domingo, 14 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14027: Manuscrito(s) (Luís Graça) (41): Maresias, Lisboa, Tejo, memórias, amnésias... Parte II: O Terreiro do Paço e a(s) cenografia(s) do poder


Lisboa >  Praça do Comércio > 8 de dezembro de 2014 >  "Exposição fotográfica 150 anos DN" (nas ruas de Lisboa,  de 4 de dezembro de 2014 a 31 de janeiro de 2015; foto do arquivo  do Diário Notícias; apoio da Câmara Municipal de Lisboa e patrocínio da Vodafone e da Essilor) >  Legenda: 

"No Terreiro do Paço, com a bandeira nazi desfraldada,  a banda do couraçado Deutchland tocou  para os lisboetas,  no domingo, 30 de janeiro de 1938.  No Tejo a esquadra alemã tinha ainda dois submarinos U-Boot".


Lisboa >  Praça do Comércio > 8 de dezembro de 2014 > "Exposição fotográfica 150 anos DN" (nas ruas de Lisboa, de 4 de dezembro de 2014 a 31 de janeiro de 2015; foto do arquivo  do Diário Notícias; apoio da Câmara Municipal de Lisboa e patrocínio da Vodafone e da Essilor) >  Legenda: 

 "Quatro dias depois da banda do couraçado alemão, a do couraçado britânico Nelson deu um concerto também no Terreiro do Paço. Em fevereiro de 1938 a esquadra inglesa tinha entrado no Tejo com vários cruzadores, contratorpedeiros e submarinos".




Lisboa >  Praça do Comércio > 8 de dezembro de 2014 > Exposição fotográfica 150 anos DN" (nas ruas de Lisboa de 4 de dezembro de 2014 a 31de janeiro de 2015)  > foto do arquivo  do Diário Notícias > apoio da Câmara Municipal de Lisboa e patrocínio da Vodafone e da Essilor > Legenda: 

"Desembarque no Cais das Colunas, coche real, colgaduras pendentes das varandas pombalinas, e o povo vitoriando uma jovem rainha Isabel II. Era inverno, 18 de fevereiro de 1957, mas o sol lisboeta brilhou".



Lisboa > Museu de Lisboa > Torreão Poente da Praça do Comércio > Exposição "Maresias: "Maresias: Lisboa e o Tejo, 1850-2014" (de 14 julho a 19 dezembro de 2014) (*) > Núcleo Terreiro  do Paço > "Visita do Presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek de Oliveira, no  âmbito das cerimónias do V Centenário da Morte do Infante Dom Henrique, 6 a 10 de agosto de 1960" >  Foto de Amadeu Ferrari. Arquivo Municipal de Lisnoa.

[Foto: Luís Graça (2014). Imagem reproduzida com a devida vénia, e para fins meramente informativos]



1. Do portal do Museu da Cidade, sinopse da exposição "Maresias: Lisboa e o Tejo, 1850-2014", com a devida vénia:

A partir de meados do século XIX, a margem do Tejo vive uma fase de mudança que altera, em pouco mais de meio século, o seu perfil tradicional. Determinado pelas novidades tecnológicas, esse processo subverte as relações comerciais, o tráfego de gentes e mercadorias, e impõe a adaptação da frente ribeirinha da cidade. O caminho-de-ferro chega em 1856 [, com a inauguração do troço Lisboa-Carregado,] , e rápido se espraia pela margem, ao mesmo tempo que vias batidas substituem as praias fluviais, caso do Aterro da Boavista, ligando Santos ao Cais do Sodré, construído entre 1858/1867.

O despacho mais intenso de gentes e mercadorias torna obsoleto o transbordo, obrigando à construção de estruturas portuárias – cais, docas, filas de armazéns, gruas e guindastes. Esta azáfama recente cruza-se ainda com o trânsito de frescos pelo rio, sustentáculo do dia a dia da cidade, trazidos por embarcações tradicionais. Uma variada tipologia de modelos náuticos carrega um colorido barulhento, acentuando a dicotomia entre a tecnologia moderna, essencialmente metálica e movida a vapor, e o sabor antigo das madeiras, dos mastros e das velas.

Esta dinâmica imparável das alterações portuárias cria uma barreira entre a cidade e o rio. Lisboa vira costas ao Tejo, crescendo para o interior. No entanto, a partir de meados do século XX, inicia-se um processo lento de reaproximação, sendo dado o primeiro sinal através da Exposição do Mundo Português, em 1940. A Exposição Mundial de 1998 veio tornar irreversível essa reinvenção da margem, cujo avanço se vai aos poucos consolidando com novos projetos.

Através desta exposição, o Museu da Cidade propõe uma viagem atenta entre Xabregas e Santos, para se apreender o essencial do frenesim da mudança de vivências e paradigmas desde 1850 até à atualidade. Uma síntese sucinta realizada através da reunião de variado material que permita acompanhar essa evolução de forma apelativa e sensorial, ajudando a entender como se foi articulando a frente de rio às imposições e aos anseios de cada tempo.

José Sarmento de Matos [, comissário científico]





Lisboa, vista em perspectiva. Gravura em cobre, meados do Séc. XVI (Pormenor) (in G. Braun - Civitates Orbis Terrarum.., vol. V, 1593) (Fonte: Museu da Cidade).

Em meados do séc. XVI, a cidade de Lisboa não sofrera grandes alterações desde o reinado de D. Manuel que muda o paço, em 1511, do Castelo de São Jorge para a frente ribeirinha. Destaque, neste desenho, para o centro, com a representação do Terreiro do Paço e, mais a norte, a Praça do Rossio, com os edifícios do Paço dos Estaus, ao fundo, e do Hospital Real de Todos os Santos, do lado direito. O hospital ocupava grande parte do que é hoje a Praça da Figueira, e pode ser considerado o primeiro hospital mundial da era da globalização, inaugurada pelos portugueses, com a descoberta do caminho marítimo para a Índia. (LG)




Lisboa > Praça do Comércio > 30 de Maio de 2010 > Esquina do Terreiro do Paço com a Rua do Arsenal > Aqui morreram, assassinados, em 1 de Fevereiro de 1908, o Rei D. Carlos e o seu herdeiro... Em 5 de Outubro de 1910, era proclamada a República, a escassas dezenas de metros, da varanda dos Paços do Concelho, na Praça do Município. (LG)


Foto: © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados.





Lisboa > 6 de outubro de 2013 > Praça do Comércio, estátua equestre de D. José, com  o  Cais das Colunas e o  estuário do Rio Tejo, ao fundo... Vista panorâmica a partir do topo do Arco da Rua Augusta.(LG)


Fotos: © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados.

2. Um dos seis núcleos da exposição, "Maresias: Lisboa e o Tejo, 1850-2014", é o Terreiro do Paço, como o povo lisboeta continua a chamar à Praça do Comércio, o "hall" de entrada por excelência na capital quando o principal meio de transporte ainda era por mar e rio. Desde a Rainha Isabel II  (em 1957) ao Gungunhana, o imperador de Gaza, Moçambique  (1896), passando por Kubitschek (1960). Também foi aqui que em 1939 desembarcou o gen Oscar Carmona no regresso da sua visita oficial ao ultramar português.

Com 36 mil metros quadrados (o equivalente a 7 campos de futebol), é uma das maiores e mais belas praças da Europa. Foi local de residência dos reis e de suas cortes, desde 1511 até ao terramoto de 1755. E no plano pombalino de reconstrução da baixa lisboeta (1758), desempenhou um papel central com uma nova cenografia do poder. 

A estátua equestre de D. José I, inaugurada vinte anos depois do terramoto, merece agor ser vista de cima para baixo, a partir do topo  do arco  da Rua Augusta (cujo acabamento, curiosamente, se arrastou por dezenas e dezenas de anos de 1815 até 1873).

O Praça do Comércio e os edifícios pombalinos que a emolduram, assistiram à ascensão e queda de cinco regimes políticos (monarquia absolutista, monarquia constitucional, I Repúlica, Estado Novo, 25 de abril...). Com espaço onde cabem 180/200 mil pessoas de pé, foi palco de inúmeros acontecimentos políticos e socias, do regicído em 1908 a sua ocupação, em 25 de abril de 1974, por uma coluna de carros de combate, vinda de Santarém e  comandada pelo cap cav Salgueiro Maia (1944-1992),  que pôs cerco aos ministérios no Terreiro do Paço e forçou depois, à tarde, a rendição de Marcelo Caetano no Quartel do Carmo.

Nas suas raras aparições em público, Salazar gostavam de assomar à janela de um dos edificios ministeriais da ala sul do Terreiro do Paço (, ali+as, foi a+í que teve o gabinete enquanto ministro das finanças), tendo em baixo a sua multidão de apoiantes. Era também o espaço, físico e simbólico, preferido pelo Estado Novo para as cerimónias do 10 de junho e da condecoração dos heróis da guerra do ultramar, em muitos casos a título póstumo...(Curiosamente, são algumas "brancas" da exposição documentak e fotográfica "Maresias"...

Trabalhei aqui, na baixa lisboeta (na Rua da Conceição nº 100 e depois no Terreiro do Paço...), na 2ª metade da década dfe 1970 e primeira metade da décad de 1980, no Ministério das Finanças. Há tempos foi ao baú repescar escritos desse tempo. Aqui fica um deles, para os eventuais leitores deste(s) manuscrito(s)...  E, mais uma vez deixo o convite para visitarem as "Maresias"... Até 19 deste mês... No Torreão Poente do Terreiro do Paço... LG


3. Português, bip, bip 


Português,
sem título nobiliárquico,
suprimido, reprimido,
duplamente comprimido,
muito pouco enfático,
retornado e agora prec[arizado],
periférico e dependente,
pobrete mas alegrete,
vagueando pelas ruas,
da capital,
soletrando as letras das tabuletas,
e indo pondo os pontos nos ii,
de regresso a casa,
de mãos nuas,
sem os três ddd dos dedos da mão,
sem o ouro e os rubis 
do senhor dom joão,
o quinto.

Nem sequer o delírio palúdico do fernão mendes pinto,
que abril já é novembro,
sem os cravos,
sem os escravos,
com o FMI à perna.

Advinha fácil, e até terna,
para um marinheiro sem bote nem mar,
encalhado na rua da conceição nº 100,
ali ao terreiro do paço.
E porquê terreiro do paço e não do povo ?
Praça do comércio, diz a tabuleta,
que o poder afinal não caiu na rua,
não é minha nem é tua,
é de quem a apanhar…

Gostem, ou não, os novos senhorios,
do travo a sal que trazes das bolanhas,
do fétido cheiro da ressaca,
da podridão da madeira dos navios,
do azedo azebre dos canhões,
do bolor dos xicorações,
do gosto a sangue das batalhas,
da patine dos brasões de goa
e do negrume da fortaleza de são josé da amura, em bissau,
que a grande aventura dos teus avoengos,
te deixou na boca.


Tuga, chamavam-te os negros da guiné.
como quem chama filho da mãe,
hoje demandas outras paragens,
vais por terra porque já não tens porto,
nem cais de partida,
nem naus nem caravelas,
vais para o raio que te parta,
vais para a puta que te pariu,
grita o arruaceiro de um manifestante 
que ganhou há o dias o direito,
como qualquer doente,
de se queixar que lhe doi o dente


Seis milhas marítimas são um lago
para as tuas crianças brincarem
e já não há rei nem roque
para poderes clamar aqui d’el-rei,
para não perderes o norte,
para apelares à humana justiça
ou tão só para poderes morrer,
sem tença nem avença,
com cama, comida e roupa lavada,
mais o direito à extrema-unção
no real esprital de todos os santos.

Estás só, estás órfão,
mesmo que a europa, dizem, esteja contigo,
está contigo mas é o caraças,
a europa é um mapas que traças
a régua e esquadra.
Estás apático,
perdeste o gosto pelas histórias,
mesmo as trágico-marítimas do teu fado,
salpicado de sangue, suor e lágrimas.
Ah!, e os teus ditos de escárnio & maldizer ?
Onde estão,
oos teus quatro humores ?



Português, enfim,
de teu nome,
filho de gente cuja origem se perde
na noite dos tempos
ou nas manhãs de nevoeiro,
com judeus sefarditas, bérberes e pretos
e outros amores,
pelo meio,
a dar cabo da árvore genealógica,
a estripar a estirpe,
a sangrar a pureza do sangue.

Português bip bip
de bipolar
de bifurcação
de bis
de bisar
de bisca 
de lerpar
de bilhete

bissexto
bambadinca
bazuca
bip bip de banco
debalde,
de bic
banco intercontinental português
plural pluricontinental plurracial
que a rua é da conceição
nº100
e tem por debaixo as termas romanas, 
enquanto tu em cima trabalhas 
para a confiscação fiscal.
Lisboa, diz o porteiro do Texas bar,
é porto seguro,
quando lhe mostras o crachá da autoridade tributária.

Mas onde é que acaba, afinal,
a confusão imaginária 
do teu passado muito pouco imperial
e começa a prometida limpidez do futuro?

Lisboa, baixa pombalina, fevereiro 1977 

Guiné 63/74 - P14026: In Memoriam (210): Rolando Basto (1923-2014), pai do nosso camarada e amigo Álvaro Basto (José Teixeira)

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira com data de hoje, 14 de Dezembro de 2014:


SENHOR ROLANDO BASTO


Partiu para o descanso eterno nesta fria madrugada o pai do Álvaro Basto 

O Sr. Rolando, querido companheiro das Quartas Feiras na Tabanca de Matosinhos deixou-nos, mas o seu espírito alegre e contagiante que o avançar da idade nunca lhe conseguiu roubar, fica connosco. 
O seu sorriso e a sua camaradagem de “mais velho” sempre novo, na alegria de comunicar com todos nós. 
Partilhava a sua alegria e esperança de viver. 
Como irmão mais velho, era querido e respeitado. 
As suas “graças” e brincadeiras transformavam-no na “estrela” que brilhava e cativava. Era um sinal de esperança.
Sentimos que a sua Primavera ia-se acabando aos poucos e sentimos a sua falta em cada Quarta Feira que não aparecia. 
Sabemos que lhe custou o afastamento por falta de forças. 
Agora partiu para sempre. Paz à sua alma. 

A partir da tarde de hoje encontra-se em Câmara ardente no Tanatório de Matosinhos. 
A despedida será amanhã - Segunda Feira pelas 15 horas.

José Teixeira



O senhor Rolando Basto (em primeiro plano, à direita) na Tabanca de Matosinhos


2. Comentário do editor:

Quem aluguma vez participou num dos almoços das quartas-feiras da Tabanca de Matosinhos, reparou num jovem, um tanto ou quanto mais velho do que os habituais sexagenários ex-combatentes da Guiné, em redor das mesas sentados, que se sobressaía pela sua juuventude interior e capacidade de comunicar com aqueles que poderiam ser seus filhos.
Não havia ninguém, dos habituais ou não, que não gostasse de trocar, não breves mas longas conversas com ele.
O senhor Rolando vai ficar na história da Tabanca de Matosinhos porque merece, pelos amigos que deixou, que se sentiam como seus filhos ou irmãos mais novos.

Especialmente ao nosso amigo Álvaro Basto, sua esposa e demias familiares, aqui fica um abraço solidário e os sentidos pêsames da tertúlia. Perdemos todos um amigo e um camarada.

Carlos Vinhal



O senhor Rolando Basto,  acompanhado de seu filho Álvaro num dos Natais da Tabanca de Matosinhos. (O Álvaro Basto, régulo da Tabanca de Matosinhos, foi fur mil enf da CART 3492 / BART 3873. Xitole, 1971/74).

3. Eis aqui alguns postes do nosso blogue em que se assinala a presença do nosso amigo Rolando Basto nos nossos convívos (LG):

P4701: Parabéns a você (14): Dia 17 de Julho de 2009
17 Jul 2009

Os nossos parabéns são também extensivos ao senhor Rolando Basto, tão jovem quanto o seu filho. O senhor Rolando acompanhado de seu filho Álvaro num dos Natais da Tabanca de Matosinhos Vamos recordar o que ...
27 Set 2009

Os nossos encontros são verdadeiros banhos de rejuvenescimento de tal modo a juventude é lembrada e relembrada. Álvaro Basto. Zé Teixeira. Armando Ribeiro. João Rocha. Pimentel. BarrosoÁlvaro Basto. Rolando Basto.
11 Mar 2010

Nem mais, o Rolando Basto, com os seus 87 anos (invejáveis!), e aqui na foto com o seu inseparável filho, e mais um camarada da Tabanca de Matosinhos, o Nelson. Ele é tratado, carinhosamente, como o Homem Grande.

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Nota do editor

Último poste da série de 10 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14004: In Memoriam (209): Armandino Marcílio Vilas Alves (1944-2014), ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CCAÇ 1589 (Guiné, 1966/68)

Guiné 63/74 - P14025: Bom ou mau tempo na bolanha (79): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (19) (Tony Borié)

Septuagésimo oitavo episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.




Dia 11 de Julho de 2014. 

Resumo do vigésimo primeiro dia 

Já tínhamos saído do Yellowstone Nacional Parque um pouco abalados pela noite muito mal dormida, mas quem anda na estrada, não se deve queixar.
Portanto, continuando na estrada número 287, que agora também se pode chamar 191, rumo ao sul, que tem muito cenário, passando sempre, entre montanhas, vales, rios ou precipícios, entrámos no “Grand Teton National Park”, que está situado a oeste do estado de Wyoming e, logo a sul do Yellowstone Nacional Parque, cuja designação tem origem no nome do pico mais alto das montanhas de Teton, o “Grand Teton”, com 4197 metros de altitude, que foi baptizado por um caçador francês, que devia de ser uma pessoa romântica, pois ao observá-lo, do lado do estado do Idaho, logo lhe chamou “tétons”, que dizem que é um calão francês que designa “mamilos”.



Este maravilhoso parque é o destino privilegiado e muito popular para pessoas que gostam da natureza, andar a cavalo, fazer caminhadas, caçar, pescar ou qualquer outra forma de passar tempo ao ar livre. Tem aproximadamente 320 quilómetros em “trilhos”, que nos levam ao lado das montanhas, algumas com neve todo o ano, a outras áreas onde se pode acampar, ribeiros de água pura, vegetação densa em algumas partes, outras com árvores com centenas de anos, com partes secas pelo frio da neve, mas ainda vivas, pois em algumas partes sai um ramo a florir. O “Snake River”, que passa por aqui, com muita frequência forma pequenos lagos, onde existem várias espécies de peixes, entre elas, a maior quantidade são trutas, tem mais de 1000 espécies de plantas, mais de 300 espécies de pássaros.


Continuando a nossa jornada, sempre rumo ao sul, chegámos a uma cidade que é o sonho das pessoas que adoram filmes, ou motivos do oeste americano, chegámos à cidade de “cowboys”, que dá pelo nome Jackson Hole. Aqui parámos, procurámos onde dormir, tomar banho e, mudar de roupa, ir caminhar por esta pequena cidade, ver a “Main Street”, os edifícios, alguns em tijolo vermelho, outros em madeira, nenhum tem mais do que dois andares, não vimos cafés ou restaurantes “temáticos”, estavam lá os “sallons”, o largo principal, a casa do ferreiro, a estação da polícia, era a casa do “xerife” e, naquela “main street”, há muitos anos, talvez tivesse havido “duelos”.


Esta pequena cidade, que está localizada muito perto da fronteira com o estado de Idaho, a qual recebeu o seu primeiro nome de “Jackson’s Hole”, dado pelos caçadores de “beavers”, que andavam por esta área caçando aqueles bonitos animais para depois venderem a sua pele, a David Edward “Davey” Jackson, que era sócio da Rocky Mountain Fur Company e, que naquele tempo estava estabelecido nesta área, a quem deviam tratar por “Davey Jackson”, claro, os homens da montanha, usavam uma linguagem parecida como, “vamos ao Jackon’s Hole”, quando se dirigiam para esta povoação, pois fica entre diversas montanhas e, dava a sensação que entravam num “buraco”, que em inglês, quer dizer “hole”. Porra, não levem isto para a maldade, mas nós portugueses, se por acaso por aqui andássemos nessa altura, devíamos de dizer “vamos ao buraco do Jackson”.


Hoje é uma cidade, principalmente no inverno se transforma numa estância de turismo, com pistas de gelo nas suas montanhas, modernos hotéis de luxo, mesmo fora do que é costume ver-se, tudo no mesmo estilo de há centenas de anos, no verão é visitada todos os dias por milhares de pessoas que vêm dos parques próximos, não é difícil cruzar-se na rua com qualquer artista de Hollywood ou qualquer pessoa mediática, onde existe um comércio dirigido a motivos do oeste, mas de “puro oeste”, não, como se vê nas lojas das grandes cidades, que parecem imitações comparados com os artigos que aqui se vendem.


Visitámos entre outros locais, um bar que dá pelo nome de “Million Dollars Cowboy Bar”, que não é um bar normal, a sua construção remonta por volta do ano de 1890, é quase uma “gallery”, talvez um “museu”, onde se vive uma atmosfera fascinante de motivos do verdadeiro “American Wild West”, as cadeiras, são “selas” verdadeiras que os cowboys usavam para cavalgar, o balcão está coberto por moedas de dollares em prata, do século passado, armas antigas e motivos do oeste, são a sua decoração, os empregados andam vestidos à cowboy e a cerveja que vendem é feita lá em Jackson Hole. Tem uma sala com um pequeno palco, onde já actuaram os mais famosos nomes de música “country”, como Waylon Jennings, Hank Williams, Jr., Asleep at the Wheel, Hoy Axton, Glen Campbell, Tanya Tucker, Willie Nelson, Commander Cody ou James Cotton Blues Band.

A polícia anda a pé e a cavalo, são os “xerifes e os seus ajudantes”. Aqui dormimos depois de andar pelas ruas, entrar e sair em quase todos os estabelecimentos, comprar recordações para familiares, sem nunca nos cansarmos, pois o ambiente era da alegria, as pessoas queriam comunicar, queriam ser agradáveis!. Jackson Hole, Jackson Hole.

Neste dia percorremos apenas 186 milhas, com o preço da gasolina a variar entre $3.58 e $3.60 o galão, que são aproximadamente 4 litros.

Tony Borie, Agosto de 2014.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de Dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13979: Bom ou mau tempo na bolanha (77): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (18) (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P14024: A minha máquina fotográfica (11): Tive uma Olympus Pen FT, comprada nos Açores, a meio da comissão (J. Crisóstomo Lucas, ex alf mil op esp, CCÇ 2617, "Magriços de Guileje", Pirada, Paunca, Guileje, 1969/71)


A Olympus Pen FT lançada no mercado em 1966 (Foto: cortesia da Olympus)


1. Mensagem de José Crisóstomo Lucas [. ex alferes mil op esp,  CCAÇ 2617, Magriços de Guileje, Pirada, Paunca, Guileje, 1969/71]


Data: 8 de dezembro de 2014 às 11:38

Assunto: Sondagem: Tinhas máquina fotográfica no TO da Guiné ?


Meu Caro:

Máquina fotográfica só tive a meio da comissão,  mais propriamente em Guileje,

Um dos furriéis trouxe-me uma Olimpus Pen FT dos Açores. Tenho fotos para enviar,  mais propriamente umas centenas de slides e o que tenho a preto e branco fomos nós que revelámos, ou seja muito preto e pouco branco!!!!

Uma aventura com papel comprado no Técnico e um ampliador feito por nós com uma máquina de fole comprada na Feira da Ladra ! No fim de um mês conseguimos revelar uma foto, Grande festa! .

Por ex., ninguém tinha a noção dos tempos de revelação... A partir deste feito /(mais importanet que o ataauye a Conacri) o pessoal passou a ter revelações à borla

Mais uma aventura no TO,  a nossa 1ª foto !

Um abraço

J. C. Lucas
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Nota do editor:

Último poste da série >13 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14021: A minha máquina fotográfica (10): Cerqueira, a Olympus Pen D3 que tens há 40 anos para entregar a um furriel da CCAÇ 13, a pedido do libanês Alfredo Kali, de Bissorã, deve ser do Alberto de Jesus Ribeiro, de Estremoz ( Carlos Fortunato, ex-fur mil trms, CCAÇ 13, Os Leões Negros, Bissorã, 1969/71; presidente da direcção da ONG Ajuda Amiga)

Guiné 67/74 - P14023: Ser solidário (175): (i) a Primeira Dama da Guiné-Bissau em visita privada às instalações, na Amadora, da ONG Ajuda Amiga; (ii) Rubiato Nhamajo, Miss Guiné-Bissau Portugal 2014, e Yasmin Djo, Miss Turismo Guiné-Bissau Portugal 2014, colaboram como voluntárias com a Ajuda Amiga




Instalações da ONG Ajuda Amiga, na Unidade de Apoio do Exército na Amadora > 17 de novcembro de 2014 > Carlos Fortunato, Presidente da Ajuda Amiga  e a sra. dona Rosa Vaz, Primeira Dama da Guiné-Bissau, esposa do Presidente da República, José Mário Vaz.




Instalações da ONG Ajuda Amiga, na Unidade de Apoio do Exército na Amadora > 17 de novcembro de 2014 > Da esquerda para a direita; Carlos Fortunato, Presidente da Ajuda Amiga, Coronel Arnaldo Costeira,  Comandante da Unidade, e a sra. dona Rosa Vaz, Primeira Dama da Guiné-Bissau.




Rubi, a vencedora da Miss Guiné-Bissau Portugal 2014


Instalações da ONG Ajuda Amiga, na Unidade de Apoio do Exército na Amadora > 3 de novcembro de 2014 > Rubi e o Carlos Fortunato



Dois lindas bajudas lusoguineenses que estão a colaborar com a Ajuda Amiga; da esquerda para a direita,  (i) Rubiato Nhamajo, Miss Guiné-Bissau Portugal 2014; e (ii) Yasmin Djo,  Miss Turismo Guiné-Bissau Portugal 2014



1. A Primeira Dama da Guiné-Bissau, sra dona Rosa Vaz, esposa do esposa do Presidente da República, José Mário Vaz,  fez no passado dia 17 de novembro  uma visita  às instalações da ONG Ajuda Amiga, na Unidade de Apoio do Exército na Amadora.

Apesar de se tratar de uma visita particular, a primeira dama não deixou de ter as devidas honras militares e a protocolar atenção do Comando da Unidade, na pessoa do cor  Arnaldo Costeira

As jovens Rubiato Nhamajo (Miss Guiné-Bissau Portugal 2014)  e Yasmin Djo (Miss Turismo Guiné-Bissau Portugal 2014»  estiveram na manhã desse dia,  nas instalações da Aujda Amiga,  a escolher brinquedos para as crianças da Guiné-Bissau, no âmbito do projecto de distribuição de brinquedos às crianças hospitalizadas, a que a Ajuda Amiga se associou, e  à tarde fizeram a entrega simbólica dos mesmos à Primeira Dama, a qual está a preparar o  envio de um contentor com ajuda.

Na conversa com  Primeira Dama, o nosso camarada Carlos Fortunato, presidente da direção da Ajdua Amiga  procurou encontrar áreas de colaboração entre as suas iniciativas e as da Ajuda Amiga,  de modo a que  a acção conjunta da Primeira Dama e da ONG Ajuda Amiga possam gerar sinergias.  Uma das áreas de colaboração definidas foi a luta contra o ébola.


2. No passado dia 3 de novembrio, a ONBG Ajuda Amiga teve a visita,  ao seu armazém na Amadora, da jovem Rubiato Nhamajo, vencedora do Concurso Miss Guiné-Bissau Portugal: (i) Rubi tem 19 anos; (ii) é estudante do Curso de Recepção, Hotelaria e Turismo;: (iii)  tem feito alguns trabalhos como modelo;  e (iv)  quer vir a  ser assistente de bordo.

"Foi uma jovem que nos impressionou pelo seu grande espírito de solidariedade, revelando assim que também tem uma grande beleza interior" - disse o presidente da direção da Ajuda Amiga, o nosso camarada Carlos Fortunato -  "Mostramos-lhe as caixas já prontas a seguir no contentor, os livros para as crianças das escolas, os livros infantis e os brinquedos para os infantários, os livros para as bibliotecas, as roupas e calçado para doar às crianças dos Centros de Recuperação de Crianças Subnutridas e aos idosos carenciados, as máquinas de costura para apoiarem os cursos de formação de costureiras, o sabão e a lixívia para ajudar no combate ao ébola, etc., e ela disse-nos 'Já estou entusiasmada! Também vou participar!0, tornando-se assim a nossa mais recente voluntária."

Rubi falou  ao presidente da direção da Ajuda Amiga do seu  projecto cujo objectivo é oferecer brinquedos às crianças doentes que estão no Hospital Simão Mendes em Bissau. Carlos Fortunato manifestou todo o seu gosto em  em ajudar, enviando no próximo contentor caixas com brinquedos para esse fim [Vd. ponto 1, referente a notícia de 17/11/2014].


3. Prossegue a campanha de luta contra o ébola na Guiné-Bissaum e a recolha de donativos em dinheiro,  pos quais devem ser enviados para a conta da Ajuda Amiga no Montepio Geral com o:

NIB 0036 0133 99100025138 26

O IBAN é o PT50 0036 0133 99100025138 26

Podem também ser enviadas através de cheque passado em nome de Ajuda Amiga, para a sua sede:

Ajuda Amiga
R. do Alecrim, nº 8, 1º Dt.º
2770 – 007 Paço de Arcos

Para mais informações,  ligar para a Ajuda Amiga; (i) telemóvel  937 149 143; (ii) email  jcfortunato@yahoo.com


Texto e fotos; Adapt livre do portal da ONG Ajuda Amiga >Notícias de 2014

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sábado, 13 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14022: Tabanca Grande (453): Luciano José Marcelino Jesus, ex-Furriel Mil. Art., CART 3494 (Xime-Enxalé-Mansambo, 1971/1974)

1. O nosso camarada Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974), enviou-nos mais uma mensagem, desta vez com a apresentação de mais um camarada nesta nossa parada virtual, local de todos os encontros da malta que um dia viu o Geba e suas extensas bolanhas… 

Caríssimo Camarada Luís Graça,

Os meus melhores cumprimentos.

Reencaminho o trabalho elaborado pelo meu/nosso camarada ex-Fur. Mil. Art. Luciano de Jesus, do 2.º GComb, e agora novo membro da CART 3494 a participar nesta tertúlia de ex-combatentes na Guiné.

Trata-se de um depoimento inquestionavelmente importante na historiografia da Unidade, por permitir completar, com novos desenvolvimentos, a dimensão operacional sofrida e vivida pelo seu contingente, nomeadamente com factos e feitos ainda omissos.

Um abraço,
Jorge Araújo.
Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494 

2. Apresenta-se então o Luciano José Marcelino Jesus, ex-Furriel Mil. Art., CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974),

ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CART 3494

(ATAQUE AO ENXALÉ COM ARMAS PESADAS E LIGEIRAS)

-19 de Julho de 1972 -

I– INTRODUÇÃO

Na sequência da narrativa elaborada pelo camarada Jorge Araújo [P13970], acerca do ataque de armas pesadas e ligeiras ao Destacamento do Enxalé perpetrado pelo PAIGC em 19 de Julho de 1972, venho pelo presente dar o meu modesto contributo histórico sobre esse acontecimento, fundamentado no facto de o ter vivido e sentido muito de perto. 

Com esta pequena narrativa procuro ampliar o ângulo de observação e análise sobre mais uma ocorrência contabilizada pela CART 3494 durante a sua presença ultramarina no CTIG [1971-1974], considerando-a, assim, como mais uma peça do puzzle que continua em construção.

Com efeito, o relato dos acontecimentos relacionados com o ataque ao Enxalé, no qual fui um dos actores, assume uma dimensão particular uma vez que, em termos formais, era eu que estava a comandar o Destacamento em virtude do Alferes José Henriques Araújo [1946-2012]se encontrar de férias e por ser o graduado mais antigo. Ao tempo estava comigo apenas o furriel Benjamim Dias, pois o furriel António Bonito, que era elemento constituinte do 2.º GComb, já tinha sido transferido para o Destacamento de Mato Cão.


Foto 1 – Enxalé 1972 – Da esquerda para a direita: Luciano de Jesus, José Araújo, Benjamim Dias e António Bonito, quadros de comando do 2.º GComb da CART 3494.

No ponto seguinte caracterizarei o período que antecedeu a concretização do ataque, referindo alguns detalhes que poderão ter influenciado essa acção.

II– FACTOS QUE ANTECEDERAM O ATAQUE

Cerca de uma semana antes, Bissau resolveu enviar o Grupo do Marcelino da Mata ao Enxalé para espevitar os dois grupos de “milícia especial” [309 e 310] que até então não apresentavam produtividade significativa.

O Marcelino da Mata trouxe consigo cerca de oito homens do seu grupo. Aterrou, chamou os dois Chefes de Tabanca [balanta e mandinga], mandou suspender o batuque que nessa altura estava a decorrer e começou a preparar a operação.

No outro dia de madrugada lá foi ele para o objectivo, que era a base mais próxima do PAIGC, a cerca de 20 Km de Sara. Fez o seu trabalho… bastante estrago… trouxe documentação e no regresso o IN tentou a perseguição e o envolvimento mas não conseguiu. Ficou ainda por ali [Enxalé] mais uns dias.

Durante essa curta estadia, os dias foram passados com alguma dificuldade do ponto de vista da logística [alimentação], uma vez que eram parcos os recursos aí existentes. Mesmo assim, ele ficou muito agradecido e reconhecido pelos esforços que fizemos para que lhes não faltasse nada.

Ficou entre nós uma amizade pessoal e mais tarde, em Bissau, encontrei-o e até andei de mota com ele.

Entretanto os hélis vieram recolher o grupo e tudo regressou à normalidade.

Quanto à dimensão do ataque, penso ter sido o maior que o BART 3873 sofreu não só em relação ao número de elementos envolvidos por parte do PAIGC [150 = 3 bi-grupos] como pelos meios utilizados. Se bem me lembro os meios que o IN fez deslocar para esta acção foram: 1 canhão s/r, dois morteiros pesados, mais de uma dezena de RPG e um grupo de assalto.


Foto 2 – Enxalé 1972 – Edifício do comando… e à esquerda a enfermaria.

III– O ATAQUE AO ENXALÉ COM ARMAS PESADAS E LIGEIRAS

- 19 DE JULHO DE 1972 -

Eram vinte horas e vinte minutos da data supra, estava eu a jantar na companhia do furriel Benjamim Dias, quando rebentou o fogachal que logo fez estoirar com toda a iluminação do quartel. No céu via-se o rasto das balas tracejantes que tinham por missão orientar o fogo das armas pesadas em direcção do quartel. O furriel Dias saltou de imediato para o abrigo do nosso morteiro e fez um trabalho exaustivo de bater toda a zona circundante. 


Foto 3 – Enxalé 1972 – Espaldar da bazuca, com protecções e respectiva vala. As casas eram utilizadas como dormitórios.

Eu fui ao gabinete buscar o mapa dos pontos marcados pela nossa bateria de obuses do Xime com o objectivo de orientar o nosso fogo pesado, logo que se localizassem os pontos de origem do fogo pesado IN. Nesse percurso entrou uma canhoada a cerca de dez metros de mim que entrou pelo depósito de géneros causando alguma destruição. Entretanto, o nosso posto mais acima no quartel, onde tínhamos alguns elementos utilizando também um morteiro pesado, fazia o seu trabalho de contenção, respondendo em conformidade.

O ataque durou cerca de vinte minutos.

O grupo de assalto IN movia-se perto do arame farpado, fazendo fogo. O nosso pessoal despejava metralha. Uns enchiam carregadores e outros disparavam. A bazuca não funcionou.

Esperámos nova vaga… mas ela não aconteceu… porque eles tiveram algumas baixas, graças à competência do nosso camarada furriel Josué Chinelo, do Pelotão de Artilharia [obuses 10,5] instalado no Xime, onde este observava perfeitamente, em posição privilegiada da margem esquerda do rio Geba, o desenrolar dos acontecimentos. 

Com a sua experiência e saber, ainda que a olho nu, apontou ao ponto de origem do fogo pesado IN (canhão s/r) e… foi na muche. Acertou no posto de comando e fez algumas baixas entre os quais o comandante. Entretanto eles já tinham despejado o fogo todo. 

Nessa altura chegou a milícia da tabanca com um ferido grave, um sargento de um dos pelotões. Ainda enviamos um grupo até ao rio para evacuar o ferido e recolher mais munições pois o stock tinha ficado muito em baixo. O ferido entretanto faleceu durante a caminhada. 


Foto 4 – Enxalé 1972 – Panorâmica da Tabanca… com o Geba pelas costas. Ao centro da imagem era a pista do Heli.

IV– DEPOIS DO ATAQUE

No dia seguinte, como seria de esperar, fizemos o reconhecimento do terreno. Encontrámos um ferido IN junto ao arame farpado; tinha um ferimento grave nas costas e outro na perna e estava em mau estado, crivado de estilhaços. É de assinalar que este ferido pertencia ao grupo de assalto; tinha vindo da zona do Morés. Estava ferido, mas que eles julgaram morto por isso levaram a sua arma. Vestia uma farda de nylon verde azeitona, calçava bota de lona francesa e as calças tinham elásticos nas bainhas para passar por baixo do pé.

Ainda nesse dia recebemos a visita do nosso comandante, Ten. Cor. António Tiago Martins [1919-1992], que tentou interrogar o ferido mas sem grande sucesso, sendo este evacuado, depois, para Bissau.

A primeira questão colocada pelo nosso comandante foi: “gastaram muitas munições” …. !!!!???? [fiquei aparvalhado].

Viemos a saber dias depois, por informantes privilegiados, que o IN tinha feito a sua aproximação durante o dia. Ficou na orla da bolanha e quando anoiteceu montou o dispositivo.

O esquema foi o seguinte: 

1) A força principal na mata do lado da tabanca. 

2) Alguns atiradores dispersos à volta do quartel para dividir o nosso potencial de fogo para zonas sem importância. 

3) Um grupo de assalto [o do ferido] oriundo de um mangal e outro arvoredo do lado esquerdo do quartel [para quem está de costas para o Xime, logo a seguir ao final da bolanha).

O mais curioso é que montaram o canhão s/r na bolanha, junto a uma árvore isolada, e que não era visível do quartel mas amplamente observado do Aquartelamento do Xime e que foi [bem] aproveitado pela experiência do Josué Chinelo.

Entretanto eu fui de férias e foi aí que o Jorge Araújo se deslocou ao Enxalé até à chegada do Alferes José Henriques Araújo.


Foto 5 – Enxalé 1972 – Entrada da Tabanca.


Foto 6 – Enxalé 1972 – A casa ao centro era a habitação do antigo fazendeiro do Enxalé antes da Guerra. No nosso tempo aí funcionava a Sala do Comando e o refeitório. À direita era o abrigo das transmissões e na retaguarda estava localizado o abrigo do morteiro. 

Quando aconteceu a tragédia no Rio Geba [em 10 de Agosto de 1972] eu já estava por cá, em Lisboa.
Em suma, esta é a minha versão dos acontecimentos relacionados com o ataque ao Enxalé, visto tê-los vivido de forma especial e muito intensa. Outros pormenores devem existir, justamente para engrossarem este esqueleto, mas só com a contribuição dos meus companheiros desse dia.

A História faz-se com a recolha de informação de várias fontes.

Concluo recordando o que consta, a este propósito, na História da Unidade:

- “Em 192030, o Destacamento do ENXALÉ foi intensamente atacado e durante 20 minutos. A nossa reacção surgiu pronta e ajustada. Sofremos 1 morto [Milícia] e 2 feridos [Milícias]. O inimigo: 4 mortos, 7 feridos e 1 prisioneiro. Salienta-se o tiro acertado de Artilharia do XIME em apoio às forças atacadas” [p.74].

– O GRUPO DO MARCELINO DA MATA


Foto 6 – O Marcelino da Mata, o 2.º da esquerda, acompanhado de elementos do seu grupo em 26MAR1973, no momento em que o Ten. Miguel Pessoa é resgatado depois da sua aeronave ter sido atingida, na véspera, por um míssil Strela [P12265-LG, com a devida vénia]. Provavelmente alguns dos elementos na foto participaram, também, nas missões do mês de Julho/1972 efectuadas no Enxalé.

Espero ter contribuído com alguma coisa.

Um abração.
Luciano de Jesus
ex-Fur. Mil., CART 3494.
06DEC2014
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Nota de M.R.: 

Vd. Também o último poste desta série em: 


Guiné 63/74 - P14021: A minha máquina fotográfica (10): Cerqueira, a Olympus Pen D3 que tens há 40 anos para entregar a um furriel da CCAÇ 13, a pedido do libanês Alfredo Kali, de Bissorã, deve ser do Alberto de Jesus Ribeiro, de Estremoz ( Carlos Fortunato, ex-fur mil trms, CCAÇ 13, Os Leões Negros, Bissorã, 1969/71; presidente da direcção da ONG Ajuda Amiga)


1. Mensagem que mandei ontem ao Carlos Fortunato, com conhecimebto ao Henrioque Cerqueira, a propósito de uma Olympus Pen D3,  de um furriel, Guerreiro, da CCAÇ 13:

 Carlos:

Saúde!... Dá uma vista de olhos a este mail e vê se podes ser útil ao nosso camarada Cerqueira, que também esteve na tua CCAÇ 13, em Bissorâ, na parte final da guerra...

Ele anda à procura do fur mil Guerreiro, algarvio, que veio antes dele... Tem uma encomenda para lhe entregar, há 40 anos... Pode ser que tu tenhas alguma pista, já que vais a Bissorã todos os anos e conheces muita malta da CCAÇ 13...

Entretanto, como estão as coisas este ano ? O contentor sempre vai seguir ? Dispõe do blogue para dar notícias da Ajuda Amiga...

Bons augúrios para 2015. Luis



2. Resposta de hoje de manhã do Mensagem de Carlos Fortunato  [ ex-fur mil trms, CCAÇ 13, Os Leões Negros, Bissorã, 1969/71, e presidente da direcção da ONG Ajuda Amiga]  ao Henriqu Cerqueira, com conhecimento ao editor LG, em resposta aos mails que me mandei ontem;

 De: Carlos Fortunato 

Data: 13 de dezembro de 2014 às 06:26

Assunto: Máquina Olympus de Furriel da CCaç 13

 Cerqueira: O Luís Graça deu-me a conhecer o teu email sobre a Olympus
 do furriel Guerreiro, mas não existia nessa altura nenhum furriel
Henriqiue  Cerqueira
 Guerreiro, existiam 2 furriéis do Algarve,  o Eduardo Coelho Silva, mais conhecido por Eduardo, e o José Teodoro Cabrita Vieira, mais conhecido pelo "Russo".

Se a memória não me falha (e às vezes falha nalgumas coisas), o único que tinha essa máquina era o furriel Alberto de Jesus Ribeiro, mais conhecido por Ribeiro, era uma máquina excelente, creio que a comprou em Bissau, tirava melhores fotos que a minha que era mais sofisticada, e que até tinha um sistema reflex, comprei-a em 2º mão em Lisboa.

Infelizmente o Ribeiro perdeu as fotos que tirou.

No último almoço da Ccaç 13 a que fui,  até perguntei ao Ribeiro pela máquina fotográfica, mas já não me lembro bem da resposta, mas creio que foi que ela se avariou.

Não me lembro de ninguém com o nome Guerreiro na CCaç 13 (qualquer que fosse o posto), nem nas minhas listas da CCaç 13 tenho alguém com esse nome.

Por isso tens a minha hipótese de que essa máquina é do Ribeiro (o som do nome até é parecido), mas ele não é do Algarve, creio que é de Estremoz, no entanto o "Russo",  que também era furriel no mesmo pelotão (1º pelotão da Ccaç 13), era do Algarve e talvez na conversa que tiveste com o Alfredo [Kali] ela tinha ido parar ao Algarve.

O fato de ele a dar ao Alfredo faz sentido, pois o Alfredo ia frequentemente a Bissau, coisa que nós não podíamos fazer, e como ela tinha sido comprada em Bissau, o Ribeiro teria tentado acionar uma eventual garantia ou reparação.

O comerciante Alfredo [Kali] continua vivo, quando lá fui este ano em Março/Abril, disseram-me que estava em casa, ele não está lá sempre, tinha lá ido por causa do negócio do cajú, fui a casa dele à tarde [, em Bissorã,] mas disseram-me que estava a fazer a sesta, e depois não tive tempo de lá voltar outra vez, pelo que não falei com ele.

Não tenho email do Ribeiro,  nem dos restantes, mas fica aqui o telefone (919 364 941). Nos emails que trocámos anteriormente,  não sei se ficaste com o do Adriano Silva, que era do pelotão do Eduardo, por isso vou encaminhar este email também para ele, pois ele pode esclarecer se o Eduardo tinha alguma máquina Olympus, é ele quem organiza o próximo almoço da CCaç 13.

Lembro-me de me dizeres que estiveste pouco tempo na CCaç 13, mas aparece no próximo almoço da CCaç 13 e podes falar com o Ribeiro, e entregar-lhe a máquina, ele costuma aparecer.

O almoço da CCaç 13 é sempre no último sábado do mês de Maio.

Um abraço

Carlos Fortunato
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P14020: Fotos à procura de... uma legenda (48): O fim das hostilidades entre as NT e o PAIGC em Mansoa (Mário Vasconcelos, ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72, Mansoa, e Cumeré, 1973/74)


Foto nº 1 > Sem legenda


Foto nº 2 > Sem legenda


Foto nº 3 > Sem legenda

Guiné > Região do Oio > Mansoa >  CCS/BCAÇ 4612/72 >  c. Julho de 1974 > O encontro entre as NT e o PAIGC. Sabemos, através do Jorge Canhão [ ex-fur mil at inf da 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74] que estas fotos devem dizer respeito  aos primeiros contactos com o PAIGC na região, com vista a cessação das hostilidades. Uma delegação do PAIGC passaria depois a estar sediada, permanentemente,  em Mansoa, a partir de 19 de julho de 1974. (*)


Fotos: © Mário Vasconcelos (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


1. Mensagem, com data de 9 do corrente,  de Mário Vasconcelos [, ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72, Mansoa, e Cumeré, 1973/74; foto atual à esquerda]:

Anexo três fotos correspondentes ao final das hostilidades em Mansoa - Guiné 1974- (*)

Um abraço colectivo e votos de um Santo Natal.

Mário Vasconcelos (**)

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sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14019: Memórias de Gabú (José Saúde) (48): Natal de 1973, em Gabu



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua fabulosa série.

As minhas memórias de Gabu

Natal de 1973, em Gabu

Festa no quartel

Diz o poeta, e expele com garra o cantor, que o “Natal é sempre que o homem quiser”. Partilho com os camaradas esse velho dito que se propagou numa sociedade cristã que sempre soube honrar a festa natalícia no mais recôndito lugar deste pequeno país à beira plantado.

Rebobino a fita da longa metragem da vida e recordo com saudade o Natal na minha querida Aldeia Nova de São Bento. O frenesim de uma criança que não conseguia dormir, perspetivando a eventual descida pela chaminé do imaginado Menino Jesus.

Antes, porém, numa atitude de pura inocência, lá colocava os sapatinhos ao canto da chaminé, onde um lume enorme consumia noite fora as chamas que aqueciam o sonhado Menino. E eu, ingenuamente, acreditava no palavreado da minha saudosa mãe que pintava o quadro com o rigor que a noite fria então aconselhava.

O tempo passou e o Natal, festa de família, determinou outras presunções a um jovem que continuou a aceitar a velha opinião que a quadra natalícia, era, afinal, uma tradição que se haveria de manter.

E é nessa viagem alucinante com a qual me deparei ao longo dos anos, que dei por mim a festejar o Natal de 1973 na Guiné, Gabu.

Recorro às minhas memórias e deixo expresso no nosso blogue mais um texto deste velho combatente.

“A noite da consoada de 1973, quente e de luar, deixou-me imensas recordações. Lá longe, num outro ambiente completamente antagónico, a família juntava-se à volta de uma lareira e cumpria a tradição. Era a noite do Menino.

Em Nova Lamego a festa era outra. A malta não se deliciava com as filhoses da avó, não comia o ensopado do galo à meia-noite, não sujava os lábios com os finos chocolates, tão-pouco contemplava as prendas deixados no sapatinho pelo Menino Jesus a um canto da chaminé, enfim, uma série de tradições que, na altura, se protelavam no tempo.

Na região de Gabu o Natal desse ano, já longínquo, foi inteiramente adverso àquele que marcou a minha juventude. Recordo que os momentos de festa nos palcos de guerra deixavam antever, e sempre, preocupações acrescidas.

Fazendo jus ao calor que se fazia sentir por aquelas bandas de África, resolvi dar treta à malta com momentos de atração teatral, recordando com ênfase o momento vivido. Ah, naquele instante já me sentia atraído pelas gotas de whisky que baldavam o meu corpo e me atacavam as pernas.

O Natal sempre se apresentou para mim como um momento nostálgico que curto com um místico de eterna saudade e de sentimentos múltiplos que muito me ajudaram a entender a filosofia da vida. Recordo os velhos tempos da minha aldeia. As noites infinitas, e chuvosas, de natais passadas a apanhar o calor do lume feito no chão. Diz o poeta que “Natal é sempre quando o homem quiser”. É verdade. Partilho por inteiro esta tamanha convicção. Na Guiné, aliás, como em qualquer outra parte do Mundo Cristão, nós vivemos o Natal de acordo com o ambiente em que fomos criados. É herança de gerações.

A noite de 24 para 25 de Dezembro em Nova Lamego esteve ao rubro. Alguém (eu, particularmente) acicatou a malta e toca a lembrar a rapaziada que o tempo, aclamado de divino, proporcionava momentos de laser. De relaxe puro. Procurei a indumentária que julguei apropriada, escrevi dizeres equacionados com a época vivida e toca a alegrar os camaradas de armas.

Escusado será dizer que a noite foi regada com uma mistura de álcool que me levou para a cama completamente toldado. Mas a noite da Consoada foi passada com euforia, confesso. Uma achega: uma Ballantines velha – 12 anos - custava naquela época 40 escudos, se a memória não me falha. O seu beber era divinal. Aliás, a destilação do precioso líquido era feita em pleno coração da Escócia, comentava-se. 

No dia 25, dia de Natal, o 2º Sargento da nossa messe, de nome Martins, creio, um alentejano de Elvas, brindou-nos com um almoço reforçado e a malta divertiu-se à brava.

Momentos imperdíveis que jamais esqueceremos e passados em pleno palco de guerra. 


POSTAL ALUSIVO
 ALMOÇO MELHORADO E REFORÇADO
 O 2º SARGENTO MARTINS, RESPONSÁVEL PELA GESTÃO DA MESSE
EU DISCURSANDO ÀS TROPAS

Um abraço camaradas, 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 



Guiné 63/74 - P14018: A minha máquina fotográfica (9): a minha "arma de recordações" era uma Chinon M-1... E também tenho uma Olympus Pen D3, à espera, há 40 anos, de ser entregue ao seu dono: o ex-fur mil Guerreiro, da CCAÇ 13, algarvio de Boliqueime, tanto quanto sei... Ele por favor que me contacte... Foi o libanês Alfredo Kali que me encarregou da encomenda... (Henrique Cerqueira, ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, e CCAÇ 13, Bissorã, 1972/74)



Esta foto foi tirada pelo Guerreiro, ex-fur mil, CCAÇ 13, que terminou a sua comissão antes do 25 de abril de 1974, e cujo paradeiro o Henrique Cerqueira desconhece (, presumindo-se que viva no Algrave, takvez em Boliqueime). Esta foto tem como centro a máquina do Henrique Cerqueira, a Chinon M-1, e as fotos por ela tiradas... muitas delas já publicadas no blogue. Destaque para a esposa, Maria Dulcineia (NI) e para o filho Nuno que estiveram alguns meses na Guiné com o nosso camarada...


Uma Olympus Pen D3, igual à do Guerreiro...  Uma máquina lançada em 1965. (Fonte:Cortesia da Wikipedia)


Chinon M-1, japonesa, de c. 1972 (segundo informação da Camerapedia Wiki). 


Foto: © Henrique Cerqueira (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]


1. Mensagem, com data de 8 do corrente, do  Henrique Cerqueira [ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, e CCAÇ 13, Bissorã, 1972/74; casado com a Maria Dulcinea (NI), também nossa grã-tabanqueira]



Camarada Luís Graça.

Não resisti enviar umas fotos da minha “arma” de recordações da Guiné e ao mesmo tempo fazer a minha “prova de vida”, tal como solicitaste .

Mando assim em anexo duas fotos da minha máquina que ainda hoje a preservo com muito carinho e tentei compor um pouco a imagem com algumas fotos tiradas na altura . Por tal espero assim contribuir um pouco para o relembrar os nossos feitos fotográficos que cada um o ia fazendo conforme as possibilidades que tinha no terreno.

Luís,  foi muito bom que trouxesses este tema porque tenho que te pedir se é possível publicar neste poste um apelo que tem tudo a ver com o tema.

Então é assim: No final da comissão e talvez em junho de 1974,  quando nos preparávamos para regressar, o Alfredo Kali, m comerciante libanês que estava em Bissorã (parece que ainda está), veio pedir-me que trouxesse uma máquina fotográfica “ Olympus” para entregar a um ex-camarada que tinha regressado á metrópole mais cedo e tinha deixado essa máquina a reparar no Alfredo,  com a esperança que ele a enviasse por correio. Mas, e segundo o Alfredo, naquela altura do 25 Abril e com alguma confusão á mistura,  ele  recebeu a máquina de Bissau (por sinal sem reparação da avaria) e, como havia alguma amizade entre nós, ele me pediu se a entregava quando chegasse a Portugal.

Entretanto ficou de me dar a morada desse meu camarada e nunca a deu . Regressei e nunca consegui entrar em contacto com o meu camarada .

Hoje temos o nosso blogue e o Facebook... Na esperança que leia um destes meios e com este tema tão a propósito eu te peço que,  se possível,  publiques este meu pedido .

Bom,  falta pelo menos tentar identificar o meu ex-camarada, dono da Olymopus Pen D3:

Era:

(i) furriel miliciano na CCAÇ 13;

(ii) regressou á Metrópole antes de Abril de 74 (já não me lembro quando…);

(iii)   o seu nome é GUERREIRO (só o conhecia por este nome);

(iv)  natural do Algarve;

 e (v) penso que vivia em BOLIQUEIME.

Ei sei que estes dados são muito escassos, mas a ideia é que se o próprio conseguir ler este apelo e estabelecermos contacto, as coisas se tornarão mais claras.

Gostaria tanto de,  ao fim de 40 anos,  conseguir entregar a máquina ao eu dono. Em anexo envio a foto da máquina que é a Olympus Pem D3. A outra é uma Chinon é a minha.

Luís um abraço e obrigado. Henrique Cerqueira

Nota: a foto P1010311 é a do Guerreiro.

2. Comentário de L.G.:

Henrique, obrigado. A tua história merece ser divulgada. Vamos fazer tudo para encontrar o Guerreiro. És um homem do norte, de grande nobreza de carácter. Um bom Natal e um melhor ano, para ti, a Ni, o Nuno e demais família. LG

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P14017: Manuscrito(s) (Luís Graça) (40): Maresias, Lisboa, Tejo, memórias, amnésias... Parte I: Lisboa, como é bom rever-te, Tejo e tudo...


Lisboa > Museu de Lisboa > Torreão Poente da Praça do Comércio > Exposição "Maresias: "Maresias: Lisboa e o Tejo, 1850-2014" (de 14 julho a 19 dezembro de 2014) (*) > "Praça do Comércio". Litografia colorida. A Editora. Século XIX (finais). Museu da Cidade.

[Foto: Luís Graça (2014). Imagem reproduzida com a devida vénia, e para fins informativos]

Como é bom rever-te, Lisboa, Tejo e tudo

por Luís Graça (**)


Lisboa, sete colinas, o rio, uma paixão,
que deram origem
à arte e à ciência de fazer cocktails
de cores, sabores e sentimentos.
E tu, querida, 
eras uma das meninas que ficava bem,
à janela, recortada,
em pórtico manuelino da Casa dos Bicos
ou no laranjal da estória da Nau Catrineta,
desenhando frágeis castelos de Espanha
nas areias movediças de Portugal.

Lisboa, menina e moça,
cidade de memórias e de afetos,.
tu podias não saber nada de geografia,
nem da didática da educação de adultos,
nem da fisiologia do coração,
nem de macroeconomia,
nem de desenho a três dimensões,
nem do risco sísmico,
nem sequer do simples risco de existir e de estar viva.
Mas sempre tiveste por perto
o estúpido pirata de perna de pau,
vesgo e maneta,
irrompendo os teus sonhos
com o pesadelo do sentimento de um ocidental
na ponta mais fina de uma espada,
guardada na Torre de Belém.

Lisboa,
o casario, o castelo, a mouraria,
e, rente ao chão, a devoção,
a procissão da Senhora da Saúde,
que nos valia nos anos de peste,
nos meses de guerra,
nas semanas de fome
e nos dias de depressão,
a depressão funda, cavada,
do vale de Alcântara até Xabregas.

Lisboa, a Torre do Tombo,
os livros, os incunábulos, os alfarrabistas,
as pedras, as cantarias, as traves mestras
que nos falam da cidade em construção,
dos arquitetos, dos trolhas, dos estucadores,
das gaiolas pombalinas,
dos tristes, 
dos saudosos da partida,
dos pintores de tabuletas e de retábulos dourados das igrejas,
dos aguadeiros, 
do poço do mouros e do poço dos negros,
dos almoxarifes, 
dos vedores, 
dos provedores,
dos coveiros da pátria,
dos enfermeiros-mores,
dos físicos e dos tísicos,
do Carmo e da Trindade, outrora de pedra e cal,
dos agiotas, das tenças e das mercês,
dos engenheiros hidráulicos, 
dos agrónomos, 
dos agrimensores,
dos silvicultores do pinhal d’el-rei,
dos santos inquisidores,
das freiras e das frieiras 
que é coçá-las e deixá-las
no cemitério de todos os prazeres.
Ah, aí onde a vida acaba
na ponta de uma naifa no Bairro Alto das fadistas
e na Baixa Chiado dos seus chulos.

Mas não de tédio, minha querida,
diz o pregão da varina,
nem de desesperança,
que ainda a noite é uma criança,
e enquanto houver o 28 para a (Des)Graça
com bilhete de ida e volta,
as Escadinhas do Duque
ou a Calçada do Combro
e os escombros do terramoto
por subir, trepar ou escalar.
E os filetes de alfaquique ou peixe-galo 
com açorda de ovas
que não vão à mesa do rei.
E os pastéis de Belém com IVA
e o bife dos ricos à Marrare
e as iscas, dos pobres, com elas
nas carvoarias dos galegos
e o cheiro a carvão e a sardinha,
linda que tresanda,
nas ruelas e vielas dos bairros impopulares,
por fim reordenados,
e livres do tifo, da febre amarela,
da cólera, do bacilo de Koch
e das paixões cegas da alma.
E o Portugal very tipical do António de Ferro,
descalço e de barrete encarnado,
com que te quiseram tramar;
e as sécias e os peraltas da Belle Époque
que a Avenida da Liberdade
acaba na rotunda das edificantes públicas virtudes
e no beco dos mais torpes vícios privados.

Tu, terna, eterna, Olissipo,
onde o azul do céu é único,
diz o ofício do turismo,
e nos leva a todos os caminhos do infinito.
Ulisses sabia-o e bem guardado estava o segredo
do mais fundo do tempo.
E por isso fundeou no estuário do teu Tejo,
e te fundou e fecundou,
e trouxe com ele a caixinha de Pandora,
e os perfumes inebriantes das mais belas:
troianas, fenícias, gregas,
cartaginesas, romanas,
celtas, ibericíssimas,
godas, visigóticas,
mouras encantadas,
berberes, azenegues, 
judias sefarditas,
futa-fulas, mandingas, 
pretas da Senegâmbia,
crioulas de carapinha e olhos verdes,
ameríndias, guaranis,
bárbaras, belas, pérfidas, ubérrimas,
santas e peregrinas, 
errantes e penitentes,
místicas, algures perdidas,
loucamente perdidas
nos caminhos marítimos para as Índias.

Que te importa, amor,
se Lisboa já não é uma praça forte,
uma bolsa contra os valores
daqui d’el-rei
que o paço e o terreiro,
o trono e a régia cabeça,
tremem e estremecem,
entre o Martinho e a Arcádia,
na iminência de um ataque terrorista
ou da implosão do euro.
Dantes chamava-se anarquista, à bomba regicida,
quando a palavra de ordem era
a bolsa ou a vida, abaixo o Estado!
E não havia as avenidas novas, do Ressano Garcia,
nem o risco dos engenheiros,
nem o cordão sanitário,
nem a construção a custos controlados,
nem o prémio Valmor,
nem o Siza nem o Moura,
nem o fundo de mão de obra,
nem o Dow Jones ou o NASDAK.
Nem a apagada e vil tristeza
que te matou, 
meu irmão Luís de Camões.

E estavas tu, querida, 
postada à janela,
descalça e de xaile preto,
em sossego e bom recato,
com vistas largas para o casario, a sé, o castelo,
o mar da palha, 
o mundo vário,
a rua do ouro e a da prata,
o augusto senhor dom José a mata-cavalos,
a serra, a arrábida fóssil,
a armada outrora invencível,
a ribeira das naus,
e as iscas com elas a cinco paus,
o turista, o voyeurista,
o motorista
do senhor ministro sem pasta
nem forragem para o gado na canícula do verão,
nem para os puros sangues lusitanos da alcáçova,
nem sangue nem soro para os heróis menores, anónimos,
da guerra colonial
que vieram morrer na praia do 10 de junho,
o velho do Restelo,
que já foi praia sem bandeira azul nem glória,
o velho do Restelo agora ainda mais velho
e mais estupidamente lúcido e cruel,
o Cesário e a sua idiossincrasia,
o Cesário, verde e rubro, nos estádios dos eurofutebois,
mais o Eça de Queiroz, o estrangeirado,
que te amava à maneira dele,
a Sofia, a deusa, a olímpica,
o Almada e os seus marinheiros sem futuro,
o Bocage e o seu filho, Ary, debochados, panfletários,
mais o O'Neil, que era tão louco quanto irlandês,
e o luminoso Eugénio mais o Andrade,
e ainda a Amália e a nossa estranha forma de vida,
e tantos outros poetas que te cantaram,
e que morreram de amores e desamores por ti,
entre o Cais das Colunas e o Cais do Sodré.
Ah, e o Pessoa,
subindo e descendo o Chiado,
de braço dado contigo,
recitando-te o heterónimo:
A rapariga inglesa, tão loura, tão jovem, tão boa
Que queria casar comigo…
Que pena eu não ter casado com ela…
Teria sido feliz.
Mas como é que eu sei se teria sido feliz ?


Esquece o Álvaro, o Campos, o sedutor,
e deixa-me pôr-te a caminhar
pelos caminhos ínvios e íngremes
desta cidade-sortilégio,
que nós amamos no singular
e maltratamos no plural…
E se, contudo, há um privilégio,
é sempre o da amizade e do amor,
é esse de poder ter-te
ao alcance da mão e do coração dos amantes,
entre  o Rossio e o Terreiro do Paço,
ou de permeio, a Rua Augusta,
entre a liberdade sem rua nem abrigo
e os segredos de polichinelo da tua caixa de correio.

É, enfim, esse privilégio de poder dizer-te,
no regresso da última nau do império:
Como é bom rever-te,
Lisboa, Tejo e tudo.


Lisboa, Terreiro do Paço, 20 de maio de 2006