quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15276: Recortes de imprensa (76): Ribamar da Lourinhã: inaugurado em 20/9/2015 o monumento aos combatentes da terra, que prestaram serviço em África e no Oriente (Sofia de Medeiros, jornal "Alvorada", 15/10/2015)



____________________________________________________

Texto e foto: Sofia Medeiros. "Alvorada", Lourinhã, 15 de outubro de 2015 
(Reproduzido com a devida vénia)


Comentário de L.G.:

Nestas últimas semanas, ainda não passei por lá, por Ribamar, terra onde tenho muitos parentes, do clã Maçarico... (A minha bisavó materna, nascida por volta de 1864, era de lá). Gostaria de lá poder ter estado, e dado um braço ao meu parente Luís Maçarico (**), que esteve prisioneiro na Índia (em 1961/62), e que foi um dos elementos da comissão organizadora deste evento. 

O recorte foi-nos enviado pelo ten cor inf ref José [Costa] Pereira, do Núcleo de Torres Vedras e Lourinhã da Liga dos Combatentes, em 19 do corrente, com a seguinte nota:

"Por iniciativa de uma comissão encabeçada pelos senhores, lenente-general Jorge Silvério, Luís Maçarico e Pedro Cruz foi inaugurado um monumento aos combatentes de Ribamar, em 20 de Setembro de 2015.

Este evento que teve a presença de uma força da Escola das Armas, foi presidido pelo senhor presidente da Câmara da Lourinhã, Engº João Duarte, e teve o apoio da Liga dos Combatentes, através do seu Núcleo de Torres Vedras e Lourinhã."

Natural de Ribamar, e morto por "acidente com arma de  fogo", em 23/7/1968,  no TO Guiné era o Albino Cláudio, sold at inf da CCAÇ 2368 / BCAÇ  2845 (Fonte: Portal UTW - Ultramar TerrwaWeb)

________________

Notas do editor:

(**) Ultimo poste da série > 14 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15252: Recortes de imprensa (75): "Guiné-Bissau, um dia de cada vez", fotorreportagem de Adriano Miranda, Público -Multimédia, 11/10/2015... Quatro dezenas de fotos, a preto e branco, que nos emocionam e interpelam (António Duarte, ex-fur mil at, CART 3493 e CCAÇ 12, dez 1971/jan 1974)

(**) Vd. poste de 27 de janeiro de  2012 > Guiné 63/74 - P9405: Efemérides (84): Luís Filipe Maçarico e Joaquim Isidoro dos Santos, dois bravos da Lourinhã, que ficaram prisioneiros das tropas indianas em 19 de dezembro de 1961

(...) Luís Filipe Maçarico, nascido em 1939, em Ribamar, chegou à India, em 1960, com 21 anos. Cumpriu 28 meses de serviço militar como cozinheiro, primeiro no Hospital Militar de Panjim, e depois – os últimos cinco meses – no campo de prisioneiros (onde continuou a cozinhar para os seus camaradas). O Luís é, além disso, uma pessoa muito estimada na sua terra, estando ligado à organização de eventos como os dois primeiros encontros dos Maçaricos de Ribamar ou à dinamização do Rancho Folclórico de Ribamar. (...)

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15275: Fotos à procura de... uma legenda (65): Os nossos bravos marinheiros condecorados por Spínola, em 1971 (Ernestino Caniço, ex-alf mil cav, Pel Rec Daimler 2208, Mansoa e Mansabá, 1970/71, ACAP, Bissau, 1971)


Foto nº 3 A

Foto nº 3 B


Foto nº 3


Foto nº 3-C


Fotos : © Ernestino Caniço (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Foto do álbum do Ernestino Caniço (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá, Mansoa e Bissau, 1970/71), hoje médico, reformado:

O Ernestino Caniço conheceu o o govrnador-geral e com-chefe quando, já no final da comissão, exerceu funções na famosa Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica (RepACAP), na  Secção de OperaçõesPsicológicas, no QG/CTIG, na fortaleza da Amura, funções essas que o obrigavam, com alguma frequência, a ir ao palácio do Governador. Esta foto traz apenas, como legenda, "O general Spínola com um grupo de marinheiros" (*)...

Mas vendo bem, em pormenor, trata-se de um grupo de bravos da marinha que acabavam de ser condecorados, alguns com cruzes de guerra. Por onde andarão estes homens, nossos camaradas ? E quem serão ? Em que data se realizou esta cerimónia ?

À esquerda de Spínola, está um comodoro (se não erro). Vou pedir ao nosso grã-tabanqueiro Manuel Lema Santos para o tentar identificar. Seria o comodoro Luciano Bastos, comandante da Defesa Marítima da Guiné ? (**)

O Ernestino Caniço é membro da nossa Tabnca Grande desde 21/5/2011. Comandou o Pel Rec Daimler 2208 até fevereiro de 1971, altura em que o pelotão foi colocado em reforço do Agrupamento de Bissau, sendo os seus homens dispersos por diversas unidades. O Pel Rec Daimler foi mobilizado pelo RC 6 (Porto), embarcou no T/T Uíge em 31/1/1970, chegou a Bissau a 6/2/1970, seguindo depois para Mansoa e Mansabá.

_____________

Guiné 63/74 - P15274: Inquérito "on line" (12): A Guerra da Guiné e os seus comandantes que, de derrota em derrota, propiciaram a vitória final ao PAIGC… (Manuel Luís Lomba)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705,  Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), com data de hoje, 20 de Outubro de 2015:

Viva, Carlos!
Correspondo ao "inquérito" com um texto algo extenso, sem ser exaustivo, referido aos nossos patrões da Guerra da Guiné.

Abraço,
Manuel Luís Lomba


A Guerra da Guiné e os seus comandantes que, de derrota em derrota, propiciaram a vitória final ao PAIGC… 


Comandante Melo e Alvim, Governador entre 1954-56:

A PIDE só se instalou na Guiné a partir de 1958 e Amílcar Cabral, director dos Serviços Agrícolas e Florestais do seu governo, escudou-se no carácter aberto e tolerante desse oficial da Armada para semear os ventos da subversão, aliciando elites, pequena burguesia dos centros urbanos e chefes de tabanca Balantas e Nalús, com a sua boa nova da libertação da suserania de Portugal, enquanto percorria os chãos daquelas tribos, por conta do Estado, na roulotte dos seus Serviços, ao abrigo do Recenseamento Agrícola desse território, elevado a Província Ultramarina Portuguesa, desde 1951.

************

Comandante Peixoto Correia, Governador entre 1959-62: 

Entretanto, Amílcar Cabral aderira ao PAI, Partido Comunista da Guiné, fundado por Rafael Barbosa, alcandorara-se ao cargo de secretário-geral e reciclou-o no PAIGC. Em 1960, frequentou a União Soviética com passaporte português, em demanda de apoio e da lavagem ao cérebro, a seguir viajou para a China com Nino Vieira e mais 29 aderentes por si seleccionados, para tirocinar na Academia Militar de Pequim, na qual o próprio também se terá sujeitado a formação acelerada nas tácticas da guerra de guerrilhas (a complementar a formação militar clássica, recebida na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, onde terá atingido a patente de alferes miliciano) e começou a remeter as reivindicações políticas do PAIGC a Salazar.
Naquele ano, a guarnição militar da Guiné tinha o efectivo de 1850 elementos, metropolitanos e locais, na proporcionalidade de 80% e de 20%, respectivamente, que se manterá até ao seu abandono, em 1974.
Emigrou para Conacri, em 1961, contratado pelo governo de Sekou Touré como conselheiro técnico do ministério da Economia Rural e, com recurso à conta bancária da mulher Maria Helena, metropolitana e de família abastada, mandou incendiar a Guiné Portuguesa, em extensão e profundidade, com o corte dos fios da rede telefónica, sabotagem de viadutos, abatizes nas estradas, no norte e no sul, visando a paralisia económica e o isolamento de vilas e tabancas, e duas embarcações de cabotagem foram capturadas, uma à Casa Gouveia e outra à Sociedade Comercial Ultramarina.

************

Comandante Vasco Rodrigues, Governador entre 1962-64, e 
Brigadeiro Louro de Sousa, Comandante Militar: 

Em Junho/Julho de 1962, o PAIGC de Conacri, em coligação operacional com o MLG de Ziguinchor, lançaram ataques terroristas a Susana e a Varela, mobilizando centenas de manjacos maioritariamente senegaleses, comandados por Pierre Mendy, de Casamança, ex-sargento do exército francês na guerra da Argélia, enquadrados por 10 instrutores ex-FNLA daquele país. O efectivo da guarnição militar havia crescido para 5070 elementos.
O PAIGC deu início oficial à sua guerra na Guiné em Janeiro de 1963, com o ataque ao aquartelamento de Tite, seguido de outros, no sul, cento e norte, conforme dispositivo táctico e de manobra belicoso, concebido e implementado pelo próprio Amílcar Cabral, em oposição ao dispositivo militar da autoria do ministro da Defesa General Santos Costa e implementado pelo Secretário de Estado do Exército, o então Ten-Coronel Francisco da Costa Gomes. O grupo atacante a Tite procedera de Koundara, na República da Guiné, a sua primeira base recuada, a 150 km de distância do objectivo, para salvar as aparências, enquanto Nino Vieira e Manuel Saturnino Costa regressados do seu tirocínio de Pequim, arvorados em comandantes, à testa de 300 guerrilheiros bem armados e melhor adestrados, apoiados pelo exército regular da República da Guiné, proclamavam as três ilhas como a República Independente do Como, para a primeira sede de governo revolucionário e da primeira assembleia popular - símbolos da Guiné libertada da suserania de Portugal, para financiadores e ONU verem.
Paulo Costa Santos, Comandante da Defesa Marítima, em Bissau, superou a hesitação do Governador e o cepticismo do Comandante Militar, referido à perícia militar portuguesa para enfrentar essa guerra, como o impulsionador da famigerada “Operação Tridente”, levada a cabo nos princípios de 1964, na qual foram investidos 1150 homens dos três ramos das FA, incluindo um grupo de Comandos vindo de Angola, contra as ilhas do Como, Caiar e Catunco. Não obstante a renhida resistência terrestre e antiaérea oposta pelo PAIGC, ao fim de 70 dias, as três ilhas regressaram à plena soberania de Portugal e uma Companhia de Caçadores ficou a nomadizar na ilha do Como. O PAIGC viu-se inibido de instalar o seu primeiro governo na tabanca do Cachile e de organizar a sua assembleia popular constituinte na tabanca de Cassacá, ali ao lado, enquanto os seus insofridos defensores sobrevivos se retiravam para a República da Guiné ou iam continuar a sua guerra para as matas continentais do Cantanhez e de Cufar.
A vigência de mais de um ano dessa República Independente do Como, pela mão militar dos nacionalistas, teve consequências, entre outras, a de Salazar demitir o Governador e o Comandante Militar, criar o posto de Comandante-Chefe, fundido com o de Governador e dilatar-lhe o mandato para 4 anos.
Em 1963, o efectivo do PAIGC seria de 800 elementos, a maioria transitada do bando do MLG que fizera terrorismo nas aludidas povoações balneares do noroeste, enquanto o efectivo da Guiné era de 9650 elementos e atingirá 15194, em 1964. A componente propagandística do PAIGC aproveitou o evento e a sua prolongada resistência para cantar a vitória da batalha do Como, sem que alguma vez os seus chefes militares que a protagonizaram, nomeadamente Nino Vieira, a houvesse reclamado.
Não obstante tantas provas de facto, documentais e ainda vivas, nomeadamente a malta da Operação Tridente agregada à nossa Tabanca Grande, não raro surgem escribas nacionais perseverantes na aculturação do nosso atávico complexo de inferioridade, dando-nos como os derrotados da Operação Tridente, às mãos dessa efémera e mitológica República Independente do Como.

************

Brigadeiro Arnaldo Schulz, Governador e Comandante-Chefe, entre 1964-68 e
Brigadeiro Sá Carneiro, Comandante Militar da Guiné:

Na Abrilada de 1961, Arnaldo Schulz, então Ministro do Interior, fora simultaneamente fiel a Salazar e leal aos conspiradores seus pares que, em 1964, o transferiu de Comandante do Norte de Angola para o mais elevado posto na Guiné. Chegámos e ficámos um ano de reserva às suas ordens, e rebentou connosco, em plena época das chuvas, em operações de “cerco, assalto, destruição e limpeza” em objectivos no Oio, Morés, Fulacunda, Cafine, Cacine, Cantanhez, Catió, Cufar, etc. Até Amílcar Cabral se queixava da guerra ofensiva e sem quartel por ele desancada. Iniciou o dispositivo do fecho das fronteiras, designadamente ao longo dos 350 km da fronteira da República da Guiné, instalando forças em Buruntuma, Beli, Madina do Boé, Gandembel, Balana, Guileje, Gadamael, Ganturé, Sangonhá, Cacoca e Cameconde. Com mais de 2 anos de atraso – demasiado tarde. O PAIGC já havia incendiado perto de dois terços da Guiné.
Revelava-se oficial da velha guarda, discreto, que nunca vi de camuflado. Lembro-me de se sentar a meu lado, informalmente, no banco de lona corrido do Dakota, naquele voo madrugador para Nova Lamego, em meados de Maio de 1965, quando fomos dar luta à abertura da frente Leste pelo PAIGC, retirados apressadamente da “Operação Razia”, à mata de Cufar Nalu. Dirigiu-se a pé para o aquartelamento e eu e a minha Secção fomos logo despachados para Cheche, com a missão de montar segurança à fatídica jangada da cambança do rio Corubal.
Proibia terminantemente a perseguição além-fronteiras, direito de que nem sempre abdicamos, inibição que, associada à sua falta de guarnições, favorecia o crescimento exponencial e a perícia guerreira do PAIGC. Era o tempo do devaneio romântico do chefe da nossa diplomacia Franco Nogueira, pela negociação de tratados de não-agressão com os vizinhos. A lógica dos nossos supremos chefes políticos e militares não objectivaria a aniquilação do PAIGC, mas um “policiamento” musculado, susceptível do seu desgaste conduzir à sua desistência. Desperdício dos esforços e sacrifícios dos seus soldados.
Os triunfos dos tácticos após as batalhas são grandes e fáceis as suas análises posteriores. Mas a eloquência dos números do crescimento da guarnição militar da Guiné constitui elemento de prova da escalada da guerra imposta pelo PAIGC e dos nossos ingloriosos sacrifícios, como soldados.

Efectivos:
Ano de 1964 - 15.194
Ano de 1965 - 17.252
Ano de 1966 - 20.801
Ano de 1967 - 21.650
Ano de 1968 - 22.835

************

Gen. António de Spínola, Governador e Comandante-Chefe, entre 1969-73: 

Revelou-se o actor militar mais carismático e exuberante da Guerra do Ultramar. Começou pelo trabalho de casa, com a repatriação dos oficiais profissionais, incompetentes ou acomodados, cultivou a omnipresença no terreno, junto dos combatentes, ganhou jus à adulação de “Homem Grande”, de amigo e protector das populações e criou poderosos anticorpos na corporação castrense. Na linguagem de caserna, a Guiné passou a designar-se como a “Spinolândia”.
Desmantelou a protecção fronteiriça iniciada pelo antecessor, na tentativa de a compensar, potenciando o tal “policiamento” musculado no interior, politicamente correcto, empenhando tropas especiais, recorrente na cobrança do esforço e sacrifício dos soldados e aproximou o PAIGC às cordas da desistência, recorreu não sistematicamente à perseguição além-fronteiras, sendo a mais notável a Operação Mar Verde, sobre Conacri, em finais de 1970, cujo fracasso parcial poderá ser imputa à tibieza da decisão de não ter investido a aviação nessa empresa.
O seu desempenho, a partir do ano de 1972 inclusive, merecerá a acuidade de investigadores e analistas, em ordem à verdade histórica.
Após a sua preterição por Marcelo Caetano, como candidato a Presidente da República nas eleições desse ano, que um núcleo dos seus “rapazes”, fiéis e dedicados oficiais da nova geração - os “spinolistas” -, incentivavam, terá baixado a espada, conluiado com a criação do MFA, subestimado o seu potencial de desagregação das Forças Armadas, e se retirado na expectativa íntima de se poder transformar no De Gaulle da nossa circunstância. Sairá da cena, sem honra nem glória.
A minha admiração, pela sua dimensão de chefe militar, esmoreceu a partir do momento em que este blogue me deu a conhecer a sua comparência em Gadamael em crise, na manhã de 1 de Junho de 1973, e a sua rápida retirada no seu helicóptero, ao rebentar uma violenta flagelação desencadeada pela artilharia pesada do PAIGC. Um Comandante-Chefe e a sua circunstância, a braços com o abandono de Guileje e com a guarnição de Gadamael em debandada em pânico no exterior do aquartelamento, deixaria outro retrato na História, se tivesse aguentado firme, ao comando e a animar a malta, ao lado do Cabo Raposo, do Furriel Carvalho, do Capitão Comando Ferreira da Silva e do punhado de militares de Gadamael, que nunca claudicaram.

Eloquência dos números do crescimento da guarnição militar, como prova de facto da escalada da guerra da iniciativa do PAIGC, em contraste com o sucesso do aludido “policiamento”: 

Efectivos:
Em 1969 - 26.851
Em 1970 - 26.775
Em 1971 - 29.210
Em 1972 - 29.957
Em 1973 - 32.035

************

Gen. Bettencourt Rodrigues, Governador e Comandante-Chefe, entre 1973-74: 

Oficial distinto, foi para a Guiné com aura de haver resolvido a guerra de Angola, juntamente com Passos Ramos, Soares Carneiro e mais alguns oficiais. Deslocou-se e calcorreou a “capital” de Madina do Boé, decidido a reformular o dispositivo militar, colocando as posições fronteiriças fora do alcance dos morteiros de 120 do PAIGC – contra o potencial de fogo do IN, abrigar, abrigar!
Em 27 de Abril de 1974, à revelia da autoridade e da cadeia de comando reposta em Lisboa pelo MFA da Metrópole/Junta de Salvação Nacional, o MFA de Bissau desencadeou o seu próprio golpe, prendendo o Comandante-Chefe e desnatando a guarnição das suas principais chefias. Foi o “golpe de Bissau”, no contexto do PREC, de tão má memória.

************

Ten-Coronel Mateus da Silva, Comandante-Chefe, entre 27 de Abril a 7 de Maio de 1974:

Oficial de Transmissões, alcandorado pelo MFA da Guiné. Sem História.

************

Brigadeiro Carlos Fabião, Alto-Comissário e Comandante-Chefe, entre 6 de Maio e 11 de Outubro de 1974:

Desembarcou em Bissalanca, imbuído da missão de conduzir a Guiné a uma descolonização civilizada, encontrou a situação totalmente minada pelo esquerdismo do seu MFA, mas não teve outro remédio senão alinhar pelo seu diapasão, capitular perante o PAIGC e desempenhar-se como um presidente de comissão liquidatária.
O abandono da Guiné, a forma como as tropas locais foram desarmadas e abandonadas à sua sorte constituem medonha indignidade, uma nódoa na História, a crédito do MFA.
Em 1974, o efectivo de tropas locais era de 6425 elementos, bem preparados, superiorizando o efectivo do PAIGC. Se colocadas num tabuleiro de negociação, tender-se-ia ao compromisso, na expectativa de contribuírem para prevenir que o PAIGC pudesse transformar a Guiné-Bissau num Estado falhado.
Efectivos e a eloquência dos seus números, referidos a 1974: 32.035 referem-se a 1973; os desse serão difíceis de quantificar, dado que, por impulso da componente marxista e comodista do MFA de Bissau, os militares portugueses e os combatentes guineenses passaram a misturar-se…
O camarigo José Martins apresentou números referidos aos operacionais. Os números agora apresentados respeitam os efectivos brutos, colhidos do livro A Guerra em África, da autoria do Major-General Sérgio Bacelar, pags. 137 e 138.

À guisa de conclusão: Se é verdade que a vitória final do PAIGC foi alcançada de derrota em derrota, iniciadas em Tite e consolidadas no Como, temos de reconhecer e render homenagem à capacidade de sacrifício e à valentia da malta do PAIGC, seus comandantes e soldados.

Manuel Luís Lomba
____________

Nota do editor

Último poste da série de 20 de Outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15272: Inquérito "on line" (11): Sobre o tema Com-Chefes da Guiné, encontrei algumas lembranças e fotos do General Spínola (Ernestino Caniço)

Guiné 63/74 - P15273: Bibliografia de uma guerra (79): Acaba de ser lançado o livro "Nos Celeiros da Guiné - Memórias de Guerra", da autoria de Albano Dias Costa e José Jorge Sá-Chaves, com prefácio do Gen Ramalho Eanes, que conta história da CCAÇ 413

1. Mensagem do nosso camarada José Jorge Sá-Chaves, ex-Alf Mil da CCAÇ 413, Mansoa e Nhacra, 1963/65, com data de 12 de Outubro de 2015:

Prezado Camarada d’Armas Luís Graça:
Acaba de ser lançado o livro "Nos Celeiros da Guiné - Memórias de Guerra" da autoria dos ex-alferes milicianos Albano Dias Costa e José Jorge Sá-Chaves, com prefácio do Senhor General António Ramalho Eanes.

O livro traça a história de uma Companhia de Caçadores a CCaç 413, desde a incorporação dos seus elementos e posterior constituição da unidade, até ao seu regresso após dois anos de comissão na Guiné, entre 1963 e 1965, e integra-se na comemoração do 50.º aniversário do regresso à metrópole.

A obra editada pela Chiado Editora foi apresentada em Aveiro, Porto e Lisboa, sendo que nestas duas últimas cidades as apresentações tiveram o patrocínio da Direcção de História e Cultura Militar e dos Museus Militares onde decorreram as sessões.

Agradecemos a divulgação da publicação do livro, o qual poderá interessar aos camaradas que prestaram serviço na Guiné.

Em anexo remete-se a imagem da capa do livro.

Com os melhores cumprimentos,
Pelos autores,
José Jorge Sá-Chaves
____________

Nota do editor

Último poste da série de 19 de Outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15267: Bibliografia de uma guerra (78): Do meu livro "Quatro Rios e um Destino", excerto para o Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (1): Viagem de Abrantes a Lisboa (Fernando de Jesus Sousa)

Guiné 63/74 - P15272: Inquérito "on line" (11): Sobre o tema Com-Chefes da Guiné, encontrei algumas lembranças e fotos do General Spínola (Ernestino Caniço)

1. Mensagem do nosso camarada Ernestino Caniço (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Rec Daimler 2208, MansabáMansoa e Bissau, 1970/71), com data de 18 de Outubro de 2015:

Caros amigos
Rebuscando na memória remota algo sobre o tema Com-Chefes da Guiné, encontrei algumas lembranças e fotos.

Só conheci o General Spínola, cruzando-me com ele algumas vezes, pois não foi infrequente o meu acesso ao Palácio do Governo. Isto porque, enquanto Alferes da Repartição de Ação Psicológica (ACAP) e em funções na Secção de Operações psicológicas, me dirigia ao Palácio nas minhas atividades correntes.
Um outro motivo pelo qual frequentei o Palácio, foi a minha participação num grupo de trabalho sobre o problema demográfico de Bissau, que integrava dois economistas, sendo um representante da Organização Internacional do trabalho (OIT), o outro não me recordo e eu próprio em representação da área militar.

O caráter reservado do Sr. General não me permitiu ilacionar qualquer opinião consubstanciada.

Anexo algumas fotos sobre a temática.

Um abraço
Ernestino Caniço

 Eu sou o portador da bandeja que contém a condecoração

O Gen Spínola cumprimentando a população

O Gen Spínola com um grupo de marinheiros

O Gen Spínola cumprimentando desportista numa cerimónia de condecorações. Ao lado o Cor Pedro Cardoso 

O Gen Spínola cumprimentando a população

Manifestação muçulmana
____________

Nota do editor

Último poste da série de 16 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15258: Inquérito "on line" (10): O General António de Spínola, que chegou a Bissau a 22 de Maio de 1968, e pelo que me foi dado observar, foi um estratega militar, um homem de comando (Abel Santos)

Guiné 63/74 - P15271: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (25): De 6 a 26 de Janeiro de 1974

1. Em mensagem do dia 17 de Outubro de 2015, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos a 25.ª página do seu Caderno de Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

25 - De 6 a 26 de Janeiro de 1974


Janeiro de 1974

Inicia-se um novo ano. O tipo de actividade operacional não sofreu grandes alterações, mas intensifica-se bastante com o avançar da época seca, que facilita a incursão em regiões até há pouco inacessíveis. Mas essas facilidades no terreno também estão em linha com o incremento da actividade da guerrilha, que já começou a dar sinais com a montagem de uma emboscada, implante de minas e um ataque a Cumbijã.

Os esforços do Batalhão continuaram a ser dirigidos para a protecção às duas frentes de trabalho da Engenharia na estrada A. Formosa-Buba, nos patrulhamentos e contra-penetrações para as regiões da fronteira, Rio Corubal, Rio Buba, Nhacobá e nos corredores de passagem da guerrilha de todo o Sector e, ainda, para acções extraordinárias desencadeadas pelas informações que iam chegando sobre as movimentações da guerrilha.

Novidade são as detecções em radar (presumo que localizado em A. Formosa) de “alvos aéreos não identificados”. Pelo que teve de inédito, transcreverei seguidamente da História da minha Unidade os registos dessas detecções, (como valor documental, e não para reabrir o polémico “dossier” ou, menos ainda, para entrar em polémica). Transcrevo também outros registos relevantes.


Da História da Unidade do BCAÇ 4513: 

(...)

JAN74/06
- (...) – Comandante, Califa, Cherno Secuna, os Chefes de Tabanca e muitos elementos da população inauguraram o troço de estrada alcatroada A. FORMOSA-MAMPATÁ.

JAN74/08
- Realizou-se uma coluna inopinada a BUBA para transporte de víveres e material para o reordenamento de COLIBUIA. (...).


Das minhas memórias: 

 8 de Janeiro de 1974 – (terça-feira): Dia do meu aniversário

A coluna inopinada referida atrás, tinha mesmo de se realizar... Estava com o meu grupo em Buba e o Cap. Braga da Cruz mandou-me uma mensagem de Nhala para que regressasse nessa coluna, a fim de comemorar o meu aniversário. 

Foi uma grande gentileza da sua parte e eu devo ter ficado muito sensibilizado e reconhecido. Sei-o por um aerograma com data de 13-01-74 enviado para a Metrópole dando conta do meu contentamento e agradecendo o telegrama de felicitações que recebera no dia 8. Esse telegrama foi a surpresa que me havia reservado o capitão à minha chegada a Nhala nesse dia. Fazia 23 anos.

Talvez porque o meu grupo estivesse com o regresso para breve, eu já não saí de Nhala. Nos primeiros dias parece que foi bom, mas logo me comecei a aborrecer e a fechar-me no mutismo. Faltava-me a excitação da actividade operacional e a adrenalina que tantas vezes isso trazia. Coisa que não havia em frasquinhos. Comecei a deixar de dormir embora tomasse comprimidos, mas o efeito começou a ser de placebo: efeito zero. 

Hoje levanto o sobrolho interrogando-me: como é que um tipo com vinte e três anos acabados de fazer, se vai assim a baixo sem reagir às contrariedades? Como é que noutras ocasiões me queixava dos excessos da actividade? E como seria quando tudo acabasse? Como regressaria a casa? Claro que obtive algumas respostas na altura certa e talvez volte ao tema. 

Em carta de 15-01-74 queixo-me: “ (...). Ando aborrecido e não me apetece ver nem falar com ninguém. Talvez por não ter nada para fazer nestes dias. Todas as tardes saio sozinho para caçar e me distrair um pouco, apesar de estar um calor imenso. À noite tomo comprimidos para dormir, mas isso já não me faz nada”.

No dia seguinte a esta carta sairia de Nhala para gozo de férias o Cap. Braga da Cruz e, em termos de ambiente, tudo se tornaria mais fastidioso. Então porque não terei regressado a Buba, onde se encontrava o meu grupo para fazer protecção às obras da estrada? 

Talvez porque se avizinhasse o regresso do grupo, pois em carta de 21-01-74, já é referida actividade normal. “ (...). À noite continua a fazer bastante frio. E de manhã cedo sou obrigado a sair de luvas para o mato, como tem acontecido ultimamente. Mas é horrível a sensação de vestir a roupa fria e começar a caminhar debaixo de grande humidade, sempre contraído. Pelo que vejo nas caras dos outros, é a mesma coisa”.

Julgo ser daquele período de ócio forçado que tive em mãos um Auto de Averiguações relativo a um soldado guineense que tinha sido “desterrado” para Nhala, para aguardar as conclusões de um processo que já vinha de Bissau. Era indiciado de ter provocado desacatos e perturbação da ordem pública em Bissau. Para mim, podia ter sido uma boa ocupação, não fora o carácter ad aeternum da empreitada... É que o referido soldado não levava a sério as averiguações em curso nem estava preocupado com as consequências. Tanto que, numa ida autorizada a Bissau para tratar de assuntos, voltou a prevaricar na modalidade da sua preferência: desacatos e perturbação da ordem. 

Antes do seu regresso a Nhala, já eu tinha recebido mais uma nota de quesitos para lhe serem colocados logo que chegasse. No final, que sanção disciplinar poderia eu propor para um indivíduo que era tão maluco mas, ao mesmo tempo, um “gajo porreiro”? Não recordo se cheguei a concluir o Auto de Averiguações mas ele, aos costumes disse nada...


Da História da Unidade do BCAÇ 4513: Alvos aéreos não identificados:

(...)

JAN74/10
- Como já vem sucedendo há três dias, são detectados pelo radar, entre as 18,30 horas e 22,00 horas, alvos não identificados. Tem-se tentado entrar em contacto com os meios aéreos sem resposta. Hoje o DAKOTA, neste período sobrevoou A. FORMOSA, verificando-se que os meios aéreos, até agora detectados começaram a operar mais longe e com menos frequência. (...).

JAN74/11
- Continuam-se a detectar alvos não identificados no radar e durante o mesmo período do dia anterior. Estiveram em A. FORMOSA o Exmo. TEN-COR PIL AV VASQUEZ e o Sr. CAP ROLA PATA, Cmdt da BAA/7040, a fim de se reunirem com este Comando, para tratar do assunto relacionado com o aparecimento dos alvos não identificados. (...).

JAN74/13
- Pelas 18,40 foram avistados sobre A. FORMOSA alvos aéreos suspeitos, pelo foi executado fogo contra-aeronaves, sem resultado. (...).

JAN74/15
- Esteve em A. FORMOSA um DO com técnico de radar da Aeronáutica, a fim de verificar o aparecimento dos alvos que ultimamente o radar tem acusado. Depois de várias verificações, ainda não se chegou a nenhuma conclusão. (...).

JAN74/16
- Ao fim da tarde A. FORMOSA foi sobrevoada por dois FIAT’s, com a finalidade de pesquisar os alvos indicados pelo radar. Apesar dos aviões terem sido dirigidos sobre os mesmos, nada encontraram. [No dia 27 estiveram de novo em A. Formosa os senhores Ten-Cor PILAV Vasquez e Cap de Artª Rola Pata, para tratarem destes assuntos].

***********

[O PAIGC recomeçou a actividade no Sector. Por reflexo, a nossa actividade operacional recrudesce]

JAN74/20
- Pelas 18,00 horas GR IN não estimado flagelou Destacamento do CUMBIJÃ com 30 granadas de Canhão S/R, durante 20 minutos, com bases de fogos na direcção de BRICAMA, sem consequências. As NT reagiram com fogo de Artª.
- Pelas 19,30 foram avistados do Destacamento de CUMBIJÃ na direcção de CHIN-CHIN DARI vários VERY-LIGHTS.

JAN74/21
- Realizou-se coluna de reabastecimentos a BUBA. Esta coluna transportou 2 GR COMB das CCAV 8350 e 8351, que substituiriam na protecção dos trabalhos de Engenharia os GR COMB da 1ª CCAÇ/4513, que iriam ser empenhados na acção "OBSTRUÇÃO" a Sul do R. BUBA. (...).

JAN74/26
- Pelas 06h40, quando forças da 1.ª CCAÇ/4513 se deslocavam [em coluna auto, acrescento eu] para a protecção dos trabalhos de Engenharia, foram emboscados por GR IN estimado em 50 elementos com RPG, PPSH, KALASHNIKOV durante cinco minutos, na região de XITOLE 2 F 4-39 [no troço da estrada nova entre Buba e Nhala, acrescento eu], causando 1 morto, 1 ferido grave, 4 feridos ligeiros às NT, e 3 feridos ao pessoal de Brigada de Estradas. O IN sofreu 3 mortos confirmados e vários feridos prováveis. Executou-se fogo de artilharia para o itinerário de retirada do IN em direcção ao INJASSANE. Em reconhecimento posterior encontraram-se vestígios de terem sido causados ao IN mais feridos e mortos prováveis. Foram capturados 6 granadas de RPG, 2 carregadores de KALASHNIKOV e 2 Pás-picaretas.


Das minhas memórias:

26 de Janeiro de 1974 – (sábado) – Emboscada na estrada nova: um fiasco da guerrilha

Recordo muito bem esta emboscada. Em Nhala ouviu-se o ataque e rapidamente se aprontaram viaturas para irmos em socorro dos camaradas de Buba. Quando chegámos ao local já tudo tinha terminado porque fora um ataque relâmpago, mas reinava ainda alguma confusão entre a nossa tropa, natural nestas situações. Depois de observar a situação na estrada enquanto o pessoal se recompunha, e de me inteirar do modo como fora desencadeado o ataque e como decorrera, fui à vala de onde ele partira, – melhor diria, fui à “trincheira”. Fiquei incrédulo. Se não tivessem havido mortos de parte a parte, tudo ali parecia indicar que se tratara de uma brincadeira ou de que estariam a gozar com as nossas tropas. Abriram uma vala enorme e deram-se ao luxo de talhar nas paredes, em vários pontos, bases para assentar metralhadoras (não referidas na HU) e, defronte, o assento do atirador. Aquilo não se fazia num dia nem em dois.

As notas que tenho sobre esta emboscada não coincidem totalmente com os dados que agora leio na História da Unidade. É referido que tivemos 1 morto e um ferido grave mas, é possível que esse ferido tivesse morrido pouco depois porque eu tenho anotado 2 mortos. Eram os picadores que vinham apeados à frente da coluna (?), alvejados por um único atirador que saiu da vala e ficou de pé a disparar. Tenho anotado 11 feridos ligeiros, a maioria ocupantes de uma Berliet que, por precipitação do condutor que saltou da viatura sem premir o botão que a faria parar, fez com que ela batesse com violência contra uma árvore fora da estrada. Quando lá cheguei ainda assim estava. Houve um outro ferido que foi vítima da “explosão” da própria G-3: tinha disparado todos os seus carregadores e depois sacou os carregadores de um soldado que tinha ficado “bloqueado” e em pânico ao seu lado. Como a G-3 não era preparada para tantos disparos, começou por ficar quase ao rubro e depois, simplesmente, torceu a extremidade do cano e bloqueou a saída das munições.

O que mais me espantou no cenário que encontrei, foi que, numa vala que calculámos na altura seria para mais de 100 homens, (a História da Unidade refere apenas 50), e estando a cerca de 150 metros da estrada, não terem feito mais vítimas numa coluna em marcha lenta (?) e com apenas algumas árvores a interporem-se. 

Comentei na altura e posso reafirmar: o meu grupo naquela vala, devidamente organizado para a função de cada um, e poucos sobreviventes deixaria na coluna. Eles, ao contrário, deixaram muitos rastos de sangue entre a vala e a mata, a 50 metros, por onde retiraram. Passados 5 dias, em 31-01-74, foram lá colocar na estrada e no mesmo sítio, duas minas anticarro (que o nosso pessoal levantou), tentando compensar o autêntico malogro que fora aquela emboscada. (A História da Unidade refere o dia 30 como sendo a data da detecção e levantamento das duas minas TMD-44). Alguns dias depois, de passagem, fotografei o local da emboscada.


Foto 1: Janeiro de 1974, estrada Buba-Nhala. Fotografia tirada da berma da estrada no sítio onde ocorreu a emboscada. À esquerda e à direita da imagem, não visíveis, existiam árvores espaçadas mas de grande porte, numa das quais embateu com violência, uma das Berliet carregada de pessoal. Assinalei a tracejado a localização aproximada da vala de onde partiu o ataque. No chão podem ver-se em primeiro plano algumas das embalagens das nossas munições.



As frentes de trabalho da estrada nova

No final de Janeiro de 1974, as frentes de trabalho da Engenharia avançavam a um ritmo impressionante, com a frente de Buba quase às portas de Nhala (8 km de desmatação e 7 km de alcatroamento) e com a frente de A. Formosa (9 km de desmatação e 7,7 km de alcatroamento), já com o troço A. Formosa-Mampatá inaugurado. Nesta fase, a minha Companhia estava empenhada na protecção às obras na frente de trabalhos de Buba por razões lógicas. São desse período as fotografias que mostrarei a seguir.


Foto 2: O meu grupo de combate numa manhã magnífica a caminho da frente de trabalhos da estrada A. Formosa-Buba, na frente de Buba.



Foto 3: Chegada dos capinadores. Acabados de apear das viaturas, irão começar uma jornada dura sob o sol escaldante que não tardaria.



Foto 4: Quase em simultâneo chegam as máquinas da Engenharia. À direita reconheço o Manuel Esteves do meu grupo com a G-3 ao ombro e à frente da viatura o Custódio, maqueiro (ou ajudante de enfermeiro).



Foto 5: Ainda não nos instalámos, mas a confusão já começou. A atravessar vê-se um GC que deve ser da 1ª CCAÇ de Buba. O meu grupo está a aguardar à direita.



Foto 6: Uma viatura da Engenharia corre levantando pó no troço já pronto. Pronto, mas não concluído, porque durante um longo período faltou o alcatrão.



Foto 7: Descarga de terra para a sub-base da estrada.


Foto 8: O meu grupo na “pedreira” e, ao fundo, a estrada nova. É na mata ao cimo da “pedreira” que iremos passar todo o dia emboscados.



Foto 9: À frente dos soldados o “PIFAS”. Era um cão criado por mim e que depois passou para a propriedade do grupo, acompanhando-nos sempre com muita disciplina. Até ao dia em passou a ser inconveniente pondo-nos em risco. Doente, esquelético e provocador dos macacos-cães, foi sujeito à “solução final”.



Foto 10: Furriel Domingos Oliveira, envolto num enxame daquela mosquinha chata que nos entrava no nariz e nos ouvidos. Na imagem, a maioria ficou fora de foco.



Foto 11: Furriel José Maria Pastor.


Foto 12: Um abrigo de circunstância junto ao morteiro 60. De costas, o 1.º Cabo Maqueiro lê, para passar o tempo.



Foto 13: O morteiro de 60mm e o respectivo arsenal, num local que era suposto ser seguro.


Foto 14: Elementos assalariados da desmatação.


Das minhas memórias: Um incidente quase perfeito

O grupo civil de capinadores e da desmatação, largas dezenas e, muitos deles, quase crianças, chegavam todos os dias à frente de trabalho sorumbáticos mas muito disciplinados. Nunca soube nada a respeito deles: quantos eram, de onde vinham, de que etnias eram, quanto ganhavam, enfim. Sempre me pareceu que nos ignoravam ostensivamente ou, até, com hostilidade. Esses que mostro na fotografia 14, deixaram-se fotografar sem nunca se virarem ou darem um sinal de que me pressentiram. 

Pouco depois, com outros que ficaram fora do enquadramento, protagonizaram um incidente, em que eu tive também responsabilidades, e que podia ter originado consequências graves. Estava todo o grupo em grande sossego quando fomos surpreendidos por um fogo que caminhava rápido para o local onde tínhamos empilhadas as granadas do morteiro e, próximo, também as da bazuca. Saio a correr e percebo logo que aquilo tinha sido incendiado muito próximo de nós. Só podia ser intencional. 

Depois de fazer retirar todo o equipamento do alcance das labaredas, gritei para o grupo que trabalhava com a moto-serra, relativamente próximo, e que fingia não se aperceber de nada, assim como fingiram não me ouvir. Furioso e num impulso, disparei uma rajada longa por cima das suas cabeças para que reagissem, virando-se para mim. Fizeram de conta que não ouviram nada. Decidi ir lá ao pé deles enfrentá-los mas, antes, tive que ajudar a mudar o grupo para um sítio seguro com todo o material. 

Entretanto começo a ouvir uma viatura da Engenharia lá em baixo na estrada, que se aproximava a buzinar continuamente. Ao aproximar-me da borda da “pedreira”, vejo o condutor saltar para o chão e correr para mim aos berros, de braços abertos, a dizer “Parem, parem!...” Sem entender, vou ao seu encontro e diz-me ele, então, que íamos provocando uma catástrofe, pois o grupo de combate de Buba, que estava ali na mata a menos de um quilómetro, ouviu as rajadas e já estava a preparar o morteiro quando ele, que passava com viatura, se apercebeu da intenção e do equívoco, já que também tinha ouvido a rajada mas reconhecendo-a como sendo de G-3. Parou a viatura e alertou-os para o disparate que se preparavam para cometer. Eles acederam mas pareceu-lhe que estavam muito excitados. Pouco depois liguei por rádio para o alferes desse grupo para lhe pedir desculpa, mas ele estava furioso e não me recebeu bem. Desligámos a comunicação com maus modos de parte a parte. Até disto a guerra era feita...

(continua)

Texto, fotos e legendas: © António Murta
____________

Nota do editor

Poste anterior da série de 13 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15244: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (24): De 14 de Novembro a 22 de Dezembro de 1973

Guiné 63/74 - P15270: Da Suécia com saudade (55): Despedida do blogue, dos editores e de todos os de mais camaradas... Afinal, também há 4 décadas saí do nosso querido Portugal sem bilhete de ida e volta... Os amigos terão sempre uma "casa portuguesa" ao dispor, na Lapónia sueca, em Estocolmo, ou em Key West, Flórida, EUA (José Belo)


Suécia > Rapadalen, Ráhpavágge, Rapa Valkey ou ValE de Rapa > Com 35 km de comprimento, é o maior vale do Parque Nacional Sarek que integra a província da Lapónia, Lappland (onde vivem os "sami" ou lapões, e que ocupam 25% do território da Suécia).. Foto enviada pelo nosso grã-tabanqueiro José Belo, o nosso "luso-lapão"...


1. Mensagem de José Belo:

 [ foto atual à esquerda: José Belo, ex-alf mil inf, CCAÇ 2381 (Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); atualmente é cap inf ref e vive na Suécia há quase 40 anos; no outono / inverno, costuma "emigrar" para Key West, Florida, EUA, onde a família tem negócios]:

Data: 17 de outubro de 2015 às 19:59

Assunto: Bilhetes de ida... sem volta.

Caros Amigos e Camaradas

Aproveito o envio dos últimos documentos (ª)  para me despedir do Blogue, dos seus Editores, e não menos, de todos os Camaradas.

Foi sem dúvida uma interessante viagem (no tempo, nas recordaçöes e na amizade) aquela que tive a oportunidade de efectuar através da Tabanca Grande.

Reencontrar Amigos desde há muito não contactados, ao mesmo tempo que se criaram algumas novas e sinceras amizades com Camaradas nunca encontrados pessoalmente.

Verifiquei (com espanto) ter contribuído para o blogue com mais de centena e meia de textos [, descritores: José Belo,  Da Suécia com saudade], para não referir algum "protagonismo" exagerado nos demasiados "comentários".

Há quatro décadas, decidi sair do nosso querido Portugal sem bilhete de ida e volta. Tanto então como hoje não me arrependi.

Fernando Pessoa [, através do seu heterónimo Álvaro Campos,] escreveu  [no poema "Marinetti Mecânico"]: 

(...) Partir! 
Nunca voltarei,
Nunca voltarei porque nunca se volta.
O lugar a que se volta é sempre outro,
A gare a que se volta é outra.
Já não está a mesma gente, nem a mesma luz, nem a mesma filosofia (...).


Os Amigos têm sempre uma "casa portuguesa" ao dispor, tanto na Lapónia sueca como em Estocolmo, ou em Key West, Flórida, USA.

Um grande e sincero abraço do
José Belo

2. Resposta do editor Luís Graça, no mesmo dia:

Zé Belo:

O blogue pode continuar sem ti, é verdade, mas não é o mesmo blogue sem ti... Sem a Tabanca da Lapónia, ficamos mais pequenos... Como poderei doravante evocar a "grandeza" da Tabanca Grande, comparada ciom a "pequenez" do Mundo, ignorando ou escamoteando a "baixa" pesadíssima que representa a "saída" do único luso-lapão e a "perda" do respetivo território? É um grande rombo no "porta-aviões" do blogue dos amigos e camaradas da Guiné...


Como vamos fazer o luto da perda de 119 mil km2 e mais de 100 mil almas, depois de nos habituarmos  a gritar "Lapónia, é nossa!... Lapónia, é nossa!", e denunciarmos abertamente  o colonialismo sueco?

Por outro lado, um "guerreiro" como tu não tem substituto... Um português da diáspora da tua qualidade humana não se procura por anúncio de jornal... Não se substitui, não se troca, não se dispensa...


Fico sinceramente desolado com a tua abrupta decisão... Admito que estejas a fazer "non sense"...  E admito que não sejua nada de definitivo,  que uma despedida definitiva provisório, que seja afinal mais uma das tuas viagens de "transumância" em que levas as tuas "renas" da gélida Lapónia para a tropical Florida...

De qualquer modo, é um direito que te assiste, o de entrar e sair do blogue, sempre que te der na real gana... Mas não queres explicitar a razão por que decides agora, de vez, "arrumar as botas", se é que é a expressão correta? 


Zé, cansaste-te da malta? Alguém te insultou, magoou ou tratou mal? Eu sei que às vezes é preciso muito "self control" para aturar estes "tugas" da Tabanca Grande... Estamos a ficar velhos, é isso... E com menos tolerância, pachorra, paciência,  uns para com os outros, será?!... Ou tens, antes, motivos pessoais, familiares, de saúde, ou outros da tua esfera íntima, que não queres partilhar connosco?

Em suma, não defiro o teu pedido de "retirement"... Um guerreiro como tu, morre de pé... E eu ainda queria passar pela tua casa, um dia destes, para provar o teu vodka e agradecer a tua camarigagem...

Até logo, até sempre, bom camarada e melhor amigo.

Luís


3. Resposta pronta do José Belo (a quem a gente só pode desejar boa viagem, com as suas "renas",  até Key West, mas sempre na esperança de que lá para a próxima primavera ele nos volte a mandar um email,  a dizer "olá, aquio estou"):


Obrigado pelas tuas palavras amigas.

O meu afastamento bloguista mais näo é que o resultado de sentimento que desde há muito se tem vindo a instalar.

Cada vez me reconheço menos nos acontecimentos que vão surgindo no nosso querido Portugal, e na maneira como a nossa gente reage aos mesmos.


Continuando a sentir-me como parte da tal "nossa gente",  confunde-me este meu estado de espírito.

Os portugueses que vivem longe, para mais desde há muito, não serão de modo algum melhores, mais patriotas, ou mesmo mais "videntes" que os locais.

Mas atrevo-me a dizer que o amor que sentem por Portugal talvez seja mais profundo por não dependente de influências circunstanciais, não menos na área política e económica.


Não se deve no entanto relativizar o facto de estes estados de alma terem grande importância para o "sujeito", menos para o "predicado", e ainda muito menos para os "complementos", sejam eles directos ou indirectos.


[Imagem acima : A criatura e o seu criador, o Zé Povinho e o Rafael Bordalo Pinheiro, mural do Metro de Lisboa, Estação Aeroporto. Cortesia de Wikipedia. Edição de LG](**)
______________

Notas do editor:

(*) Dois últimos postes da série >

19 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15268: Da Suécia com saudade (54): Relendo o livro do prof Patrick Chabal, "Amilcar Cabral: Revolucionary Leadership and People's War" (1983): o PAIGC e a saúde (José Belo)

18 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15262: Da Suécia com saudade (53): Relendo o livro do prof Patrick Chabal, "Amilcar Cabral: Revolucionary Leadership and People's War" (1983): o congresso de Cassacá (José Belo)

(**) Vd- artigo de Romana Borja-Santos, " Fernando Pessoa, Amália, Eusébio e Zé Povinho presentes na estação de Metro do Aeroporto", Público, 16/7/2012

(...) “Os desenhos são em pedra cortada a laser, com mármores preto e branco incrustados em pedra lioz. Mas brilham tanto que as pessoas até pensam que são de plástico. Pedi à empresa que o mármore fosse o mais liso possível para interferir menos no desenho”, explica António Antunes em entrevista ao PÚBLICO. “Deixei de lado a crítica e estas são caricaturas simpáticas, sobretudo de homenagem a gente que nos marcou”, diz." (...)

Guiné 63/74 - P15269: Parabéns a você (977): Fernando Súcio, ex-Soldado Condutor Auto do Pel Mort 4275 (Guiné, 1972/74) e Rogério Cardoso, ex-Fur Mil da CART 643 (Guiné, 1964/66)


____________

Nota do editor

Último poste da série de 19 de Outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15265: Parabéns a você (976): Carlos Filipe Coelho, ex-Soldado Radiomontador do BCAÇ 3872 (Guiné, 1971/74) e Joaquim Ascenção, ex-Fur Mil AP Inf da CCAÇ 3460 (Guiné, 1971/73)

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15268: Da Suécia com saudade (54): Relendo o livro do prof Patrick Chabal, "Amilcar Cabral: Revolucionary Leadership and People's War" (1983): o PAIGC e a saúde (José Belo)

1. Mensagem de José Belo:

 [ foto atual à direita: José Belo, ex-alf mil inf, CCAÇ 2381 (Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); atualmente é cap inf ref e vive na Suécia há quase 40 anos; no outono / inverno, costuma "emigrar" para Key West, Florida, EUA, onde a família tem negócios]:


Data: 17 de outubro de 2015 às 13h15

Assunto: Notas de leitura: Patrick Chabal, Professlor de "Lusophone African Studies" [Estudos africanos lusófonos], no King's College]. London, Cambridge University Press, 1983. Parte II: O PAIGC e a saúde (*)


Com o surgir da guerra a necessidade de cuidados médicos aumentou dramaticamente. O PAIGC não podia negligenciar o tratamento dos seus militares.

Cabral desde logo compreendeu que simples hospitais provisórios näo seriam suficientes para tal.
A política então seguida pelo partido procurou desenvolver um sistema sanitário que poderia vir a constituir a base de futuros servicos médicos nacionais no pós-independência. Procurava-se criar uma estrutura que viesse a beneficiar simultaneamente as populações rurais e os militares.

Tornou-se desde logo evidente serem os problemas surgidos com a implantação de um sistema de saúde, mesmo que limitado, muito superiores aos relacionados com os programas de educação. Por exemplo, o pessoal de enfermagem necessita de um treino profissional muito mais demorado e elaborado do que professores escolares ao níível de tabanca.

O equipamento, mesmo que rudimenter, é também essencial e caro.

Em 1964 a assistência sanitária foi criada em cada uma das estruturas locais do PAIGC. De facto, continuou a ser um serviço de características mínimas, com um dos cinco membros dos Comités de Aldeia encarregado desta assistência.

Mas, um tal sistema para ser efectivo tornava necessário uma centralização de meios. O objectivo principal do PAIGC era o de estabelecer locais de tratamento em todos os níveis administrativos do país (região,sector ou tabanca) desenvolvendo métodos efectivos de medicina preventiva nas tabancas.

A magnitude da tarefa é bem demonstrada pelo facto de em 1964 o PAIGC não dispor de um único médico (!). O irmão de Amilcar Cabral, Fernando, que então estudava medicina na Suécia, morreu num acidente de viação no Senegal.



Foto nº 19 > Posto de enfermagem no mato... É impossível identificar e garantir a localização desta foto... tanto podia ser junto à fronteira sul com a Guiné-Conacri como nas matas do Cantanhez... [Legenda original: "A nurse is leaving her staff accommondation on her way to the hospital in the woods in the liberated areas of Guinea Bissau."]

Guiné > PAIGC > s/l> Novembro de 1970 > Uma das fotos do fotógrafo norueguês Knut Andreasson, tiradas por ocasião de um visita de uma delegação sueca (, chefiada pela  deputada social-democrata e antiga presidente do parlamento sueco, Birgitta Dahl; a visita foi à Guiné-Conacri e aos núcleos populacionais controlados pelo PAIGC, as chamadas "áreas libertadas", no período de 6 de novembro a 7 de dezembro de 1970). Algumas destas fotos foram publicadas no livro Guinea-Bissau : rapport om ett land och en befrielserörelse / Knut Andreassen, Birgitta Dahl, Stockholm : Prisma, 1971, 216 pp. [Título traduzido para português: Guiné-Bissau: relatório sobre um país e um movimento de libertação]. (**)

Fonte: Nordic Documentation on the Liberation Struggle on Southern Africa [Com a devida vénia] [Seleção e edição: LG]


A partir de 1971 a situação melhorou consideravelmente com a criação de 9 hospitais (5 no sul, 2 no norte e 2 no leste), oito dos quais sob a contínua chefia de um médico. Estes hospitais dispunham de número suficiente de pessoal de enfermagem apesar de as disponibilidades em equipamentos serem muito limitadas.

Devido aos perigos de bombardeamentos o número de camas hospitalares era reduzido, sendo os pacientes de lá retirados o mais rapidamente possível. Os próprios hospitais mudavam frequentemente de local por razões de segurança.

A existência de 3 hospitais em segurança (!) (2 dentro da República da Guiné, Boké, o principal e junto á fronteira, o outro, Koundara;  e o terceiro em Ziguinchor no Senegal) tornou-se o factor determinante de um eficiente funcionamento hospitalar.

Eram unidades vastas e modernas, bem equipadas (por bem financiadas),dispondo de cirugiões e de outros médicos especialistas.

De acordo com o PAIGC o número de postos sanitários funcionais dentro das áreas libertadas passou de 28 em 1968 a 117 em 1971. Muitos destes postos sanitários eram pequenos e móveis,tratando unicamente os problemas de saúde mais simples. Outros, maiores, sob a direção de um médico, funcionavam como pequenos hospitais, estando mesmo alguns preparados para efectuar cirurgias.

A política de descentralização da assistência sanitária foi reforçada em 1969 com a criação de "Brigadas Móveis de Saúde". Eram formadas de, pelo menos, uma enfermeira e um enfermeiro, que trabalhavam normalmente num hospital ou dispensário do sector,e que tinham como responsabilidade a assistência sanitária a um determinado número de tabancas.

Tinham como objectivos principais a criação de medicina preventiva, melhorar as condições de higiene nas áreas rurais,e de tratar, ou enviar para os hospitais, os casos mais graves. Estavam também encarregados de ensinar o responsável pela saúde da tabanca no uso de medicações simples e de diferentes métodos de higiene.

Este sistema, que faz lembrar o usado então na China pelos chamados "médicos de pés descalços",só começou a ser formado no início dos anos setenta.

Desde logo, Amilcar Cabral compreendeu ser este um dos aspectos fundamentais na futura assistência médica de uma Guiné independente. Escreveu entäo :"Dadas as condições não podemos julgar ter possibilidades de criar hospitais em todos os centros urbanos e, ao mesmo tempo, no interior. É impossível!  Temos antes que criar um sistema de assistência médica móbil disponde de capacidades cirúrgicas".

O PAIGC era dependente de substancial número de médicos estrangeiros voluntários, sendo a maioria cubanos ou de países do leste europeu. A falta de médicos guineenses continua a fazer-se sentir nos nossos dias, tornando necessária a existência de largo número de médicos estrangeiros a trabalhar no país.

Apesar dos resultados obtidos pelo PAIGC no sector da saúde terem sido modestos, tanto em qualidade como em quantidade, foram muito importantes para uma população rural que até ao início da guerra (!) tnha tido poucos benefícios da medicina moderna sob o governo colonial.

Este aspecto mostrou-se desde o início um grande capital político para o PAIGC.

Um abraço. José Belo.

2. Nota do editor > In Memoriam: Patrick Chabal (1951-2014)


Patrick Chabal morreu há um ano e meio, em 16 de janeiro de 2014, de doença de evolução prolongada, com a idade de 62 anos. A sua obra mais conhecida é de facto a biografia (política) de Amílcar Cabral ("Amílcar Cabral: revolutionary leadership and people's war", Cambridge, 1983), mas deixa cerca de 180 obras (entre livros, capítulos de livros e artigos científicos) na área em que era especialista, os estudos africanos, e de que era o decano.

De origem francesa, com formação anglo-saxónica, era um académico reputado, prestigiado e com muitos amigos, entre colegas e alunos, incluindo investigadores de língua portuguesa.

 Esteve várias vezes em Portugal, a última das quais em junho de 2013, escassos meses antes de morrer. Era casado e tinha um filho. Conheci-o em 2008, no âmbito do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de março de 2008). A notícia da sua morte no nosso país só foi conhecida no mundo académico mais ligado aos estudos internacionais (caso do CEI/ISCTE, por exemplo). Infelizmente, e contrariamente a França, Portugal nunca teve, infelizmente, á esquerda e á direita, uma verdadeira diplomacia cultural...

Em 13 de maio de 2011, Chabal participou em Lisboa no ciclo de conferências da Fundação Calouste Gulbenkian, "Próximo Futuro", com o tema "Racionalismo ocidental depois do pós-colonialismo".

Sinopse sobre a conferência e o autor (com a devida à página da FCG):

«Racionalismo ocidental depois do pós-colonialismo»

O futuro do Ocidente está estreitamente ligado ao do mundo não ocidental. As questões ambientais que o mundo enfrenta e o crescimento inexorável do poder económico da China e de outros países asiáticos fazem com que o Ocidente não possa olhar "para o que vem a seguir" da mesma forma que o fazia antes. Mas o desafio é bem mais profundo do que o actual debate sobre o "declínio do Ocidente" sugere. A minha intervenção centrar-se-á no modo como o desafio pós-colonial colocado à perspectiva que o Ocidente tem do mundo e a influência de cidadãos não ocidentais a viver no Ocidente se juntaram para evidenciar os limites daquilo a que posso chamar o racionalismo ocidental - com o que me refiro às teorias que utilizamos para entender e agir sobre o mundo. A incapacidade crescente do pensamento social ocidental para explicar de forma plausível e abordar com êxito algumas das suas questões sociais e económicas, e alguns dos desafios contemporâneos cruciais a nível da política internacional, deixaram a nu a inadequação das ciências sociais do Ocidente à medida que se foram desenvolvendo nos séculos subsequentes ao Iluminismo. Aquilo de que o Ocidente precisa, mas que ainda não aceitou, não é de mais e melhor teoria, mas de uma nova forma de pensar.

Patrick Chabal

Patrick Chabal é francês e estudou em França, nos EUA e na Grã-Bretanha. Fez investigação e deu aulas na Universidade de Cambridge (onde se doutorou em Ciências Políticas) e é actualmente professor no Departamento de História do King's College (Londres). Para além disso, foi professor visitante em Itália, em França, na Suíça, na Índia, em Portugal, na Venezuela e na África do Sul. Está envolvido num projecto a longo prazo em que se conjuga o estudo da cultura na política comparada e a pesquisa da teoria das ciências sociais. Entre as obras que deu à estampa, muitas delas traduzidas para diversas línguas, incluem-se: Amílcar Cabral (1983), Power in Africa (1992), Vozes Moçambicanas: Literatura e Nacionalidade (1994), The Postcolonial Literature of Lusophone Africa (1996), Africa Works: Disorder as Political Instrument (1999), A History of Postcolonial Lusophone Africa (2002), Culture Troubles: Politics and the Interpretation of Meaning (2006), Angola: The Weight of History (2008), Africa: The Politics of Suffering and Smiling (2009). Em 2012, deve sair The End of Conceit: Western Rationality after Postcolonialism.

_______________

Notas do editor:

(**) Vd. poste de 9 de novembro de  2014 > Guiné 63/74 - P13865: Da Suécia com saudade (45): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte VI): Para além de meios de transporte automóvel (camiões e outras viaturas Volvo, Gaz, Unimog, Land Rover, Peugeot, etc.), até uma estação de rádio completa, móvel, foi fornecida ao movimento de Amílcar Cabral, sempre para fins "não-militares"... (José Belo)

Guiné 63/74 - P15267: Bibliografia de uma guerra (78): Do meu livro "Quatro Rios e um Destino", excerto para o Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (1): Viagem de Abrantes a Lisboa (Fernando de Jesus Sousa)

1. Mensagem do nosso camarada Fernando de Jesus Sousa (ex-1.º Cabo da CCAÇ 6, Bedanda, 1970/71, DAF), com data de 9 de Outubro de 2015:

Boa noite Carlos Esteves Vinhal.
Junto um excerto do meu livro Quatro Rios e um Destino para publicar no Blogue se assim achar conveniente e possível.
Como tinha prometido que iria enviar de vez em quando uns textos, cá estou a fazê-lo a propósito de que vai fazer um ano do seu lançamento, estou a esgotar a edição.
Também para anunciar que dia 24 às 16 horas, vou proceder a mais uma apresentação1. Desta vez será no bairro onde morei muitos anos, em Santa Maria dos Olivais Lisboa, Na Casa da Cultura dos Olivais Junto ao coreto nos Olivais velhos Lisboa.
Se for possível dar conhecimento ao pessoal da Tabanca deste meu evento fico agradecido.

Abraço
Saudações de amizade para todos os tabanqueiros
Fernando Sousa

************

Viagem de Abrantes a Lisboa

Rumei a Abrantes, para recolher meus pertences e guia de marcha com destino aos Adidos em Lisboa, para aguardar embarque. No caminho para a estação, tive oportunidade de contemplar toda a beleza daquele vale do rio Tejo, de águas cristalinas, que em correrias deslizavam suavemente rumo ao seu destino, cuja foz ficava já ali ao virar da última curva. Também suas margens, tão bonitas como nunca as tinha visto, cobertas de flores das mais variadas cores naquela altura da Primavera. Fiquei encantado com aquela paisagem, que me deslumbrou, apesar do momento melancólico, pouco convidativo a deslumbramentos.

Apanhei o comboio na estação do Rossio de Abrantes, bastante apreensivo, por ser mais uma despedida. Comboio esse que já vinha bastante cheio e ainda assim ali embarcaram muitos militares, que como eu, rumavam a vários destinos.

Depois de procurar um lugar vago onde pudesse sentar-me, para, de forma solitária, dar aso à minha amargura, encontrei apenas um lugar vazio no mesmo compartimento onde viajavam três jovens moças, pela certa estudantes com uma guitarra, que uma delas fazia vibrar, repletas de boa disposição e alegria estas jovens, que se fartavam de tocar e cantar. Ainda hoje recordo algumas canções, como por exemplo (ribeira vai cheia e o barco não anda, tenho o meu amor lá naquela banda, lá naquela banda, e eu cá deste lado, ribeira vai cheia e o barco parado) às quais eu não dava grande importância, a sua alegria contagiante era por demais evidente e salutar, condimentos essenciais para uma boa viagem, se não fosse eu antes preferir martirizar-me, sentir pena de mim mesmo. Queria viver em pleno aquela minha tristeza, que me corroía as mais profundas emoções, até me incomodava o facto de elas rirem, tentei virar a cara para onde elas não me pudessem ver, nem adivinharem o que me corroía internamente. Também não eram aqueles rostos bonitos que eu queria ver e muito menos suas canções ouvir, que tal era o meu estado de espírito. A minha mente vinha totalmente absorvida desde o início, nesta grande viagem na minha ida para uma guerra, que já não tinha forma de evitar.

Contudo, não passaram despercebidas estas minhas misturas de fortes emoções a estas moçoilas, que estranharam o meu alheamento quase total, até que uma ousou perguntar-me o porquê. Parecia que eu não estava ali, ia triste, questionou outra, ao que eu respondi que esta podia muito bem ser a minha última viagem de comboio, porque estava de partida para África. Por uns momentos fez-se silêncio, silêncio ainda mais profundo que todas as minhas mágoas, era precisamente isto que eu precisava para continuar a ter pena de mim. Sem querer reparei que na cara de uma delas corria uma lágrima, que apressadamente limpou, tentando disfarçar a emoção. Continuou um melancólico e quase fúnebre silêncio, com uns suspiros à mistura, até que me senti na obrigação de o quebrar, e disse estas palavras: Ó meninas, esta viagem ainda não acabou e muito menos eu morri, continuem com a vossa alegria, sejam vocês felizes por mim. Vá lá, toquem e cantem mais um pouco. Mas o silêncio continuou, por mais uns instantes, até que aquela da lágrima desabafou que tinha o seu namorado também na guerra e, por muito que desejasse, não saberia se o voltaria a ver. Muito a custo consegui conter as minhas.

Quiseram dar-me o seu endereço para lhes escrever quando chegasse ao meu destino, as três me franquearam a sua amizade e faziam gosto em ser minhas madrinhas de guerra. Agradeci delicadamente e não aceitei, respondi que isso traria amizades que se poderiam tornar em mágoas, sobretudo para elas, e para mim ilusões que não deveria nem podia alimentar.

Mostraram compreensão e respeito pela minha atitude, desejaram-me saúde, sorte e felicidades, ao que, com um embargo na garganta, agradeci e também desejei tudo de bom para elas. O resto da viagem não mudou de tom, a alegria até ali constante esvaíra-se como fumo. A guitarra foi posta de parte e não mais tocou durante o resto da viagem.

Recordo ainda hoje com muito carinho este trecho da minha vida, não me lembra o nome de nenhuma dessas raparigas, porque não fiz questão de o guardar, e já passaram muitos anos, mas esta viagem marcou-me profundamente, a estas jovens, que talvez tivessem a minha idade, desejo que tenham tido toda a sorte do mundo nas suas vidas e sejam muito felizes, porque este pequeno gesto tocou bem fundo todo o meu ser, este gesto nobre fez-me sentir bem pequenino perante tamanha grandeza.

Este gesto despertou a minha consciência para uma nova realidade sentimental que está presente em todos os seres humanos, à qual nunca até então tinha dado o devido valor, que é ser solidário, fraterno e amigo, para com quem precisa. E eu naquele momento precisava de verdade. Precisava de uma palavra amiga, de ânimo e conforto. Aquele silêncio comovido foi para mim sentido como que uma homenagem, um capítulo escrito num livro sem palavras e letras nenhumas, foi daqueles momentos de ouro que surgem uma vez na vida de cada homem, a que por vezes nem damos a devida importância, porque não é palpável nem o vemos, mas que nos marca profundamente, porque são silêncios vindos do mais puro dos sentimentos que todo o ser humano tem, que nem todos os barulhos do mundo os abafam e são suficientemente audíveis a muitos anos de distância, neste tal livro da vida sem palavras, sem letras, poucos gestos, apenas muita emoção e uma lágrima no canto do olho.

Esta viagem terminou na estação de Santa Apolónia, fisicamente, há quarenta e um anos. Porém, esta viagem, para mim, nunca terminará, vai continuar, não tem fim, apenas e só na última estação, no fim da linha, quando este comboio fantasmagórico, já velho, com todas as carruagens repletas de recordações e nostalgia percorrer toda a linha, com seu maquinista já vencido pelo cansaço, se deixar tombar com a mente adormecida num sono profundo.

Fernando Sousa
____________

Notas do editor

1 - Vd. poste de 14 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15251: Agenda cultural (429): Apresentação do livro de Fernando de Jesus Sousa, "Quatro Rios e um Destino", na Casa da Cultura dos Olivais, Lisboa, dia 24, às 16 horas

Último poste da série de 12 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14996: Bibliografia de uma guerra (77): Do meu livro "Paz e Guerra - Memórias da Guiné", excerto para Luís Graça & Camaradas da Guiné (2) (António Melo Carvalho, Coronel Inf Ref)