Aerograma enviado pelo Manuel Joaquim à sua namorada: "Bissorã, 25 dez65" e onde fala sua festa de natal, oferecida à tropa, pelo decano dos comerciante libaneses de Bissorã...
1. Excerto de um poste do Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau,Bissorã e Mansabá, 1965/67)(*)
Na noite de Natal de 65, o decano dos comerciantes libaneses, sr. Michel (**), acho que era este o seu nome, preparou uma recepção na sua casa, para a qual convidou os comandantes das companhias alocadas em Bissorã, CART 643 e CCAÇ 1419, seus oficiais e 1.ºs sargentos e sendo o restante pessoal militar representado por um furriel e por um praça de cada uma das companhias. Posso estar enganado, mas é a ideia que tenho.
Da CCAÇ 1419 fui eu o furriel escolhido. Não sei se “de motu proprio” ou cumprindo decisão superior, o 1º sargewnto da companhia fez-me o convite que eu aceitei, algo contrariado, após alguma insistência.
Para a ocasião vesti o meu fato “de ir à missa” comprado na então famosa casa de moda da baixa lisboeta, a Casa Africana, uns dias antes de embarcar. “Ótimo para usar em África”, disse-me o vendedor em resposta à minha inicial informação de que estava prestes a embarcar para a Guiné e precisava de um fato para levar.
[Imagem à direita: Cartaz publicitário da eitinta Casa Africana, uma loja emblemática da Rua Augusta, em Lisboa]
E lá fui de fatinho azul-ténue, muito leve, com risquinhas verticais pretas e muito finas. A confraternização correu bem. Houve “comes e bebes” e muita conversa, geral e particular, entre os convidados e o dono da casa.
Recordo bem a qualidade do uísque, uma maravilha, do resto tenho noção vaga duma conversa do anfitrião discorrendo sobre as suas relações com personagens conhecidas na política e na sociedade empresarial, tanto na Guiné como em Portugal (no Continente, como então se dizia).
Não sei que idade teria o sr. Michel mas para mim era um homem já idoso, um senhor culto, bem viajado, bom conversador e de óptimo trato. Penso que teria sido, antes da guerra, um grande comerciante. Em 1965 a sua actividade comercial já estava muito reduzida.
Havia música mas não havia “garotas”! A animação não foi muita mas deve ter havido alguma já que o evento durou umas boas horas. O certo é que não me lembro dela. Talvez por causa do meu estado de espírito naquela altura como se pode adivinhar pela breve referência que fiz ao assunto num aerograma enviado à namorada:
(…) “Há por aqui umas famílias de emigrantes libaneses que nos proporcionaram umas festazinhas agradáveis na quadra que passou há pouco. Mas o sofrimento cá anda roendo a alma. E para muitos de nós a bebedeira foi a fuga. O whisky aqui é barato. Assim a bebedeira fica barata também.” (…)
Uma nota final: Interessante o lembrar-me ainda hoje da qualidade do uísque do sr. Michel e não me lembrar de muitas outras coisas mais importantes. Pensando bem, compreendo. Pois para quem andava afogando mágoas, eu por exemplo, curtindo alegrias e lavando o estômago com VAT69, J. Walker red label e outros deste género, encontrar e saborear o uísque do velho libanês foi um momento inolvidável. Aquilo não era uísque, aquilo é que era whisky!
Manuel Joaquim
Ferreira do Alentejo > Figueira de Cavaleiros > 25 de Setembro de 2010 > Jantar em casa do Jacinto Cristina > Até à última gota de... uísque. Buchanan's, from Scotland, for the Portuguese Armed Forces... with love... Esta foi comprada em Bissau, em Junho de 1974, e aberta no nosso primeiro encontro, na festa de anos da filha do Jacinto, em Março passado. Na Guiné, aprendemos a distinguir o bom "scotch whisky" do "uísque marado de Sacavém" que se bebia nas noites de Lisboa e arredores, nos anos 60/70,nos primeiros bares de alterne que apareceram...
Foto: © Luís Graça (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
Da CCAÇ 1419 fui eu o furriel escolhido. Não sei se “de motu proprio” ou cumprindo decisão superior, o 1º sargewnto da companhia fez-me o convite que eu aceitei, algo contrariado, após alguma insistência.
Para a ocasião vesti o meu fato “de ir à missa” comprado na então famosa casa de moda da baixa lisboeta, a Casa Africana, uns dias antes de embarcar. “Ótimo para usar em África”, disse-me o vendedor em resposta à minha inicial informação de que estava prestes a embarcar para a Guiné e precisava de um fato para levar.
[Imagem à direita: Cartaz publicitário da eitinta Casa Africana, uma loja emblemática da Rua Augusta, em Lisboa]
E lá fui de fatinho azul-ténue, muito leve, com risquinhas verticais pretas e muito finas. A confraternização correu bem. Houve “comes e bebes” e muita conversa, geral e particular, entre os convidados e o dono da casa.
Recordo bem a qualidade do uísque, uma maravilha, do resto tenho noção vaga duma conversa do anfitrião discorrendo sobre as suas relações com personagens conhecidas na política e na sociedade empresarial, tanto na Guiné como em Portugal (no Continente, como então se dizia).
Não sei que idade teria o sr. Michel mas para mim era um homem já idoso, um senhor culto, bem viajado, bom conversador e de óptimo trato. Penso que teria sido, antes da guerra, um grande comerciante. Em 1965 a sua actividade comercial já estava muito reduzida.
Havia música mas não havia “garotas”! A animação não foi muita mas deve ter havido alguma já que o evento durou umas boas horas. O certo é que não me lembro dela. Talvez por causa do meu estado de espírito naquela altura como se pode adivinhar pela breve referência que fiz ao assunto num aerograma enviado à namorada:
(…) “Há por aqui umas famílias de emigrantes libaneses que nos proporcionaram umas festazinhas agradáveis na quadra que passou há pouco. Mas o sofrimento cá anda roendo a alma. E para muitos de nós a bebedeira foi a fuga. O whisky aqui é barato. Assim a bebedeira fica barata também.” (…)
Uma nota final: Interessante o lembrar-me ainda hoje da qualidade do uísque do sr. Michel e não me lembrar de muitas outras coisas mais importantes. Pensando bem, compreendo. Pois para quem andava afogando mágoas, eu por exemplo, curtindo alegrias e lavando o estômago com VAT69, J. Walker red label e outros deste género, encontrar e saborear o uísque do velho libanês foi um momento inolvidável. Aquilo não era uísque, aquilo é que era whisky!
Manuel Joaquim
Ferreira do Alentejo > Figueira de Cavaleiros > 25 de Setembro de 2010 > Jantar em casa do Jacinto Cristina > Até à última gota de... uísque. Buchanan's, from Scotland, for the Portuguese Armed Forces... with love... Esta foi comprada em Bissau, em Junho de 1974, e aberta no nosso primeiro encontro, na festa de anos da filha do Jacinto, em Março passado. Na Guiné, aprendemos a distinguir o bom "scotch whisky" do "uísque marado de Sacavém" que se bebia nas noites de Lisboa e arredores, nos anos 60/70,nos primeiros bares de alterne que apareceram...
Foto: © Luís Graça (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 21 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10839: Conto de Natal (9): O meu Natal de 1965 em Bissorã (Manuel Joaquim)
(*) Vd. poste de 21 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10839: Conto de Natal (9): O meu Natal de 1965 em Bissorã (Manuel Joaquim)
(**) Vd. poste de 15 de julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13400: Dossiê Os Libaneses, de ontem (e de hoje), na Guiné-Bissau (1): Quem eram, onde viviam e trabalhavam, quando chegaram, etc. Propostas de TPC estival: factos, gentes, histórias, fotos...