quarta-feira, 17 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14758: Os nossos seres, saberes e lazeres (101): Tomar à la minuta (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 20 de Maio de 2015:

Queridos amigos,
Concentrei-me nesta viagem no casco histórico e redondezas. Andei à procura dos sinais do tempo, e é bem verdade que há pedras que falam, estas ruas tem majestade, mas há para aqui uma descrição ou um recato muito portugueses, o que fazer as coisas numa dimensão humana, veja-se a sinagoga ou o edifício onde está o acervo de arte contemporânea doado por José-Augusto França. E arrebata, percorrendo a Tomar multisecular, pressentir que todos estes lugares e memórias mexem e remexem com todas as gentes, pois também daqui houve nome de Portugal, da cristandade, do delírio artístico, da ousadia henriquina e da fé inquisitorial de D. João III. Percorre-se Tomar e o seu cadinho de contradições que são as contradições em que nos habituamos a viver.

Um abraço do
Mário


Tomar à lá minuta (4)



A primeira tentação era sair de casa e deambular pela berma da estrada até à capela de S. Lourenço, depois andar à volta do padrão comemorativo da junção das tropas de D. Nuno Álvares Pereira com as de D. João I, daqui singraram para Aljubarrota e mudaram o curso da história. Findos estes encontros, seguia pela Estrada de S. Lourenço e entrava na Corredoura, sentia-me ansioso para calcorrear o casco histórico da cidade. Mas veio a modorra, encurtei o propósito e segui diretamente para a Corredoura. As ruas laterais são estreitas e os moradores socorrem-se destes “frades” para evitar destruições nas paredes, há aqui um sabor medieval a que se junta muita pedra à vista, mais adiante mostro portas bem sulcadas pelo tempo.


Guardo uma boa coleção de postais com mais de um século trocados entre a minha avó Ângela e os seus familiares aqui residentes. Uns fazem parte da coleção da Havaneza de Tomar, outros são anónimos. No entanto, a loja do Barateiro produziu bilhetes-postais, li no suplemento de “O Templário”, com data de Agosto de 2008, um soberbo guia onde se compara a Tomar de outras décadas com os tempos atuais, edição comemorativa dos 20 anos do novo “O Templário”, uso-o como bússola. Felizmente que o interior da loja mantém os toques e os tiques do que foi o seu comércio multifuncional, estas vitrinas e portadas Arte Deco são uma das marcas de classe desta rua Serpa Pinto do comércio elegante, de outras e destas eras.


Deu-me a veneta, saí da Corredoura e desandei por ruas laterais, e assim descubro uma porta aberta, um corredor longo e um estendal com lençóis ao fundo, não é proeza nenhuma captar toda esta alvura com uma determinada luz ao fundo do corredor, intervalada com estas manchas de castanho. Mas é um pouco dos mistérios tomarenses a que me acostumei e de que não me quero privar.


Mais uma guinada, parece que me sinto atraído pelo Nabão ou pelo Mouchão, mas não é verdade, sinto-me bem nestas ruas às vezes quase vielas ou ruelas, e assim me deparo com a entrada de uma casa cheia de arte contemporânea doada pelo professor José-Augusto França à sua terra-natal. Não vou entrar, fica para mais tarde, aliás de vez em quando venho aqui regalar os olhos com o Vespeira e outros artistas. Quedo-me nesta escultura do José Guimarães e ao fundo um painel de Eduardo Nery, as obras acasalam muito bem e penso como esta beleza sossegada tão bem se enquadra na placidez do cosmopolitismo tomarense, com tanta paisagem rústica à sua mercê.



É manhã de mercado, atravesso a ponte Arantes e Oliveira e mergulho na cor da comida e da roupa. Como ainda tenho outros desígnios para este calcorreio, fiquemos por aqui, imagens de frutos secos, há para ali também cheiro a açafrão e talvez caril, são lembranças da Índia que não se apagam no nosso ADN de descobridores e depois sinto a atração pela fruta do tempo, carnuda, polposa, vermelhusca, estou seguro que nem o mais hábil pintor encontraria pigmento para avivar as cores destes morangos e cerejas.


Tomar distinguiu-se pelas suas moagens e fiação, agora temos a lembrança, mais do que arqueologia industrial estes equipamentos irão ganhar vida, estarei à espreita para ver o que daqui sai, mas que está tudo formoso está, oxalá que lhe deem bom caminho, seja para formação, para espaço lúdico, hotel de charme ou de encontro entre o passado e o presente, e enquanto procuro o melhor ângulo para aconchegar esta beleza até questiono se não se devia pôr aqui o museu municipal de Tomar, há a casa Lopes Graça, a sinagoga, o museu dos fósforos, e a cidade multicentenária não precisa de um espaço para questionar o seu brilhante passado?




Sinceramente, é despiciendo identificar-se este património respeitado, usufrua-se o zelo e por certo o dever de memória que os proprietários quiseram ver preservado, o que interessa é o que é bonito de ver, aqui respira-se a ondulação do tempo e como ele desagua naquele conceito largo que designamos pela nossa pátria bem-amada, aquele salutar princípio de que somos um velho povo, tão antigo que as suas pedras nos ressoam pelos nossos passos perdidos onde pisamos presente e futuro.






Eis a sinagoga de Tomar, construída em meados do século XV, e que andou em bolandas desde que o Senhor D. Manuel I, o mesmo que mandou construir a edificação que embelezou para todo o sempre a Charola do Convento de Cristo, expulsou os judeus e nos privou deste ramo precioso da cultura, da ciência e dos negócios, Aqui sente-se a influência oriental e quem entra leva uma injeção de sabedoria sobre o simbolismo das colunas e capitéis, fala-se nas 12 tribos de Israel, nas 4 matriarcas de Israel, exalta-se a acústica do templo. O que mais me interessa é a harmonia do seu interior, a sua porta principal que está no prédio ao lado, e sair para a Judiaria, marcho impante por estes trabalhos, pelo desvelo da guia e pela luz que fica nestas imagens. O deus único fala por si.

(Continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 10 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14726: Os nossos seres, saberes e lazeres (99): Tomar à la minuta (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 13 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14741: Os nossos seres, saberes e lazeres (100): Passeio turístico a Sanxenxo (Galiza) promovido pelo Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P14757: Parabéns a você (921): Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas do BCAÇ 3872 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 14 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14743: Parabéns a você (920): Francisco Silva, ex-Alf Mil Art da CART 3492 e Pel Caç Nat 51 (Guiné, 1971/74)

terça-feira, 16 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14756: Em busca de... (259): Fotos do cinema de Bafatá, c. 1970 (António Martins, arquiteto, Bigarquitectura, Braga)

1. Mensagem do nosso leitor António Martins, arquiteto [, ESBAP, 1978], coordenador da equipa da Bigarquitectura [, foto à esquerda, cortesia da respetiva página na Net]
Data: 19 de maio de 2015 às 17:22

Assunto: cinema Bafatá

Caro Luis Graça


Não fui combatente na Guiné, porque, na altura em que eu teria que cumprir o serviço militar, já tinha acabado a guerra.

Tenho no entanto desde há 5 anos uma ligação forte com a Guiné e, como sou arquiteto, tenho um especial interesse pelos edifícios coloniais ainda existentes e que, infelizmente, estão, na sua maioria, senão destruídos, em muito mau estado de conservação.

Depois de ter visto o magnífico documentário Bafatá Filme Clube, de Silas Tiny, fiquei com imensa curiosidade sobre o edifício. Acontece que, após consulta intensiva na internet, não consegui obter imagens do edifício enquanto este era novo e estava em bom estado de conservação. Todas as fotografias que descobri reportam-se ao edifício em muito mau estado de conservação, ou mostram-no após as (pequenas) obras de recuperação que sofreu para as filmagens.
Um aparte: Curiosamente, consegui imagens interessantíssimas e da época, relativas ao edifício do Sporring Clube de Bafatá.

Assim sendo, agradecia que colocasse no seu blog este meu apelo, no sentido de que me sejam enviadas eventuais fotografias do cinema, isto é, logo após 1968/1970.

Desde já o meu obrigado.

Com os melhores cumprimentos,
A. Martins

big@bigarquitectura.pt

www.bigarquitectura.pt




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 2010 > Aspeto do edifício do cinema local, construído no inícío da década de 1970... O regresso do Fernando Gouveia, 40 anos depois... O nosso blogue e sobretudo o Fernando Gouveia acabaram por estar também na origem do filme, estreado em 2013, do realizador português, de origem santomense...

Recorde-se que o Fernando Gouveia  (i) foi alf mil rec inf, Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70; (ii) é autor do romance Na Kontra Ka Kontra, Porto, edição de autor, 2011; e (iii) é arquiteto, reformado, residente no Porto.

Foto: © Fernando Gouveia (2014).Todos os direitos reservados. [Edição: LG]

2. Comentário do editor:

Meu caro arquiteto, as nossas desculpas pelo atraso na publicação do seu pedido, mas a nossa equipa é curta de recursos (humanos, técnicos, financeiros...). Infelizmente, falta-nos,nos nossos arquivos,  uma foto do cinema quando "jovem" (c. 1970)... Mas o nosso Fernando Gouveia, ele próprio arquiteto e residente no Porto, pode ser que dê uma ajuda preciosa... Ele é contemporâneo da construção do cinema, tendo estado em Bafatá em 1968/70. Vou contactá-lo. Ele tem um álbum fotográfico precioso da nossa querida "princesa do Geba", com muitas fotos, de resto, já aqui publicadas ao longo dos 11 anos de existência do blogue.   Vamos também apelar aos nossos camaradas que passaram por (ou estiveram em) Bafatá nessa época.

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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de junho de  2015 > Guiné 63/74 - P14754: Em busca de... (258): Joaquim Santos Viana procura camaradas da CCAV 1748 (Contuboel e Farim, 1967/69)

Guiné 63/74 - P14755: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (8): Início de Maio de 1973 – Os devaneios e a crueza da guerra

1. Em mensagem do dia 10 de Junho de 2015, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos a 8.ª página do seu Caderno de Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

8 -  Início de Maio de 1973 - Os devaneios e a crueza da guerra

Nos primeiros dias de Maio de 1973, associei-me a outro camarada e comprei um “estúdio fotográfico” a uma “sociedade” de alguns graduados da Companhia que viemos render. Não temos qualquer formação em fotografia mas o gosto e uma mini formação dada pelos antigos donos devem ser suficientes e, como eles dizem, aprendendo com os erros, pode ser que consigamos ter sucesso.
[Grande ingenuidade! Além do mais, nesta fase da comissão nem sequer possuía máquina fotográfica e o outro camarada também não. Acreditámos que seria suficiente processar os rolos dos “clientes” e depois vender-lhes as fotografias. É certo que, nalguns casos, pedíamos uma máquina emprestada e fazíamos tudo. Grande parte das fotografias em papel que possuo hoje, fui eu que as fiz e processei. Mas a ideia era aguentar a situação até às minhas primeiras férias e na Metrópole comprar uma máquina].

Pessoalmente, ainda que sem meios, sempre tive o gosto pela fotografia, talvez por as artes em geral fazerem parte do meu universo desde miúdo. Se conseguirmos pagar o investimento, tanto melhor. A maioria do pessoal da Companhia, como é evidente, são soldados sem grandes recursos, mas todos gostam de enviar uma ou outra fotografia à família e, para isso, arranjam-se sempre uns tostões. O “estúdio” está instalado numa pequena palhota da tabanca de Nhala, mas próxima do aquartelamento. Dispõe do equipamento e “mobiliário” essenciais e dos produtos reagentes e papel que, quando acabam, se mandam vir de Bissau. O ampliador eléctrico está em boas condições, apesar da muita humidade. Já percebi que os líquidos (revelador e fixador) devem ser usados a temperaturas controladas, mas aqui, mesmo de noite, é melhor esquecer o termómetro. Como também não há água corrente, vai ser preciso muito engenho e paciência nas lavagens do fim do processo.
[O tempo mostrou que o engenho e a paciência não foram suficientes. Com o passar dos anos as fotografias foram ficando cada vez mais brancas, resultado das más lavagens, com algumas boas excepções].


Mulheres de Nhala em data provável anterior a 1973. Revelei e fixei esta fotografia (e outras), a partir de restos de negativos deixados pelos anteriores donos do “estúdio”. 
Autor desconhecido.

Estamos no início de Maio, recém-chegados ao interior da Guiné, e já a ideia de fazer do aquartelamento de Nhala a nossa casa, aconchego e conforto a cada regresso operacional, começa a parecer um devaneio. Mais ainda a ideia de fazer fotografia ou ter sossego para qualquer outra actividade lúdica: só devaneios.
Pairam negras e espessas nuvens sobre o futuro próximo da nossa Companhia e de todo o Batalhão. Batalhão inicialmente instalado para substituir no terreno o BCAÇ 3852, (que vai ter de prolongar a sua comissão), mas que já tem instruções para passar a actuar como força de intervenção, orientada para a região de Nhacobá. Ora, as notícias que nos chegam diariamente dessa região - aqui tão próxima - são as mais desanimadoras: minas, flagelações, contactos directos, mortos e feridos. Começou por falar-se na saída de um grupo de combate de Nhala em reforço de uma unidade dessa região, mas não vai ser bem assim: todos sairão, alternando-se.
[Julgo que foi neste período de grande constrangimento, que o Cap. B. da C. me comunicou uma informação que me deixou de rastos: a nível do território (todo?) estava a ser organizada uma grande equipa de sapadores e especialistas de minas e armadilhas para intervirem numa operação prolongada de desminagem nas matas do Cantanhês. Na altura nem sabia para que lado ficava isso, mas o meu nome estava indicado para integrar a equipa. Para me animar, o capitão disse-me que ia fazer todos os possíveis para o meu nome ser retirado. Não recordo o desenvolvimento desta acção no Cantanhês, tão pouco se chegou a acontecer, mas a verdade é que eu nunca fui convocado].

Nhala, Maio de 1973 – Eu e o meu estado de alma. Que era mais ou menos o retrato de todos, porque eu não era mais egocêntrico do que os outros.

[O meu estado de alma era tal, que em 10 de Maio de 1973 escrevia para a Metrópole uma carta azeda que, só hoje, dez anos passados (1983), me apercebo de como deveria ter sido duro lê-la cá, a frio, sem ter a noção do moral que imperava em Nhala quando ela foi escrita. Depois de fazer alguns comentários a umas notícias sobre o 1.º de Maio em Portugal (o último em ditadura) acabadas de receber numa carta que tinha à frente, dizia assim: 
“ (...) Ultimamente ando com os nervos arrasados não sei porquê (!), e só me apetecia deitar a baixo, de uma vez para sempre, esta merda aqui e essa merda aí e toda a merda entre aí e aqui”. 
Isto a uma dezena de dias de ter chegado a Nhala, pois as decepções e as más notícias estavam a acontecer com um ritmo vertiginoso. Creio que foi a partir desta carta que deixei de escrever para casa e para a namorada, atitude inqualificável, mas que na altura era a minha vontade de rotura com tudo e com todos, excepto os camaradas de infortúnio que tantas vezes me animaram. Recordo que, muito mais tarde, foi o Cap. V. da G., Cmdt. da Companhia de Cumbijã, que entretanto aí tinha conhecido, que, num regresso de férias da Metrópole me abordou em Nhala, onde me encontrava na ocasião, e me deu um duro e merecido correctivo, instigando-me a que escrevesse rapidamente para casa, onde todos estavam desesperados. Isto porque, antes de ter deixado de escrever, dissera ao meu pai que conhecera ali na zona o capitão V. da G. que era de Buarcos e que em determinada data estaria de férias na terra. E o meu pai, coitado, procurou-o para saber se algo me tinha acontecido. Ainda hoje tenho uma enorme dívida de gratidão para com o V. da G].


14 de Maio de 1973 (segunda-feira)

Até agora tudo normal, mas vai mudar. Dois grupos de combate hão-de ir para Aldeia Formosa: fizemos sorteio e calhou-me o azar a mim e ao alferes T.B. Em princípio previa-se que íamos tomar parte, directa ou indirectamente, numa operação de grande envergadura. Fala-se em 1500 homens.


15 de Maio de 1073 (terça-feira)

Saímos à tarde para Aldeia Formosa sem outro armamento que não fosse a G3, pensando requisitar à chegada a Aldeia, pelo menos morteiros de 60 mm, lança-granadas, granadas para as respectivas armas e dilagramas. À passagem por Mampatá fazem-nos descer da coluna, a mim e ao T.B. com os nossos Grupos de Combate, mais dois GC dos “velhinhos” de Nhala (CCAÇ 3400), e dizem-nos que iremos ficar aqui por tempo indeterminado. Em pouco tempo arrasei os poucos nervos que me restavam: ficamos aqui sem saber por quanto tempo, sem o armamento necessário, a maior parte do pessoal sem dinheiro e todos apenas com o que trazemos vestido. Soubemos depois que vínhamos reforçar a Companhia de Mampatá em serviços ao aquartelamento, na segurança às máquinas da Engenharia na estrada (para Nhacobá) e no reforço do aquartelamento de Colibuía (entre Mampatá e Cumbijã). À noite houve que sortear a ida de dois grupos para Colibuía e dois para ficarem em Mampatá: foi o T. B. com o seu grupo e mais um grupo da CCAÇ 3400 de Nhala e fiquei eu com o meu grupo mais outro da CCAÇ 3400 comandado por dois furriéis. Fiquei para os serviços ao aquartelamento e escoltas a Aldeia Formosa, e o outro grupo para a segurança às obras da estrada de Nhacobá. Posteriormente trocaremos de funções.

(continua)

Texto e fotos: © António Murta
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14720: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (7): Levantar minas. Ponte interrompida

Guiné 63/74 - P14754: Em busca de... (258): Joaquim Santos Viana procura camaradas da CCAV 1748 (Contuboel e Farim, 1967/69)

Em busca de camaradas da CCAV 1748, Contuboel e Farim, 1967/69


1. No passado dia 11 de Maio de 2015 recebemos de Mário Miguel Rangel a seguinte mensagem:

Exmo. Sr. Luís Graça e restantes Camaradas,
Bom dia,

O meu nome é Mário Miguel Rangel, sou do Porto, tenho 32 anos e venho por este meio contactar convosco devido às conversas que tenho mantido com o meu sogro nos últimos tempos.

O meu sogro, Joaquim dos Santos Viana, foi combatente na Guiné, Companhia de Cavalaria 1748, de Julho de 1967 a Junho de1969, e nas conversas que temos mantido tem-me transmitido a sua tristeza devido ao facto de, ao longos destes anos, não ter conseguido reunir-se com os camaradas com quem partilhou aqueles anos.
Transmitiu-me que, em tempos, tentou conseguir o contacto de alguns mas os resultados não foram satisfatórios e, ao que parece, a referida companhia não tem nenhuma "organização" criada.

Face ao exposto, gostaria de vos pedir, por favor, a vossa ajuda no sentido de poder identificar camarada(s) do meu sogro e possivelmente organizar algum convívio.

Agradeço desde já toda a ajuda que me possam oferecer.
Sem outro assunto de momento
Com os melhores cumprimentos
Mário Miguel Rangel
E-mail: mariomiguelrangel@gmail.com


2. No dia14 foi enviada a seguinte mensagem/resposta:

Caro amigo Mário Rangel
Na verdade não temos nenhuma referência à CCAV 1748 no nosso Blogue, logo pouco podemos ajudar.
Pesquisando na net encontrei na página do nosso camarada Jorge Santos um pedido de contacto de Francisco Fartouce (CCAV 1748), que tem o telemóvel 964 506 350.
Encontrei também referências a um frequentador dos almoços das quarta-feiras da Tabanca de Matosinhos, o Capitão Reformado da GNR, Leite Rodrigues, que foi Alferes na CCAV 1748, que foi evacuado por ter sido ferido em combate.
Pode ler aqui: http://tabancapequenadematosinhos.blogspot.pt/2010/01/310-encontro-de-bons-camaradas.html -
Tem uma foto dele actual, não sei se ajuda.
Se autorizar que se publique a sua mensagem no sentido de tentar encontrar mais alguém, talvez não fosse pior mandar mais elementos sobre o senhor seu sogro, como:
Posto Militar, Especialidade e como era mais conhecido. Ajudaria também uma foto da altura.
Se quiserem posso tentar arranjar um contacto do Cap Leite Rodrigues.

Ao vosso dispor
Carlos Vinhal


3. Que deu origem a esta mensagem de 31 de Maio:

Estimado Carlos,
Muito obrigado pela sua resposta.
Antes de mais peço-lhe desculpa por não ter respondido antes mas estive fora do país em trabalho e só regressei este fim de semana.
Agradeço que publique a minha mensagem, pois assim, pode ser que seja possível encontrar mais camaradas.
Anexo envio-lhe uma foto do meu sogro.

Um grande Abraço e mais uma vez o nosso muito obrigado pela sua ajuda.
Mário Miguel Rangel


4. Comentário do editor

Aqui fica o pedido do nosso camarada Joaquim dos Santos Viana, da CCAV 1748, no sentido de encontrar os seus camaradas de armas.

Sobre a CCAV 1748 publica-se digitalização da página 507 do 7.º Volume - Fichas das Unidades - Tomo II - Guiné, da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) - Edição do Estado-Maior do Exército.

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Nota do editor

Último poste da série de 29 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14540: Em busca de... (257): Elementos do conjunto musical "Os Bambadincas": o Toni (cantor romântico), o Serafim (baterista), o Peixoto (viola ritmo e cantor pop) e mais um outro 1º cabo, que era viola baixo...Eu sou o o "Braga", viola solo, e queria muito abraçar-vos, na Trofa, no próximo dia 30 de maio, por ocasião do convivio do pessoal de Bambadinca 1968/71

Guiné 63/74 - P14753: Convívios (690): Almoço de confraternização do pessoal da CCAÇ 16, dia 27 de Junho de 2015, em Bragança (António Branco)

1. Mensagem do nosso camarada António Branco (ex-1.º Cabo Reab Mat da CCAÇ 16, Bachile, 1972/74), com data de hoje, 10 de Junho de 2015:

Boa tarde 
Desejo informar os seguidores do nosso blogue que estiveram na Guiné e na CCAÇ 16, que se vai realizar no próximo dia 27, mais um almoço de confraternização dos ex-camaradas que passaram por aquela unidade. 

Este evento vai ter lugar este ano em Bragança, no restaurante Ares da Serra e os interessados podem contactar Fernando Alves para o número 273 332 809. 

Aproveito a oportunidade para actualização dos meus dados no blogue nomeadamente a data de nascimento: 24/06/1950

Um Alfa Bravo
António Branco
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14751: Convívios (689): XVII Encontro do pessoal da CCAV 2748 levado a efeito no passado dia 6 de Junho de 2015 nas Caldas da Rainha (Francisco Palma)

Guiné 63/74 - P14752: Inquérito online: Resultados finais (n=194): 45% do pessoal que passou pelo CTIG admite que não teve relações sexuais com nenhuma mulher guineense... Se a nossa amostra fosse representativa dos 200 mil militares metropolitanos que passaram pelo CTIG, a proporção deveria ser bem maior (talvez c. 75%)




Quadro - Resultados da sondagem  "on line" que decorreu no nosso blogue entre 8 e 14 de junho de 2015. Total de respostas: n=194


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015)


1. Resumindo, podemos dizer que;

(i) Cerca de 45% dos votantes, admite nunca ter tido relações sexuais com mulheres guineenses, ao tempo da guerra colonial (1961/74);

(ii) Um total de 68 (cerca de 35%)  diz que teve relações pelo menos uma vez (12%) ou mais do que uma vez (23%);

(iii) Há uma minoria (n=38) (menos de 20%) que tinha relações sexuais com mulheres guineenses "bastantes vezes" (10%) ou com "muita frequência" (9%).

(iv) Apenas um respondente votou na hipótese "não sei/não me recordo".


2.  Estamos longe da célebre estimativa do Jorge Cabral que apontava para um total de 80% a 90% de militares,  metropolitanos, que nunca terão tido relações sexuais com mulheres guineenses (*)... 

O "alfero Cabral" não se baseia em quaisquer estudos, de resto inexistentes, sobre esta matéria (que não terá merecido qualquer especial atenção por parte da hierarquia das nossas Forças Armada). Baseia-se, isso sim, na sua perceção e na sua experiência "no terreno". 

É o conhecimento de causa que lhe permito, inclusive, desenvolver a curiosa "teoria da alferofilia", ou seja, a particular atração sexual de que eram objeto (e não apenas sujeito) os oficiais milicianos, em especial os que tinham funções de comando... Espero que ele se ponha fino e bom para explicar e exemplificar melhor a sua "teoria do caneco" (**), de resto, verosímil, já que, como é sabido, o poder é afrodisíaco...






Um caneco que ainda vai fazer furor entre as bajudas da Guiné-Bissau, na próxima incarnação dos guerreiros do Império: "Kiss me, I'm an Alfero" [Beija-me, sou um Alfero] (**)...

Foto: © Jorge Cabral (2009). Todos os direitos reservados.



Para se ler corretamente os resultados da sondagem, é preciso ter em conta, em todo o caso, que nesta amostra de 194  ex-combatentes, é muito provável que haja uma sobrerrepresentação dos milicianos (alferes e furrieis) em detrimento do pessoal do recrutamento geral (1ºs  cabos e soldados), reflectindo a estrutura populacional da Tabanca Grande (onde tendem a predominar  os antigos milicianos).

As contas são fáceis de fazer: passaram pelo TO da Guiné, ao longo dsa guerra (1961/74) cerca de mil unidades e subunidades (batalhões, conpanhias, pelotões)... A nossa Tabanca Grande tem menos de 700 elementos formalmente registados, entre "amigos" e "camaradas" ( mais exatamente, 691)... A grande maioria são ex-combatentes. Em todo o casoo, cerca de 6% de grã-tabanqueiros já morreram. Portanto, nem todas as unidades e subunidades têm um representante no blogue.  Algunas têm meia dúzia. E naquelas que têm pelo menos um representante,  é mais provável esse camarada seja um miliciano (alferes ou furriel)....

A explicação é intuitiva: os ex-milicianos, muitos deles continuaram a estudar, depois de passarem à peluda, tendo portanto um maior nível de literacia (funcional e informática) do que a generalidade do pessoal do recrutamnento geral...

De qualquer modo, se esta sondagem fosse representativa do contingente militar que passou pela Guiné (cerca de 200 mil homens), a proporção  de respondentes que adnitiram nunca ter tido relações sexuais com nenhum mulher local deveria ser da ordem dos 3 para 4 (75%).


A mãe da "menina do Gabu" que viveu em "união de facto" com um furriel
miliciano em  Nova Lamego, em meados dos anos 60
(Foto de José Saúde, 2011)
3. Não menos interessante é a existência de um minoria de camaradas nossos (9%) que tinham "relações sexuais com muita frequência", o que só pode ser explicado pelo facto de terem vivido maritalmente com uma mulher (guineense) no TO da Guiné...

Temos conhecimento de alguns (poucos)  casos de "bajuda com morança posta" por militar metropolitano, em geral não operacional (pessoal de apoio: saúde, manutenção, transmissões, secretariado, alimentação, transportes, etc.), vivendo fora do quartel,  e em aglomerados populacionais de maior dimensão (como era o caso de Bissau, Bafatá, Bambadinca, Nova Lamego)... Estas "uniões de facto" eram mais propícias à "geração" de "filhos do vento" ou "filhos da guerra"...

Achamos, todavia, que essa proporação (9%) peca por excesso... Quando muito, poderia haver um caso ou outro por companhia (que era constituída por 150/160 homens, incluindo 1 capitão, 4 alferes, 20 sargentos e furrieis)...

Atenção, que nos nossos aquartelamentos não havia qualquer privacidade: na melhor das hipóteses, quem tinha um quarto privativo era o capitão ou o comandante (alferes, no caso dos destacamentos), para além dos oficiais superiores (nas sedes de batalhão)...

Por outro lado, todos sabemos que, em tempo de guerra,  a "procura" (de favores sexuais) era muito superior à "oferta", nomeadamente no interior do território... E que casos (pontuais) de violação eram punidos disciplinar e/ou criminalmente,,, (É bom que isso se diga e se escreva!)...

Aguardemos os comentários e as demais achegas dos nossos leitores, que serão muito bem vindos (***)... LG

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Notas do editor:


(...) Comentário do editor LG:

A propósito da conferência “Filhos da guerra”, no âmbito do Festival Rotas & Rituais (Lisboa, Cinema São Jorge, 22 de maio de 2015), tomei nota no meu canhenho:

“Temos dificuldade em abordar em público este problema, o das nossas relações com as mulheres guineenses no tempo da guerra colonial. Pior ainda, num público feminino ( e senão mesmo feminista), português e africano, ou de origem africana… Somos, os homens, facilmente “suspeitos de cumplicidade” uns com os outros… Os homens são todos iguais, em toda a parte, defendem-se uns aos outros, dizem elas…

"A intervenção, longa e incisiva, do Jorge Cabral, em tempo de debate, acabou por provocar algum sururu na sala. Disse ele, em síntese:

- Defenderei até à morte a honra do soldiado português na Guiné. Nós não eramos nenhum emprenhadores compulsivos. Mais: atrevo-me a dizer que 80% a 90% dos soldados portugueses na Guiné não tiveram quaisquer relações sexuais com mulheres africanos… E se querem falar de prostituição organizada (que no meu tempo praticamente se restringia a Bissau e, em pequena escala, a Bafatá), pois tenho a dizer que é muito maior hoje, só na capital da Guiné-Bissau, do que no meu tempo" (...)

(**) Vd. poste de 28 de outubro de  2009 > Guiné 53/74 - P5172: Estórias cabralianas (56): Cum caneco, alfero apanhado à unha! (Jorge Cabral)

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14751: Convívios (689): XVII Encontro do pessoal da CCAV 2748 levado a efeito no passado dia 6 de Junho de 2015 nas Caldas da Rainha (Francisco Palma)

1. Em mensagem do dia 8 de Junho de 2015, o nosso camarada Francisco Palma (ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CCAV 2748 / BCAV 2922, Canquelifá, 1970/72), fala-nos do último Convívio do pessoal da sua Unidade.


17.º CONVÍVIO DOS EX-COMBATENTES DA CCAV 2748 

TORNADA - CALDAS RAINHA 

06 de Junho de 2015 

Olá Camaradas, boa tarde!
Aqui vai a notícia possível, sobre o encontro acima referido

O Restaurante O Cortiço em Tornada – Caldas da Rainha pela 3.ª vez continua a agradar e a concitar a atenção de uns quantos.

A quantos ao longo dos vários convívios nos têm acompanhado nos eventos acima mencionados o meu bem hajam.

Desta vez para além dos Camaradas da CCAV 2748, contámos com várias presenças: CCS, CCAV 2747 e CCAV 2749, o que fez um total de 85 presenças, combatentes e familiares, os quais já vão na 3. ª geração (netos/as), contámos ainda com representante da MAC (Movimento de Apoio ao Combatente) e seu Guia espiritual Sr. Padre Gonçalves.

 Foi um sem numero de abraços e recontar de lembranças, em que não dava tempo a um acabar para outro iniciar, muita alegria estampada nos rostos de todos os presentes.






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 Nota do editor

 Último poste da série de 12 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14739: Convívios (688): Rescaldo do XIII Encontro do pessoal da CART 2520, levado a efeito no passado dia 30 de Maio em Mira de Aire (José Nascimento)

Guiné 63/74 - P14750: Ser solidário (186): jornal APOIAR, nº 34. out / dez 2004 - Parte I: O então diretor da associação e do jornal Mário Gaspar com o então ministro da defesa Paulo Portas


Folha de rosto do nº 34 do jornal APOIAR, out / dez 2004 (, o último da direção do Mário Gaspar). Na foto, o então ministro da defesa, Paulo Portas, e à sua direita o Mário Gaspar. Desconhecemos quem era o outro camarada que está à direita do Mário Gaspar.  O último nº do jornal, o nº 92, mar /abr de 2015, está aqui disponível em formato pdf,  no sí.tiio da associação APOIAR. É atualmente seu diretor. o Manuel Vicente da Cruz. O jornal publica-se desde 1996.


1. Mensagem do nosso camarada Mário Gaspar, com data de 28 de maio último:

Caros Camaradas

Envio por mera curiosidade o último Jornal APOIAR – era Presidente da Direcção Nacional e Director do nosso estimado Jornal: uma arma apontada ao PODER – e foi este Boletim simplório que contribuiu para que a APOIAR chegasse onde chegou.

Fui sempre um mero aprendiz, empreendedor e entregue aos meus compromissos.

A verdade é que existe uma Lei – que não funciona por culpa unicamente das Associações amarradas e vinculadas aos Protocolos; existe uma Rede Nacional de Apoio – rôta, repleta de buracos – não é Nacional.

Como escrevo no Livro “O Corredor da Morte”:

- “Não estou aqui para enganar ninguém… Estou aqui por que a casa quer e a casa manda”.

Banha da cobra pura!

Um abraço

Mário Vitorino Gaspar

[ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68;

Guiné 63/74 - P14749: In Memoriam (222): Manuel Rocha Bento (Galveias, Ponte Sor, 1950 - Ponta Coli, Xime, 1972), fur mil at art, CART 3494, morto em combate, em 22/4/1972 (Alexandre Bento Mendes, seu sobrinho / Jorge Araújo, seu camarada de pelotão)




O nosso leitor Alexandre Bento Mendes, atualmente a viver em Vila Franca de Xira. É sobrinho do nosso saudoso camarada Manuel Rocha Bento (1950-1972), fur mil at art,  CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74), natural de Galveias, Ponte Sor, onde está sepultado.


1. Mensagem do nosso leitor Alexandre Bento Mendes;

Data: 10 de junho de 2015 às 00:05
Assunto: Fotografias Fur. Manuel Rocha Bento


Boa Noite

Em primeiro lugar parabéns pelo blog, através dele pude conhecer a verdadeira história da morte do meu tio [, Manuel Bento].

Em segundo lugar queria perguntar se dispunham de mais fotos onde o meu tio esteja presente (além das constantes no blog) e caso haja, se me podem enviar por email.

Em último lugar gostaria de saber quando é que o meu tio chegou à Guiné para desempenhar a missão.

Vejo que uma das pessoas que foi colega dele e que o menciona é o Jorge Araújo, talvez se puder encaminhar este email, ele possa ajudar.

Obrigado, Cumpts, Alexandre Bento Mendes



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > CART 3494 (1972/74) > Xime  > Alguns dias antes do 22 de abril de 1972, data da morte da morte,  em combate, do Manuel Bento. O trio de furriéis responsáveis pelo 4.º Gr Comb, que foram apanhados na emboscada na Ponta Coli, pousando antes de um «jogo da bola». Da esquerda para a direita,  o Manuel Bento, o Jorge Araújo e o Sousa Pinto.



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > CART 3494 (1972/74) > Xime > Ponte (nova) do Rio Udunduma > 1972 > > Da esquerda para a direita, os fur mil Manuel Rocha Bento e António Espadinha Carda.

Fotos (e legendas): © Jorge Araújo (2012). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


2. A pedido do editor, resposta do Jorge Araujo [, foto atual à esquerda], no mesmo dia, ao Alexandre Bento Mendes

  Caro Alexandre,

O seu contacto de hoje, via Luís Graça, merece-me um carinho muito especial, particularmente pelos motivos que o fundamentam.

Por isso, saúdo-o, antes de mais, pela iniciativa que tomou em querer saber algo mais sobre a vida militar de seu tio [e meu/nosso camarada] Manuel Bento, morto em combate nas matas do Xime, na Guiné, naquele fatídico dia 22 de abril de 1972, fez agora quarenta e três anos.

O seu presente contacto é, com efeito, muitíssimo gratificante para nós, na justa medida em que através da recuperação e divulgação pública das nossas memórias, gravadas no decurso da nossa presença no Teatro de Operações da Guiné, recordamos alguns dos episódios mais marcantes dessa experiência ultramarina.

Os seus destinatários são muitos, desde logo o colectivo da unidade militar que connosco as partilhou, depois os seus familiares directos, independentemente do grau de parentesco, e finalmente a comunidade que nos lê, quer sejam aqueles que por lá passaram, quer sejam as novas gerações que delas foi dispensada, por via do 25 de Abril de 1974.

Não sei a sua idade, mas certamente que nasceu depois da data acima, o que torna o contacto ainda mais valioso.

O seu tio, como teve a oportunidade de constatar nos diversos postes que escrevi sobre as emboscadas na Ponta Coli [P9698 + P12232 + P14495], morreu a meu lado, oitenta dias depois de ter chegado ao Xime, um dia dramático para todos nós, ou quatro meses após o embarque no N/M Niassa, em Lisboa, em 22 de dezembro de 1971 [P12978], com passagem por Bolama durante um mês.

O facto tornou-se ainda mais dramático, pois sabíamos que ele tinha sido pai, deixando, assim, uma viúva e uma bebé órfã. Foram, de facto, indiscritíveis os dias que se seguiram. Mas tivemos de seguir em frente.

Caro Alexandre; para além das narrativas que estão publicadas no blogue de Luís Graça &  Camaradas da Guiné, outras semelhantes estão disponíveis no blogue da CART 3494, a sua unidade militar, bastando identificar na coluna da direita [etiquetas] o assunto/tema que mais lhe interesse.

Como no próximo sábado, dia 13 do corrente., iremos realizar um almoço-convívio em Vila Nova de Gaia, o 30.º, gostaria de lhes dar esta boa nova, se possível, através da publicação de um texto a publicar até lá. Para o efeito, gostaria que me fizesse chegar uma sua foto, acompanhada por algo mais que entenda por oportuno.

Ao dispor,

Receba um forte abraço,

Jorge Araújo.

3. Resposta do Alexandre,  com data de 15 do corrente:

 Boa Noite,  Jorge,

Eu pensava que ele tinha estado mais tempo na Guiné, porque li algumas cartas que ele enviava à irmã (minha mãe) e deu-me a sensação que ele teria vindo mais do que uma vez a Portugal, já depois de estar na Guiné...

No passado sábado dia 6 Junho, visitei o memorial em Belém com o nome dos militares que tombaram em combate e, quando cheguei a casa,  lembrei-me de escrever o nome do meu tio no google e ver o que me surgia... com grande espanto obtive as descrições, fotografias postadas por si.

Não sou realmente desse tempo, pois nasci em 1986, mas cresci a ver e conviver com a mágoa dos meus avós e da minha mãe pela saudade que o meu tio deixou.

É extraordinário que,  embora tenha falecido muito novo (com 22 anos),  ainda hoje é recordado na terra com carinho, por exemplo em 2007 houve um convívio entre colegas da terra (escola e afins) e foram colocar uma pedra na campa com uma dedicatória, isto passados 35 anos da sua morte.

É extremamente gratificante para mim, ter chegado à fala com alguém que privou de perto com ele nos momentos mais difíceis e que tenha infelizmente presenciado aquele trágico acontecimento a fim de hoje, através dos seus posts, me descreva as questões que me interrogavam no passado. Sabia-se que tinha sido uma granada, mas o descritivo, não.

Lamento só agora ter prestado atenção à data do almoço (dia 13 Junho), de qualquer forma anexo uma foto minha.

Pedia-lhe por favor, caso tenha mais fotos onde esteja o meu tio (além das que estão nos sites) se possível me digitalizasse e enviasse desde que não cause transtorno, naturalmente. (**)

Um Grande Abraço

Cumpts, Alexandre Mendes

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de:

3 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9698: O caso da ponta Coli, Xime-Bambadinca (Jorge Araújo)

1 de novembro de  2013 > Guiné 63/74 - P12232: A CART 3494 e as emboscadas na Ponta Coli (Xime, Bambadinca), 1972: A verdade dos números... (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp, CART 3494 / BART 3873, Xime e Mansambo, 1972/74)
20 de abril de 2015 > Guiné 63/734 - P14495: História da CART 3494 (6): Recordando a 1ª emboscada na Ponta Coli em 22 de abril de 1972 e a morte do furriel Bento - A única baixa em combate da CART 3494 (Jorge Araújo)

Guiné 63/74 - P14748: Efemérides (193): No passado dia 10 de Junho de 2015 foi inaugurado um Memorial aos Combatentes do Concelho de Santarém (Armando Pires)

1. Mensagem do nosso camarada Armando Pires (ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70), com data de 14 de Junho de 2015:

Inauguração do Memorial aos Combatentes do Concelho de Santarém


FINALMENTE! 

No passado dia 10 de Junho, em Santarém, minha terra natal, foi inaugurado um Memorial aos Combatentes. 

Um Memorial simples mas de grande dignidade, tão grande quanto aquela de que se revestiu a sessão solene da sua inauguração. 

Obra do esforço e da vontade de ex-combatentes, desde logo o Arnaldo Vasques, que lançou a ideia abraçada pelo Carlos Marçal, actual Presidente das Juntas de Freguesia da cidade de Santarém, e apadrinhada pelo Coronel na Reforma, Garcia Correia. 

Com o apoio da Câmara Municipal foi constituída uma comissão ‘ad hoc’, que integrou, ente outros, o também ex-combatente (e DFA) Coronel na Reforma Correia Bernardo, e o Presidente do Núcleo de Santarém da Liga dos Combatentes, Carlos Pombo. 

A obra, para a qual decorre ainda uma recolha de fundos, é de autoria do escultor Salter Cid, e foi erguida no jardim fronteiro ao antigo Presídio Militar, hoje Casa de Portugal e de Camões. 

A população da cidade foi convidada a estar presente à cerimónia, juntando-se a muitos antigos combatentes, à guarda de honra formada pelos estandartes das várias Juntas de Freguesia do Concelho, e das Associações de Combatentes dos distrito. 

Uma Guarda Militar com fanfarra prestou as honras devidas, ganhando profundo respeito e silêncio o Toque a Mortos, durante o qual foram chamados pelos nomes, com grito de “PRESENTE!”, os 49 homens mortos em combate. 
À chamada dos seus nomes, correspondiam os seus familiares vivos, especialmente convidados para o momento, com a deposição de flores na base do memorial. 

Não foi apenas uma justa Homenagem, foi, finalmente, e permito-me afirmar, a reconciliação da cidade com uma geração de homens que a honraram na vida e na morte. 

As fotos que se seguem, cedidas pela Junta de Freguesias, ilustram os momentos mais significativos da inauguração.

Armando Pires

O Memorial aos Combatentes dos Concelho de Santarém

Momento solene do descerramento do Memorial. À direita, Ricardo Gonçalves, Presidente da Câmara Municipal de Santarém, à esquerda o Coronel Reformado Garcia Correia.

Estandartes das Juntas de Freguesia e de Associações de Combatentes.

Guarda de Honra Militar e estandarte do Núcleo de Santarém da Associação de Comandos.

O Coronel Reformado Garcia Correia proferindo o seu discurso, vendo-se à sua direita o ex-combatente Arnaldo Vasques, grande dinamizador do projecto.

Ricardo Gonçalves, Presidente da Câmara Municipal de Santarém, usando da palavra para homenagear todos os antigos combatentes do concelho.

Em nome das Forças Armadas, a deposição de uma coroa de flores na base do Memorial.

O momento de maior emoção e significado de toda a cerimónia. Aquele em que os familiares dos militares mortos em combate colocavam flores no memorial com os seus nomes.
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14731: Efemérides (192): 75º aniversário do gesto heroico de Aristides de Sousa Mendes ao decidir ajudar a salvar milhares de seres humanos fugidos ao terror nazi...Dia da Consciência, no próximo dia 17 de junho, celebrado com missas em diversas partes do mundo cristão, de Bordéus ao Vaticano, de Cabanas de Viriato a São Paulo, de Fátima a Newark ... Exposição e sessão de homenagem nesse dia, no Centro Cultural Franciscano, Lisboa (João Crisóstomo, Nova Iorque)

Guiné 63/74 - P14747: Notas de leitura (728): “Olhos de Caçador”, de António Brito, Porto Editora, 2014 (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Julho de 2014:

Queridos amigos,
Como em todas as histórias dos Fernãos Mendes Pinto, a comissão de Zé Fraga é um entrançado do hílare e do patético, da bazófia e do ato destemido, da suprema doação à canalhice extrema.  
“Olhos de Caçador” avulta pelo seu poder poliédrico, a sua capacidade em tratar magistralmente os extremos, tratando-os, por vezes como oposições redibitórias. Como Fernão Mendes Pinto, Zé Fraga regressará altamente condecorado e depois será esquecido, e terá o pendor de se destruir, ou quase. Se a boa literatura é uma história bem contada, mesmo que se confabule de excessos e de situações ditas inverosímeis, este livro está entre as obras obrigatórias da literatura da guerra colonial.

Um abraço do
Mário


Olhos de Caçador: Livro soberbo, o poliedro das brutalidades da guerra (3)

Beja Santos

“Olhos de Caçador”, de António Brito, Porto Editora 2014, é a história de uma peregrinação. Na esteira de narrativas empolgantes de quem andou a espiolhar pelo Império, temos aqui a história de um homem que preza a sua liberdade, que teima em ser rebelde e tem os seus códigos de honra. Atirado para Moçambique, terá manifestações de grande valentia, solidariedade, passará por vicissitudes extraordinárias. Incluindo o horrendo da guerra. Neste momento Zé Fraga está no Posto 36, foi castigado pelo Galo Doido, alcunha do capitão Vinhais, entre eles há um ódio que cresce ao rubro. Zé Fraga já comeu carne humana e agora anda em patrulhamentos, é preciso intimidar os frelimos. Numa dessas incursões, apanham um machambeiro que se vê forçado a levar a tropa até uma base da guerrilha. As coisas correm mal: morre guia e um dos soldados. Zé Fraga procura vingar-se:
“Deixei um presente escondido debaixo do cadáver do guia: uma granada descavilhada pronta a rebentar quando o primeiro camarada lhe mexesse. Sempre gostei de fazer surpresas, de oferecer presentes. Sou um mãos-largas. Quando voltámos a passar pela represa, entalei outra granada dentro do cântaro da água. Alguém ia ficar com uma grande dor de cabeça”.

No regresso, descobrem que os guerrilheiros cercam o Posto 36. E reagem:
“- Fraga, se há um preto na árvore, os outros devem estar perto – concluiu o alferes. 
- O mais certo é estarem junto da mesma árvore, aguardando as informações do vigia – disse-lhe eu. 
- A iniciativa é nossa – respondeu o Azedo. – Fraga, precisamos dos gajos vivos. Necessitamos de informações. 
- Os que estão no chão, talvez. O que está na árvore, duvido. 
- Que se foda o que está na árvore. Rebenta-se com o gajo. 
- Quem é o melhor atirador? – perguntei-lhe. 
- É o Velhinho, porquê? 
- Ponha-o a vigiar a árvore. Se o turra se mexer, o Velhinho que acabe com o cabrão. Nós cercamos os que estão no chão. 

Com o Velhinho a visar o preto empoleirado nos ramos, caminhámos curvados, dissimulados no capim. O turra na árvore estava de costas para nós, a olhar extasiado para o aquartelamento. Se continuasse assim e se não se voltasse, não daria pela nossa aproximação. Ainda não tinha a certeza onde estariam os outros, por isso fiz sinal ao Azedo para aguardar, enquanto eu avançava um pouco mais. Gatinhei uns metros, até que os vi, sentados no chão, quatro cabeças escuras espreitando através das árvores. A sua atenção estava concentrada na algazarra dos soldados dentro do aquartelamento. Fascinados por espreitarem a tropa colonialista, como diziam na propaganda, não me viram chegar, seguido do alferes e do resto da patrulha. Devem ter escutado o restolhar nas folhas, porque se viraram quando lhes caímos em cima, as armas prontas a trespassá-los, aos berros, para os intimidar e espantar o nosso próprio receio. No meio da gritaria, ouvi dois tiros vindos lá de trás, e um vulto a cair da árvore como um cocô maduro. Fiel à fama de caçador, o Velhinho acabar de abater a sua presa”.

Mas nem tudo era bravura no Posto 36, Zé Fraga cedo se apercebeu que havia para ali muita farsa: falsas patrulhas; relatórios mentirosos, um chorrilho de aldrabices para contentar Nampula. Devem-se a Brito descrições espantosas de perfis militares, é o caso do disfuncional Rosca Moída que tinha um atraso mental, por isso nunca tivera uma arma distribuída, para o manter ocupado, o tenente colocara-o a apanhar as folhas que caiam das árvores. Quando haviam flagelações e toda a gente recolhia aos bunkers, o Rosca fazia o contrário, corria para o meio do acampamento aos gritos. “Nunca se chegou a saber como o Rosca teve acesso às munições mas, por volta da hora do almoço, quando o cozinheiro mexia o panelão com a colher de pau e alguns esfomeados já rondavam de marmita na mão, o Rosca aproximou-se e atirou para a fogueira um punhado de balas. A princípio ninguém se apercebeu do que ele tinha feito, mas, quando as munições começaram a rebentar e as balas a silvar em todas as direções como de fogo-de-artifício em arraial popular, é que compreendeu o gesto louco do Rosca. Quem podia corria e saltava às cambalhotas, mordendo o pó para fugir daquele desvario. A primeira vítima foi o panelão do almoço, o guisado jorrando em esguichos gordos sobre a fogueira. Depois foi o cozinheiro, atingido nas nádegas anafadas por uma das balas que atravessou a panela. Com a fogueira a cagar chumbo em vez de fagulhas, quatro dos esfomeados da marmita apanharam a sua dose de chumbo. Tombaram na poeira, contorcendo-se aos gritos de ‘acudam’ e ‘chamem o enfermeiro’. O único que se safou foi o Rosca, que, à distância segura, apontava o pau e gritava ‘pum, pum, pum’.

O enfermeiro é confrontado com fraquezas humanas. O do Posto 36 atravessava um crise de paludismo, foi necessário chamar o de Magolé, de alcunha o Peida Grande, o que faz e descobre é assim descrito:
“O Peida Grande passou os dias a cuidar das mazelas dos doentes e a tratar dos ferimentos dos mais azarados. Cozeu os golpes, limpou o pus das infeções, mudou pensos, distribuiu antibióticos, meteu halazona na água inquinada, injetou soro nos desidratados, obrigou os teimosos a engolir pastilhas de sal para compensar os excessos de sudação, extirpou matacanhas debaixo das unhas, queimou micoses das virilhas com tintura de iodo, obrigou os porcalhões a tomar duche debaixo de um regador suspenso com um pau.

O Peida Grande tornou um tipo popular. As recomendações que fez, os cuidados de saúde que impôs e os hábitos de higiene que introduziu no Posto 36 elevaram a moral da guarnição. Até ao dia em que o tenente escolheu os soldados para a patrulha seguinte. Dos dez escolhidos, metade apareceu na tenda da enfermaria com golpes nas pernas, braços e pés. Queixavam-se de dores que os impedia de caminhar ou de mover os braços. O Peida Grande examinou os ferimentos, apalpou-se e cheirou-os, depois olhou para os cinco, demoradamente. Saiu sem responder. Foi falar com o tenente, contando-lhe que o grupo escolhido para a patrulha se tinha automutilado fazendo golpes nos pés, nas pernas e nos braços; que tinham esfregado os ferimentos com sal e tinham urinado em cima para acelerar a infeção”.

O regresso a Magolé é quase dantesco, trata-se de uma coluna constituída por um amontoado de desvalidos e sofredores, com várias urnas às costas, há um ataque de abelhas, o único alívio encontrado eram umas fumaças de suruma pela noite fora. Em Magolé o Galo Doido que torturara barbaramente vários prisioneiros, fora denunciado pelo alferes Perdigoto, que irá testemunhar contra o capitão em Nampula. O padre Tomé incita Zé Fraga a ajudá-lo a arranjar mantimentos e medicamentos para as populações. É nisto que vai entrar e cena um rei da malandrice que dá pelo nome de Mãozinhas, um ladrão habilidoso, também fadado para outros negócios escuros. Zé Fraga precisa de vitaminas, antibióticos, comprimidos para espantar a malária e vai pagar em erva ao Mãozinhas.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14737: Notas de leitura (727): “Olhos de Caçador”, de António Brito, Porto Editora, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P14746: (Ex)citações (282): Sexo em tempo de guerra... Ha(via) um raio de um "santo inquisidor" dentro de cada um de nós... (Francisco Baptista, natural de Brunhoso, Mogadouro; ex-alf mil inf, CCAÇ 2616, Buba, 1970/71, e CART 2732 , Mansabá, 1971/72)

Francisco Baptista, hoje
1. Mensagem, de 6 do corrente, do Francisco Baptista [ ex-alf mil inf, CCAÇ 2616 / BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72)] (*)


Em Buba, bem perto de Nhala, terra de fulas, onde estive 17 meses, só havia uma bajuda balanta. As outras mulheres, cerca de trinta ou menos, eram casadas com soldados da milícia.

Tinha uma lavadeira,chamada Suado, com uma tez bastante clara, com um rosto sem ser redondo, nem comprido, perfeito e simétrico, uns olhos negros, vivos, cintilantes, uns dentes alvos e perfeitos, que davam mais graça ao olhar quando sorria.´

Tinha um filho de alguns meses, os soldados do meu pelotão diziam por vezes na brincadeira, que ele era filho do falecido alferes Queiroz, que eu tinha ido substituir. Não era, pela simples contagem  dos tempos se percebia isso. 

A Suado era uma jovem alegre e divertida, tinha uma pele que ao contacto, parecia de seda, uma Xerazade islâmica, que com inteligência, sorrisos sedutores e pequenas conversas, que não chegavam a ser estórias, conservava o cliente e a amizade entre homem e mulher que é tão difícil cultivar.

Fui para Mansabá, os restantes 7 meses, já sonâmbulo e desinteressado dos movimentos da Terra, contente com o cheiro e o calor dessa África, que embala os homens como meninos, quando querem dormir.

Francisco Baptista, c. 1970/72
Em Mansabá lembro-me duma bajuda, que gostava de namoriscar com todos os tropas, sem ser muito bela, não deixava de ser simpática nesse convívio divertido com a malta. Não sei, nunca quis saber se haveria outro envolvimento, com alguns, para lá dessas chalaças, tanto do agrado dos homens e das mulheres.

O que escrevi atrás é em parte uma cópia do comentário que fiz ao poste nº. 14519 do nosso amigo Manuel Carvalho, sobre os bailaricos de Jolmete. Transcrevi-o por me parecer que se enquadra
neste diálogo que se pretende mais objectivo sobre as nossas relações com as mulheres da Guiné.

Temos que aceitar que para a maioria dos militares de todas as frentes de combate não havia religião ou moral que pudesse combater essa urgência, tão premente,provocada pela idade, pela angústia dos dias, do que o relaxe que podiam sentir numa relação intíma nos braços duma mulher, o mais amigável possível.

É elementar em toda a natureza a atracção entre o masculino e o feminino, se as raparigas das nossas aldeias ou do nossas ruas ou bairros citadinos estavam longe íamos sentir atracção sexual por outras mulheres que estivessem mais próximas. É díficil reprimir a natureza e estavamos nos nossos verdes anos com produção de muitas hormonas. Alguns dos nossos camaradas já eram casados, outros teriam casado se não fosse esse longo exílio de dois anos de guerra. 

Alguns para maior desgraça perderam a mulher com quem sonharam casar porque ela entretanto teve outras solicitações e não conseguiu esperar. Mas nas sociedades patriarcais de subsistência, onde a repressão se exercia mais sobre as mulheres, até a atracção sexual delas ficava condicionada às exigências sociais e religiosas. Uma sociedade reprimida deixa de poder ter comportamentos normais para ter comportamentos estereotipados.

Em relação às mulheres terei sido um como os outros mais ou menos tentado, se bem que tanto em Buba como em Mansabá as bajudas ou mulheres islâmicas ou islamizadas (as mandingas de Mansabá) tinham um pudor e conceito de honra que superava as católicas de Portugal.

Dos 80 ou 90 por cento dos militares que, segundo Jorge Cabral (**), não tiveram qualquer relação sexual em África, na sua maioria terão tentado conseguir esse objectivo, sem êxito. Descontando os tais 5 ou 10 por cento de homossexuais e os outros 10 por cento de demasiado tímidos. Portanto 60 a 70 por cento terá tentado a sua sorte, a grande maioria sem êxito.

Eu que teoricamente me inclinava pelo amor livre, já não sei se por convicção ou para benefício próprio, teria uma trabalheira enorme em convencer desse jeito as mulheres da tabanca , já que as da minha aldeia ou região não iam muito nessa treta. A minha consciência sempre demasiado vigilante e pronta a acusar-me, nunca me permitiu usar de artifícios e artimanhas para
fazer mais uma conquista. 



Guiné > Região Leste > Setor L1 (Bambadinca) > Fá Mandinga > Pel Caç Nat 63 > c. 1969/1970> O Jorge Cabral e as suas queridas bajudas mandingas... E a propósito, diz ele na estória cabraliana nº 25 (***): "Contaram-me que uma bajuda que tivera um filho do Furriel X, o seguiu até Bissau, e na hora da partida do navio entrou na água com o bebé, tendo morrido ambos. Então jovem e ingénuo literato, cheguei a alinhavar uma ópera, na qual imaginava o militar em pranto, a querer lançar-se ao mar e a ser impedido pela força das armas" (JC)…

Foto: © Jorge Cabral (2006). Todos os direitos reservados [Com um grande abraço, "alfero Cabral",  e votos de boas melhoras]

Na minha consciência mora um padre da inquisição que me tem infernizado os dias e me tem privado de muita da alegria que a vida me podia proporcionar. Uma longa ditadura que tanto nós como os nossos pais sofremos encheu-nos a alma de fantasmas inquisidores. Ficamos destroçados por eles e por uma guerra noutro continente que nos caiu em cima e não procurámos.

Não vou julgar ninguém, estávamos todos deslocados, a muitos milhares de quilómetros da nossa terra numa idade em que não tínhamos a presença e as palavras da mãe, das irmãs, ou das namoradas para acalmar a nossa ansiedade.

Desculpo todos esses camaradas mais carentes ou saudosista do abraço e carinho de uma mulher, que conseguiram ter esse conforto tão importante para ajudar a suportar esses dias de desolação e pesadelo. Sobre as consequências desses actos já me pronunciei . Sem querer fazer julgamentos sumários, já que não sou juiz, nem padre de qualquer religião, um dia poderei dar uma opinião mais extensa do que a que já dei . Hoje acho que já basta, para qualquer camarada que tenha a paciência de me ler.

Um abraço, Francisco Baptista
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Notas do editor:


(...) E o Amor, existiu? Não falo de mulheres grandes a partir catota, nem de bajudas a partir punho, e muito menos das rápidas e alcoolizadas visitas às casas de prazer, para... mudar o óleo. Amor mesmo, paixão, dele para ela, dela para ele. Difícil, raro, mas aconteceu. (...)