quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14151: Casos: a verdade sobre... (2): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte II (Virgínio Briote / Rachid Bari, ex-sold trms, CCAÇ 21, Bambadinca, 1973/74, natural do Quebo e residente em Portugal)


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu  >  Setor de Piche > Canquelifá > CCAÇ 3545 (1972/74) > 18 de Março de 1974 > A paisagem desoladora da tabanca, depois do violento ataque do PAIGC com morteiros 120 e foguetões 122, durante 4 horas... A artilharia do PAIGC era operada e comandada por cubanos e caboverdianos.


Foto: © Jacinto Cristina (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


1. Mensagem do nosso coeditor (jubilado) Virgínio Briote [ex-alf mil ex-alf mil , CCAV 489 (Cuntima), e alf mil comando do 2.º curso de Comandos do CTIG (Brá),  cmdt do Grupo Diabólicos (1965/67)]

[Vb, foto à direita, em Seatle, estado de Washington,  EUA,  julho de 2014]


Assunto: Artigo "O martírio de Jaime Mota" [, de José Vicente Lopes]

Caros Luís e Carlos,

O Amadú [Bailo Jaló], embora apresente alguns sinais de melhoria, não está em condições para falar sobre estes assuntos. Está sem memória.

Consegui obter e gravar um depoimento de um fula, o Rachid Bari, que era soldado das transmissões da CCaç 21 e que nesse dia acompanhou e foi testemunha visual do ocorrido. Refuta a acusação de tortura, abertura de barriga, etc. 

O PAIGC não contava com a tropa ali a cerca de 100 metros, encostaram as armas, um pôs-se a trepar uma palmeira e alguns não terão sido apanhados à mão porque um dos militares da CCaç 21 não aguentou a pressão e disparou uma rajada, a que se seguiram séries de rajadas a curta distância. Morreram dois imediatamente e o outro, encurralado, mostrou-se, desafiante. Ainda hoje o Rachid não entende o procedimento desse fula.

Havia directivas muito claras do Com Chefe sobre a questão dos prisioneiros. Aprisioná-los, de preferência sem recurso à violência. Considerava-se que esse modo de actuar era mais adequado para recuperar não só a população como a própria guerrilha. Casos houve, refere o Rachid, em que foram punidos militares por violências exercidas sobre prisioneiros.

Espero que este anexo que remeto seja útil.

Abraço do V Briote


2. Depoimento de Rachid Bari [que vive em Portugal, na zona de Belas, concelho de Sintra,]  sobre o ocorrido em 7 de Janeiro de 1974, na zona de Canquelifá, em referência ao artigo “O Martírio de Jaime Mota", de José Vicente Lopes (*)


Rachid Bari, fula, natural de Quebo, foi incorporado em 22 de Janeiro de 1973 e, depois de ter feito a recruta em Bolama, foi enquadrado na CCaç 21,  comandada pelo tenente [Abdulai] Jamanca. Fez parte da secção de transmissões e desempenhou actividade operacional, uma vez que sempre que um grupo de combate saía dois elementos de transmissões eram destacados para acompanhar o referido grupo.

A CCaç 21, baseada em Bambadinca, desempenhou várias acções na zona, tendo sido destacados para a área de Canquelifá, então sujeita a forte pressão da guerrilha.

Enquanto lá se mantiveram durante cerca de 5 meses não houve qualquer contacto com o IN,  tendo sido então mandada regressar a Bambadinca onde lhe estavam destinadas outras acções.

Logo que abandonaram Canquelifá, foi novamente esta povoação sujeita a bombardeamentos e a CCaç 21 pôs-se de novo em marcha para reforçar o destacamento militar de Canquelifá.

Nesta 2ª estadia em Canquelifá todos os dias e noites saía um grupo, que se emboscava nas imediações do aquartelamento. Num desses dias, por volta das 16 horas, saiu um bigrupo comandado pelos alferes Ali[u] Sada Candé e Braima Baldé.

Quando estavam emboscados viram aproximar-se um grupo de 7 elementos armados. Cautelosamente o comandante do grupo emitiu sinais de alerta e, ao mesmo tempo que começaram a manobra de se disporem em V, avisou que só deveriam disparar ao sinal de fogo.

Inesperadamente um elemento da CCaç 21 disparou uma rajada, a que se seguiram mais rajadas de outros militares até repararem que elementos IN estavam em fuga e que dois ou três teriam sido abatidos. A correr dirigiram-se para o local e enquanto se apoderavam das armas e de um rádio Racal [1] apareceu-lhes de frente um guerrilheiro do PAIGC, fula, com uma Kalash assente na anca direita tendo-os por mira que,  depois de perguntar por que motivo irmãos andavam em guerra, carregou no gatilho. 

A rajada saiu alta e os militares da CCaç 21 responderam a tiro, abatendo-o.

Depois, o grupo recolheu os corpos, improvisaram macas e trouxeram-nos para Canquelifá. Estavam a acabar de entrar na povoação quando começaram a ser bombardeados pela artilharia e o fogo partia da Guiné-Conacri. Não tiveram tempo de mais nada, a não ser abrigarem-se rapidamente, depositando os corpos na pista. A primeira granada acertou no gerador, a segunda no depósito de géneros e o inferno estava instalado em Canquelifá, com as granadas a caírem todas dentro da povoação-aquartelamento.

Ao amanhecer,  o pessoal da CCaç 21 procedeu às cerimónias do funeral do fula, tendo sido seguidos os procedimentos habituais entre os muçulmanos. Corpo envolvido num lençol branco e, depois das orações na mesquita,  o corpo foi enterrado.

Em relação aos dois outros cadáveres,  levantou-se a questão, logo de início, de que como eram de tez muito clara, deviam ser cubanos e para o efeito entraram em contacto com o COP de Nova Lamego pedindo instruções. Foi-lhes dito que aguardassem, que um médico se iria deslocar a Canquelifá e só depois deveriam enterrar os cadáveres. De facto, momentos depois, o médico desembarcava na pista e foi observar os cadáveres.

Dois dias depois da ocorrência procedeu-se ao enterro dos cadáveres na pista de aviação de Canquelifá, depois de terem sido lavados e vestidos com a farda nº 2 do Exército Português.

Rachid diz que, posteriormente, teve a informação que tinham sido feitas análises e que os resultados admitiam a possibilidade desses guerrilheiros serem brancos. Daí o facto de se admitir a ideia de que eram cubanos.

[Depoimento recolhido por Virgínio Briote]



[1] Quando foi emitida para o QG a mensagem da operação com a indicação do material capturado, alguém confirmou, através do nº do aparelho, que o radio Racal era o que as NT tinham perdido, cerca de dois anos antes em Morés. [Vb]

Guiné 63/74 - P14150: Casos: a verdade sobre... (1): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte I (Virgínio Briote / Amadu Djaló / José Vicente Lopes)



[Foto à direita: Jaime Mota, 34 anos, combatente do PAIGC, natural de Cabo Verde, Pim, Ilha de Santo Antão, morto em combate, em 1974. Reproduzida,  com a devida vénia,  do sítio da Fundação Amílcar Cabral, Praia, Cabo Verde]:



1. Mensagem de 13 de Junho de 2014 às 11h01, do jornalista e escritor de Cabo Verde José Vicente Lopes:

Prezados senhores:

Chamo-me José Vicente Lopes, sou jornalista, cabo-verdiano, e tenho investigado a história recente de Cabo Verde (e um pouco da Guiné), com alguns livros já publicados, casos de Os bastidores da independência e Aristides Pereira, Minha vida, nossa história.

Recorro à vossa comunidade/préstimos para o seguinte: em 7 de Janeiro de 1974, na zona de Canquelifá, na Guiné, numa emboscada, morreu o cabo-verdiano Jaime Mota, um cubano e um guineense, do PAIGC.

Em primeiro lugar, gostaria de saber quem era o comandante do quartel dessa zona.

E,  se possivel,  também se alguém me saberá dar conta do que realmente se passou com os três individuos. O cabo-verdiano, sei, foi capturado vivo e depois morto pelos Comandos Africanos que o aprisionaram.

Grato desde já pela vossa colaboraçao me despeço atenciosamente

JVL

PS - tentei mandar a mesma mensagem para Luís Graça, mas parece que o email tem algum problema.




Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > Em primeiro plano, o Virgínio Briote e o Amadu Djaló, um e outro muito acarinhados por todos. Não sei o que é o que Virgínio, um homem sábio, europeu, estava a pensar, mas possivelmente estava a organizar a sua resposta à questão, pertinente, levantada pelo Amadau, outro homem sábio, africano:

 "Os portugueses, a alguns povos, deram-lhes novos nomes e apelidos, livros para estudar e consideraram-nos civilizados. Desta civilização não precisávamos, mas faltava-nos a cultura, porque a cultura, de onde sai não acaba e de onde entra não enche. E no nosso Alcorão está tudo, moral, comportamento cívico e civilização e nós não precisávamos de ser civilizados, o que nos faltava era escola para aumentar os nossos conhecimentos"...

Vai daqui um grande abraço fraterno para os dois, e com votos de bem sucedida recuperação, para o Amadu Djaló,  da grave crise de saúde que o levou recentemente a ser internado no Hospital Militar, no Lumiar e onde continua, em tratamento.

Foto (e legenda): © Luis Graça (2010). Todos os direitos reservados

2. No dia 8 do corrente, o nosso editor Luís Graça reencaminhou a mensagem supra, para o Virgínio Briote, com o seguinte pedido:

Tenho este assunto "emperrado" desde junho de 2014, por falta de tempo (para uma pesquisa mais demorada)... Mas gostava de responder ao jornalista José Vicente Lopes...

Na pag. 269, do livro do Amadu Bailo Djaló ("Guineense, Comando, Português", Lisboa, Associação de Comandos, 2010), há uma referência à Ação Minotauro. que se realizou em 7/1/1974 (nota de rodapé, da tua autoria, como todas as outras)..

Nessa ação o Amadu refere a morte de 3 guerrilheiros, "um cubano e dois fulas" (sic), que foram depois transportados para Canquelifá. Foram apanhadas as respetivas armas e um rádio, nosso, que tinha sido perdido em 23/12/1971...

Nesta altura, o Amadu já está na CCAÇ 21, comandada pelo tenente 'comando' graduado Abdulai Jamanca, e que foi reforçar Canquelifá (onde estava, como unidade de quadrícula, a CCAÇ 3545, comandada pelo cap mil inf Fernando Peixinho de Cristo).

O jornalista José Vicente Lopes quer apurar a verdade (e nós ainda mais) sobre o que se passou:

(i) "a 7 de Janeiro de 1974, na zona de Canquelifá, na Guiné, numa emboscada, morreu o cabo-verdiano Jaime Mota, um cubano e um guineense, do PAIGC";

(ii) "gostaria de saber quem era o comandante do quartel dessa zona" (...) também se alguém me saberá dar conta do que realmente se passou com os três indivíduos"

(iii) O cabo-verdiano, sei, foi capturado vivo e depois morto pelos Comandos Africanos que o aprisionaram"...


Apelo à tua memória e às longas conversas que tiveste com o Amadu para a elaboração do seu livro de memórias... E, a propósito, espero que ele se recomponha da situação de doença que o levou recentemente ao hospital militar...

Em tempo: pelo que conhecemos do Amadu, ele seria incapaz de confundir um fula com um caboverdiano. E. se facto, houve uma execução sumária (, coisa que me parece pouco provável), o Amadu ter-te-ia seguramente referido esse facto.  Nesse dia, Canquelifá foi atacado em força (bem como Copá), facto que é referido pelo Amadu (p. 270): os 3 corpos foram trazidos para Canquelifá e, durante um intervalo dos bombardeamentos, sepultados junto à pista de aviação...

Um abraço fraterno. Luis

PS - Tomo a liberdade de dar conhecimento ao jornalista dos factos que entretanto apurei bem como do teor desta nossa conversa. Entretanto, lê a versão, repleta de pormenores macabros, sob o título "O martírio de Jaime Mota", que o jornalista publicou, no jornal A Nação, 20/1/2014, e reproduzido no sítio da Fundação Amílcar Cabral

3. No mesmo dia, o jornalista mandou-nos a seguinte mensagem:

 Obrigado pela resposta, ainda que tardia, já que tive de avançar com o artigo publicado, como diz o texto em anexo, no jornal A Nação. O texto republicado pela Fundação Amilcar Cabral, como se terão apercebido, é meu, está muito maltratado, por gralhas, nalguns casos perfeitamente identificáveis. 

Tirando isso, este é um assunto que continua a interessar-me já que estou a escrever sobre a presença de cabo-verdianos na guerra da Guiné. Tudo indica que a operação por vós relatada, a 7 de Janeiro, é a mesma da morte de Jaime Mota, do tal cubano e mais um guerrilheiro guineense. Efetivamente, Jaime Mota era cabo-verdiano, sendo negro/mulato é possivel que tenha sido tomado por fula.  

Gostaria de ter o livro [. do Amadu Bailo Jalé,] a que se refere na vossa resposta. Como poderei obtê-lo? 

Um bom ano a todos e continuaçao de sucessos no vosso trabalho. 

JVL 

4. No mesmo dia fiz o seguinte pedido ao Virgínio Briote:

Vb:

Aqui tens a resposta do jornalista que é também o autor do artigo republicado na Fundação Amílcar Cabral... O artigo, lido por alto, parece-me muito fantasioso, baseados em fontes (?) pouco credíveis ("  dados obtidos por Joaquim Pedro Silva, Baró,  especialmente junto de um piloto português, que vivenciou aquele momento")...  

A cena da tortura e da morte do tal Jaime Mota parece-me ser "cinematográfica" demais para ser verdade... A captura, tortura e execução do Jaime Mota é, parece-me,  erradamente, atribuída ao grupo especial de Marcelino da Mata [ "Os Vingadores, que não me parece estar em Canquelifá nessa data, mas sim em março de 1974, quando é apanhada uma ambulância do PAIGC que transportava armamento].

Tu conheceste o Abdulai Jamanca, do tempo dos comandos do CTIG (1965/66)... Pergunto se era homem e militar para autorizar esta barbárie ? A CCAÇ 21 só tinha militares guineenses, incluindo graduados e quadros especialistas, alguns deles da minha antiga CCAÇ 12, já com grande experiência operacional...

Mandam as boas regras da investigação social o respeito por 2 regras básicas: (i) a triangulação de fontes e versões dos factos (princípio do contraditório); e a (ii) saturação  da informação (o que implica ouvir várias versões, e se possível complementares, dos acontecimentos) ...

Acho que é importante manter a ponte com Cabo Verde, país irmão, e neste caso com este jornalista e escritor que eu não conheço, mas que se interessa (e ainda bem!) pela historiografia da presença cabo-verdiana nas fileiras do PAIGC durante a guerra colonial na Guiné, presença sobre a qual temos falado pouco no nosso blogue. 

Seria interessanet poder mandar-lhe o livro do Amadu ou cópia da parte que lhe interessa... Que me dizes ?... Ab. Luis


5. Em conversa telefónica, há uns dias atrás o Vb prometeu fazer ume entrevista, gravada,  com o Rachid Bari, que foi soldado das transmissões da CCaç 21 e participou na Ação Minotauro. Ele vive na região de Lisboa (Belas, Sintra).  O testemunho dele já me foi entregue ontem, pelo Vb, para ser publicado no poste a seguir.

_______________

Nota do editor:

(*) Excertos de "O martírio de Jaime Mota", de José Vicente Lopes. (Reproduzidos, com a devida vénia, do sítio da Fundação Amílcar Cabral, Praia, Cabo Verde. (Seleção e fixação de texto: LG]

(...) Jaime Mota figura na galeria dos heróis cabo-verdianos tombados na luta pela independência da Guiné e Cabo Verde, sob a égide do PAIGC, gesta esta que, no caso deste arquipélago, completa, no próximo sábado, 39 anos. Os seus restos mortais foram traslados para o país natal, quinze anos depois, em 1991, juntamente com as ossadas de outros dois combatentes, Justino Lopes e Zeca Santos.

Tirando isso, fora o facto de seu nome ser patrono de um quartel militar na cidade da Praia, pouco ou nada se sabe acerca desse Cabo verdiano, Jaime Mota, nomeadamente, das circunstâncias em que a sua morte aconteceu. Até companheiros seus de armas, que com ele estiveram, pouco ou nada sabem do que aqui se vai relatar.

Osvaldo Lopes da Silva, por exemplo, de quem Jaime Mota era muito chegado, ao ponto de dar o nome desse companheiro ao seu filho, sabe apenas que o mesmo foi ferido e morto em combate. Álvaro Dantas Tavares, mesma coisa, já que a morte desse patrício deu com ele fora da Guiné. E escusado será perguntar às gerações mais novas, de 50 anos para baixo, por que razão Jaime Mota é herói cabo-verdiano.

Jaime Mota, conforme os dados recolhidos para este artigo, foi capturado vivo, a 7 de Janeiro de 1974, no nordeste da Guine, quando, juntamente com outros guerrilheiros do PAIGC, entre eles o também cabo-verdiano Amâncio Lopes, se preparava para fustigar com a sua artilharia o quartel de Canquelifá, na zona de Pirada e Pitche, região de Gabu, fronteira com o Senegal, quando, de repente, se viram sob fogo cerrado. Na hora, tombaram um artilheiro cubano e um combatente guineense. Os demais elementos, lá conseguiram escapulir, deixando para trás Jaime Mota, que terá sido atingido também. Embora não mortalmente.

Os dois cabo-verdianos Amâncio e Jaime faziam parte do grupo de antigos emigrantes de Santo Antão mobilizados em Moselle, França, para um desembarque em Cabo Verde, depois de treinados em Cuba, onde permaneceram de 1965 a 1967. Gorado o plano, o grupo de 31 cabo-verdianos, entre eles uma mulher, é encaminhado para uma nova formação, desta feita, na então União Soviética (Rússia).

A entrada de cabo-verdianos nas frentes da Guiné, sobretudo na artilharia, a par de morteiristas e artilheiros cubanos, é um dos factores que vão ajudar a imprimir à guerra naquele território um novo tipo de confrotação, até então baseada em acções típicas de guerrilha, de “morde e foge”, como diria Che Guevara. Com recurso à artilharia, os confrontos directos, quase corporais, deixaram de ter lugar, com bombardeamentos à distância, de vários quilometros, das posições do inimigo, com muito menos baixas humanas da parte da guerrilha. (...)

CANQUELIFÁ, OUTRO INFERNO

Não muito de longe de Copá, a cerca de 12 quilómetros, estava Canquelifá, onde Amâncio Lopes, Jaime Mota e outros guerrilheiros de PAIGC actuavam, com peças de artilharia. Aqui, em Canquelifá, uma outra testemunha portuguesa, também soldado, relata que, no dia 7 de Janeiro (o mesmo dia da morte de Jaime Mota, nota-se), é emboscada uma coluna de viaturas, que ia levar alimentos a um pelotão acampado no quartel de Copá, sito a 21km de Bajocunda, na qual morreram dois soldados o Sebastião Dias e o José Correia e duas (viaturas) Barliets foram destruídos: “ uma rebentou uma mina e a outra ardeu”. (..)

O DIA FATAL

Amâncio Lopes conta que, embora Jaime Mota fosse, inicialmente, de uma outra frente, integrando a unidade de Osvaldo Lopes da Silva, depois da operação Guilege, no Sul, pede para ir juntar-se a ele; Amâncio, no Leste, tendo em conta a velha amizade que havia entre os dois, desde os tempos de Mossele. “ É assim que ele chega ao Leste e faço dele meu companheiro de reconhecimento”, acrescenta Amâncio. “ No dia 3 de Janeiro de 1974, vamos para a operação de Canquelifá, que corre bem. No dia 7, voltámos ao mesmo quartel e cometemos um erro que foi fatal para Jaime e outras pessoas”. 

“Quando se ataca um quartel”, explica aquele antigo guerrilheiro, “ não é aconselhável voltar ao mesmo lugar num curto espaço de tempo, salvo se deixarmos tropas no terreno a controlar a situação. Ora, três ou quarto dias depois, regressaremos para atacar o mesmo quartel, no que fomos surpreendidos e o Jaime caiu”. 

É que, detectada a presença do grupo do PAIGC, um pelotão de comandos africanos acaba por surpreendê-lo pela retaguarda, precisamente no momento em que Amâncio, Jaime e os restantes guerrilheiros procediam à recolha de dados para mais um bombardiamneto ao quartel de Canquelifá, como atrás descrito pelas fontes portuguesas. “ Canquelifá era um lugar perigoso, aí sempre perdemos gente. Uma vez, os tugas nos tomaram um morteiro 120 mm”, recorda Amâncio Lopes.
Como atrás foi dito também, na zona, actuavam os comandos africanos, capitaneados por Marcelino da Mata, embora houvesse vários outros grupos desse tipo de unidade especialmente treinada para a contra-guerrilha.  (...)

EMBOSCADA FATÍDICA

Regressando ao fatídico 7 de Janeiro de 1974, Amâncio Lopes recorda que o Cubano – um oficial da artilharia cujo nome não se recorda - foi para a operação à revelia dos guineenses e cabo-verdianos presentes. “ Tínhamos ordens expressas de que os cubanos não podiam ir para a frente de combate. Cabral era taxativo quanto a isso: ele não queria simplesmente. Recebíamos ajuda e apoio deles, mas, para a frente, não deveriam ir, porque a guerra na Guiné era assunto nosso, dos guineenses e do cabo verdianos. Mas o cubano, nesse dia, insistiu, a pessoa que nos estava a chefiar não teve pulso para lhe dizer não, ele foi e caiu”. 

Cabral, realmente, não queria repetir o que acontecera a Pedro Peralta, um capitão cubano, preso em combate, em Novembro de 1969, no Sul da Guiné, constituindo essa a prova cabal da presença de estrangeiros nesse território, um facto explorado por Lisboa na sua propaganda contra os “comunistas” do PAIGC. Além disso, no decorrer da guerra, tinham já morrido vários outros internacionalistas cubanos, o primeiro doa quais, Félix Barriento Loparte, em 2 de Julho de 1967, no ataque do quartel de Melle, facto que provocou em Cabral “ uma profunda dor”, conforme testemunhas de Oscar Oramas.

No caso em apreços, a emboscada fatídica, segundo Amâncio, aconteceu já no fim da tarde, quando ele e os seus homens aguardavam que escurecesse um pouco mais para procederem ao bombardiamento do quartel de Canquelifá e, como era hábito, desaparecerem rapidamente do terreno. “ Sentámo-nos. Estávamos a comunicar, o Cubano sentou-se numa bagabaga (formigueiro), o Jaime sentou-se também um pouco atrás de mim, o radialista guineense também havia mais três elementos do meu staff para defenir a direcção do fogo (só na artilharia, éramos uns sete ou oito elementos). Nisso, sentimos tiros. Na fuga, eu ensaio ir numa direcção, no que um dos guineenses me grita, aflito, ‘ por ai não, camarada Amâncio, porque o tiro está a vir dessa direção!' '’

“ Invertemos a fuga; no recuo, verificámos que nem o Jaime nem o cubano estavam connosco. Mandei toda gente parar e eu disse: ‘Faltam-noe o Jaime e o cubano’. O artilheiro guineense me diz: ‘ camarada Amâncio, na direcção em que o Jaime e o Cubano ficaram, não há chance… se você quiser ficar também… Pense bem. Não podemos voltar, porque se o fizermos será a nossa morte também”. 

Chamado á razão pelos demais elementos do grupo, Amancio diz que teve de se render á evidência.

António Leite, que estava em Cundura (região fronteira da Guiné Conakry), recorda-se de se ter deslocado ao local, juntamente com um outro oficial cubano, de nome Gouveia, para se inteirarem do que se tinha passado, “ Eu e esse cubano quando lá chegamos, no dia seguinte à notícia, não encontrámos absolutamente nada, a não ser alguns rastos de presença deles e do confronto tido”.

O FIM TRÁGICO DE JAIME MOTA

Será depois do 25 de Abril que Amâncio Lopes e outros cabo-verdianos, que estiveram nessa zona da Guiné-Bissau, ficarão a saber dos pormenores do que se passou com Jaime Mota, após a sua captura. Este, segundo os dados obtidos por Joaquim Pedro Silva, Baró,  especialmente junto de um piloto português, que vivenciou aquele momento, foi capturado vivo pelos comandos, quando viram que o Jaime era cabo-verdiano, torturaram-mo, massacraram-no, de todas as formas. Indo até às últimas consequências”.

Ainda de acordo com o tal piloto, diz Baró, uma das coisas que fizeram ao prisioneiro cabo -verdiano foi abrir-lhe a barriga com punhal.

Àgnelo Dantas, que também recolheu informações sobre o episódio, já que na altura também estava no Leste como comandante, conta igualmente que na emboscada o cubano é morto de imediato, o Jaime é ferido. “ Capturado, é arrastado, torturado pelos comandos africanos e uma das coisas que lhe fizeram foi cortar-lhe os testículos”.

António Leite especifica que Jaime foi ferido numa perna e, neutralizado, os seus captores improvisam uma forquilha com galho de um arbusto, que lhe amarram ao pescoço e a arastam até ao local onde acabam por o matar.

Mas, antes disso, segundo Agnelo e Baró, o prisioneiro foi tambem chicoteado; o chicote feito de pele humana ou por genitais de hipopótamo era uma arma muito utilizada pelos comandos africanos nas suas acções. No fim desse suplício, o corpo do guerrilheiro cabo-verdiano foi esquartejado, num ritual ainda hoje comum entre certas etnias guineenses, bastando para isso lembrar o que aconteceu a Nino Vieira em 2009. 

(...) Amâncio Lopes diz que, embora o acto tenha sido cometido por comandos africanos, é ao comandante do quartel de Canquelifá, um português cuja identidade nunca consegui saber, a responsabilidade pelo sucedido. Para todos os efeitos, salienta, “ o Jaime era um prisioneiro de guerra e, nessa qualidade, devia ter sido tratado”.  (...)

ÓDIO AOS CABO-VERDIANOS

Quanto ao ódio dos comandos guineenses aos cabo-verdianos, Agnelo Dantas tem a seguinte leitura: “ Eu tenho a impressão de que todo aquele pessoal que estava do lado de lá tinha ódio aos cabo-verdianos. Os comandos, talvez mais, por que eram instruídos nesse sentido. A política do Spínola era essa, apontando Cabral sempre como cabo-verdiano”. 

Osvaldo Lopes da Silva diz que o ódio entre os comandos e os combatentes do PAIGC era recíproco. “ As posições de um lado e doutro eram muito radicais. Eu, dos anos em que lá estive, vi vários prisioneiros portugueses, brancos, que eram tratados lindamente; agora, prisioneiros comandos africanos, isso nunca vi; apanhados, eram logo despachados pela nossa gente guineense. De modo que, tendo capturado o Jaime, eles também não estiveram pelos ajustes, ainda por cima um cabo-verdiano”. 
 
UM HOMEM DE TERRENO

Recordando o velho companheiro, Amâncio Lopes diz que, até hoje, não se conforma por ter perdido naquelas condições. “ Ainda hoje, não consigo explicar como é que Jaime e Cubano forma apanhados naquilo”, lamenta. “ Eu e o Jaime éramos como dois irmãos”. Osvaldo Lopes da Silva diz-se também muito chagado a Jaime Mota. E, ainda que involuntariamente, sente-se associado á morte do velho camarada. 

“ Estivemos juntos, primeiro, no Sul, em 1969, na minha unidade; em 1970, fui para o Leste, como comandante de artilharia e ele também; depois fomos para a Marinha, em Conakry, e de lá fomos para uma formação na União Soviética; no regresso, entendemos que já não dava para voltar de novo para a Marinha, como pretendia Cabral, porque o ambiente era claramente hostil aos Cabo-verdianos. Aliás, como se vem a verificar pelo 20 de Janeiro, o centro da conspiração era lá na marinha;  juntos, fomos de novo para Sul e, em Maio de 1973, estamos na operação Guilege. Logo de seguida, depois da tomada deste quartel, vou para Gadamael e ele fica no Sul, comigo em Gadamael, sou chamado para uma missão à Líbia, da qual regresso pouco depois; nisso, nesse meio tempo, passou a constar entre os combatentes que eu tinha sido transferido para o Leste. E é assim que o Jaime larga a sua unidade, no Sul, para ir ter comigo no Leste, mas, lá chegando, não me encontra, fica junto de Amâncio, outro grande amigo dele, e vão para essa tal operação, em que ele acaba atingido” .

“ O Jaime”, conclui Lopes da Silva, “ era um bocado destemido, um pouco indisciplinado também, tanto assim que larga a unidade dele no Sul e vai para o Leste, por sua própria conta. Era um bocado senhor de si, não admitia abusos, a única pessoa que o continha era eu. Como eu, ele também não gostava de Conakry, era claramente um homem de terreno”.

Honório Chantre recorda o seu conterrâneo como um homem muito ponderado e seguro. “ O Jaime não foi tropa portuguesa, mas tinha uma formação militar muito sólida, esteve em Cuba, na União Soviética e tinha a experiência de combate adquirida no terreno da Guiné. Era um combatente, digamos, normal, mas muito seguro. Juntamente com Amâncio e o Bibino, ele tinha a quarta classe daquela tempo, feita nos anos quarenta ou cinquenta, ao contrário de alguns colegas de Santo Antão que foram alfabetizados por nós em Cuba. Sem dúvida que essa malta de Santo Antão era em grupo de homens muito especiais, desde logo, pela forma como se entregaram á luta, e o Jaime é disso um claro exemplo”, conclui. (...)

António Leite participou, com Amâncio Lopes e Eduardo dos Santos, da operação de recolha e transladação dos três cabo-verdianos. “ Fomos ao Leste e conseguimos localizar os restos do Jaime, que pouco restava. Mesmo assim, foi fácil, porque sabíamos que ele tinha um dente de ouro e encontrámos uma caveira com dente de ouro. Depois fomos recolher os restos do Justino e do Zeca Santos, que sabiamos onde estavam. Havia um outro cabo-verdiano – António Leite, o primeiro de nós a morrer na Guiné, mas dele já não encotramos nada. O local onde tinha sido enterrado, no Sul, estava transforamdo numa plantação de arroz”.

Na Praia, segundo aquela fonte, o pequeno caixão com os restos de Jaime Mota foram enviados para Santo Antão, Paul, onde foi depositado. As outras duas urnas, de Justino Lopes e Zeca Santos, essas, foram enteadas na várzea, já que ambos eram naturais de Santiago.  (...)

 (*) texto de José Vicente Lopes,

Publicado no jornal "A Nação" de 20.01.14

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14149: Notas de leitura (670): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (3): Como era Alcobaça em 1890

 


1. Do livro, Família Coelho,(*) da autoria do nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO) (ex- Fur Mil da CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), aqui fica mais um apontamento, este dedicado a Alcobaça.


Parte III

Que população e que administração:

Em 1890 a vila tinha cerca de 1700 habitantes enquanto o concelho de Alcobaça tinha 33.039.
No mesmo censo são “contados” para o distrito de Leiria 250.154 habitantes.


São Presidentes de Câmara nos primeiros anos do novo Século, Vitorino Avelar Fróis (2-01-1900 a 31-08-1900) e José de Almeida e Silva (01-09-1900 a 1-01-1902).

O edifício da Câmara funcionava num prédio de gaveto no Rossio com a Travessa da Cadeia.

Que militares:

Nos antigos Claustros do Rachadouro estão instalados os Regimentos de Cavalaria 9, Artilharia 1 e, mais tarde, Cavalaria 4.


“Cavalaria 9” foi o primeiro regimento a instalar-se na vila – em 1884 – tendo permanecido em Alcobaça cerca de 15 anos.

Que indústrias:

No início do século XX com as fábricas a laborar em pleno e a agricultura florescente regista-se um surto de desenvolvimento.


A Fábrica de Fiação e Tecidos, de Joaquim Ferreira Guimarães, onde chegam a laborar 1000 operários por dia (em turnos - com 500 teares e 14.000 fusos), a Fábrica de Papel na Casa do Engenho (de Manuel dos Santos Silvério e Joaquim Silvério Raposo), a Fábrica de Louças de José Reis (1875), a Fábrica de Compotas e Conservas de frutas de Manuel Natividade e Araújo Guimarães (Natividade & C.ª) -1887 - e ainda... moagens, serralharias, oficinas de carruagens, cordoarias, etc.

Que comércio:

No espaço em redor do Mosteiro abrem vários estabelecimentos comerciais: sapataria de Manuel Ribeiro Maranhoso, farmácia de Manuel Vieira Natividade, casa comercial de Narciso Monteiro, estabelecimento de João Ferreira da Silva, loja de ferragens e drogaria de José Maria Furtado Santos, mercearia de António Lúcio Taveira Pinto, farmácia de Marques da Silveira, sapataria de João Elias d’Oliveira, etc.
Também na Praça D. Afonso Henriques se estabelecem vários comerciantes.
O Hotel Alcobacense funciona na Rua Frei Fortunato.

Que vida social, que distracções:

Saraus literários, sessões políticas, bailes de máscaras pelo Carnaval e Mi-Carene.


Touradas na Praça da Rua Afonso de Albuquerque, de Vitorino Avelar Fróis. A construção da Praça teve lugar em 1899.

Que cultura:

No antigo Refeitório do Mosteiro funciona o Teatro Alcobacense (inaugurado em 1840) onde são levadas à cena comédias, dramas, operetas, ópera e revistas pelas melhores companhias do País.


Desde 1887 que havia um Coreto Municipal.
O Clube Alcobacense, detentor de uma excelente biblioteca, funciona desde 1889. Aliás o Gabinete de Leitura, que tinha sido fundado em 1875, chegou a ter 5000 volumes para uso dos seus sócios.

Que Imprensa Local:

O primeiro jornal a ser publicado é o “Correio de Alcobaça”, que é fundado em 1889. No ano seguinte – em 1890 – saiu o primeiro número da “Semana Alcobacense” que se veio a publicar durante 33 anos…


Há ainda registo de uma revista chamada “Perfis”, que também foi editada no mesmo ano, e de que só teriam sido publicados 5 números.
Em 26 de Maio de 1891 surge o jornal “De Alcobaça”, que tem uma actividade regular durante cerca de 5 anos.
O “Noticias de Alcobaça”, de que é Director Guido Coelho da Silva, imprime os seus primeiros números em 1899 (tem vida longa e meritória, com tiragens até 1932).
E quem é que lê os jornais desse tempo? Com toda a certeza poucos leitores pois o analfabetismo no País rondava os 78,6% numa população de 4.231.336 habitantes!


Parece-nos oportuno referir que a Escola Adães Bermudes, na Roda, só vem a ser instalada em 1907.
____________

Notas do editor

(*) Vd. poste de 8 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14130: Notas de leitura (667): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (2): Portugal é uma monarquia sem monárquicos

Último poste da série de 12 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14142: Notas de leitura (669): “Guiné 1968, o regresso dos heróis”, por Domingos Gonçalves, edição de autor, 2001 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P13148: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (94): Ainda o Comandante Pombo, a quem convidámos para partilhar connosco as suas histórias e memórias... (Maria João Pombo / Amaral Bernardo)


[O Comandante Pombo, aos comandos do seu Cessna, c. 1972/74]


Foto: © Álvaro Basto (2008). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


1. Mensagem de Maria João Rodrigues, filha do Comandante Pombo, em resposta ao poste P14129 e ao convite que fiz ao nosso camarada para integrar a Tabanca Grande

Data: 12 de janeiro de 2015 às 16:56

Assunto: Comandante Pombo

Muito obrigada pelo post sobre o meu pai  (*) que sempre foi um grande exemplo para mim. 

É com grande orgulho que leio os comentários e dou os parabéns aos autores deste blogue que prima pela qualidade. 

Já tive oportunidade de lhe contar que descobri este blogue e ele ficou bastante contente e interessado em manter o contacto com os seus "camaradas da Guiné", por quem tem também muita estima e amizade. 

Ele tem muito boas memórias da Guiné e também gostaria de as partilhar convosco. Já teve alguns convites para escrever um livro. Da minha parte, comprometo-me a ajudá-lo na recolha dessa informação e transmiti-la ao camarada Luís para que possa partilhar no vosso blogue.

Um grande bem haja a todos!

Deixo-lhe o contacto telefónico do meu pai (...).

Obrigada e até breve.

MJ


2. Ver também comentário deixado pelo nosso camarada ex-alf mil médico Amaral Bernardo, da CCS/BCAÇ 2930 (Catió, 1970/72) (**)

Amaral Bernardo

Convivi com o Comandante Pombo nas muitas viagens que tive que fazer, guiado por ele, a alguns aquartelamentos do sul da Guiné (por sinal quase todos -à excepção de Cacine - "animadas" estâncias de lazer: Bedanda, Gadamael, Guileje e Tite.

Recordo um homem afável, sereno e sempre disponível. Na minha última viagem para Bissau fez a gentileza espontânea de me deixar "pilotar" o seu Cessna (já no ar, claro!).

Abraço rijo, Comandante Pombo, com o desejo sincero que continue a festejar por muitos, longos e felizes anos.

Guiné 63/74 - P14147: Memória dos lugares (282): (i) A fortaleza da Amura, em Bissau, futuro museu... (Patrício Ribeiro); (ii) o arquiteto Luís Benavente (1902-1993) e o seu papel na salvaguarda do património português em São Tomé, Índia, Cabo Verde e Guiné (Vera Mariz)


1. Mensagem da nossa leitora Vera Mariz, doutoranda em História da Arte (Instituto de História da Arte, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa)

Data: 13 de janeiro de 2015 às 12:49

Assunto: Fotos e memórias da fortaleza da Amura

Caríssimo Luís,


Muito obrigada pelo seu gesto, de outra forma não teria qualquer imagem da referida entrada virada à cidade. (*) [Foto acima, de Durval Faria, c. 1962/64].

O vosso trabalho é notável mas mais impressionante ainda é, sem dúvida, a capacidade que o blogue tem de cruzar tantos (e tão interessantes) testemunhos acerca dos mais variados temas.

Quanto ao que me pergunta sobre o arquitecto Luís Benavente... É uma figura interessantíssima mas muito maltratado devido à sua associação com o Estado Novo. Mas a verdade é que, independentemente das motivações do regime, o arquitecto Benavente teve um papel extraordinário no âmbito da salvaguarda do património português ultramarino, tendo passado por São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Índia e Guiné.

Capa do catálogo da exposição
 “Luís Benavente – Arquitecto” ~
ANTT [Arquivo Nacional da Torre do Tombo], 
Lisboa, 1997, pp. 163. 

No ano de 1958, através do Decreto 41.787, a Direcção-Geral de Obras Públicas e Comunicações do Ministério do Ultramar viu alargadas as suas incumbências, extrapolando a arquitectura e urbanismo, para abranger, igualmente, os monumentos de interesse nacional. Assim, a partir deste momento, caberia àquela Direcção-Geral o inventário, classificação, conservação e restauro dos monumentos portugueses erguidos no Ultramar ao longo dos séculos da presença nacional.

Foi, precisamente, na sequência deste diploma legislativo que o arquitecto Luís Benavente, Director do Serviço de Monumentos Nacionais na Metrópole desde o ano de 1952 e funcionário em comissão de serviço no Ministério do Ultramar desde 23 de Setembro de 1958, deu início a um programa centralizador de salvaguarda do património arquitectónico português do além-mar.

Além do arquitecto Benavente há a referir (entre outros) os casos de Fernando Batalha e Pedro Quirino da Fonseca, arquitectos que trabalharam também durante o Estado Novo nas comissões de monumentos de Angola e Moçambique, respectivamente. Quirino da Fonseca desempenhou, ainda, missões em Macau, Malaca e Ormuz.

Uma vez mais agradeço a sua simpatia e disponibilidade, bem como de todos os camaradas que tão prontamente acederam ao meu pedido.


2. Apelo dos editores 
Infografia: Miguel Pessoa (2014)
aos membros a Tabanca Grande

Data: 13 de janeiro de 2015 às 11:43

Assunto: Fotos e memórias da fortaleza da Amura

Amigo/as, camaradas:

O património arquitetónico que os portugueses deixaram pela mundo, desde o início da abertura da "primeira" autoestrada da globalização, é mal conhecido 
pelos próprios portugueses de hoje. 
Mas temos a obrigação de o estudar e divulgar...

Acabámos de colocar, no nosso blogue, dois postes sobre a Fortaleza da Amura (*)... A sua história e o próprio edifício são mal conhecidos. Daí o nosso apelo, mais uma vez, à boa vontade dos membros da Tabanca Grande:

(i) quem tem fotos ou outros documentos sobre a Amura ?

(ii) quem conheceu e eventualmente cumpriu servlço na Amura ?

(iii) quem tem histórias ou memórias relacionadas com a Amura ?

Como sabem, procuramos publicar, de preferência, no blogue, coisas nossas, inéditas, em primeira mão, na primeira pessoa...É também, como a gente  costuma diizer com algum humor negro, a nossa forma de recusa, enquanto geração de ex-combatentes, de irmos parar à vala comum da ignomínia e do esquecimento,,,

Um alfabravo valente para todos/as

 PS - A entrada principal da Amura, mais fotograda no nosso tempo era a entrada sul, virada para o rio e o porto... Já a outra, do lado norte, virada para a cidade, é menos conhecida...  (Vd. acima foto do Durval Faria, que deve ter sido tirada entre 1962 e 1964. Ainda a cidade não estrangulava o forte).


3. Comentário do nosso amigo (e camarada) Patrícío Ribeiro, empresário em Bissau. [, foto à esquerda, em dezembro de 2014, em Farim] (*):

Está a haver mais um movimento, em Bissau, de transformar a Fortaleza da Amura em Museu, pode ser que seja desta, assim como das tentativas de transformar o Bairro de Bissau Velho, numa continuação da Amura... Enfim, tem havido tentativas…

Bissau pouco tem para se visitar, excepto a actual “Casa dos Direitos”, na antiga 1ª Esquadra, junto à porta principal da Fortaleza da Amura. É um projecto da ONG ACP Portuguesa, em que a nossa amiga Fátima Proença o vai desenvolvendo desde o início.

Esperamos que a Amura seja mais visitada que a Fortaleza de Cacheu que mesmo assim é visita dos passeios de domingo das pessoas que saem de Bissau.

Vamos ter o novo Museu dos Escravos em Cacheu (, em que as obras foram pensadas, projectadas, assim comos os primeiros trabalhos do arranque, foram feitos pelo nosso saudoso Pepito). Sabemos que as obras continuam a decorrer e que este ano já vai ter o novo piso e telhado.

Cacheu vai ter dois lugares culturais para visitar. Para não falar dos outros Museus a céu aberto e a que ainda são… as cidades de Bolama (**) e Farim.


Guiné-Bissau > Região de Bolama / Bijagós > Bolama > Agosto de 2010 > Ruína do antigo Palácio de Bolama, que foi sede da administração colonial

Foto: © Patrício Ribeiro (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14146: Agenda cultural (370): Apresentação do livro "A Guerra em África - A Nossa História - Do Índico ao Niassa", do Capitão-de-Mar-e-Guerra Guilherme Alpoim Calvão e A. Vassalo, em Banda Desenhada, no dia 20 de Janeiro de 2015, às 15h00, na Livraria-Galeria Municipal Verney/Colecção Neves e Sousa, Oeiras (Manuel Barão da Cunha)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 11 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14141: Agenda cultural (373): Dois próximos concertos da banda Melech Mechaya: Porto (Casa da Música), dia 17, sábado; e Lisboa (Centro Cultural de Belém), dia 23, sexta feira... Apresentação do novo CD "Gente Estranha"... (O espectáculo no CCB está praticamente esgotado)

Guiné 63/74 - P14145: Memória dos lugares (281): Bissau e a Fortaleza de São José da Amura (Séc. XVIII), remodelada em 1968/69 pelo arquiteto Luís Benavente para passar a receber o Comando-Chefe, a Companhia de Polícia Militar e o Comando-Chefe do Agrupamento de Bissau (Vera Mariz, doutoranda em História da Arte, IHA/FL/UL)



Foto nº 3

Guiné > Bissau >Fortaleza da Amura > Entrada do lado sul (frente ao porto e ao rio Geba)



Foto nº 4

Guiné > Bissau > Fortaleza da Amura > Aspeto da muralha exterior


Fotos nºs 3 e 4: Manuel Caldeira Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589/BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68)


Fotos: ©  Manuel Coelho (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. (Edição: L.G.)



Foto nº 5

Guiné > Bissau > Fortaleza da Amura > c. 1962/64  > Entrada principal, virada para  cidade, ou seja, lado norte (?) >  Foto, sem legenda,  de Durval Faria (ex-fur mil inf,  CCAÇ 274 / BCAÇ 356, Fulacunda, 1962/64).


Fotos: © Durval Faria (2008). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem de Vera Mariz [, nossa leitora, doutoranda em história da arte,  Instituto de História da Arte, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa] (*), com data de ontem:

Caríssimo Luís Graça, agradeço a sua atenção.

Aproveito para lhe dizer que:

O primeiro contacto do arquitecto Luís Benavente [, 1902-1993] com a Guiné teve lugar no ano de 1962.

No ano 1968, entre os dias 25 de Abril e 2 de Maio, Luís Benavente terá desempenhado nova missão em Bissau, à qual se seguiria uma terceira viagem já em 1969.

Isto porque no início do ano de 1969, o Governo da Guiné terá manifestado o seu interesse em “cuidar da Fortaleza de S. José da Amura”,  motivo pelo qual Luís Benavente terá sido requisitado para elaborar os estudos e o plano de actuação necessário.

Data deste período (e desta campanha de obras) a instalação na fortaleza do Comando Chefe [, QG/CCFAG - Quartel General do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné],  da Companhia de Polícia Militar, de um destacamento adido à Polícia Militar e do Comando Chefe do Agrupamento de Bissau.
Quando terminar a tese [de doutoramento] tenho todo o prazer em enviar-lhe o capítulo referente à Guiné.

Cordialmente,
Vera



Foto nº 1 

Guiné > Bissau > Fortaleza da Amura > Construção iniciada em finais do séc. XVII, arrasada em 1707 e reconstruída em 1753, restaurada em meados do séc. XIX (1858-1860), bem como um século depois, a partir da década de 1960, sob orientação do arquiteto Luís Benavente.

Foi quartel-General durante a guerra colonial. É hoje panteão nacional da República da Guiné-Bissau.

Foto: © João José Alves Martins (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. (Edição: L.G.)

Foto nº 2

Guiné-Bissau > Bissau > Fortaleza da Amura > 7 de Março de 2008 >  Amura: um lugar repleto de história e de histórias... Entrada principal, lado sul, vista do interior da fortaleza.


Foto: © Luis Graça (2008) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. (Edição: L.G.)


2. Comentário de Cherno Baldé (*)

Caros amigos,

Para ajudar a esclarecer a dúvida da Sra.Vera, tenho o prazer de informar que a foto nº 1  apresenta a imagem da porta virada para o lado do rio (Ponte Cais de Bissau) e não a principal que se situa do lado oposto e virada para a cidade.

Quanto à foto nº 2, trata-se dos mesmos edifícios da primeira foto, situados à entrada da mesma porta, tirada no interior da fortaleza. (**)

Com um abraço amigo,
Cherno AB.



Foto nº 6

Guiné > Bissau > Fortaleza da Amura > Muralha exterior, do lado meridional  Foto de A. Marques Lopes, coronel inf, DFA,  na situação de reforma, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967) e da CCAÇ 3 (Barro, 1968) :

Foto: © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]


Guiné-Bissau > Bissau > Planta da cidade > c. 1975 > Localização da fortaleza da Amura, assinalado com um círculo a branco.

Foto: © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]




Guiné > Bissau > Fortaleza de São José da Amura > c. meados de Séc. XIX >  Vista da Amura.  Gravura. Fonte: VALDEZ, Francisco Travassos - "Africa Ocidental: notícias e considerações dedicadas a Sua Magestade Fidelíssima El-Rei O Senhor Dom Luiz I". Lisboa: Imprensa Nacional, 1864, 406 p., gravuras. Licença: Domínio Público (Autor falecido há mais de 70 anos).

Cortesia de Fortalezas.org
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de de 12 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14143: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (21): A fortaleza da Amura (Vera Mariz, doutoranda em história da arte)

(**) Último poste da série > 4 de janeiro de  2015 > Guiné 63/74 - P14115: Memória dos lugares (279): Bafatá, princesa do Geba, parada no tempo: o cinema local e o seu mítico guardião, Canjajá Mané, o casal João e Célia Dinis, Dona Vitória, as irmãs Danif (libanesas), o glorioso Sporting Clube de Bafatá (fundado em 1937 pelos prósperos comerciantes locais, e que chegou a ter 600 sócios), o ourives, o rio, os pescadores, e os demais fantasmas do passado que hoje povoam a terra de Amílcar Cabral... A propósito de "Bafatá Filme Clube" (2012) que acabou de passar na RTP2, no passado dia 1 (Valdemar Queiroz)

Guiné 63/74 - P14144: Parabéns a você (845): Maria Ivone Reis, ex-Cap Enfermeira Paraquedista (!961/74)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 10 de Janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14135: Parabéns a você (844): Bernardino Parreira, ex-Fur Mil Cav da CCAV 3365 e CCAÇ 16 (Guiné, 1971/73)

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14143: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (21): A fortaleza da Amura (Vera Mariz, doutoranda em história da arte)




Foto nº 1 

Guiné > Bissau > Fortaleza de São José da Amura ou simplesmente Fortaleza da Amura > Construção iniciada em finais do séc. XVII, arrasada em 1707 e reconstruída em 1753, restaurada em meados do séc. XIX (1858-1860), bem como um século depois, a partir da década de 1970, sob orientação do arquiteto Luís Benavente.

Foi quartel-General durante a guerra colonial. É hoje panteãio nacionalda República da Guiné-BissaU.  Foto nº 17/199 do álbum Guiné, disponível na página do Facebook, do João Martins.


Foto: © João José Alves Martins (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. (Edição: L.G.)



Foto nº 2

Guiné-Bissau > Bissau > Fortaleza da Amura > 7 de Março de 2008 > Amura: um lugar repleto de história e de histórias... Entrada principal, vista do interior da fortaleza.

Foto: © Luis Graça (2008) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. (Edição: L.G.)


1. Mensagem da nossa leitora Vera Mariz:

Data: 12 de dezembro de 2014 às 12:29
Assunto: Fortaleza Amura

Caríssimo Luís Graça,

O meu nome é Vera Mariz e estou a fazer um Doutoramento em História da Arte acerca do restauro dos monumentos portugueses ultramarinos durante o Estado Novo.

No âmbito de uma das minhas investigações deparei-me com o vosso blog que está repleto de histórias e fotografias interessantíssimas. 

Queria perguntar-lhe se eventualmente terá uma fotografia da Porta de Armas da Fortaleza de São José da Amura. 

Por outro lado talvez possa esclarecer-me uma dúvida que tenho (já que nunca estive em Bissau). Esta Porta de Armas fica depois da entrada que surge na fotografia que lhe envio (encontrei no vosso blog) [foto nº1 ] ?

Agradeço desde já a sua atenção.

Cordialmente,

Vera.

2. Comentário, com data de hoje,  do nosso camarada João Martins, autor da foto acima reproduzida 


[, foto à esquerda: João Martins , ex-alf mil art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda, Gadamael e Guileje, 1967/69 ]


Amigo Luís Graça

Esta, em minha opinião, só pode ser a parte exterior do forte. Por duas razões, porque tem os canhões apontados, e porque tirei esta fotografia  nunca tendo entrado no dito forte.

Aproveito para enviar. por email, as minhas memórias com várias fotografias de estátuas à Vera.

Grande abraço

João Martins

_______________

Nota do editor:

Último poste da série > 22 de julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13429: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (20): Imagens de braços tatuados, do tempo da guerra colonial, precisam-se para trabalho jornalístico sobre a história da tatuagem em Portugal...

Guiné 63/74 - P14142: Notas de leitura (669): “Guiné 1968, o regresso dos heróis”, por Domingos Gonçalves, edição de autor, 2001 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Janeiro de 2015:

Queridos amigos,
Desarma-nos, no conjunto dos seus trabalhos, Domingos Gonçalves e a sua frontalidade e o uso irrestrito das suas notas íntimas, redigidas com simplicidade, algo que certamente, durante décadas, não fazia parte das suas preocupações em dar à estampa.
É o caso deste seu terceiro e último livro, dedicado ao regresso, a partir de Binta.
Perpassa o sentimento de solidariedade, é tocante o seu jeito de balanço daqueles tempos ásperos. E os heróis são fundamentalmente aqueles soldados que correram todos os riscos entre Binta e Guidage, é para eles que vai a sua última e tão singela lembrança.

Um abraço do
Mário


Guiné 1968, o regresso dos heróis

Beja Santos

É tentador, quando reescrevemos com base nos nossos apontamentos as nossas memórias de combatentes, reconfigurar situações, polir o estilo, fugir às contumélias decorrentes de apreciações aos órgãos de comando, aos próprios camaradas, enfim, tudo parece guiar-nos para o embelezamento ou retoque das nossas notas, do que veio nas nossas cartas e aerogramas.

Quando se lê os escritos de Domingos Gonçalves, é bem percetível que aquele alferes que andou pelo Leste, por Binta e Guidage, não quer embelezar nem retocar e muito menos tornar as suas notas uma obra literária. Aliás, ele di-lo reiteradamente: “Não é pretensão do autor fazer literatura, apenas o move o intuito de transmitir mais um testemunho sobre o desenrolar da guerra colonial do teatro da Guiné". É exatamente isso que vai acontecer no volume “Guiné 1968, o regresso dos heróis”, por Domingos Gonçalves, edição de autor, 2001.

Neste terceiro e último livro respeitante à sua última comissão(*), Domingos Gonçalves reflete sobre o desencontro ainda existente entre uma parte fundamental da sociedade portuguesa e aqueles que combateram nos teatros africanos, entre 1961 e 1964: “Um dia virá em que o país, finalmente, se reconciliará com o seu passado e com a sua história, com dignidade e sem complexos de culpa. Existe ainda um certo inconsciente coletivo, doentio e com laivos de frustração, onde predomina uma cultura de intolerância, incapaz de ao menos admitir que se entenda a história, muito embora reprovando alguns dos que foram seus autores”.

Estamos em Janeiro de 1968, no primeiro dia, e ele escreve: “A Guiné será muito em breve para mim e para todos estes heróis que me acompanham como que um sonho que me aconteceu ontem” e volta a registar que foi à caça, apanhou algumas rolas. No dia seguinte compareceu a uma cerimónia religiosa de Mandingas. Volta a Guidage e deixa escrito que volta a estar de candeias às avessas com o comandante de companhia: “É um louco. Agora deu-lhe para martirizar o pessoal da secretaria com trabalho noturno. Como de costume, levanta-se perto do meio-dia. À noite dá-lhe para chatear toda a gente. Passa o tempo a berrar e a gritar". Viaja até Farim ao encontro do pelotão que ficará em Guidage no interregno da rendição. A tropa que estava em Guidage veio com ele para Binta, são homens esfarrapados, assiste a um grau de abandalhamento e desmotivação, isto quando o inimigo existe para além do rio. Já se fala em condecorações e louvores, o que verdadeiramente o preocupa é se o governo em Lisboa está devidamente informado sobre o evoluir da guerra. E chega a lancha Alfange, que os leva até Bissau, mas não foi uma viagem linear. A lancha chegou, desembarcaram os periquitos, subiu a CCAÇ 1546, em Farim entrou a CCAÇ 1548 e a CCS, voltaram a Binta, passadas umas escassas centenas de metros foram alvejados com bazucas e canhões, regressaram a Binta, permaneceram toda a noite a bordo da lancha. Não havia memória de ataques a embarcações da marinha tão perto de Binta.

Desembarcaram de novo em Binta e ao meio-dia dá-se um acidente, um cabo pegou numa granada de bazuca, a granada que caiu ao chão explodiu, o cabo sofreu ferimentos mortais e dois camaradas ficaram gravemente feridos e foram evacuados para o Hospital Militar em Bissau. Finalmente todo o pessoal regressou para a Alfange e ao amanhecer atracaram ao cais do Pindjiquiti. Chegara a hora das delícias em Bissau, mas ainda há trabalho, como ele anota no seu caderno: “Acompanhei vinte soldados a exame da quarta classe. Fizeram as provas escritas. A sabedoria deles não era muita, mas eu lá fui fazendo de espírito santo de orelha… Voltei com os soldados a exame. Hoje fizeram as provas orais. Passaram todos. Este diploma é a única coisa importante que levam desta terra”. Quando sabe que o BCAÇ 1887 recebeu um louvor coletivo, comenta: “Seria bem melhor que estes homens quando chegassem às suas terras pudessem contar com estruturas de apoio que os ajudassem a conseguir trabalho, a ter condições de acesso a cuidados de saúde, e a uma boa integração no meio social e familiar. As sequelas desta vida de sofrimento vão fazer-se sentir ainda por muito tempo, ou talvez para sempre. E não serão estes louvores a amenizar as suas consequências”.

Embarcam no Quanza. O seu pensamento vai para os que tombaram em combate, recorda os que adoeceram, os feridos em combate. E muito mais: “E lembrei-me de um povo rude e generoso, junto de quem vivemos, a quem a tropa ajudou a minorar os efeitos da miséria e do atraso em que vive, mas povo que nos ajudou, também, as vezes com enorme sacrifício, a viver os nossos tristes dias”. Nem durante a viagem desfalece a escrita: “Vi o sol nascer, com um brilho maravilhoso a pratear as águas do oceano em toda a dimensão do horizonte”; “o mar por estas paragens anda bastante agitado, sopra continuamente um vento bastante frio que se dirige para sudeste”; “o oceano assemelha-se a um grande lago, grande até não ter fim, onde todos vamos, serena e alegremente navegando, comove-me, até ao mais íntimo de mim mesmo, esta grandeza que não termina, este mundo de luz e mistério perante o qual sinto mais presente a minha pequenez que também não tem fim”.

E agora o desembarque, é uma algazarra indescritível, num ambiente festivo incomparável. E lavra a sua última página:
“Soldados desconhecidos, heróis de um império agonizante, quem será capaz, amanhã, de os recordar?
Aos mortos da CCAÇ n.º 1546, que tombaram pelas terras da Guiné, fica em homenagem ao seu sacrifício esta modesta página de um livro, que eles também ajudaram a escrever.
A partir do quartel da Amadora, a tribo muito unida que fomos espalhou-se rapidamente em todas as direções, num adeus de saudade. Que não seja uma separação para sempre. Que fique apenas a amizade construída na alegria e na dor de tantos longos dias que a tornam profunda e inesquecível.
Que ninguém mais esqueça o camarada que caiu a seu lado!
Que ninguém mais esqueça o amigo de todos os dias, junto de quem sofreu e lutou.
Se não fosse a Guiné e a guerra, enquanto conjunto de homens, nunca mais chegaríamos a existir…”.
____________

Nota do editor

(*) Vd. postes de:

29 de Dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14093: Notas de leitura (661): “Guiné 1966, reportagens da época”, edição de autor de Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887 (Mário Beja Santos)
e
2 de Janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14109: Notas de leitura (663): “O céu de Guidage”, por Domingos Gonçalves, edição de autor, 2004 (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 9 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14132: Notas de leitura (668): “Honório Pereira Barreto”, escrita pelo médico Jaime Walter, e editada em 1947 pelo Centro de Estudos da Guiné Portuguesa (Mário Beja Santos)

domingo, 11 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14141: Agenda cultural (369): Dois próximos concertos da banda Melech Mechaya: Porto (Casa da Música), dia 17, sábado; e Lisboa (Centro Cultural de Belém), dia 23, sexta feira... Apresentação do novo CD "Gente Estranha"... (O espectáculo no CCB está praticamente esgotado)


Melech Mechaya > Teledisco > "Espírito livre" (2º single do CD "Gente Estranha", 2014) > "Foi gravado num espaço lindo e carismático, insubstituível na memória e formação de muitos músicos (incluindo alguns de nós), que está a degradar-se e necessita de intervenção urgente: a Escola de Música do Conservatório Nacional. Este vídeo é (também) o nosso pequeno contributo para esta causa" (Vd. página no Facebook)

Vídeo 3' 44'' (Cortesia da banda Melech Mechaya


Porto | Casa da Música | Sala 2 | 17 JAN 2015, Sábado 22h00

Programa e Sinopse

Os Melech Mechaya são uma das mais excitantes bandas portuguesas do momento, com uma expansão notável a nível internacional.

Com meio milhão de visualizações no YouTube, este quinteto de Lisboa e Almada actuou mais de 250 vezes em 10 países de 3 continentes. 

A banda trabalhou com artistas premiados como Frank London, Mísia, Amélia Muge, Pedro da Silva Martins (Deolinda) ou a companhia de teatro catalã La Fura Dels Baus.

 Os últimos dois álbuns foram distribuídos internacionalmente pela histórica editora italiana de músicas do mundo Felmay. 

O disco de 2011 “Aqui Em Baixo Tudo É Simples” figurou na lista de melhores discos do ano da revista Blitz, esteve várias semanas nos topes de rádios dos EUA, Espanha e Portugal, e foi nomeado para Melhor Disco Instrumental nos Independent Music Awards. 

O novo álbum “Gente Estranha”, editado em Março de 2014,, atingiu já o 3º lugar no top iTunes PT de Músicas do Mundo, e o single “Gente Estranha” atingiu o 14º lugar no Blue Top da MTV

Preço: 10 (dez) euros | 25% desconto (cartão amigo). Fonte: Casa da Música, Porto


Lisboa | CCB - Centro Cultural de Belém | Pequenio Auditório  | 23 JAN 2015 Sexta-feira 21h00


Sinopse

Apresentação do novo disco "Gente Estranha"

(...) A não perder, o concerto desta "banda que deveria ser contratada, em todo o lado, agora" (John Pheby, "fRoots Magazine", Reino Unido).

Crédito: Ivo Cordeiro
Produção: CCB

André Santos: Guitarra
Francisco Caiado: percussão
João da Graça: violino
João Novais: contrabaixo
Miguel Veríssimo: clarinete
PROMOTOR
Fundação Centro Cultural Belém
Preço: 11 € a 13,5€  Fonte: Ticketline

Observ - O João Graça, um dos membros da banda, é também membro da Tabanca Grande. E conta, entre os amigos e camaradas da Guiné, gente amiga... que ele vai gostar de rever tanto no Porto como em Lisboa (aqui o espetáculo está quase esgotado).

_______________

Nota do editor:

Último poste da série > 3 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14112: Agenda cultural (372): Apresentação do livro "O Fim do Império", do jornalista Ribeiro Cardoso, dia 8 de Janeiro, pelas 15h00, na Messe de Oficiais, Praça da Batalha, Porto (Manuel Barão da Cunha)

Guiné 63774 - P14140: As nossas queridas enfermeiras paraquedistas (33): A minha homenagem a essas grandes mulheres Portuguesas (Abel Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), com data de 7 de Janeiro de 2015:
 
Camaradas:
Vou reportar-me ao ano de 1968 para dar também o meu contributo e prestar, ao mesmo tempo, a minha homenagem a essas grandes mulheres Portuguesas, que nos teatros de operações muito sofreram para que os seus camaradas não sentissem tanto as agruras da guerra, as nossas Enfermeiras Pára-quedistas.

Mulheres de uma estirpe fora do comum, que na hora de prestar o seu auxílio a quem precisava, não o regateavam e, deixando para trás tudo e todos, lá iam com a sacola dos primeiros socorros às costas em auxílio de quem deles precisava, sem se preocuparem com o zumbido da bala traiçoeira ou da mina camuflada na picada.

Fui testemunha de um caso em que alguns camaradas ficaram feridos e outros faleceram, junto ao destacamento do CHE-CHE, local onde se encontrava posicionada a jangada “Rio Corubal“ que fazia a travessia para Madina do Boé e Béli, locais por onde andou a CART 1742.
Dizia eu que assisti a uma Senhora Enfermeira Pára-quedista tratar com tal carinho e sentido profissional, um camarada que sofreu a acção sobre si de uma mina traiçoeira. Aquela mulher, sabendo que o ferido tinha pouca ou nenhuma hipótese de sobreviver, tratou dele como se de um filho tratasse, chorou e, esquecendo que estava numa zona perigosa com rebentamentos à mistura, voltou-se para um outro camarada que também precisava dos seus cuidados, tratando-o com o mesmo carinho e desvelo.

Hoje, passados todos estes anos, ainda tenho gravado na minha mente o estoicismo, o querer e o amor fraternal que essa Senhora Enfermeira nutria pelo seu semelhante, vejam o caso da enfermeira Celeste, é bem demonstrativo daquilo que a Mulher Portuguesa é capaz.

Guiné - A Enf.ª Pára-quedista Giselda Antunes e o Fur Mil Pilav Gil Moutinho em Alerta

Guiné, 1973 - Evacuação do Ten Pilav Miguel Pessoa. Na foto a Enf.ª Pára-quedista Giselda Antunes que mais tarde casou com ele.

Fotos: © Miguel Pessoa

Guiné, 1965 - Uma evacuação. Na foto a Enf.ª Pára-quedista Aura Rico Teles
Foto: © Aura Rico Teles

Quero deixar aqui expressas toda a minha admiração e gratidão às Enfermeiras Pára-quedistas Portuguesas, para todas elas, as que partiram e aquelas que felizmente ainda cá estão, o meu abraço, e bem hajam.

Sem mais, queiram receber um abraço fraterno do camarada e ex-combatente
Abel Santos
____________

Nota do editor

Último poste da série de 6 de janeiro de 2015 > Guiné 63774 - P14123: As nossas queridas enfermeiras paraquedistas (32): A morte da camarada Enfermeira Paraquedista Celeste Costa (Giselda Pessoa)