e bíblicos. Dizia que compreendia tudo mas queria-me ao seu lado para tirar alguma dúvida. O certo é que ele já percebia muitas expressões em inglês. No final, vínhamos ainda pela tasca da “Viúva-alegre”, para comer uma “laroca” de bacalhau. Que belas essas tardes de cinema!

Um dia, em 1955 ou 1956, o mestre Rufino voltou a convidar-me para ir ao cinema mas, como em Lourosa se fazia uma importante procissão ao Calvário, quando lá passámos, disse-me:
- Hoje é Domingo de Ramos. Vamos ficar por aqui para vermos um espectáculo de categoria. Como não sei ler, dou-lhe mais valor e tenho que o aproveitar. Para mim isto é tudo um teatro.

Terminadas as primeiras cerimónias dentro da igreja, a procissão saiu para a direita em direcção ao Calvário. O andor com o Senhor dos Passos seguia logo atrás dos padres e demais intervenientes nas cerimónias. O tempo nublado, bem como a cor predominante roxa dos paramentos religiosos, ajudavam muito a salientar um aspecto geral escuro, pesado e triste, condizente com as celebrações em causa.
No cruzamento da estrada de Lamas, coincidindo com a esquina do cemitério e o início da subida para o calvário, havia uma pequena capela, a habitual moradia do Senhor dos Passos. Logo ali na sua frente foi colocado um pequeno estrado com um púlpito para a primeira grande intervenção do pregador, fora da igreja.
Ali se juntava a multidão que o escutava atentamente. Intervinha também uma freira capuchinha, que imitava a Sta. Verónica com gritos pungentes, jurando o seu amor a Jesus e pedindo em troca o seu sofrimento. A dada altura, coincidindo com a aproximação dos andores da virgem Maria e de Maria Madalena, vindos da viela ao lado do Café Central, o discurso do pregador ia subindo de tom, num evidente e estruturado apelo emocional:
- Reparai naquela mãe que vê o seu único e querido filho, apesar de inocente, chicoteado, rasgado de feridas e todo ensanguentado.

Ali mesmo à nossa frente, e logo atrás do andor de Jesus, lá estava o conhecido Zé Manel Simplório de Paços de Brandão. Com cerca de 2 metros de altura, rodava a cabeça em todas as direcções e já se mostrava preocupado com a tristeza geral crescente.
E o pregador continuava no seu papel, insistindo na sua expressão emocional:
- Reparai nos olhos de Jesus e imaginai o seu coração e a sua dor ao ver sua mãe, junto de Maria Madalena, em pranto, desesperada por não poder tocar-lhe nem sequer limpar-lhe as feridas do corpo.

O Zé Manel Simplório já não aguentava mais e no seu jeito truculento de falar de rajada, reagiu em voz alta: 
- Qssa foda!,… Que não seja burro!… Já o ano passado lhe foderam o corpo,… para que é que voltou!? É mesmo morcom!

Foto retirada do livro "Cerco ao Cortiçal", com a devida vénia ao seu autor

"Cerco ao Cortiçal", por Rosa Silva, publicado em Março 2013, relata toda a história do sequestro ao Padre Damião.

++++

Lá fomos então, vagarosamente, por ruas becos e vielas até ao lugar de Boco, junto à Encosta Dalém, onde vivia a Dona Preciosa, a mãe do Guilhermino Dias, o “Lourosa”.
Recebeu-nos muito bem e fez questão que tomássemos alguma coisa. Era gente humilde e habituada a trabalhar nas empresas corticeiras, desde os 10 anos.

Com o marido adoentado, os filhos por criar e os baixos salários neste sector, a Dona Preciosa não demorou muito a pedir:
- Ó Senhor Silva veja se me protege o meu Guilhermino, que precisamos muito dele. Ai o meu rico menino que tanta falta nos faz!
- Ó minha Senhora, se dependesse de mim, vinha já embora, aliás, nem ele nem ninguém teria ido para lá. Mas vai ver que tudo vai correr bem - respondi-lhe.
- A Senhora de Fátima o oiça! Esperamos que com a sua graça, lá iremos a pé, todos anos, para dar as 12 voltas à Basílica, de joelhos.

"Lourosa" a ponta de lança

E como não interessava nada falar da Guiné, fomos desviando a conversa e aproveitamos para perguntar se havia procissão, já que estávamos no Domingo de Ramos.
Ela foi peremptória:
- Já lá vão uns 3 ou 4 anos que não.
E sentenciosamente vincou:
- Como nos roubaram o padre Damião, em Lourosa acabou a religião!

Quando regressávamos, o mestre Rufino, ao passar pelo cruzamento da igreja, parou e disse:
- Lembras-te do Zé Manel Simplório?
Respondi:
- Então não havia de me lembrar daquela vez que estávamos ali a assistir quando ele…
- Não digas mais, interrompeu o mestre. - Há poucos dias, no cinema de Lamas ele estava atrás de mim na plateia e quando o bandido estava a dar uma tareia na gaja do artista, a dada altura o Zé Manel Simplório levantou-se e de punho virado para o ecrã, gritou:
- Se lhe tocas outra vez, eu fodo-te!

(Silva da Cart 1689)
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de setembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12031: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (31): "Deixem-nos trabalhar"

Guiné 63/74 - P13020: 10º aniversário do nosso blogue (16): Falar ou não falar da guerra, aos filhos... O 25 de abril, o 11 de março, a catarse do blogue, o meu primeiro livro, os primeiros convívios ao fim de 48 anos... (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil, CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba, [ ex-Fur Mil, CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66; autor de "Guerra da Guiné: A batalha de Cufar Nalu" (Terras de Faria Lda: Faria, Barcelos, 2012, 341 pp.)]:


Data: 21 de Abril de 2014 às 01:09

Assunto: Falar ou não falar da guerra, aos filhos



Olá, meu caro Carlos Vinhal. Ao mote do 10º aniversário do blogue, tento corresponder com esta achega, cuja primeira emissão parece ter saído defeituosa.


Mil anos de vida para a Tabanca Grande!

Um grande abraço, extensivo a toda a malta.
MLLomba


2. Falar ou falar, da guerra, aos filhos...
Aos 24 anos acabaram-se-me dois empregos - o da vida militar e o da vida civil (as obras da Ponte da Arrábida estavam concluídas). Fiz-me à vida, carregadinho de maleitas, em esforço de mandar as muitas e variadas memórias da guerra da Guiné para o fundo do baú da memória e desenvolvi o tabu de não falar dela, como de coisa íntima se tratasse.

Ainda não eram 8H00 e encontrei-me com o "25 de Abril", junto do QG do Porto; as maravilhas feitas pelos ex-camaradas seus protagonistas encheram-me de orgulho, pela nobreza da sua missão e a categoria revelada pelo seu trabalho militar.

Veio o "11 de Março" e as suas derivas contra-revolucionárias compulsaram-me para outra guerra, desta feita sem orgânicas nem armas, quando Vasco Gonçalves, Rosário Dias, Álvaro Cunhal, Otelo e outros enviesaram pelos caminhos da utopia, pela desestabilização da sociedade portuguesa e a vilipendiar o nosso pluricentenário país. Se as nacionalizações nada me diziam, "as intervenções estatais" vieram bulir-me com a cidadania. Os sindicalistas arvoraram-se em agitadores, furiosamente votados a escaqueirar a harmonia sócio-laboral, para resultar na nomeação de comissões administrativas, enformadas por licenciados indicados pelo ministério do Trabalho, ancorados no PCP ou no MDP/CDE e por oficiais milicianos subalternos, arvorados em MFA, em geral barbudos e cabeludos -, reconhecidamente oportunistas, medíocres e calaceiros, salvo honrosas excepções. Os "trabalhadores" passaram a muitos, mas os que trabalhavam eram cada vez menos.

O primeiro lote dessas"intervenções" respeitava à Facar, Real Companhia Velha, Têxtil Manuel Gonçalves, Salvador Caetano e Soares da Costa - a sede do meu posto de trabalho. A tampa do conhecimento das técnicas da subversão, adquirido na guerra da Guiné saltou e então regressaram as noites sem dormir, as vigílias, a observação perseverante, análise e manobras consentâneas, mas sem laivos de violência. A Facar, Têxtil Manuel Gonçalves e a Real Companhia Velha foram intervencionadas; mas os mais de 3 000 trabalhadores da da Soares da Costa organizaram-se, fizeram abortar a intervenção, foram dar uma ajuda à Salvador Caetano e ainda uma ajudazita ao restabelecimento da normalidade na Têxtil Manuel Gonçalves. Exemplo da intervenção social e da resistência cívica ao desvario, dos trabalhadores que trabalhavam.

Soldado uma vez, soldado para sempre; mas fora actor em duas guerras e conservava o silêncio como o melhor meio para as esquecer.

Iniciava-me no manejo das novas tecnologias e surgiu-me o blogue, por acaso. A curiosidade mata o gato e a sucessão e grandeza dos seus testemunhos, sem complexos nem preconceitos, não fez saltar a rolha - destampou-me as memórias e motivou-me até chegar a autor de um livro acerca da guerra da Guiné e minhas vivências.

Por essa circunstância, os filhos começaram a puxar conversa, num misto curiosidade e de incredulidade, pela recusa de imaginar o pai metido na selva tropical, a sofrer e a montar ataques e emboscadas, com mortos e feridos, numa realidade de tiros, granadas, bombas e minas, envolvido nas acções da aviação e navios de guerra. "O cota está agora numa de imaginação" - pensariam (julgo eu).

Passados 48 anos do regresso da Guiné, decidi-me pela primeira vez a participar no encontro de confraternização do BCav 705 (a seguir fui pela primeira vez ao encontro da Tabanca Grande, em Monte Real), levei o meu filho mais novo, pela primeira vez me reencontrei com o meu comandante, o então Capitão de Cavalaria Fernando Lacerda, e complementei as apresentações, a dizer:
- Olha, pá, nas muitas situações de combate, nunca vi o meu comandante a atirar-se para o chão...
- Seria indigno da minha pessoa sujar a farda - respondeu o meu ex-capitão, a exibir orgulho nobre.

No regresso, o meu filho disse-me que até ali pensava que essa coisa de homens destemidos, a enfrentar tiros e explosões, era próprio dos filmes, dos Rambos. Protestou a sua admiração pela pessoa do meu antigo capitão e adotára-nos como os seus heróis.

E passou a interessar-se pelo tema da Guerra do Ultramar.

E já agora e a propósito: o 25 de Abril, sempre! O anti-25 de Abril, como o 11 de Março ao 25 de Novembro, jamais!

Manuel Luís Lomba
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Guiné 63/745 - P13019: Os nossos médicos (77): Capitão médico QP António Vieira Alves, estomatologista e subdiretor do HM 241, Bissau, 1967/69 (Paulo Alves / J. Pardete Ferreira)



Guiné > Bissau > s/d > O antigo Pavilhão de Tisiologia, desenhado pelos arquitectos Lucínio Cruz e Mário Oliveira, do Gabinete de Urbanização do Ultramar, Projeto de 1951/53. Passará a Hospital Militar, o HM 241, com o início da guerra, em 1963.

Foto: © Mário Beja Santos (2013). Todos os direitos reservados.

1. Mensagem do nosso leitor Paulo Alves: 

Data: 9 de Abril de 2014 às 09:13

Assunto: Capitão médico miliciano António vieira alves

Bom dia, sou o filho do Dr Antnio [Alves Vieira] e gostava de saber se teriam fotografias do hospital de Bissau desta altura (1967/69) [, o HM 241]. Houve uma cirurgia na altura em que foi removida a granada de morteiro do corpo de uma mulher. granada essa que foi destruída depois no campo de futebol (?). Veio no Diario de Noticias e na Revista do Exercito. 

O meu pai era estomatologista e, acho, subdirector do Hospital.

Podem ajudar-me?

Paulo Alves

2. Mensagem do J. Pardete Ferreira [ex-Alf Mil Médico, Teixeira Pinto e Bissau, HM 241, 1969/71], com data de ontem, em resposta a um pedido dos editores para comentar:

Já mandei notícias ao filho, mas vou repetir, ou melhor "tripetir", pois, um erro de manipulação apagou o meu escrito anterior. 

Embora o Alves Vieira fosse mais velho do que eu, conheci-o ainda no Hospital de Santa Maria. Na Guiné, ele era Capitão Médico do QP, Estomatologista. e, durante uns tempos, Sub-Director do HM 241. 

Fazia um duo com o Malícia, antigo futebolista da Académica, e partilhavam um pequeno Toyota Coupé Sport, vermelho e preto, que acabpu por trazer para a metrópole, tendo-me várias vezes cruzado com ele na Autoestrada do Sul, pois ele ia fazer umas consultas ao Barreiro. 

Andava quase sempre de calções e, embora "um gajo porreiro", não se ensaiava nada de resolver as coisas "à bruta", quando lhe faltavam ao respeito. Fomos amigos e cheguei a almoçar várias vezes com ele no Restaurante "O Chagão", na Rua Pinheiro Chagas, que era quase o seu "QG", pois tinha o comsultório ali perto. 

Consegui que ele viesse uma ou duas vezes aos almoços do 1º domingo de Junho dos "Canetas e Seringas" do HM 241 (que este ano terá lugar em Cascais). 

Tenho uma fotografia de grupo onde ele está presente mas tenho as minhas fotos em parte incerta, pois, ao fazer arrumações, não descubro onde as meti... Hão-de aparecer...

Alfa Bravo.
José Pardete Ferreira
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