domingo, 23 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15032: Memória dos lugares (315): Pragança, aldeia da serra de Montejunto, união das freguesias de Lamas e Cercal, concelho de Cadaval - fotos de Luís Graça

























Serra de Montejunto > Cadaval > Pragança, freguesia de  Lamas > 20 de agosto de 2015 > Aspetos diversos da pitoresca aldeia de Pragança, a começar pelo coreto da filarmónica local que foi fundada em finais do séc. XIX. O coreto, guarnecido nas paredes e bancos laterais,  por deliciosos painéis de azulejos, criados e pintados à mão,  pela Oficina Brito, Caldas da Raínha,  é, além disso, um dos mais belos miradouros do oeste esteremenho. A poente, a vista alçança os concelhos vizinhos, de Cadaval, Bombarral, Torres Vedras, Lourinhã, Peniche, Óbidos, Caldas, Nazaré...

Texto e fotos: © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados

1. Pragança é uma localidade situada no sopé da Serra de Montejunto. Pertence à união das  freguesias de Lamas e Cercal. concelho do Cadaval, distrito de Lisboa.

Segundo a tradição oral e os vestígios arqueológicos, Pragança é  uma das mais antigas aldeias portuguesas. No séc.  XVIII  foram encontrados vestígios paleoliticos no Pico da Vela, na serra de Montejunto, Sobranceiro à aldeia de Pragança, no alto de um cabeço rochoso calcário, situa-se o Castro de Pragança.

A antiga freguesia de Lamas orgulha-se de possuir um rico património ambiental, cultural e histórico, a começar pelo  maciço calcário da serra do Montejunto que é o o ex-libris do concelho de Cadaval.

O castro de Rocha Forte ou Castelo Velho, as grutas necrópoles da serra de Montejunto,  a Real Fábrica do Gelo, o antigo convento dos dominicanos (séc. XIII), a  ermida da N. Sra. das Neves (séc. XIII, XVI e ss.), bem como as inúmeras belezas naturais da serra, a par da sua  flora e fauna, tornam a antiga de freguesia de Lamas num dos sítios mais atrativos da região do Oeste.

É na união das freguesias de Lamas e Cercal,  em plena serra do Montejunto, que está localizada a Real Fábrica de Gelo, onde no séc. XVIII era fabricado o gelo que abastecia não só a corte como, mais tarde, diversos cafés da baixa lisboeta. Foi recentemente  classificada como monumento nacional.

Além do edifício principal,  a Real Fábrica do  Gelo é constituída por um poço, atualmente tapado e que outrora era a fonte de abastecimento de água dos 44 tanques,  amplos e rasos, onde se fazia, por congelação, o gelo. A fábrica era explorada por um "neveiro". (Foi classificada como Monumento Nacional,através do Decreto n.º 67/97, de 31 de Dezembro; é considerado por inúmeros especialistas internacionais  “como um caso único pela originalidade das suas estruturas  e pelo razoável estado de conservação”).

Quase no topo da serra de Montejunto, situa-se  a ermida de N  Sra. das Neves, edificada, nos começos do séc. XIII, pelos frades dominicanos. Junto à ermida, podem observar-se as ruínas do primeiro convento da ordem dos dominicanos, fundado em Portugal.

É também aqui que se realiza, a 5 de agosto, a popular romaria de N. Sra. das Neves. Um dos nossos camaradas que não costuma perder este evento é o Eduardo Jorge Ferreira.

Para se almoçar ou jantar, recomendo o restaurante típico Garcia da Serra: a relação qualidade/preço é imbatível e o Garcia e a esposa são simpatiquíssimos. Provei com agrado as queixadinhas de porco, o bacalhau á Garcia e o cabrito da serra... 


2. Quatorze camaradas nossos morreram em Angola, Guiné  Moçambique durante a guerra colonial. Três  morreram no TO da Guiné, segundo a detalhada e preciosa informação recolhida no portal Ultramar TerraWeb, relatiava aos mortos na guerra do ultramar do concelho de Cadaval

(i) António Emídio Ribeiro da Silva, soldado maqueiro, CCS/BCAÇ 4612, morto em 1/11/73, por acidente; está sepultado na sua terra natal (Póvoa do Cadaval, Lamas);

(ii) José Isidro Marques, soldado apontador de metralhadora, CCAÇ 423/ BCAÇ 237, morto em combate, em 3/7/63, natural de Alguber, freguesia de Alguber;

(iii) Luís Ferreira Faria, sold cond, Comp Transportes 735,  QG/CTIG, morto por afogamento em 24/8/64, natural de Cercal, união das freguesias de Lamas e Cercal.

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P15031: 3 anos nas Forças Armadas (Tibério Borges, ex-Alf Mil Inf MA da CCAÇ 2726) (6): Gadamael Porto



1. Parte VI de "3 anos nas Forças Armadas", série do nosso camarada Tibério Borges (ex-Alf Mil Inf MA da CCAÇ 2726, Cacine, Cameconde, Gadamael e Bedanda, 1970/72).


3 anos nas Forças Armadas (6)

Gadamael Porto

Gadamael Porto ficava mais no interior do rio Cacine e mais perto da fronteira, tendo a norte Guileje onde o corredor da morte era o espaço para a passagem de material de guerra dos turras. Eles dominavam a floresta desde a Guiné Konakry passando por Guileje, Bedanda e chegando a Catió depois de atravessarem o rio Cubijam. Toda a zona do Catanhez, a floresta que marginava os rios Cacine e Cumbijã, englobava Cabedú, a Sul, e Bedanda, a Norte.


Este território era fechado tendo apenas carreiros ao logo de toda a floresta e banhado por pântanos onde as sanguessugas se agarravam às nossas pernas sugando-nos o sangue. Para além dos quartéis ficavam as emboscadas, a morte assombrada de terror e as minas. Os quartéis ficavam sujeitos a bombardeamentos às mais diversas horas mas sobretudo ao anoitecer. Aqui em Gadamael fui apanhar uma Companhia no fim da comissão, e como tal tinha o terreno na sua mão, não tendo apanhado neste mês que ali estive acontecimentos de maior. Os bombardeamentos eram o prato do dia e como tal eram-nos muito comuns. Na maioria dos casos não chegavam aos nossos quartéis porque eles bem temiam os nossos obuses. Estes eram direccionados rapidamente para a direcção de onde vinham os clarões e varria-se aquela zona quer em longitude quer em latitude.

Fui parar a Gadamael por ordem do meu capitão que certamente recebeu ordens de Bissau. No caso de haver outra substituição noutro quartel que tivesse de ir alguém da nossa Companhia, certamente já não seria eu. Os nossos serões eram preenchidos com o jogo do bingo. Cada quartel tem o seu cariz próprio dependendo, evidentemente, das pessoas que o criam.

Certo dia alguém se lembrou de se vestir à muçulmano e foi logo à maneira da entidade religiosa. Mal sabíamos nós que ao irmos ter com ele, o mal estar iria fazer parte desse encontro. Por nossa parte nunca foi colocar nesta brincadeira qualquer intenção de crítica ou algo que pudesse nascer um mal entendido. Foi um espaço de tempo sem pensarmos nas consequências. O que é certo é que ele nos disse que apenas se vestiam daquela maneira eles, os dignitários religiosos.





Nota: no meu álbum estas fotos têm a data de 10Out1970

Gadamael não possuía obus 14 mas 10,5 - armas mais maneáveis e adequadas às circunstâncias ou por falta de capital para os obter. Possuía um jipão onde transportava uma metralhadora.
 
Nota: no meu álbum esta foto tem a data de 11Nov1970

Estando o capitão de férias, ficou a comandar as tropas o Alferes Silva. Neste espaço de tempo, Bissau, certamente, dá ordens a que se faça outra substituição, desta vez em Bedanda, dum alferes. Em Cacine era regulamentar estarem dois pelotões e os outros dois em Cameconde. Nesta situação não me lembro se estava ou num ou noutro lugar. O que sei é que o Silva veio ter comigo para eu ir preencher a falta dum alferes em Bedanda. Fui contra esta situação uma vez que já tinha sido incumbido de o fazer e como tal outro estaria na vez. Não sei o que o levou a vir ter comigo mas o que pensei foi que ele não teve coragem de indicar um dos outros dois, uma vez que ele próprio não poderia ser. Pensei que por os outros três serem continentais e eu açoriano ou eles ofereceram resistência a tal ponto que ele optou por me manejar. Apesar de recusar ele insistiu comigo. Fiquei revoltado com esta situação e não estava na disposição de a aceitar. Por outro lado sabia que uma desobediência traria algo de grave.

Como o material de guerra estava por minha conta planeei uma fuga a partir de Portugal para França. Nessa altura e antes de ir para Bedanda tinha as minhas férias planeadas para as passar nos Açores. No regresso de férias do Capitão e na minha ida para férias encontramo-nos em Bissau.

Na minha mala coloquei umas quantas granadas de mão pois falava-se que passar a fronteira de Portugal não era fácil. Contei ao capitão o que estava planeando.

Ele aconselhou-me primeiro ir a Bedanda ver o ambiente, falar com o capitão e tirar informações do que por lá se passava.

Não me lembro bem a sequência dos acontecimentos mas devo ter ido a Bedanda antes de ir de férias porque devolvi de regresso todas as granadas que levava ao Capitão.

A Companhia ali aquartelada era de nativos exceptuando a maioria dos graduados. Não gostei desta situação mas no cômputo geral mudei de ideias.

(Continua)

Texto e fotos: © Tibério Borges
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Nota do editor

Poste anterior da série de 15 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15006: 3 anos nas Forças Armadas (Tibério Borges, ex-Alf Mil Inf MA da CCAÇ 2726) (5): Invasão a Conakry e, Entre Cacine e Cameconde

Guiné 63/74 - P15030: Libertando-me (Tony Borié) (31): O Sonho Americano (1)

Trigésimo primeiro episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 17 de Agosto de 2015.




Na escola velha do Adro, na então vila de Águeda, o professor Silvério ensinava, batia, era violento, era actor, pois na aula de história exemplificava a personagem de que falava, com gestos e atitudes, algumas violentas, se algum de nós lhe colocava uma questão, só dava respostas a “Bem da Nação”, os nossos antepassados portugueses. Na sua boca, eram os melhores, os mais bons, só existiam vitórias, talvez sem o saber, fazia toda a classe violenta, pois nos intervalos das aulas, nós combatíamos e lutávamos uns com os outros para também sermos os melhores e, raro era o dia em que nós não andávamos “à lambada”, às vezes com o nosso companheiro de carteira.

Quando abria o livro da História de Portugal, até aquela derrota em Alcácer-Quibir para ele era uma vitória e, o inimigo que se cuide, pois o rei português e alguma nobreza, que lá morreu, havia de voltar um dia, para os vencer e vingar-se. Era assim, era a mentalidade de quem tinha a responsabilidade de fazer homens para o futuro, embora qualquer um de nós desconfiasse de tantas vitórias, devia de haver por lá também algumas derrotas.

Tivemos um companheiro de profissão, durante muitos anos, oriundo da Índia, que nos dizia que na sua história, os portugueses e outros povos europeus apareciam por lá como pescadores ou comerciantes, depois consideravam-se descobridores ou colonizadores e, anos mais tarde, eram única e simplesmente corsários, vulgo “piratas”, isto era a opinião dele e vale o que vale, mas ele dizia-nos tudo isto, principalmente nos momentos em que não concordava com a nossa opinião.

Foi por tudo isto que fomos parar à África, mais propriamente à Guiné, mas ainda por cá andamos, e hoje vamos iniciar uma pequena história do começo do povoamento Europeu no Novo Mundo, mais propriamente os USA, onde entra Portugal, com os nossos antepassados, pescadores, navegadores, descobridores, comerciantes, colonizadores e, corsários, vulgo “piratas”, história esta que representa um trabalho com alguma dificuldade de pesquisa, mas acreditamos que não é contada na história de Portugal. Terá que ser em pelo menos 3 capítulos, pois o espaço do nosso blogue tem que ser repartido com os nossos companheiros, fiquem atentos que vale a pena, pois esta personagem, ainda hoje é popular, pelo menos por aqui, na história dos USA. Cá vai o primeiro episódio.

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“American Dream”
I Parte 

Entre outros países da Europa, Espanha, Portugal e França foram os que se moveram mais rapidamente para estabelecer uma presença no Novo Mundo. Outros países, também o fizeram, mas de forma mais lenta, tudo isto algumas décadas depois das explorações que John Cabot fez, (o seu verdadeiro nome era Giovanni Caboto) que foi um navegador e explorador italiano, financiado por Henrique VIII, na altura rei de Inglaterra, na tentativa de estabelecer possíveis colónias inglesas, pois os primeiros esforços foram fracassados, mais notavelmente a Colónia de Roanoke, localizada num local que hoje faz parte do estado de Carolina do Norte, que desapareceu por volta do ano de 1590. No final de 1606, alguns empresários ingleses partiram com uma carta da Companhia Virgínia de Londres para estabelecer uma colónia no Novo Mundo. A frota composta de três navios chamados “Susan Constant”, “Discovery” e “Godspeed”, sob o comando do jovem Capitão Christopher Newport, que depois de uma longa viagem, com a duração de cinco meses, incluindo uma paragem nas ilhas de Porto Rico, de onde partiram em Abril de 1607 para o continente americano. Uns dias depois, a expedição desembarcou num lugar chamado Cape Henry, num local que hoje faz parte do estado de Virgínia, com ordens para selecionar uma localização com alguma segurança, puseram-se a explorar o que é agora Hampton Roads, numa saída para a Baía de Chesapeake, a que deram o nome do rio James, em honra de seu Rei James I, da Inglaterra.

Até aqui, na nossa pesquisa ainda não houve interferência de Portugueses, Espanhóis ou mesmo Franceses, mas é tempo de vos explicar que esta personagem, o Capitão Christopher Newport, quando jovem navegou com Sir Francis Drake, que foi um capitão inglês, vice-almirante, que foi um famoso corsário, vulgo “pirata”, também político, que a rainha Isabel I de Inglaterra, entre outras acções, condecorou como cavaleiro do reino, pois foi ele o segundo em comando da frota inglesa, subordinado apenas a Charles Howard e à própria rainha, no ataque sobre a frota espanhola em Cádiz, participando assim na derrota da célebre “Armada Espanhola”, durante a guerra que a Inglaterra teve com a Espanha. Este Sir Francis Drake, corsário, morreu de disenteria, talvez envenenado por alimentos deteriorados, em Janeiro de 1596, depois de um ataque fracassado a San Juan, em Porto Rico.

Voltando ao Capitão Christopher Newport, este homem do mar, como corsário, vulgo “pirata”, ao serviço da Rainha Elizabeth I de Inglaterra, realizou mais ataques a navios Espanhóis e Portugueses do que qualquer outro corsário Inglês, onde entre outras coisas, apreendeu fortunas do tesouro Espanhol e Português em batalhas navais, ferozes, não só nas tais Índias Ocidentais, que é uma região da Bacia do Caribe e Oceano Atlântico Norte, que inclui as muitas ilhas e nações insulares das Antilhas e do arquipélago Lucayan, como mesmo em pleno oceano Atlântico, pois em Agosto de 1592, ele capturou o navio Português “Madre de Deus”, ao largo dos Açores, tendo realizado nesse momento um feito considerado, como a maior pilhagem Inglesa do século, pois o navio Português, já sobre o seu comando, entrou no porto de Inglaterra com cinco centenas de toneladas de especiarias, sedas, pedras preciosas e outros tesouros.

Na nossa pesquisa não conseguimos saber se no momento da captura do navio Português, o navio do Capitão Christopher Newport hasteava a bandeira Inglesa ou a bandeira “pirata”, se a tripulação do navio Português foi feita prisioneira ou simplesmente dizimada, queimada, ou enforcada e os corpos deitados ao mar, o que era uso corrente entre lutas “piratas”, mas quase certo era que o produto destes saques financiavam novas viagens para o Novo Mundo, portanto os nossos descendentes Portugueses ajudaram, pelo menos financeiramente, o povoamento por Europeus do tal Novo Mundo.

Este corsário, em missão de guerra, invadiu Puerto Caballos (no que hoje é o país Honduras), em 1603, onde os despojos de todas estas missões foram compartilhados com os comerciantes de Londres que o financiavam, assim como com o reino, pois em 1605, depois de mais uma missão no Caribe, voltou para a Inglaterra, onde além dos tais despojos dos saques a navios, tanto Portugueses como Espanhóis, que eram fortunas na época, ainda houve lugar para levar dois crocodilos bebés e um javali, para dar como presentes ao rei James I, que entre outras coisas, vejam lá, Sua Alteza Real tinha um fascínio por animais exóticos.

Depois de liderar os seus homens em mais um ataque, desta vez numa luta, abalroando um navio Português ao largo da costa de Cuba, o seu braço direito foi cortado em parte, usando depois uma espécie de luva, com um gancho introduzido, para substituir a mão. A partir desse momento começaram a chamar-lhe um nome parecido com “Capitão Gancho”. É por esse nome que vamos continuar a identificá-lo, pois a história da sua vida faz parte do “America Dream”, que quer dizer mais ou menos o “Sonho Americano”.

(continua)

Tony Borie, Agosto de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15010: Libertando-me (Tony Borié) (30): Queria fugir à tropa, uns dias antes de ir “às sortes”

sábado, 22 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15029: In Memoriam (236): Luís Casanova Ferreira (1931-2015), cor inf ref, com duas comissões no CTIG (1964/66 e 1970/74) foi ontem a sepultar no cemitério do Alto de São João, em Lisboa



Guiné > Região de Tombali > Catió > BCAÇ 619 (1964/66) > Grupo de oficiais à mesa, no famoso bar Tombali, em Catió.

Há dois palmeirins, da CCAÇ 728: o alf mil J.L. Mendes Gomes, o 2º a contar da direita, de óculos escuros; e o alf mil Gonçalves, o 1º a contar da esquerda. Os restantes pertenciam à CCS do BCAÇ 619, então sedeado em Catió, com destaque para o major Luís Casanova Ferreira [1931-2015],  de bivaque na cabeça e camuflado, ao fundo: era o homem grande da logística do batalhão e foi um dos mentores e atores do 25 de abril. 

 Da direita para a esquerda, são ainda visíveis o alferes de transmissões do batalhão, o Teixeira; a seguir ao J.L.Mendes Gomes, o alferes, do Pel Art, de apelido Maia); e por fim, o alferes Pires Marques, de cavalaria (Pel Rec). 

Foto do álbum do nosso camarigo J.L. Mendes Gomes.

Foto (e legenda): © J. L. Mendes Gomes (2006). Todos os direitos reservados.

1. Segundo notícia da agência Lusa, Luís António Casanova Ferreira foi ontem a sepultar no cemitério do Alto de São João, em Lisboa.  Morreu na sequência de doença. Tinha 84 anos.


[Foto à esquerda: Luís Casanova Ferreira, cortesia da página de Joaquim Evónio, Varanda das Estrelícias... Uma das raras fotos deste militar português, disponíveis na Net]


O coronel inf Luís Casanova Ferreira esteve ligado ao 16 de março de 1974 (, a revolta militar que predecedeu o 25 de abril). Foi um dos capitães de abril, ligado á ala spinolista do MFA. Foi preso na sequência do  11 de março de 1975, sendo na altura major, comandante da PSP de Lisboa. Foi libertado uma semana antes do 25 de novembro.

Casanova Ferreira fez duas comissões no TO da Guiné, em 1964/66 e 1970/74.  A Tabanca Grande, que reune centenas de amigos e camaradas da Guiné, cumpre o seu dever de curvar-se à memória deste militar português com quem alguns de nós conviveram e trabalharam no TO da Guiné, e apresenta sentidas condolências à família e amigos.

2. Nota biográfica de Luís Casanova Ferreira, segundo dados fornecidos pelo seu amigo e camarada de armas, o cor inf ref Manuel Bernardo:

(i) nasceu em Lisboa em 14 de frevereiro de 1931;

(ii) cumpriu quatro comissões de serviço em África: Moçambique (1961/64 e 1967/69) e Guiné (1964/66 e 1970/74);

(iii) uma semana depois de regressar da Guiné, participou no 16 de março de 1974, a chamada revolta das Caldas da Raínha, tendo estado preso na Trafaria até ao 25 de abril de 1974;

(iv) passou a comandar a PSP de Lisboa em maio de 1974, instituição que já tinha servido em 1958/60;

(v) foi preso no 11 de março de 1975,  sendo libertado uma semana antes do 25 de novembro de 1975;

(vii) comandou os regimento de infantaria nº 2 (Abrantes) (1977/79) e nº 11 (Setúbal), tendo passado à situação de reserva em 1981 e sido reformado em 1990.

(Fonte: adapt. de Manuel Amaro Bernardo, "Equívocos e Realidades, Portugal 1974-75", pp 425, 2.º vol., 1999).

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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de julho de 2015  > Guiné 63/74 - P14930: In Memoriam (235): Manuel Moreira de Castro (1946-2015), ex-Soldado At Inf da CCAÇ 2315/BCAÇ 2835 (Bula, Binar, Mansoa, Bissorã e Mansabá, 1968/69)

Guiné 63/74 - P15028: Parabéns a você (950): Carlos Cordeiro, Amigo Grâ-Tabanqueiro dos Açores, ex-Fur Mil em Angola e J.L. Vacas de Carvalho, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2206 (Guiné, 1969/71)


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Nota do editor

Último poste da série de 21 de Agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15025: Parabéns a você (949): Vasco Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 6 (Guiné, 1972/73)

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15027: Memória dos lugares (314): Serra de Montejunto, o moinho de Aviz, de Miguel Luís Evaristo Nobre (Vilar, Cadaval) - Fotos de Luís Graça, parte I















Cadaval > Vilar > Vila Nova > Serra de Montejunto > 20 de agosto de 2015 > O nosso camarada e amigo  Joaquim Pinto Carvalho levou-me, a mim, à Alice e mais uns amigos do norte, o Gusto, a Nita e a Laura,  até ao moínho do Miguel, no alto da serra... Dizem que é o mais alto da península ibérica, dos moinhos ainda a funcionar.

Daqui tem-se uma vista fantástica sobre o mundo, ou pelo menos sobre o meu/nosso oeste estremenho, do rio Tejo à serra de Sintra... Mas o mais fascinante é o moinho, o mominho de Aviz, e o seu dono, sem esquecer naturalmente a serra de Montejunto e os seus miradouros, a par da aldeia de Pragança que eu, inacreditavelmente (!), ainda não conhecia... O moinho, o moinho de Aviz,  que estava em ruínas há uns anos atrás floi reconstruído e uma beleza de se ver... Tudo somado, ficou-lhe em cerca de 200 mil euros, o preço de um bom apartamento em Lisboa...

Obrigado, Joaquim e Miguel, por esta magnífica tarde, que começou pela tua Artvilla, em Vila Nova, freguesia do Vilar, concelho de Cadaval, no sopé da serra que é familiar a alguns de nós, da FAP, que por aqui passaram no tempo de tropa (Estação de Radar, nº 3, Lamas, Cadaval).

Texto e fotos: © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados


1. Confesso que tenho uma velha paixão pelos moinhos de vento, paixão essa que me vem da infância: nasci e cresci ao som do vento a bater nas velas e a redemoinhar nas cabaças dos moinhos de vento da Lourinhã... a escassos dois quilómetros do mar... Há sons que nunca mais se esquecem.

O vento e o mar, o som e a fúria do vento e do mar, as velas, os mastros, os moinhos, os barcos à vela... A estética solitária e quixotesca do moinho de vento no cimo dos cabeços da minha região natal... E a sua barra azul. E os seus portentosos mastros, a alvura e fortaleza do seu velame... "Redes e moínhos" era o título do jornal da minha terra, quando eu era puto, tendo antecedido o quinzenário "Alvorada" onde trabalhei, como redator-.chefe, antes de ir para a tropa...

Havia alguns milhares de moínhos de vento no oeste, meia dúzia em cada aldeia, no meu tempo de menino e moço... Hoje há uma ciência que se dedica ao seu estudo, a molinologia. E há homens que ainda dominam a "arte ao vento", como o Miguel Luís Evaristo Nobre.

Preciso de mais tempo e vagar para escrever sobre este homem e a sua obra, e em especial sobre este moinho, conhecido  como o moinho de Aviz,  que visitei e fotografei ontem.  Prometo apresentar-vos, na II parte, fotos do interior do moinho... Para já há um sítio na Net, "Arte ao Vento", que merece uma visita... É o sítio da  empresa do Miguel (que vive no Vilar, Cadaval), "dedicada ao Restauro e Manutenção de Moinhos de Vento",

 (Continua)

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Guiné 63/74 - P15026: Notas de leitura (749): "Kassumai", por David Campos, publicado pela Associação Chili com Carne, Dezembro de 2012 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Setembro de 2014:

Queridos amigos,
Um jovem sai do Montijo e aterra em chão felupe como cooperante em colaboração com a AD de Pepito.
A sua vida revoluciona-se na descoberta de coisas simples, na ascensão de grandes vínculos afetivos. Viverá seis meses na região de S. Domingos e cantará em Kassumai a nova grande família que se forjou.
Acho que a cooperação portuguesa devia distribuir um exemplar de Kassumai a todo e qualquer cooperante que partisse para África, tão intensa é esta generosidade, tão autêntica foi esta dádiva, tão festiva é toda esta experiência realçada por um desenho ingénuo, franco e leal, como leal é a amizade que ele estabeleceu com aquele chão felupe, sabe-se lá se para todo o sempre.

Um abraço do
Mário


Kassumai (em Felupe: liberdade, paz e felicidade)

Beja Santos

Chama-se David Campos, visitou a Guiné-Bissau entre Novembro de 2006 e Maio de 2007, no âmbito de um projeto de apoio à população de S. Domingos, numa parceria entre a AD – Acção para o Desenvolvimento e a Câmara Municipal do Montijo. Durante a sua estadia apaixonou-se pelas pessoas que conheceu e escreveu um diário fragmentado de vivências e contactos humanos, possui um desenho sugestivo e terno, temos aqui um potencial grande criador de BD. David Campos nasceu em Medons la Florett (França) mas veio para Portugal aos 4 anos, cresceu no Montijo. Tirou o curso de Formação Profissional de Desenho Animado e também o de Escrita para Multimédia e Audiovisuais. "Kassumai" foi publicado na coleção Lowcccost, publicado pela Associação Chili com Carne (chilicomcarne.com), imprenso em Dezembro de 2012.

Kassumai é um hino à amizade, à solidariedade que se entretece na cooperação. As dificuldades superam-se, os sorrisos valem tudo, as famílias felupes abrem as portas, há muitas privações mas sempre se encontram ovos e latas de salsichas. Existe a rádio Kassumai que até tem o espaço para música romântica. Do chão felupe a Bissau há que atravessar rios e rias, é uma odisseia a jangada de S. Vicente, que já prestava serviço no tempo da guerra, agora chama-se Saco Vaz, em memória de um combatente do PAIGC morto na luta em 20 de Abril de 1974, a jangada faz a travessia do rio Cacheu, é uma viagem que pode demorar entre dez minutos a uma hora, tudo depende das correntes do rio. As amizades vão crescendo, a curiosidade pela etnologia e etnografia não tem limites, os cooperantes interessam-se pelas escarificações, interessam-se pelos ritmos africanos, provam vinho de caju. A missão destes cooperantes é pôr a ludoteca a funcionar. David Campos não esconde a sua alegria quando aquele espaço passou a ter as paredes pintadas, quando um escuro depósito de crianças se tornou num lugar divertido e encantado. Criou-se uma sala de informática no contexto de um centro de formação rural, os cooperantes viajam, trocam experiências, em Cacheu, atónitos, percorrem a fortaleza onde se agigantam fantasmas de pedra, nossos antepassados ilustres que eram estátuas, sobretudo em Bissau, e que o PAIGC, nos primeiros tempos da independência, removeu à pressa, atirou-as para a velha fortaleza de Cacheu, com ingenuidade de que o passado não conta. Os cooperantes estão também impressionados com o isolamento e abatimento de Cacheu.

David Campos descreve a vida da ONG, vê-se que todo o seu desenho transmite o que lhe vai no coração. Diz coisas como estas: “Dou apoio às aulas de costura e tinturaria africana, no bungalow do centro de formação rural. A turma tem a volta de 30 alunos, todas mulheres entre os 16 e 50 e tais, todas do setor S. Domingos, neste espaço também damos aulas de produção de sabão e de português”. E tece o seguinte comentário: “O trabalho duro na Guiné é esmagadoramente representado por mulheres e crianças, são elas que iluminam os quiosques, as praças, os mercados e as bermas da estrada, no fundo são elas que fazem funcionar este país”. Nunca reprime a alegria da descoberta: “Primeira vez que vi um nascer do sol na Guiné foi no caminho para Varela, numa carrinha de caixa aberta. A distância entre S. Domingos e Varela é de 50 km. Estes 50 km podem variar entre duas a quatro horas. A estrada de areia que nos leva até lá é muito acidentada. Passa-se o tempo aos saltos. Cerca de seis meses antes da nossa chegada, esta estrada foi cortada pelos separatistas do Casamansa. Puseram minas e uma candonga rebentou com 30 passageiros a bordo, 14 morreram. Era impossível fazer este trajeto sem fazer um minuto de silêncio. Varela é hoje uma das tabancas mais pobres do país, em Setembro de 2006 entrou oficialmente no tráfico de emigrantes”.

As amizades aprofundam-se, os jovens de idade do David não escondem a sua repulsa pelos dirigentes e ele escreve: “Todos culpavam Nino Vieira pela pobreza do país, chamavam-lhe ditador e tirano, falavam dos carrões, jipes, das casas e dos luxos de Nino, e no estado do país. Luzes se acendiam nos olhos destes jovens quando recordavam Amílcar Cabral e todos eles diziam que se não tivesse sido assassinado se viveria muito melhor”.

É difícil não nos rendermos às alegrias de David Campos, ao retrato que faz à criançada felupe, às amizades constituídas e às saudades que restam. Kassumai é a apologia do simples, da fidelidade nas relações humanas, um credo no desenvolvimento entre pessoas estruturalmente boas. E deixamos alguns desenhos de David Campos para que os nossos confrades avaliem a intensidade da experiência vivida por alguém que não esquece o malogrado Pepito:



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Nota do editor

Último poste da série de 17 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15013: Notas de leitura (748): “Do Colonialismo como Nosso Impensado", Organização e Prefácio de Margarida Calafate Ribeiro e Roberto Vecchi, Gradiva Publicações, 2014 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15025: Parabéns a você (949): Vasco Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 6 (Guiné, 1972/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 20 de Agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15021: Parabéns a você (948): Manuel Amaro, ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615 (Guiné, 1968/71)

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15024: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XI Parte): Mornas e Segundo Encontro com o RDM num mês

1. Parte XI de "Guiné, Ir e Voltar", enviado no dia 17 de Agosto de 2015, pelo nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489, Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67.


GUINÉ, IR E VOLTAR - XI

Mornas

Tinha-a conhecido em casa da Dora. Uma cabo-verdiana linda, a pele morena clara, lábios um pouco salientes, desenhada sobre o magro, à volta dos 20.
Trocaram as palavras do costume quando a Dora os mostrou um ao outro.
Teresa.
Teresa quê?
Teresa!
Olhos grandes, claros, esverdeados, ficavam bem com aquela pele. Voz doce, ar curioso. Esquiva e desinteressada, virou-lhe logo as costas, cada um foi para seu lado.
Esteve ali, conversou com este e aquele até se fazerem horas. Quando descia as escadas, ela chamou-o, ar atrevido, pareceu-lhe até demais. Mas já vai, não se despede da gente?
É, voltamo-nos a encontrar um dia, atirou ela, vemo-nos por aí, não? Bissau não é assim tão grande!
Se é meu desejo? Saiu a desconversar, meio desconsolado.

Dias depois, sentado no Bento, viu-a passar. Os olhares dos outros chamaram-lhe a atenção. Todos se viraram, não era fácil passar despercebida. Parecia-lhe mais alta. Os olhos com um verde mais magnífico ainda, levemente sombreados, cabelo liso preto, a pousar nos ombros, elegante num vestido sem mangas, azul-escuro pintalgado de bolinhas brancas, a balançar um pouco acima dos joelhos, sandália de meio tacão. Como se tivessem combinado, dirigiram-se um para o outro, mãos estendidas, cumprimentaram-se com alguma timidez. Os olhares dos outros não os largavam.
Ai, não, não me sento aí no café!
Vamos então andar um pouco, por aí?
Meteram-se no carro1, uma volta pelas ruas, por aí não, é a minha casa. Então para onde quer ir? Saíram da cidade, para os lados da Sacor, estacionaram de frente para o Sol, a desaparecer no Geba. O rádio a passar Capri, c’est fini, ela a cantarolar baixo, até começar a falar.


Quem sou eu? Sou este que está aqui, Teresa!
Mas quem és tu, porque estás aqui?
Aqui, como?
Porque estás aqui comigo? Sabes lá, que resposta!
A conversa assim, até encontrar o fio. Esta guerra, os desencontros, as pessoas para um lado e para outro, muita gente deslocada das suas casas, todos a virem para Bissau, muita tropa também, onde é que isto vai parar. Assim, de um momento para o outro, de rajada.
Depois mais suave, as origens, as famílias, os amigos, os interesses. Frequentava o 7.º no liceu de Bissau, os pais eram de Cabo Verde, tencionava fazer Medicina em Lisboa, estava com "As vinhas da Ira" nas mãos, acabara um livro de Hervé Bazin. “Só ódio”, conheces? Queres que to empreste?
Para quê, se é só ódio?
Pode ser interessante para ti, como sabes que não gostas sem o ler?
O que estava ali a fazer, perguntou-se. Como se tivesse adivinhado ela adiantou que gostava de estar ali, de olhar o Geba, de o conhecer, de olhá-lo nos olhos. Mas quem és tu, ainda não falaste de ti!
O dia a cair como cai em África, noite num momento. Temos que ir, não é?
Deixou-a à porta da Sé, junto à rua dela. Até amanhã, Teresa. O grupo dele saía na madrugada seguinte, para o norte.

No regresso procurou-a. Os olhos, grandes na mesma, pareciam de cor diferente, o rosto mais fechado, algum problema?
Uma semana à espera este tempo todo, começou ela, porque não apareceste? Olha-me de frente, assim não, olha-me nos olhos, assim! O que sou para ti, ora diz? Porque me foges com os olhos?
Séria, os olhos a entrarem por ele dentro, porque andas atrás de mim? Não falas? Responde! Porque não falas? Gosto que me contes tudo! Mais calma, encostada a ele, tão baixo que mal a ouviu, vamos sentar-nos no jardim? Estamos mais à vontade, a mamã não está, se ela aparecer apresento-ta, qual é o mal?
Que gostava, mas agora não. Então logo? Os papás ficam no varandim a aproveitar o fresco, até às 11, depois vão-se deitar.
Que é que te deu, não falas? Tens namorada na metrópole? Todos vocês têm, sei muito bem, como é ela? A boniteza não é só na cara, sabias? Não gostas de mim? Então que estás aqui a fazer?
Estás a olhar assim para mim porquê? Achas que não temos cabeça para pensar, que só somos corpo para vocês gozarem?
Vens logo à noite? Quando os papás se vão deitar fico sempre um bocado à janela.
Atordoado, saiu dali, sem saber o que fazer, nem para onde ir até. Uma mulher diferente!
Depois o tempo passou, o entusiasmo teve altos e baixos, até esfriara, há quase um mês que não se viam.

Do portão viu a Dora ao cimo das escadas. Ambiente animado, pessoal a dançar cá fora, meia dúzia de pares, tudo gente cabo-verdiana, colados uns aos outros, aquele jeito deles, os corpos no ritmo das mornas e coladeras.
Então, bem aparecido, zangado comigo?
Que não, nada de que se lembre, os olhos dele pelo baile, a Teresa a dançar, a um metro bem medido do par, a saia do vestido acima dos joelhos, o decote a mostrar. Mal os olhos se cruzaram, ela encostou-se ao parceiro, a cara para o outro lado.
Passa-se alguma coisa que eu não saiba? Que não, não havia problema nenhum, andava ocupado, aos fins dos dias não tinha vontade de sair, só isso, mais nada.

Despediram-se da Dora, isso agora vai, olhar maroto para as mãos deles. Tinham dançado uma e outra vez, quase só os dois no fim, tão colados que os outros até repararam.
Meteram pela rua de Santa Luzia, de mãos dadas, a brincarem um com o outro, a rirem-se por ali abaixo.
À porta dos pais dela, os rebentamentos que ouviam há já algum tempo soavam mais fortes. Agora é todas as noites isto! Estes tiros onde são?
Jabadadas2, menina, chega-te para cá, para onde vais, Teresa?
Tenho medo, não posso, encosta-te então, não te sentes mais abrigada assim, não é das explosões que tenho medo, então de que é?
Uma mão na perna, a subir, ai, aí não! Respirações atrapalhadas, afastados, um momento que não acabava, a olharem um para o outro, uma sirene bem perto, os lábios a rasparem-se, o gosto da boca dela, a mão dele nos seios, aqui não, anda, não podemos ficar aqui, mãos amarradas, que malucos, que é que estamos a fazer?
Na espreguiçadeira onde se recostava a ler e a sonhar nas tardes quentes de Bissau, ansiosa, não sabia o que queria, a mão dele fazia-lhe comichão no joelho, riso abafado das cócegas e do nervoso. A mão em cima da dele, parecia-lhe que a acalmava. As duas mãos juntas, a subirem por ela acima, não posso, tem cuidado, miminhos só, não me faças mais nada!

Não ando a fazer nada com ela, nem pretendo nada da Teresa, só passar uns momentos entretido. Não sei é se me vou aguentar assim!
Esta história com a Teresa pode dar chatices, pode trazer-te problemas!
No 14-04 com o pára-brisas no capô, vento na cara, a falar com ele, a caminho de Brá.
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Notas
1 - Volkswagen alugado
2 - Flagelações quase diárias a Jabadá, do outro lado do Geba

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O 2.º Encontro com o RDM num mês

‘Nunca louvarei capitão que diga não cuidei’

Tal há-de ser quem quer, com o dom de Marte,
Imitar os ilustres e igualá-los:
Voar com o pensamento a toda parte,
Adivinhar perigos, e evitá-los,
Com militar engenho e subtil arte,
Entender os inimigos, e enganá-los,
Crer tudo, enfim, que nunca louvarei
O Capitão que diga: "Não cuidei".

Lusíadas
Luís de Camões
Canto VIII, 89

Uma história que não gostava nada de recordar e que se esforçava por esquecer, passara-se em Jolmete, na zona de Teixeira Pinto, no noroeste, ainda não há muito tempo.
Uma zona calma, de um momento para o outro transformou-se num barril de pólvora seca.
O grupo “Centuriões” tinha regressado de lá com três feridos, um dos quais logo evacuado para o Hospital da Estrela. A única acção de fogo em que estiveram metidos consistiu na reacção ao primeiro ataque ao aquartelamento de Jolmete, com o grupo acidentalmente lá.
Era a primeira vez que a companhia lá estacionada via fogo a sério. Sabe-se qual é a reacção da grande maioria de quem é atacado. Primeiro, procura-se abrigo, depois se vê.
Só que naquela noite, o vê-se ficou-se no grande celeiro que os abrigava, a ver se o IN se chateava e ia embora. O que não aconteceu, claro. Se não fosse o grupo do Rainha estar cá fora, por não caber mais ninguém no armazém, abrigar-se e responder, muito provavelmente os atacantes podiam ter feito mais estragos.
Ficaram bem impressionados com a resposta do grupo e o capitão das operações do batalhão estacionado em Teixeira Pinto pediu que, ou continuassem ou fossem outros deles para lá. E foi assim que outro grupo apareceu em Teixeira Pinto e nesta história.

Quando chegou, viu uma povoação agradável, para as proporções locais. Arrumada, uma rua larga fazia de centro e de passagem para tudo à volta.
Foi recebido por um tenente-coronel, voz esganiçada, pequena estatura, careca, franzino, pouco mais de 50, talvez, uma caricatura de militar, pareceu-lhe.
Na sala de operações, um quarto com um mapa grande da zona pregado com pioneses na parede, o Tenente Coronel explicou a situação militar da zona do batalhão sob o seu comando. Para além do alferes do grupo de comandos estava presente também o capitão das operações, um homem diferente como veio a comprovar mais tarde.
Estava tudo em ordem, insistia o comandante do batalhão, a pacificação era um acontecimento, só umas pequenas borbulhas lá para os lados do tal Jolmete. Pingalim para o mapa, quero que você e o seu grupo vão aqui, depois ali, para aí a 10 centímetros para norte do primeiro local e depois venham para aqui, Jolmete no pingalim, outros 10 centímetros para leste. Não deixou de esboçar um sorriso, lá no íntimo e não está mesmo seguro que o sorriso não tenha sido visto pelo estratega. No mapa, aquelas voltas todas dava para aí meio metro. Depende da escala, claro, mas meio metro para um dia, mesmo naquele mapa, pareceu muito. Mesmo assim, se houvesse motivos suficientes, iam a isso que era para isso que ali estavam.
É de notar que o tenente-coronel, soube-se depois, ficara algo incomodado com o relatório que o alferes Rainha fizera e que lhe chegara do QG uns dias antes com um pedido de esclarecimento do chefe da 3.ª Rep. indagando as razões que tinham levado o comando do batalhão a permitir que o nativo de nome Antigas, capturado pelo IN e solto dias depois de ter estado num acampamento IN na área de Bugula, quando se apresentou na sede do batalhão, em vez de ter explorado imediatamente o sucesso o deixou abandonar o quartel e andar pela povoação a contar a história.
Nada de processos de intenções, mas é um aspecto que se deve considerar, tendo em conta os acontecimentos que se seguiram.

Para quantos dias, meu tenente-coronel?
Tudo de seguida! Depois de regressarem logo se vê, peremptório.
O alferes olhou-o e viu que tinha pela frente um guerrilheiro com uma larga experiência em secretarias e departamentos similares, sem imaginar que a especialidade que tirara ainda fora mais apurada.
Tribunais Militares, RDMs e secretarias, veio a saber depois, tinham sido os principais campos de batalha que praticara até à data.
O alferes com um ar, diga-se, nada adequado para um caso daqueles, ora bem, meu tenente-coronel, então V. Ex.ª quer que o grupo vá aqui, depois para aqui e depois para aqui, não é? Tudo de seguida?
Porquê um esforço destes, tantos quilómetros de mata, rios e tarrafos, bolanhas, em plena época das chuvas, sem qualquer conhecimento da localização de acampamentos INs que não seja o que se diz aí pelas ruas? Porque não fazer uma saída de cada vez, com objectivos bem definidos, em vez de andar a passear pelo mato?
Os comandos são grupos reduzidos, meu tenente-coronel e até aqui têm sido empregues em golpes de mão, com objectivos bem localizados e com guias de confiança. Outras missões são para outro tipo de tropas!
Não lhe compete dizer o que se deve fazer, aqui quem manda sou eu e o nosso alferes executa.

Uma miséria de abandono, Jolmete era um barraco enorme, onde estavam lá metidos nas piores condições cerca de 100 homens, arame farpado à volta, logo junto ao barracão. O capitão Corte-Real, comandante da companhia, o que não queria era chatices, e verdade seja dita, só deixou de as ter quando, meses mais tarde, foi estraçalhado por uma mina entre Farim e o K3.
O grupo saiu naquela noite como estava combinado, chuva em cima, trilhos e trilhos, tarrafo intransponível, poderiam andar lá dias se não tivesse decidido ir por outro lado. À hora marcada lá estava o PCV3 no ar, o tenente- coronel então onde estão?
Aqui em baixo, onde havia de ser? Assinalar com uma granada de fumos para saber onde estamos? Uma granada de fumos não lanço. Estamos aqui junto a esta bolanha, para norte do seu PCV.
Aí? Mas não foi isso que eu determinei! Volte já para lá, para o local combinado!
A conversa assim toda animada, indique então a posição para onde quer que a gente vá.
Viemos desses lados, vamos voltar aí para quê, está a ver aí de cima alguma posição IN? Nós é que temos que ver aqui em baixo? Olha Álvaro, o soldado do rádio, desliga mas é essa merda!
E o Álvaro cumpriu a ordem.
E andaram por aqueles trilhos dentro de água, o dia todo até à noite quando chegaram mais mortos que vivos a Jolmete.
Espaço para dormirem no barracão não havia, para comer havia umas excelentes bolachas, daquelas que só vão para baixo com meio litro de água.
Abrigaram-se debaixo das árvores que havia por ali, a tentar dormitar, com pingas de água a cair-lhes em cima.
De madrugada, tocaram-lhe no ombro, o comando do batalhão estava a enviar-lhe uma mensagem.
Explique com urgência os motivos do não cumprimento da missão. Que a missão estava em marcha, voltaria a sair, para o outro ponto indicado, às 5. Não! Vai sair mas é para outro lado, para aqui, para Teixeira Pinto, debaixo de prisão, vou mandar uma coluna buscá-lo.
Foi assim que o alferes foi transportado, numa viatura, por um compreensivo capitão com os elementos do grupo a fazerem o caminho a pé.
No quarto de operações, o tenente-coronel aguardava-o, com o capitão das operações. Que não tinha cumprido a missão e ainda fora mal educado para um oficial superior.
Um auto de averiguações, duas horas para responder por escrito a 34 quesitos.
Um criminoso de guerra, um desertor, ou quê?
Veja lá como fala, sou seu superior, sou tenente-coronel, sou o comandante deste Batalhão! E o nosso alferes está aqui às minhas ordens, com todas as consequências, não se esqueça!

Tinha na frente um bravo militar, esqueceu-se e não devia. Está-se a ver o que aconteceu. Um auto de averiguações transformou-se num auto corpo de delito, numa hora ou menos, uma rapidez que nem no tribunal militar territorial de Tomar!
E 5 dias de prisão disciplinar, o máximo da competência do tenente-coronel.
Tinha acabado de ouvir as razões do castigo, os oficiais, todos em sentido no tal quarto. Sim, que ouvira o que fora lido, que ouvia bem. E que ia reclamar da redacção da punição por, no seu ponto de vista, a redacção não corresponder aos factos. Aguente aí, alferes, o capitão das operações a murmurar baixo, a mexer-se.
Tem que pedir licença para reclamar! De qualquer maneira, concedo-lha.
Cá fora, em conversa com alguns alferes que assistiram à cerimónia ficou a saber que o tenente-coronel era muito disciplinador.

Depois foi o regresso a Bissau. Mal chegou não descansou enquanto não contactou com um dos ajudantes de campo de Governador-Geral, um alferes conhecido de outros gabinetes. Dias depois foi chamado ao Palácio, apresentou-se no gabinete do General Schulz. O General veio até cá fora, ao jardim, e foi aí que teve conhecimento, pela sua boca, dos factos.
Se acha que está a ser injustiçado, recorra, senhor alferes, foi a primeira resposta que ouviu.
Agradeceu ao general o conselho. Mas a principal razão que o levara a pedir que o recebesse tinha a ver com o crachá que o General lhe tinha entregado em mão no final do curso. E que estava ali para o devolver se o general, a partir deste caso de Jolmete, não o considerasse apto a chefiar uma unidade de comandos.
O General mudou o charuto para a outra mão, deu dois passos e olhou-o.
Continue o seu trabalho e faça tudo para que não voltem a ocorrer situações dessas, rematou o Governador-Geral de mão estendida.

Um caso que se arrastou meses e meses. Mudou o capitão dos comandos, mudou o Brigadeiro Comandante Militar, o tenente-coronel de Teixeira Pinto foi transferido para o sul, Catió mais precisamente, muita coisa andou, nada de resposta à reclamação que apresentara. Nem ninguém, desde a 1.ª à 4.ª Rep. sabia onde parava a folha de papel de 25 linhas.

Em meados de Fevereiro do ano seguinte, o novo comandante da Companhia de Comandos disse-lhe que o Comandante Militar, o Brigadeiro Reymão Nogueira, queria pôr ponto final naquela questão, que era melhor ir lá falar com ele.
Alferes, estas questões não adiantam nada ao andamento da guerra, só atrapalham. Claro que são importantes, especialmente quando, como parece ser o caso, não houve motivos assim tão sérios para uma tão severa punição. O que aconteceu foi que o alferes demorou a cumprir uma ordem de um oficial superior. Facto grave! Por outro lado, há que ver as atenuantes que eu acho que não validam a sua atitude, ajudam a compreendê-la.
É do seu conhecimento que a sua punição não sofreu até agora qualquer agravamento. Nem eu nem o nosso Governador-Geral a agravaram. Bom, o que tenho a dizer é o seguinte. O alferes retira a queixa contra o nosso tenente-coronel e eu, não lhe agravo a punição. E é de regra, o Ministro não mexer em penas que não tenham sido agravadas pelos Comandantes Militares.
Finalmente, e isto é muito importante, a sua punição, já publicada em Ordem de Serviço, está registada, não há nada a fazer. Não ocorrendo mais nenhum problema disciplinar, ainda temos de pensar como vamos encerrar o assunto, ok? Entendido?
Cansado, aquele processo há meses a moê-lo, muitas outras coisas na cabeça, optou pela retirada. Dá licença que me retire, meu Brigadeiro?
Enquanto descia as escadas o primeiro pensamento que lhe veio à cabeça foi pirar-se dali para fora, desertar!
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Nota
3 - Posto de comando volante ou de comando aéreo, normalmente a bordo de um Dornier.

(Continua)

Texto e foto: © Virgínio Briote
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Nota do editor

Postes anteriores da série de:

28 de Junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14803: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (I Parte): Introdução, Dedicatória e A Caminho

30 de Junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14814: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (II Parte) Em Cuntima, na fronteira Norte com o Senegal (1)

30 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14817: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (II Parte) Em Cuntima, na fronteira Norte com o Senegal (2)

2 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14827: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (III Parte): Morreu-me um gajo ontem

7 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14845: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (IV Parte): Comandos do CTIG

9 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14857: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (V Parte): Brá, SPM 0418

14 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14876: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VI Parte): A nossa causa é uma causa justa

23 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14922: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VII Parte): Clara; Apanhado à mão e Entre eles

30 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14951: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VIII Parte): "Hotel Portugal"; "Um guia" e "Artigo 4.º do RDM"

6 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14975: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (IX Parte): Mais dois lugares è mesa; Bomba em Farim e Rumo a Barro
e
13 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14998: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (X Parte): Barro, Bigene; Bigene, Barro