Brunhoso - Com a devida vénia
1. Em mensagem do dia 17 de Março de 2015, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), fala-nos dos festejos do Caranaval de antigamente da sua terra, Brunhoso.
Brunhoso há 50 anos
3 - Festejos do Entrudo
Como em quase todas as terras do nordeste transmontano e provavelmente na maioria das aldeias do interior do país, em Brunhoso celebravam-se três festas anuais: o Carnaval, o Natal e festa a um santo que nem sempre coincidia com o santo padroeiro.
No Carnaval, festa do tempo frio de Fevereiro, comia-se em excesso, sobretudo ao almoço, era o tempo das casulas com o bulho, noutras terras chamado butelo, o pé de porco, a orelha, a linguiça, tudo cozido numa grande panela de ferro à lareira. Bebia-se em excesso sobretudo vinho, durante o dia e noite, até as forças e as pernas o permitirem.
Os rapazes todos os anos faziam um grande boneco, com roupas velhas, que enchiam de palha, muitos deles vestiam-se com roupas de mulher ou disfarçados doutras formas, eram os caretos, passeavam pela aldeia, esse boneco, que era o Entrudo, num carro de vacas ou às costas de uns e outros, ao som de quadras improvisadas referidas ao dia e à figura, com muitas bombas de carnaval e bombas de lágrimas coloridas (rasca-pés na gíria do povo). Essa figura, da qual desconheço a origem e a idade, ganhou tanta importância que só recentemente entendi por que é que os meus conterrâneos falavam sempre no dia de Entrudo e não no dia de Carnaval. No Carnaval o rei era o Entrudo, um rei maltratado com violência física e verbal.
Acredito que quase toda a aldeia perdeu a memória da palavra Carnaval para se fixar somente no Entrudo, essa figura trágica, tão maltratada. O Carnaval ou Entrudo que dizem alguns eruditos terá origens em cultos anteriores ao cristianismo, tem um pouco de todos esses excessos dalgumas festas gregas, celtas, romanas e doutros povos, é pois natural que tenha uma origem muito antiga. Sendo uma festa popular, de brincadeiras, excessos vínicos e outros, sobretudo masculinos, pois era uma festa de rapazes e homens.
Festa que as mulheres toleravam e em que passivamente participavam, mostrando bastante medo, real ou ficticio pelo Entrudo e pelos caretos, e na alimentação melhorada em doces e petiscos que faziam, sabendo que estavam a contribuir para melhorar essa grande farra que era sobretudo deles, dos seus homens e dos seus filhos.
Caretos de Trás-os-Montes
O trabalho era muito, era duro, quase não havia dias de folga, os homens tinham direito a esse dia de descontração e de abandono das regras a que essa vida dura os obrigava. A Igreja, embora contrariada, também tolerava essa festa que não era dedicada a nenhum Deus ou Santo do seu calendário. A Quaresma estava à porta e os homens seriam obrigados a cumprir muitas penitências.
O antigo regime sendo tão austero e pouco tolerante com manifestações populares, sempre admitiu esse desvario, esse excesso com tanto álcool, bombas e arruaças.
Nunca se deve impedir a respiração da alma de um povo, Salazar, um ditador bastante erudito, criado junto do povo, compreendeu isso. A democracia, oxalá se mantenha, tem procurado acabar com o Carnaval. Para mim isso é das ofensas mais mesquinhas que têm tentado fazer ao povo, e estou a falar do povo mais humilde, que é o que mais se diverte nesse dia. É muito grave tirar-lhe o pão, mais grave ainda é querer tirar-lhe a alma e a alegria de viver.
Quem quis ou quem quer acabar com o Carnaval, nunca bebeu um copo de vinho numa roda na praça de uma aldeia, a passar de boca em boca, nunca conheceu nem amou esse povo simples e trabalhador.
Quando se fala tanto e se promovem patrimónios materiais e imateriais de Portugal para turista estrangeiro ver, ouvir, apreciar, porquê querer destruir a alma de um povo naquilo que ela tem de mais antigo, tão antigo, que ele encontra e abraça, uma multidão de parentes e amigos, que consigo vêm confraternizar nessa grande festa, nesse convívio tão pleno de emoções, tão alargado aos que partiram para longes terras, aos que continuam a sobreviver lá, em condições cada vez mais difíceis e aos que partiram para lá da vida.
VIVA O CARNAVAL! VIVA O ENTRUDO!
Saudações Transmontanas!
Um abraço
Francisco Baptista
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Nota do editor
Último poste da série de 18 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14381: Brunhoso há 50 anos (2): As Autoridades - Continuação (Francisco Baptista)