sábado, 26 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15159: O nosso querido mês de férias (3): 10 de março de 1970: eu a partir e o ministro do ultramar, Silva Cunha, a chegar, no mesmo Boeing 707, da TAP ( Manuel Resende, ex-alf mil da CCaç 2585 / BCaç 2884, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71)


Guiné > Bissau > Bissalanca > Aeroporto > 10 de março de 1970 > Saída dos passageiros

Guiné > Bissau > Bissalanca > Aeroporto > 10 de março de 1970 > Aguardando a chegada do 707 da TAP, com o ministro do Ultramar, Silva Cunha



Guiné > Bissau > Bissalanca > Aeroporto > 10 de março de 1970 >  Sessão de cumprimentos. [Joaquim Silva Cunha foi ministro do ultramar, de 1963 a 1973; a visita à Guiné nessa altura foi de 10 a 19 de março de 1970].



1. Texto do Manuel Resende, ex-alf mil da CCaç 2585 / BCaç 2884, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71)


Estive em Jolmete desde maio de 1969 até março de 1971. Fui de férias, uma vez,  à metrópole, no período de 10 de março a 10 de abril de 1970 [, e não em julho de 1970, como escrevi por lapso no poste P5246 (*)].

Quando fui de férias embarquei no mesmo 707 da TAP que tinha trazido Silva Cunha à Guiné, daí as fotos que tirei no aeroporto [, vd acima].

No aeroporto de Bissalanca havia grande agitação. Esperava-se a chegada do avião da TAP com o senhor ministro do ultramar, e não dos deputados da metrópole que vinham visitar a Guiné, e que depois irão morrer num acidente de helicóptero (. A minha confusão deveu-se aos 40 anos de esquecimento quase total das coisas da Guiné, só quando descobri o nosso blogue é que me comecei a entusiasmar.)

Tirei algumas fotos no aeroporto,  mas como a minha meta  era embarcar (**), não liguei muito a essa visita. Era um dia de semana, 3ª feira, o 10 de março de 1970.

Silva Cunha irá depois visitar Jolmete no dia 16 de março, 2ª feira. Silva Cunha dirigiu-se ao CAOP em Teixeira Pinto, e de lá foi a eventualmente ao Pelundo, sede do meu Batalhão. A comitiva foi depois a  Jolmete em três helicópteros.

Chegado a Jolmete, depois das férias, em abril de 1970,  fui informado  da visita do ministro do ultramar. Como havia fotos da visita,  tiradas pelo furriel Rodrigues,  da minha Companhia, eu adquiri cópias, que são as que mostro a seguir.

Terminada a visita,  os helis saíram de Jolmete para Teixeira Pinto depois do almoço, para deixarem o pessoal do CAOP. Como não estive lá,  não sei quem foi do CAOP, mas pelo menos o sr. coronel Alcino, comandante, esteve lá, como se pode ver em quase todas as fotos.

Jolmete era um aquartelamento exemplar no mato. O sr. general Spínola tinha um fraquinho por Jolmete; esta mensagem foi-nos transmitida logo à chegada. Os nossos antecessores, CCaç 2366 comandada pelo sr. cap Barbeites, construíram o quartel de raiz, nós continuamos e aperfeiçoamos. Eles tiveram uma forte actividade militar, nós continuamos e aumentamos, com saídas praticamente diárias, o que nos privou de ataques ou flagelações ao aquartelamento durante toda a comissão.

Construímos, entre outras coisas, dois abrigos, a vala de defesa em volta do quartel, uma escola e 24 casas para a população civil, graças à nossa equipa de pedreiros, como o Firmino (Régua), o Ramos, o Lima, o Spínola (não confundir com o nosso General), o Risadas e outros que não me recordo os nomes, mas que de seu modo, deram o corpo ao manifesto, erguendo obra que após a independência foi toda destruída.

A companhia que nos sucedeu, foi a CCAÇ 3306.

Manuel Resende


Guiné > Região do Cacheu > Jolmete > 16 de março de 1970 > Abre-se a porta e vê-se o gen Spínola. No banco de trás o cor Alcino, cmdt do CAOP.




Guiné > Região do Cacheu > Jolmete > 16 de março de 1970 > Do outro heli saem outras individualidades



Guiné > Região do Cacheu > Jolmete > 16 de março de 1970 > Cap Almendra, cmtd  da CCAÇ 2585 cumprimenta e dá as boas-vindas ao gen Spínola e ao ministro do ultramar, Silva Cunha





Guiné > Região do Cacheu > Jolmete > 16 de março de 1970 > Cumprimentos ao oficial de dia, alf mil Marques Pereira, pelo ministro Silva Cunha e gen Spínola. Vemos distanciado, à esquerda, o cor Alcino,l cmdt do CAOP.




Guiné > Região do Cacheu > Jolmete > 16 de março de 1970 > Visita da comitiva à cozinha. Além de Siva Cunha e coronel Alcino, vemos dois furriéis dos helis e dois repórteres

Guiné > Região do Cacheu > Jolmete > 16 de março de 1970 > Visita à Capela



Guiné > Região do Cacheu > Jolmete > 16 de março de 1970 > Despedidas finais, regresso a Bissau



Guiné > Região do Cacheu > Jolmete >  O capitão Almendra, cmdt da companhia, a CCAÇ 2585. Era alferes mil graduado em capitão, tendo substituído, em agosto de 1969, o capitão QP, António Tomás da Costa, promovido a major.

Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]

Guiné 63/74 - P15158: Parabéns a você (966): António Medina, ex-Fur Mil Art da CART 527 (Guiné, 1963/65)

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Nota do editor

Último poste da série de 23 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15144: Parabéns a você (965): Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripto do CMD AGR 16 (Guiné, 1964/66)

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15157: Efemérides (199): Cerimónia de Imposição de Medalha Comemorativa das Campanhas ao ex-Comandante do Pel Rec Daimler 2208, dia 19 Maio de 2014, no RI 15, em Tomar (Ernestino Caniço)

1. Mensagem do nosso camarada Ernestino Caniço (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Rec Daimler 2208, MansabáMansoa e Bissau, 1970/71), com data de 24 de Setembro de 2015, dando conta da cerimónia ocorrida no dia 19 de Maio de 2014, no RI 15 de Tomar, durante a qual lhe foi imposta a Medalha Comemorativa das Campanhas:

Caro Amigo Carlos:
De acordo com a nossa troca de impressões aquando do Encontro Nacional em Monte Real neste ano de 2015, venho enviar-te alguns registos da Cerimónia de Imposição da Medalha das Campanhas de África, na minha pessoa.
A cerimónia foi presidida pelo Exmo General Comandante da Brigada Reação Rápida Major General Fernando Celso Vicente Campos Serafino, em 2014-05-19, no RI 15 em Tomar.

Um abraço
Ernestino Caniço

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Algumas notas sobre o Regimento de Infantaria 15 

Síntese histórica

O RI 15 foi criado em 1806 e tem origem remota no Terço de Olivença.
O RI 15 orgulha-se de ser o Corpo Militar do nosso Exército que mais condecorações ostenta na sua Bandeira, graças ao devotado esforço e ao sacrifício de vida dos seus soldados nas serranias e praças da guerra da Península Ibérica, nos pântanos da Flandres ou no Sertão Africano.
O historial das suas campanhas evidenciam o seu comportamento “sempre firme e constante” ao longo dos mais de 200 anos de existência, e a par e passo deixa bem claro o testemunho do seu exemplo e da sua galhardia.

A bandeira do Regimento é portadora do seguinte mote camoniano: 

“ESTA É A DITOSA PÁTRIA MINHA AMADA”

Ostenta as seguintes inscrições a ouro: 

SALAMANCA
BADAJOZ
VICTÓRIA
SAN SEBASTIAN
LA LYZ
FERME DO BOIS
RICHEBOURG
CANAL DE LAWE
LA COUTURE

E as seguintes condecorações: 

Comenda da Ordem Militar da Torre e Espada, do valor Lealdade e Mérito
Medalha de Ouro de Valor Militar
Medalha de Ouro e Serviços Distintos com Palma
Medalha de Ouro de Serviços Distintos
Croix de Guerre 1914-1918 avec Palme (França)
Croce al Merito di Guerra (Itália)
Fourragère de la Medaille Militaire (França)
Ordem de Mérito Militar no Brasil
Membro Honorário da Ordem Militar de Avis
Membro Honorário da Ordem Militar de Cristo

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Fotos: © Ernestino Caniço
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2. Comentário do editor

Cabe aqui dar os parabéns ao nosso camarada Ernestino Caniço, com quem eu ainda me cruzei em Mansabá, pela Medalha Comemorativa das Campanhas que lhe foi imposta, volvidos que foram mais de 40 anos desde que lhe foi atribuída.

Só por alguma insistência minha o nosso camarada Caniço acedeu a dar o relevo que a cerimónia merece. A Medalha é nossa e nem devia ser necessário o pedido formal para a sua imposição.
Alguns camaradas pensam que a Medalha só é atribuída a quem a pede, mas o pedido que agora fazemos é só para a imposição, já que a mesma foi atribuída a todos os combatentes (profissionais ou milicianos) no fim de cada comissão.

C.V.
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15125: Efemérides (198): Descerramento de uma placa de homenagem aos Combatentes caídos em Campanha na Guerra do Ultramar, a levar a efeito no dia 10 de Outubro de 2015, no Cemitério de Guifões-Matosinhos (Albano Costa)

Guiné 63/74 - P15156: Convívios (711): Tabanca da Linha, Cascais, estrada do Guincho, Oitavos, a "rentrée", 5ª feira, 24 de setembro de 2015: fotos do Manuel Resende (Parte I)


Foto nº 1 > O prato de marisco que já é um ícone dos serviços de "catering" da Tabanca da Linha...  O segredo está bem guardado, diz o régulo da tabanca, o Jorge Rosales



Foto nº 2 > O comandante Luís Pombo (Bucelas) e a sua filha Maria João Rodrigues Pombo (1): "Como é bom regressar a casa, depois de uma vida de aventuras e canseiras"...



Foto nº 3 > O comandante Luís Pombo (Bucelas) e a sua filha Maria João Rodrigues Pombo  (2): "Adoro-te, meu pai e meu comandante!"...




Foto n º 4 > A Maria João Rodrigues Pombo e o António Martins de Matos (Lisboa) (ten gen pilav ref)...  "Vocês são os meus heróis!"...


Foto n º 5  > A Maria João Rodrigues Pombo e o Avelar de Sousa (Bucelas)  (maj gen paraquedista ref, BCP 12, Bissalanca, BA 12, 1972/74; grande amigo do comandante Pombo)... 

"Pára-quedista que andas em terra: Pára-quedista  / Que andas em terra  / A tua alma encerra / Saudades do ar / E na conquista / Beijam-te as moças / Só p'ra que não ouças / Teu peito a vibrar"...


Foto nº 6 > Carlos Cruz e a esposa Irene (, moram em Paço d'Arcos)... "Que ternura!"...


Foto nº 7 > José Rodrigues  e a esposa, Maria de Lurdes (vivem em Belas): "A vida é bela!"



Foto nº 8 > Carlos Cruz, o Zé Manel Dinis e a Teresa (Cascais)... "A melhor messe que já conheci"...



Foto nº 9 > Mário Fitas e Jorge Rosales,  dois "homens grandes" da Tabanca da Linha... "Comandante, o negócio não está mau"...



Foto nº 10 > Mário Fitas e José Rosales, mano (mais novo) do Jorge... Está de perfil, a conversar com um empregado de mesa, conhecido dos Rosales... "Mesa VIP!"...


Foto nº 11 > O António Graça Abreu (à direita) (S. Pedro do Estoril) e o Manuel Rocha (Lisboa), jornalista, convidado  pelo Armando Pires (que não veio, por razões de agenda)... Segundo o fotógrafo, o Manuel Rocha "veio para ficar"... "Aqui sou o único sínico", diz o Abreu China...



Foto nº 12 > Três camaradas de Bambadinca: da esquerda para a direita, Luís R. Moreira (Mem Martins), Zé Fernando Almeida (Óbidos), António Fernando Marques  (Cascais) (estes dois últimos, ex-fur mil  da CCAÇ 12, 1969/71)... "Da peste, da fome, da guerra... e das minas, libera nos, domine!"...



Foto nº 13 >  O Marques e  a esposa Gina (Cascais), mais a esposa do Zé Fernando Almeida, a Suzel (Óbidos)... "Alinhamos sempre!",,,




Figura nº 14 >  João Martins (Lisboa), mais um camarada que veio pela primeira vez (e cujo nome me escapa)  e, à direita,   o Diniz Sousa e  Faro (São Domingos de Rana)... "O repouso do guerreiro"...


Figura nº 15 > Da direita para a esquerda: Joaquim Nunes Sequeira (Colares), Carlos António Rodrigues e César Pacheco (novos, na Tabanca da Linha, moram em S. Pedro do Estoril)... "A água de Lisboa é que é boa"...


Foto nº 16 > O Marcelino da Mata (Cacém) e o José Felício (à esquerda), o decano da Tabanca da Linha: tem nada mais nada menos do que 93 anos...  "Mais uma missão cumprida!", parece dizer ele!...



Foto nº 17  > O Marcelino, o  Diniz Sousa e Faro  e  mais um elemento novo da Tabanca da Linha... "Pois é, camaradas, nunca pensei aos 75 anos, voltar a dormir no mato!" (Marcelino da Mata, em voz "off record")


Cascais > Estrada do Guincho > Oitavos > Convívio da Magnífica Tabanca da Linha > 24 de setembro de 2015 >


1. Mais um esplêndido dia de convívio que juntou uma meia centena de tabanqueiros, jovais, bem dispostos, sempre prontos a continuar a viagem pela picada da vida fora,  mau grado as emboscadas, as minas e armadilhas, as sacanices, as deceções, as deserções, as baixas... Alguns são novos, isto é, vieram pela primeira vez... E logo prometeram ficar.

Muitos dos tabanqueiros da Linha  são membros da nossa Tabanca Grande...  Outros, mais preguiçosos, ainda não se deram ao trabalhar de fazer o seu registo... para a eternidade. É bom lembrar que a Tabanca Grande não é o panteão nacional, é muito  melhor... porque "mais vale um camarada vivo do que um herói morto"...

A lista dos tabanqueiros da Linha tem vindo a engrossar, pelo que pude ver na folha de Excel que o Manuel Resende me facultou: são perto de 130 os tabanqueiros da Linha (dos quais 110 camaradas e 20 acompanhantes). E uns mais regulares do que outros... Quase todos oriundos da Grande Lisboa (Cascais, Sintra, Oeiras, Amadora, Loures, Lisboa...) mas também os há da outra banda, de Almada até Setúbal.

Aguardamos a tradicional crónica, sempre genial e bem humorada, e (ex)pirada, do talentoso secretário da Magnífica Tabanca da Linha, o Zé Manel Matos Diniz.

A II parte (fotográfica) deste convívio seguirá  oportunamente, com a ajuda (fundamental) do empenhado, dedicado e competente fotógrafo Manuel Resende. (LG)


Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]

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Nota do editor:

Último poste da série > 22 de setembro de  2015 > Guiné 63/74 - P15142: Convívios (710): XVII Encontro do pessoal da CCAÇ 4544, levado a efeito no passado dia 13 de Setembro de 2015, em Alcobaça (António Agreira)

Guiné 63/74 -P15155: Agenda cultural (426): "Desesperança no chão de medo e dor": novo llivro com meia centena de poemas recentes do escritor e jornalista guineense Tony Tcheka (n. Bissau, 1951)... Sessão de lançamento, hoje, 6ª feira, às 17h00, na Mala Posta, Odivelas (metro Sr. Roubado)... Apoio da RDP - África






Nota biográfica:



Tony Tcheka (António Soares Lopes Júnior):

(i) natural de Bissau, onde nasceu a 21 de Dezembro de 1951;

(ii)  foi um dos fundadores da União Nacional de Artistas e Escritores, da Guiné-Bissau;

(iii)  e é hoje considerado um nome de referência da literatura guineense;

(iv) tem  trabalhos em várias antologias, publicadas na Guiné-Bissau, Portugal, França, Brasil e Alemanha;

(v) também jornalista, António Soares Lopes Júnior foi redator e mais tarde diretor da RDN-Rádio Nacional da Guiné-Bissau;

(vi) foi chefe da redação e diretor do Jornal Nô Pintcha; nessa qualidade criou Bantabá, um suplemento cultural e literário;

(vii) como correspondente e analista, trabalhou com a BBC, Voz da América, Voz da Alemanha, Tanjug e, em Portugal, com o Público, a antiga agência noticiosa ANOP, RTP-África e TSF


Fonte (texto e foto): Cortesia de estudo-K > 3/10/09 > Tony Tcheka 

Guiné 63/74 - P15154: Notas de leitura (760): "O colonialismo português", Coleção Estudos Africanos, Edições Húmus Lda., 2013 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Outubro de 2014:

Queridos amigos,
Já falámos de chineses em Catió, temos agora judeus na Senegâmbia, terão sido influentes no comércio, fazendo articulação com que hoje chamamos os Países Baixos.
Há novos rumos da historiografia do colonialismo português em África, este livro é um excelente exemplo. Adoro a capa, a passagem do rio Corubal faz parte do documentário fotográfico da viagem à Guiné do Ministro das Colónias, em 1941, é uma imagem soberba, a madeira da jangada parece sido cortada ontem. Interrogo-me em que zona do Corubal, talvez perto do Saltinho, hipótese a não excluir.
Tenho que bater à porta do Instituto de Investigação Científica Tropical, talvez uma caixinha de surpresas.

Um abraço do
Mário


O judaísmo na construção da Guiné de Cabo Verde, século XVII

Beja Santos

O termo Senegâmbia tem aqui vindo a ser largamente referido e conotado com um espaço situado entre o atual Senegal e a Serra Leoa, em que se fez notar a presença portuguesa no trato comercial, designadamente no tráfico de escravos. Nos últimos anos, observa-se um desenvolvimento importante na história do colonialismo português em África, há investigadores que aprofundam essa presença na Senegâmbia, é o caso de Eduardo Costa Dias, José da Silva Horta e Peter Mark. Esses estudos revelam ligações estreitas entre Cacheu e Pecixe, mais a Sul com os espaços políticos Beafadas, também com Bissau, e os eixos Cacheu-Farim e Bissau-Geba. Mas todo este espaço político-mercantil era o da Grande Senegâmbia onde os investigadores deram pela presença de comerciantes judeus, sediados no atual Norte do Senegal, atuando no rio Gâmbia e com articulações com Cacheu.

Em 2011, reuniram-se no Instituto de Investigação Científica Tropical investigadores portugueses e canadianos no seminário Novos Rumos na Historiografia dos PALOP, de que se publicou o livro "O colonialismo português", Coleção Estudos Africanos, Edições Húmus Lda., 2013.
Esta recensão prende-se com o trabalho apresentado por José da Silva Horta e Peter Mark, exatamente sobre o judaísmo na Guiné do Cabo Verde. Convirá que o leitor tenha em consideração o mapa que se publica, o Cabo Verde é a Sul do rio Senegal, mais ou menos em frente ao Arquipélago de Cabo Verde, pode ver-se a extensão da Grande Senegâmbia. Nos meios luso-africanos do tempo falava-se na Guiné de Cabo Verde. Começam os autores por referir que “Até muito recentemente o papel pioneiro desempenhado pela Guiné do Cabo Verde/Grande Senegâmbia na construção do Mundo Atlântico foi contornado e desvalorizado por contraste com o protagonismo nesse processo conferido a outros espaços africanos como o Golfo da Guiné e a África Central Ocidental”. E explicam a importância da região: “A vasta área da Grande Senegâmbia não só se abriu profundamente aos mercados ocidentais como respondeu plenamente aos desafios que essa abertura implicou, a qual não se ateve ao tráfico de escravos. Parte dessa resposta foi a conhecida integração de mediadores mercantis e culturais de origem sobretudo portuguesa e lusodescendente nos sistemas e modelos de relacionamento africanos pré-existentes”. O Arquipélago de Cabo Verde assumiu uma função crucial na construção dessa mediação, foi o dínamo desse trânsito cultural.

Grande Senegâmbia/Guiné do Cabo Verde do Noroeste Africano

Porém, no início do século XVII, deu-se um ponto de viragem, passaram a entrar na Guiné judeus. Até agora a historiografia falava sempre na identidade luso-africana associada ao cristianismo. Os historiadores apenas sabiam de maneira imprecisa que no século XVII, nesta Grande Senegâmbia apareceram judeus praticantes. Sucessivas investigações posteriores esclareceram a presença de judeus confessos na Guiné. E os autores explicam como se apurou este facto: “A investigação foi baseada, numa primeira fase, em documentação da Torre do Tombo, pertencente ao Cartório do Santo Ofício e numa segunda fase nos registos notariais e internos dos membros da comunidade de judeus portugueses, consultados em Amesterdão, que se revelaram, no essencial, preciosamente complementares às informações dos documentos arquivados pela Inquisição. Os documentos que recolhemos e trabalhámos permitiram-nos reconstituir a existência de comunidades de judeus no atual Norte do Senegal. Cerca de 1606-1608, estes judeus operavam na região, mantinham-se em comunicação com a comunidade de Amesterdão, a eles se juntaram cristãos novos vindos de Portugal (nomeadamente do Porto, de Cabeço de Vide no Alentejo e de Faro) eram reconhecidos como judeus, sem qualquer discriminação. Estes judeus luso-africanos visitaram ou passaram a residir nas Províncias Unidas (hoje Países Baixos), conjuntamente com mestiços ou mulatos".

Está demonstrada a presença destes judeus nas atividades comerciais com a proteção dos dignatários africanos, caso dos reis wolof e sereer. As autoridades eclesiásticas bem tentaram que estes reis prendessem os judeus e que eles fossem recambiados para Lisboa, sem sucesso. E adiantam os autores quanto à natureza do comércio praticado: “Verificámos que além do comércio de couros, marfim e cera, judeus e cristãos novos estavam também envolvidos no comércio de armas, proibido pela Santa Sé e pelas coroas católicas, nomeadamente comércio de armas brancas. A existência de um importante comércio de armas brancas nos finais do século XVI e século XVII, contribui para desconstruir o conceito de warfare cycles estribados numa mercadoria específica (cavalos) ou num tipo de arma (armas de fogo). Esta rede mercantil incluía destacados membros da comunidade dos judeus sefarditas de Amesterdão, nomeadamente da congregação Bet Jacob”. Os investigadores observam que este contingente de cristãos novos foi muito significativo entre a população dos lançados e outros portugueses residentes na Guiné. Eram judeus de identidade flexível, e dão o exemplo: “Em 1612, Jesu (ou Joshua) Israel, como era conhecido no Norte da Senegâmbia, metamorfoseava-se em Luís Fernandes Duarte quando tinha de se corresponder com um parceiro comercial africano, transmutando-se novamente em Joshua na correspondência interna às comunidades judaicas e aos parceiros cristãos-novos em que confiava”.

Enfim o cristianismo desempenhou nesta Senegâmbia do século XVII um papel fundamental nas relações luso-africanas mas o dado novo foi a chegada destes judeus que a partir do Norte da Senegâmbia geraram uma nova identidade, casaram-se com mulheres africanas e converteram a descendência ao judaísmo. As investigações continuam. E os autores finalizam assim o seu artigo: “Se o mundo mercantil do século XVII funcionava através de redes locais, regionais, intracontinentais e transcontinentais, também os fenómenos da história social decorrentes desse mundo deveriam ser reinterpretados sem partir necessariamente de um centro europeu. Foi isso que procurámos fazer”.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15136: Notas de leitura (759): "A Educação na República Democrática da Guiné-Bissau, Análise Setorial", editado, em 1986, pela Fundação Calouste Gulbenkian (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15153: FAP (90): Para acabar de vez com o mito dos MiG em Conacri: nunca os houve no nosso tempo, garantiu-me o comandante Pombo, no convívio da Tabanca da Linha (António Martins de Matos, ten gen pilav ref)


Cascais > Estrado do Guincho > Oitavos > Almoço da Tabanca da Linha > 24 de setembro de 2015 >  Selfie de dois bravos da FAP, o António Martins de Matos e o comandante Pombo...


Foto: © António Martins de Matos  (2015). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do António Martins de Matos


Data: 24 de setembro de 2015 às 18:41

Assunto: MiG


Caros amigos

Para terminar o assunto dos MiG

Dos postes anteriores (e foram muitos) (*), houve de tudo, MiG em Conacri, patrulhando a fronteira, picando aqui e ali, com pilotos guineenses, cubanos ou russos, em momentos cruciais escondidos ou deslocados para outras pistas (Labé), retaliando a quando da operação Mar Verde ….

Como não gosto de assuntos meio feitos, meio por fazer, tive que aprofundar o tema com quem tivesse uma visão mais completa do assunto.

E quem melhor para nos elucidar que o nosso amigo comandante José Pombo, piloto de caça e piloto dos TAGP [, Transportes Aéreos da Guiné Portuguesa,] durante alguns anos, e depois de 1974 amigo do Presidente da Guiné Bissau e piloto privativo do Presidente Sékou Touré durante mais uns 5 ou 6 anos ?  (Interessante que, com tantos pilotos pró PAIGC, tenha escolhido um piloto portuga.)

Aproveitei o almoço, de hoje,  da Magnífica Tabanca da Linha e abordei-o. E ele disse-me o seguinte:

(i) nunca houve qualquer MiG em Conacri;

(ii) a coisa mais parecida com um avião de caça que vira em Conacri eram os restos da asa do Fiat G 91 [R/4 5419] do falecido ten cor pilav [Almeida] Brito, que o PAIGC tinha levado a título de troféu (**);

(iii) à  excepção de Conacri, mais nenhuma pista da Guiné tinha (tem) condições para receber os MiG;

(iv) confirma que a Rússia tinha dado treino a pilotos guineenses e, já depois da independência da Guiné Bissau, oferecido a este país  2 MiG;

(v) em data que não pode precisar, ao voar de Dacar para Conacri, descobriu que, no mar e à revelia do Governo de Bissau, alguém estava a fazer exploração petrolífera na águas da Guiné Bissau; avisou Bissau, saíram os 2 MiG pilotados por guineenses, não deram com a exploração, à volta e devido ao mau tempo, esmerdaram-se os dois, um ao pé do aeroporto, outro junto à estrada de Nhacra;

(vi) com tal performance,  a Rússia nunca mais lhes deu novos aviões.

E pronto, acho que está tudo dito.

Abraços

AMM


2. Esclarecimento:


(i) António (c/c Maria João), hoje:

Dizes que o comandante Pombo foi "piloto privativo" do Sékou Touré a seguir á independência da Guiné-Bissau ?... Nas conversas que já tive com ele, não me apercebi desse facto relevante...Sabia que tinha pilotado o pequeno Falcon da presidência da Guiné-Bissau; tendo estado ao serviço do Luís Cabral e depois do 'Nino"... Provavelmente querias dizer que foi "piloto privativo" do Luís Cabral de quem, além disso, era amigo. Como era amigo do 'Nino', a quem tratava por tu (***)...

António, é importante que me confirmes este facto... Peço a ajuda da Maria João.


(ii) Maria João Rodrigues Pombo, hoje

Bom dia,

Falei agora com ele [, o meu pai,] e diz que nunca foi piloto do Sékou Touré. Disse-me que chegou a levar várias vezes o presidente de São Tomé. no avião que era do Luís Cabral e que emprestava a aeronave.

Um grande bj e bom fds! Até breve.

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 11 de setembro de  2015 > Guiné 63/74 - P15103: FAP (89): Op Mar Verde: e se os MiG, que existiam de facto, mesmo que pouco operacionais, tivessem sido localizados e destruídos ? (José Matos)


(**) Vd, Fundação Mário Soares >  Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral

Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 05360.000.142
Título: Combatentes do PAIGC junto aos destroços de um avião Fiat G-91, abatido por um míssil terra-ar Strela
Assunto: Combatentes do PAIGC junto aos destroços de um avião Fiat G-91 abatido por um míssil SA-7 Grail (Strela), que resultou na morte do piloto José Fernando de Almeida Brito, Comandante do Grupo Operacional 1201.
Data: c. Março de 1973
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: FotografiasDireitos:
A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.
Arquivo Amílcar Cabral > 11. Fotografias > 3.PAIGC > Luta Armada

[Nota de LG: O documento está irremediavelmemte danificado, só se aproveitando a metade dop lado esquerdo. Tomámos a liberdade de o edirtar. Com a devida vénia...

[Disponível em: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43093]

(***) Vd. poste de 4 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14218: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (32): Falei ao telefone com o comandante Pombo, amigo de Luís Cabral e de 'Nino' Vieira... e sobretudo um orgulhoso sobrevivente dos Strela (em 1973/74) e da "Operação Atlas", em agosto de 1961 (travessia, com uma esquadra de F-86F “Sabre”, Monte Real-Bissalanca, num total de 3888 km e o tempo de 7h50 sobre o Atlântico) (Luís Graça, com José Cabeleira, cap TMMA ref, Leiria)

(...) O Pombo é hoje capitão pil, reformado Fez, segundo bem percebi, 4 comissões na Guiné. Voltou há pouco para Portugal, vive hoje em Bucelas, e é amigo pessoal do major gen paraquedista Avelar de Sousa, que passou pelo TO da Guiné, integrando o BCP 12, como comandante da CCP 123 (1970/71), e foi ajudante de campo, entre 1976 e 1981, do gen Ramalho Eanes, 1º presidente da república eleito democraticamente no pós 25 de abril. E esse fato é relevante para se perceber a influência, discretíssima, que o comandante Pombo terá tido na libertação do ex-1º primeiro ministro da Guiné-Bissau, Luís Cabral, depois do golpe do ‘Nino’ Vieira em 1980.

O comandante Pombo privou com os dois, e dos dois era amigo. Ao ‘Nino’ Vieira tratava-o inclusive por tu. E o Pombo continuou a ser o comandante Pombo, depois da independência da Guiné-Bissau. Terá havido um acordo entre as novas autoridades de Bissau e o governo português para que ele ficasse na Guiné... O PAIGC não tinha pilotos. O comandante Pombo pilotava o pequeno Falcon que fora oferecido ao Luís Cabral. Este gostava muito dele, e sempre que viajava com ele trazia-lhe uma garrafa de.. champagne.

Depois veio o golpe do ‘Nino’ e o Luis Cabral ficou preso na Amura… Sem cinto!... O comandante Pombo foi visitá-lo e encontrou-o sem cinto, com as calças na mão… Diziam-lhe, os seus carcereiros, que era para ele não poder fugir. Achando essa uma situação indigna, o Pombo foi falar ao seu amigo ‘Nino’, que lhe deu razão…

Mais tarde o Pombo moveu as suas influências, junto do Avelar de Sousa… O presidente Ramalho Eanes, como é sabido publicamente, exerceu forte influência junto de ‘Nino’, no sentido de obter a libertação de Luís Cabral que, primeiro, foi para Cuba e mais tarde para Portugal, onde veio a morrer. Ramalho Eanes e Luís Cabral tinham muita estima mútua.

Mas, e contrariamente ao boato que corria na Guiné, no tempo da guerra colonial, o comandante Pombo não estava feito com os “turras”… E a prova disso é que umas das aeronaves (não era um Cessna, era uma outra avioneta tipo DO 27…) foi perseguida por dois mísseis Strela, já depois do último avião da FAP ter sido abatido . (...) 

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15152: História de vida (39): Voltar finalmente, não mais rico mas diferente (Juvenal Amado)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 18 de Setembro de 2015:

Carlos e Luís 
Aqui vai alguma coisa para publicação se tiver interesse.
Junto envio fotos de Fátima que foram tiradas com um telemovel. Se não tiverem qualidade eu posso tira-las com uma máquina fotográfica.

Juvenal Amado


VOLTAR FINALMENTE 

Ora cá temos a chuva que tanta falta fazia, ainda assim sempre desagradável. O vento mais agressivo baixa as temperaturas e traz-nos notícias do Outono, com a as suas folhas castanhas a esvoaçarem e a entupirem os biqueirões, a provocarem pequenas inundações urbanas, uma vez que são essas zonas mais impermeáveis à custa do betão e do alcatrão.

Dirão alguns que só faltava este a queixar-se do alcatrão nas estradas, quando andamos a protestar há tantos anos com o maus estado delas, onde os buracos fazem perigar as direcções e suspensões dos nossos carritos, comprados a prestações e a temer que antes do seu pagamento integral, já tenhamos que fazer face a despesas com oficinas, que nos custam sempre os olhos da cara.

Mas já me alonguei com estas considerações para além do que me levou hoje, que o Sol já apareceu novamente, a ganhar formigueiro e escrever sobre várias coisas da vida, quase como acontece com as conversas de circunstância com o vizinho, sobre os dias em que esteve muito calor, ou “está um bocadinho de frio não está?” Ele responderá invariavelmente “que estamos no tempo dele”. É sempre assim.

Durante anos defendi que a nossa terra é o sítio em que moramos com conforto, onde temos segurança, onde ganhamos o nosso sustento, tantas vezes negado na terra donde somos originários. Reconheço agora, passados que são praticamente dezena e meia de anos de ter saído do berço natal, que não é assim e que a nossa terra é sempre aquela dos nossos pais, irmãos e onde nos criamos por mais trambolhões tenhamos tido. Morar num sítio e pertencer a outro, é pois uma realidade a que não escapei como milhares de portugueses que trabalham fora do nosso país por absoluta necessidade, mas esperam voltar ao seu rincão natal um dia, de preferência bem de vida como convém.

Há uns anos, muitos regressaram com os filhos, que embora não nascidos cá, os pais entenderam assim não os perder para um país que os acolheu, mas que não é o deles. É estranha a natureza humana, na verdade pois foram de cá embora porque não tinham futuro e tudo fazem para regressar, evitando que os filhos se separem das suas raízes ancestrais.

Já em Alcobaça conheci jovens que vieram da “estranja” enviados para casa dos avós, como forma de os subtrair a uma sociedade em talvez pais nunca se tivessem querido integrar.
Em Fátima, trabalhei com alguns desses jovens regressados por imposição dos pais, e na verdade, a diferença de educação escolar, alguma dificuldade com a nossa gramática, bem como o nível de empregos disponíveis, acabou por se saldar por uma má escolha, pois não conheci algum que passasse de caixa de supermercado, ou de trabalhador fabril em fábricas à beira da falência e com salários bem modestos.

Um vizinho meu, depois de alguns anos a tentar, acabou por voltar para França com a mulher e uma filha, uma vez que o filho já não regressou, casou e por cá ficou a trabalhar numa média superfície comercial, falhadas que foram as tentativas de integração na vida escolar com bons resultados. Vieram para ficarem juntos, mas como se vê não conseguiram. Da nova leva de portugueses a procurar lá fora melhores condições, melhores salários, vamos ter que esperar se voltam ou não e como vão proceder com os filhos.

Quando estava na Guiné cheguei a fazer planos de correr o Mundo com o meu amigo “ Aljustrel”, copiando talvez os hippies, vivendo aqui e ali, trabalhando quando fosse estritamente necessário, pois a vida e a liberdade eram para ser absorvidas como o Sol na cara, sem ter que pagar por essa dádiva. Ele em parte seguiu um caminho mais parecido com isso e navegou por todos os mares mais de 30 anos. Está claro quanto à subsistência foi muito diferente. Passados que foram as conversas e planos mais ao menos amalucados no posto de sentinela, quando regressei da Guiné, emigrar nunca me passou pela cabeça, casei, trabalhei arduamente para ter para mim e para a minha família bem estar, sem muitas exigências para além do que os meus princípios humildes e solidários impunham, lutei por construir um futuro na minha terra, dar há minha filha a hipótese de frequentar a universidade, atingindo assim o grau académico que lhe possibilitasse sair da velha realidade que filho de operário seria a seguir operário. Duvido hoje que tenha feito a opção certa em cá ter ficado e, cheguei a aconselhá-la a fazer pós graduação no estrangeiro, sabendo eu que tal abriria portas ao seu não regresso, talvez à impossibilidade do convívio com ela e com filhos que eventualmente viesse a ter.

Vidas e linhas que se cruzam, o problema é que não sabemos onde cada uma delas acaba . Hoje fiz como costume a minha caminhada pelas ruas de Fátima. Quase que me despeço delas, como o Verão se despede de nós, pois em breve deverei voltar para a minha terra, onde nunca deixei de pertencer. Caminho pela estrada de Minde, passo a rotunda Sul, meto pela alameda do Santuário, passo junto da Igreja da Santíssima Trindade, Correios, vou ladeando de um lado o Santuário, de outro as lojas minúsculas, que vendem velas para todas as alturas, pés, braços, corpos inteiros em cera, bem com toda a variadas de imagens, pagelas que a atestam a devoção de quem se lá desloca para pagar assim as promessas que fez em momento de aflição.
Sigo depois pela rua das lojas onde as vendedoras com sorriso afivelado sorriso esse que não chega aos olhos, nos convidam a entrar e onde se repetem as imagens talvez de melhor qualidade, juntamente com bonés e cascóis bem com camisolas do Cristiano Ronaldo, salpicadas aqui e ali por lojas chinesas, bem como a profusão de hotéis, capacidade que não tem parado de aumentar.










Ainda não sinto saudades porque não se pode ter saudades do Futuro, mas nestes anos vi as mudanças enormes desta terra que me acolheu e onde muito gosto de estar, perdi as transformações da terra para onde vou voltar, mas aqui estive sempre de passagem, lá estão as minhas raízes mais profundas, que vão desde as recordações e amigos de minha infância, às casas onde vivi, às ruas tantas vezes percorridas, para não falar dos sítios onde descansam para sempre os meus familiares que já partiram.

Na verdade tudo me puxa para lá novamente, passados que foram os anos de que alguma rebeldia e insatisfação me fizeram procurar uma vida de sucesso noutro local. Passados que foram os tempos do trabalho com tantos avanços e recuos, Não volto mais rico, volto sim diferente.

Um abraço
JA
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14232: História de vida (38): José da Câmara um açoriano activo na comunidade açoriana de Stoughton, nos Estados Unidos da América