quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15281: As Nossas Tropas - Quem foi quem (13): comodoro Alberto Magro Lopes, comandante da Defesa Marítima (CDM), CTIG (1971/72) (Manuel Lema Santos 1º ten RN, imediato no NRP Orion,1966/68)


Foto nº 3


Foto nº 3 C

O gen Spínola com um grupo de marinheiros [, condecorados]. Circa 1971

Foto (e legenda) : © Ernestino Caniço (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]



1. Mensagem do Manuel Lema Santos [, 1º tenente da Reserva Naval, imediato no NRP Orion, Guiné, 1966/68; membro da nossa Tabanca Grande desde 21 de abril de 2006] [, foto atual à esquerda]:


Data: 22 de outubro de 2015 às 11:02
Assunto: Foto com comodoro Luciano Bastos ?


Caro Luis Graça,

Correspondendo ao teu voto de saúde: caminha-se, um dia de cada vez, enquanto a saúde o permitir. E não é nada mau...

Em relação às fotos que estão publicadas no poste P15275 (*),  refiro apenas a nº 3 que julgo ser a foto base. As outras serão recortes ampliados daquela.

Todos os condecorados são fuzileiros (alguns sargentos), julgo que com excepção de um militar do Exército (o segundo do lado esquerdo). Não consigo identificar nenhum.

O general António de Spínola está acompanhado, à esquerda, pelo comodoro Alberto Magro Lopes, Comandante da Defesa Marítima [CMDM] da altura, cargo que exerceu entre 25FEV71 e 06MAR72.

Conheci-o bastante bem pois anteriormente, ainda em CMG, foi Chefe do Estado-Maior do Comando Naval do Continente onde eu, entre AGO68 e MAI70, desempenhei as funções de ajudante de ordens do Vice-Almirante Francisco Ferrer Caeiro, Comandante Naval do Continente e da Base Naval de Lisboa. (**)

Como sabes estive na Guiné de 1966 a 1968, onde ele próprio tinha sido CDM Guiné entre 11SET64 e 11SET67.

Espero corresponder à informação que solicitaste.

Abraço para todos,

Manuel Lema Santos

Guiné 63/74 - P15280: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XVIII Parte): Extinção da Companhia de Comandos do CTIG; Mansoa e Valium

1. Parte XVIII de "Guiné, Ir e Voltar", enviado no dia 21 de Outubro de 2015, pelo nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489, Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67.


GUINÉ, IR E VOLTAR - XVIII


1- Extinção da Companhia de Comandos do CTIG 

Um Allouette mergulhou numa bolanha, no sector de Tite, não se sabia ainda se fora atingido ou se fora um acidente. Desencadeou-se uma autêntica batalha, daquelas que só se vêem nos filmes. 
O grupo guerrilheiro, talvez por ser pouco numeroso, não se atreveu a sair da mata. Um grupo reduzido de Comandos foi rapidamente transportado para o local, para proteger o heli, sob fogo da mata. O Coronel Kruz Abecasis, Comandante da Base Aérea, ele próprio a pilotar o Dakota, meteu os páras dentro do avião, largou-os na zona da batalha, os pára-quedas abriram-se e toda a gente parou o fogo! 

Um mecânico francês que estava em Bissau a fazer a manutenção dos Allouettes foi transportado noutro heli para o local com o equipamento necessário para ver se conseguia tirar o aparelho das águas da bolanha. E não é que conseguiu? 

Entrámos em Maio. Dia a dia, a Companhia de Comandos aproximava-se do fim, quase todas as semanas lá se ia mais um ou dois com a comissão terminada. Feitas as contas aos efectivos e às previsões para as saídas dentro dos próximos três meses, o capitão propôs ao Comandante Militar concentrar o pessoal remanescente num grupo e fechar as instalações da Companhia. 

Em Lamego estavam a formar-se companhias de Comandos. Lá para Agosto chegaria a Bissau uma, e um ou dois meses mês depois esperava-se outra. O capitão mostrou-lhe o relatório com o despacho do Brigadeiro Comandante Militar. Proceda-se. Foi o que fez, reuniu-se com os chefes de equipa e comunicou-lhes que, por insuficiência de efectivos, a Companhia de Comandos do CTIG iria ser extinta. 

E agora qual vai ser a nossa situação, voltamos para as nossas unidades de origem, como vai ser? 
Mantemo-nos aqui até ver, à ordem do Comandante Militar, o nosso capitão vai ser colocado no QG, mas tanto quanto sei não pretende lá ficar.

No dia 20 de Junho procedeu-se à cerimónia do encerramento da actividade da Companhia de Comandos do CTIG. Os que sobraram dos outros grupos passaram para o Grupo "Diabólicos". 
Às 09h00 estava o pessoal formado na parada de Brá. Os que estavam prestes a acabar a comissão, o pessoal da secretaria, da manutenção e os que tinham ainda alguns meses até ao final da comissão.

Os “últimos” da Companhia de Comandos do CTIG 

Comandos com a comissão terminada ou em vias de a acabar 


A foto apanhou-os em sentido, o Sargento Cordeiro, os Furriéis Ázera e Valente de Sousa, o Black, o Jamanca, os resistentes todos, continência ao Capitão, o Guião nas mãos de uma escolta, o pessoal de apoio ao lado. 




Furriel Valente de Sousa recebe o guião das mãos do Furriel Guedes. 

O Capitão Leandro mandou ler alguns louvores que o Governador e o Comandante Militar concedeu, despediu-se, direita volver, destroçar. 


O último desfile em Brá. Acabava assim a CCmds do CTIG. 

Tudo na mesma como até aqui, só somos menos, o resto tudo igual, instrução todos os dias, horários habituais, mais unidos que nunca.   Vários comandantes de Batalhão tinham solicitado ao Comandante Militar que o grupo ficasse em permanência nas respectivas sedes, o Brigadeiro decidira manter, para já, o grupo em Bissau às suas ordens directas. 

Dias depois, para não perderem a forma, foram até Canjambari, sector de Farim. Desembarcaram do Dakota em Farim, apanharam uma coluna para Jumbembem e, logo a seguir, outra para Canjambari. 

Saíram daqui mal a noite caiu, aproveitando a escuridão. Viu-se logo, desde o início, que era mais uma operação sem objectivo definido. Quando chegaram ao rio, nem o local da cambança o guia descobriu. Num local que lhes pareceu mais estreito, socorreram-se de uma corda para passar para o outro lado, uma operação dentro da operação, demorou horas, escuridão quase total. 
Há jacaré aqui, lembrou-se um de perguntar. Hááá… manga deles, afirmaram convictos os dois milícias que os acompanhavam. Quando se ouviu um chlap na água que lhes pareceu suspeito, a travessia acelerou, todos ansiosos por alcançar a outra margem. 

Cambado o rio, internaram-se no mato por um trilho, andaram e andaram. O guia, a tremer todo, dizia não saber como dar com o trilho de acesso ao acampamento, ou não queria levá-los lá, o que deu no mesmo. 

Voltou tudo à calmaria, aproveitaram o local para descansar um pouco, alguns passaram mesmo pelas brasas, os outros alerta até que o dia abriu os olhos a todos ainda não eram 6 horas. Em movimento, pela mata dentro, ribeiro ao lado, um jacaré na água, macacos a ganirem, aos saltos nas árvores, trilhos fora, sinais recentes de passagem, o costume. 

Passou-lhes uma Dornier eram para aí 11 da manhã, entraram em contacto rádio, seguiram para oeste conforme indicação do PCV, 5 kms no máximo, uma bolanha e aguardaram aí, onde foram recolhidos. 

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2 - Mansoa

Mansoa ficava a uns escassos 60 quilómetros de Bissau, uma estrada alcatroada que se fazia com o ponteiro do conta-quilometros a bater nos 80, 90, um depósito inteiro antes, uma paragem em Nhacra para ver o óleo, combustível, arrefecer uns minutos, arrancar depois, pé na tábua outra vez, passar a ponte sobre o rio e estava-se na entrada da povoação. 
Era uma cidade para os padrões locais, uma povoação estratégica, a unir Bissau a Bissorã por um lado, a Mansabá pelo outro, o Olossato acima, o K3 na estrada para Farim. As outras ligações de Mansoa para leste, Bafatá, estavam desactivadas. Era um dos vértices do muito falado triângulo do Oio, famoso pelo trabalho que o IN dava às NT. 


Os guerrilheiros até à data dentro do tal triângulo, Mansoa, Bissorã e Mansabá, pareciam querer sair dele, alargar a guerrilha a outras paragens, aproximar-se de Bissau. Começaram a andar às voltas da tabanca de Mansoa, flagelações de longe primeiro, uma ou outra morteirada uns dias depois. Achando que lhe dava jeito dispor de mais uma força operacional, o comandante do batalhão de Mansoa pediu ao Comandante Militar que o grupo se deslocasse para lá.

Já se conheciam de outras guerras. O Tenente-Coronel Lemos comandava um batalhão martirizado que estivera uns tempos em intervenção, a apagar focos da guerrilha, as companhias dispersas por onde calhou, até estacionarem em quadrícula no sector de Mansoa. 
Encontravam-se outra vez, com outro coronel a assistir, o comandante do agrupamento, um homem macio, afável, num corpo grande, uma imagem passiva, de escassas palavras, sim, talvez, boa ideia, hum, ah, da boca dele não se ouvia muito mais. 

O tenente-coronel descreveu a situação, o que o batalhão encontrara quando chegara, não muito confortável, acentuou, e conseguira, disse, mantê-los dentro do triângulo, à caça deles quase todos os dias, e eles agora outra vez a darem sinal, como se o triângulo já lhes fosse demasiado apertado. Estão aqui, às nossas portas! Sempre devem ter estado, se calhar, alvitrou para o lado. 
O seu grupo fica por determinação do nosso Comandante Militar aqui às minhas ordens, para o que for preciso

Alojaram-se na povoação, um pré-fabricado para as praças, um quarto para os furriéis. E ficaram à espera, prontos para o que desse e viesse.  Era uma zona propícia a muita informação, notícias chegavam a toda a hora, viam-se ansiedades nalguns rostos, razões não lhes faltavam, mas a povoação de Mansoa mantinha-se até agora fora do alcance do fogo inimigo. O maior barulho que ouvira, aliás, uma semana já passada, fora afinal, um grande estrondo de um raio a atingir o posto rádio, disseram os que viram, ele, sentado debaixo de um alpendre num final de tarde, só ouviu o barulho e viu militares e civis a correrem, chuva da grossa a desabar-lhes em cima. 
Deixou-se ficar, estava na maré de não correr por aí além, as forças, que já não eram muitas, para quando fossem precisas. A chuva passara, o ar clareou, os militares e os civis regressaram, a rirem-se, para as coisas que estavam a fazer. 

No 14-04, Alegre ao lado, pé na tábua para Bissau, matar saudades das ostras e do frango assado do Fonseca. A época das chuvas que começara timidamente em meados de Maio, estava agora em pleno, chuveiradas frequentes, das grossas, logo o sol a aparecer, a estrada secava num raio, até fumo nascia do alcatrão. 
Em Bissau deu as voltas que tinha a dar, encontrou gente conhecida, conversa até se fazerem horas, o Alegre e o Furriel Valente de Sousa a chegarem. 
Embora que se faz tarde, outra vez para Mansoa, nem pararam em Nhacra, o motor do jeep no máximo, sentia-se o calor do motor, tens visto o óleo, claro meu alferes, não só visto, atestado também. Já de noite, à chegada a Mansoa, polvorosa no ar. Que aconteceu? O nosso tenente-coronel tem andado a tarde toda à sua procura. 

Você pregou-nos um susto danado, temos estado a tarde toda à rasca por sua causa! Porquê? Chegou uma informação, estava montada uma emboscada na estrada para Bissau, a seguir à ponte! Contactámos o QG, andaram e devem estar ainda à sua procura, não o encontraram em lado nenhum. Não volte a sair assim, quando sair avise-me antes, e leve o grupo todo consigo!

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3 - Valium 

Mansoa era uma povoação já com muita gente, com muito movimento, a estrada para norte a rasgá-la em duas, casas maiores de um lado e doutro, atrás as do pessoal nativo, vielas estreitas, uma ou outra esplanada onde se servia muita cerveja e mancarra. Via-se tudo em 2 horas, desde que se parasse meia hora em cada esplanada, desculpando o exagero. 
Dois ou três soldados do grupo começaram a ser vistos na loja de uma família libanesa com três meninas, de idades próximas das deles. Mas, pelos vistos, não tiveram grande a sorte, quando por lá apareciam, parece que elas se evaporavam. Depois passaram a rondar a tabanca, cheiravam-na à procura das bajudas, de alguma mais interessante, se não houvesse, outra qualquer que lhes desse corda, umas cervejas pelo meio para desinibir, tantas que às vezes transbordava para fora da boca, impropérios no meio.
 
Um soldado desses, um valente alentejano, deve ter acordado naquela manhã cheio de sede. Tinha começado a beber logo ao acordar, acrescentara-lhe bem ao almoço, prosseguira durante a tarde a conversa com as loiras, começou a ver morenas por todo o lado, não resistiu a uma, passou-lhe os lábios pela cara, a mão pelas mamas, entusiasmou-se demais, estava visto. 
Burburinho, o dono dela aos berros, não toca nela, a tabanca agitada, anda daí, os camaradas a puxá-lo, qual quê, só quero esclarecer, está tudo esclarecido, anda daí, não saio daqui sem esclarecer o assunto, a algazarra a aumentar. 

O Furriel Ázera chamado ao barulho aplicou-se com tanto cuidado a acalmar que a coisa esfriou. Meteram-no na camarata, talvez um sono lhe fizesse bem, enganaram-se, apareceu na esplanada, parecia que tinha o diabo no corpo. 

Elementos do grupo em Mansoa. Julho 1966. 

Quando deram por ela, Portugal estava a perder por 3 a zero, os coreanos com foguetes no rabo, apareciam aos milhões por todo o campo. A esplanada fria, o entusiasmo a ir-se, correra tudo tão bem até este jogo. A primeira parte ainda a meio e o Eusébio enfiou a primeira. A confiança não era muita, os aplausos e gritos que se ouviram foram mortiços. Já muito próximo do intervalo, penalti, outra vez as redes dos coreanos abanaram. Eusébio, claro, quem havia de ser? 
Aqui as palmas e os gritos já tinham outra força. A segunda parte a começar, e a bola não havia maneira de largar as chuteiras dos nossos. A todo o momento se esperava o empate. Não demorou muito. Cervejas em cima das mesas a festejar outro golo de Eusébio. Começa tudo de novo, diz um. Unhas a ficarem mais curtas, ó Eusébio arruma essa merda, o Eusébio pega na bola e enfia-a outra vez lá dentro. Depois o José Augusto também quis molhar a sopa, todos aos saltos a gritarem na esplanada, turras se calhar também no mato, nem trovoada nem nada, a esta hora a guerra é outra, golo, goooolo! 

O rádio não se calava, seria o Artur Agostinho, o Amadeu José de Freitas, o Nuno Brás, o Alves dos Santos ou todos ao mesmo tempo, que é que interessa, aplausos por todo o lado, mais duas cervejas, uma grade faz favor, pago eu. 

Eu, se os nossos ganharem, atenção pessoal, bebo uma à saúde de cada um de nós, o alentejano outra vez ao ataque, e depois vou ao homem da bajuda esclarecer o assunto, e mais umas palavras que ninguém percebeu. 
Uma grande salva de palmas, afinal tudo tão fácil quem diria, palmas de Mansoa a ouvirem-se em todo o lado.

O tenente-coronel tinha-se resolvido pela ofensiva, com o staff atrás, chamara-o para uma saída para uns dias depois. Sairiam de Mansoa, manhãzinha cedo, na estrada para Bissau, passariam a ponte guardada por uma secção, apear-se-iam aí, mato dentro, iriam conferir trilhos. 
Ao sair da reunião, duas escadas logo abaixo, o Furriel Ázera aguardava-o para lhe dar conta do que se estava a passar. Para a camarata à procura do alentejano, estes tipos não são capazes de resolver os problemas deles, nem uma borracheira. Viu o soldado a resfolegar, agitado, palavras sem sentido mais que as outras. Chame o médico, Ázera! Ele é que sabe como fazer! 
Médico em acção, um valium para cima, uma injecção para ser mais rápido. Para quê, logo mais desperto o alentejano. Dormir bem é o que precisas, não, eu só quero esclarecer, quase a chorar, só esclarecer, mais nada, está tudo claro, não é necessário tanto esclarecimento, só dormir. Enfermeiro ao lado do médico, e o nosso valente não sossegava. Não deixe, meu alferes, não deixe o gajo dar-me a injecção! O enfermeiro com o dedo na seringa a desperdiçar líquido, não deite mais fora, é tudo para aproveitar, apartou o médico. 
Cerveja nos olhos, o meu alferes não vai deixar, pois não? 
Uma injecção só, não custa nada e vai fazer-te bem, calças para baixo anda, o meu alferes não vai deixar-me apanhar uma injecção, pois não? Dois camaradas ao lado, as calças já em baixo, nem a minha mãe era capaz de me fazer isto, o enfermeiro a tirar-lhe a agulha, algodão em cima, o choro convulsivo a esmorecer, o ronco pesado toda a santa noite, disseram os outros de manhã. 

(Continua)

Texto e fotos: © Virgínio Briote
____________

Nota do editor

Poste anterior da série de 15 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15254: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XVII Parte): Fima, enfermeira do Partido; Cassaprica e Correspondência

Guiné 63/74 - P15279: Manuscrito(s) (Luís Graça) (66): No melhor pano cai a nódoa...

Deus dá a nódoa conforme o pano


por Luís Graça


No melhor pano cai a nódoa,
diz o povo,
mais o do campo do que o outro povo,
o da cidade.
E com razão…
ou talvez não ?
Opto pela dúvida metódica,
não sei se cai mesmo, afinal,
a nódoa,
no pano,
no melhor pano,
seja velho ou novo,
como cai a maçã de Newton,
no chão,
por força da gravidade
ou por mor do pecado original.


Por um questão de memória
e de verdade,
pergunte-se:
- O que é que cai (ou caía)?
 A nódoa, o pano ou o povo,
ou todos os três,
no turbilhão da história ?


Reformulando o ditote
de que, se calhar, nem é do povo  a autoria:
é a nódoa que cai no pano
ou é o pano que cai na nódoa ?
Seria o pano fêmea
e a nódoa macho ?
Se sim, então porque dizes “o pano” ?,
ou porque escreves “a nódoa” ?


Tu, sortudo,
que és pano, limpo, alvo,
de linho, seda ou até de algodão,
tu que és pano de veludo,
brocado,
bordado a prata ou ouro,
posto à mesa do rico ou do governante,
por que é que deverias ser
estático,
passivo,
servil,
expectante,
objeto,
recetáculo ?
E tu que és nódoa,
suja,
repelente,
nauseante,
de vinho ou azeite,
de sémen ou de sangue,
de vómito ou de pecado,
por que é que deverias ser
dinâmica,
proativa,
predadora
sujeito,
ator,
vetor ?


Diz o demagogo ao povo:
- Dai-lhe asas de vento, dai-lhe,
ao pano,
que ele voa,
que ele é capaz de voar,
como o tapete mágico
da lenda das mil e uma noites!
E desintegrar-se-á em mil e um bocados,
em mil e um orgasmos,
em mil e uma nódoas,
numa espiral de entropia
que o levará a um fim trágico.


Segrega o confessor ao pecador,
com o típico mau hálito da boca dos confessores:
- Cuidado, meu filho,
que a nódoa pode ser oportunística,
como a serpente da árvore do paraíso,
e estar ali especada,
emboscada,
traiçoeira,
como a flor carnívora
à espera da sua vítima,
o pobre do incauto inseto.
Ou como a orquídea-abelha
à espera do zangão
para ser fecundada,
acrescenta o biólogo.


Sociólogo, filólogo ou teólogo,
atiça, provoca, alvoroça, desafia o povo,
sem evocares o seu nome em vão
e muito menos o de Deus:
- Se no melhor pano cai a pior nódoa,
por que é que no pior pano
não cai a melhor nódoa ?
… Afinal o sujo faz parte do continuum do limpo.


Na seda mais fina é que a nódoa pega,
há também quem o diga e ajuramente,
burguêsmente,
o que vale é que
a nódoa que põe a amora.
com outra, verde, se tira
.
Eu prefiro a bosta de abril
que tira manchas mil
.
Mas cuidado com outros meses do calendário,
que a nódoa de janeiro
não a tira o ano inteiro
.
E depois há nódoas e nódoas,
algumas indeléveis:
nem toda a água do mar
pode certas nódoas tirar.
E, abrenúncio!,
nódoa de gordura
é alma… que cai no inferno
.



Fique o poema provisoriamente inconclusivo,
arremata o poeta,
que não é limpo de geração:
- Não há pano sem nódoa,
não há nódoa sem pano,
não há ponto sem nó,
não há povo sem dichote
(nem povo que queira e ame o chicote!).
Não há aquém sem além,
nem há xis sem corações,
mesmo que se vejam as caras
e não se vejam os corações.
Mas o pior é que, às vezes,
não há mesmo ninguém
que goste de nós!
Mais:
não há sábio sem louco,
nem médico sem doente,
nem Deus dá nozes
a quem não tem dentes,
porque isso seria indecente,
da Sua parte.


Enfim, e já que Ele para aqui foi chamado,
por causa da  nódoa original, primordial,
do pecado,
é bom que se saiba
que Deus, Misericordioso,  dá a nódoa
…conforme o pano!

Lisboa, v5 22out2015

© Luís Graça

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Nota do editor:

Último poste da série > 14 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15248: Manuscrito(s) (Luís Graça) (65): O Tempo Parece Querer Mudar... (Coleção de citações do diário de Tomás de Mello Breyner, c. 1902-1904)

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15278: Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (VI e última parte): 40 anos depois, entro eu mais o Xico Allen na famosa base IN do regulado de Mansomine, onde muito provavelmente repousam os restos mortais de camaradas nossos como o Agostinho Francisco da Câmara e o Fernando da Costa Fernandes


Foto nº 1


Foto nº 2

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de abril de 2006 > Uma bomba da FAP (Força Aérea Portuguesa), das muitas que foram lançadas sobre a base do PAIGC, durante a guerra colonial, e que não chegaram a explodir (Foto nº 1). Na foto nº 2, o nosso amigo e camarada A. Marques Lopes. Em finais de 1967, Sinchã Jobel passou a ser uma ZLIFA (Zona Livre de Intervenção da Força Aérea).

Fotos: © Xico Allen (2006). Todos os direitos reservados [Edição: LG]



Foto nº 3



Foto nº 4



Foto nº 5

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de abril de 2006 > Aspectos da atual tabanca, sita no local da antiga base do PAIGC. Fica a 200 metros da antiga base do PAIGC.


Fotos: © A. Marques Lopes (2006). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


Foto nº 6

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de abril de 2006 > Mule Nabo, guerrilheiro do PAIGC, que esteve na base de Sinchã Jobel durante a guerra colonial, e que hoje mora lá. É irmão do Darami.



Foto nº 7

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de abril de 2006 > Darami Nabo, guerrilheiro do PAIGC, que esteve na base de Sinchã Jobel durante a guerra colonial, e que hoje mora lá. É irmão do Mulé.


Fotos: © A. Marques Lopes (2006). Todos os direitos reservados [Edição: LG]




Foto nº 8


Foto nº 9


Foto nº 10

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de abril de 2006 > Antiga base do PAIGC. Está-se ainda em plena época seca. Ainda existem árvores de grande porte.


Fotos: © A. Marques Lopes (2006). Todos os direitos reservados [Edição: LG]



Foto nº 11


Foto nº 12

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de Abril de 2006 > Vestígios ainda bem visíveis, nas árvores, dos bombardeamentos feitos pela Força Aérea Portuguesa.


Fotos: © A. Marques Lopes (2006). Todos os direitos reservados [Edição: LG]




Foto nº 13

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de abril de 2006 > Local onde se situava o posto de vigia ou sentinela dos guerrilheiros, segundo indicação do Dirami.



Foto nº 14

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > Local onde se situava o poço, agora tapado, para onde eram lançados os cadáveres.

Fotos: © Xico Allen (2006). Todos os direitos reservados

1. Texto de A. Marques Lopes, coronel DFA ref, ex-alf mil (CART 1690, Geba, 1967/68; e CCAÇ 3, Barro, 1968)... Em abril de 2006, (re)visitou Guiné-Bissau, num viagem de grupo organizada pelo Xico Allen...


Última parte desta série, "Jogos de Cabra-Cega: Sincha Jobel", com a reedição de alguns postes do A. Marques Lopes, que tem por objeto central a descoberta e a tentativa de destruição, pelas NT, de Sinchã Jobel, uma base ("barraca") do PAIGC, em pleno coração da Guiné, na zona leste, no regulado de Mansomine, entre Mansambá e Bafatá.


São os postes nº 35, 36, 39, 40, 45 e 763 (*), originalmente inseridos na I Série do nosso blogue, e como tal como pouco lidos e já esquecidos... Fizemos a revisão de texto (e atualizámos o texto de acordo com a ortografia em vigor). (*)

Estes "jogos de cabra-cega" fazem parte da trama do romance que o A. Marques Lopes lançou, recentemente, em junho passado, sob a chancela da Chiado Editora (capa ao lado). O autor, João Gaspar Carrasqueira, é pseudónimo literário. Aiveca, a personagem central do romance, é o "alter ego" do A. Marques Lopes. A editora meteu o livro na sua coleção "Bios", classificando-a como "biografia" e não como "romance"... Na realidade, é uma autobiografia ficcionada, de 582 pp.

Todos nos lembramos do jogo da cabra-cega, do nosso tempo de infância e de escola? "Tapam os olhos ao que é apontado para ser cabra-cega, Dão-lhe várias voltas para perder o sentido de orientação. Dão-lhe empurrões para o desorientar ainda mais e não saber para onde se virar" (, preâmbulo do livro). A vida (e a guerra) é um jogo de cabra-cega. (LG).



Pois, camaradas e amigos, eu e o Xico Allen acabámos por entrar na base do IN em Sinchã Jobel, que nunca fora tomada pelas NT, nem quando eu, sem querer, lá fui em 24 de junho de 1967 (Op Jigajoga I), nem em 31 de agosto de 1967 (Op Jigajoga II), nem em 16 de setembro de 1967 (Op Jacaré), nem 15 e 16 de outubro de 1967(Op Imparável), nem em 27 de outubro de 1967 (Op Insistir), nem em 28 de outubro de 1967 (Op Instar), nem em 19 de dezembro de 1967 (Op Invisível) e nem em 21 de dezembro de 1967 (Op Invisível II), a última que se fez para tomar essa base, comandada durante esse período por Lúcio Soares, como ele próprio me disse.

A clareira de Jobel (a tal onde sofri uma emboscada) tem agora uma tabanca (vd. fotos acima). Como chegámos lá? Fomos, eu e o Allen, até Sare Banda [vd. carta de Banjara] [Foto nº 15] e aí encontrámos um homem que nos acompanhou, indicando-nos o caminho para Sinchã Jobel.

Durante a guerra, Sare Banda era uma grande tabanca, fruto do reordenamento da zona, e onde esteve um destacamento da CART 1690. É agora pequena, vendo nós pelo caminho já várias outras tabancas, explicando-nos o homem que nos acompanhou que muita gente saíu de Sare Banda para formar outras tabancas. Naturalmente, é claro.

E chegámos a Sinchã Jobel, com alguma dificuldade, é verdade, pois existe para lá um simples carreiro. E eu cheguei à conclusão que seria mais fácil ter chegado à base se as NT tivessem ido por ali, apesar de a mata ser muito cerrada. Lá encontrámos o Dirami e o Mulé /(Fotos nºs 5 e 6), dois ex-guerrilheiros daquela base e agora moradores na tabanca de Sinchã Jobel.




O organizador desta viagem, do Porto a Bissau, em abril de 2006, foi o Xico Allen [ex-1.º cabo at inf, CCAÇ 3566, Os Metralhas, Empada, 1972/74]. Levou o jipe, que lá ficaria para futuras viagens. O grupo regressaria depois de avião. Acompanhou, em 22 de abril de 2006, o A. Marques Lopes neste "raide" até à mítica Sinchã Jobel. (LG)


Durante a guerrqa, a FAP bombardeava com regularidade a zona... Houve bombas que não rebentaram. Disse o Dirami que conseguiram rebentar várias, mas aquela que vimos [ Fotos nº 1 e 2] não tinham conseguido... e lá está ainda. Muitas delas, eu já sabia, rebentavam nas árvores, outras batiam nelas e caíam sem rebentar, porque já não caíam da forma adequada para rebentarem as espoletas. [Fotos nº 78, 9 e 10].

Duas coisas nos indicou o Dirami:

(i) uma, está ele de cócoras, "ali em frente, no tronco daquele poilão era o posto de vigia" [Foto nº 13] (as NT disseram que eles estavam em cima das árvores, mas o que sucedia é que o vigia começava logo a disparar assim que nos via entrar na clareira);

(ii) outra, está ele a dizer-me (vd. foto do cemitério, tirada pelo Allen) [Foto nº 14], "aqui, por baixo destes arbustos está um poço, para onde lançávamos os mortos, pois não havia tempo para fazer covas individuais", e está lá o poço, coberto de arbustos e já tapado com terra;

(iii) e - eu cá para mim - que "lá estarão os corpos do soldado Agostinho Francisco da Câmara, morto em 16 de outubro de 1967, e do alferes Fernando da Costa Fernandes, morto em 19 de dezembro de 1967 de dezembro de 1967, corpos esses que não foi possível recuperar durante as operações feitas nessas datas".

E ficou-me também a pena de as cabeças pensantes que mandavam na guerra terem insistido em várias operações, a começar nas bolanhas de Sucuta e Canhagina [vd. carta de Bambadinca] e na travessia do rio Gambiel, quando teria sido mais fácil e, se calhar, eficaz terem feito o caminho que eu fiz agora, tanto mais que em duas daquelas operações entrou a tropa especializada dos comandos. Coisas.

Abraços, A. Marques Lopes



Foto nº 15

Guiné > Região de Bafatá > Sare Banda > 2001 > Altamiro Claro, ex-alf mil op especiais, da CCAÇ 3548 / BCAÇ 3884 (Geba, 1972/74), e ex-presidente da Câmara Municipal de Chaves, em Saré Banda (vd. Carta de Banjara).

Foto: © Altamiro Claro (2007). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


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Postes anteriores:

24 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15150: Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte IV): Op Insistir (27/10/1967): com a 5ª CCmds e dois 2 grupos de combate de cassanhos, da CART 1690

6 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14707: Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte III): Op Jigajoga 2, 31/8/1967, e Op Jacaré, 16/9/1967... Fotos de Banjara

5 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14700: Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte II): Depois de uma noite, perdido, na bolanha, de 24 para 25 de junho de 1967, "é tão bom estar vivo e saber onde estou e o que quero!... Bora, Braima, bora, rapaziada, toca a sair daqui"...

3 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14695: Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte I): Op Jigajoga, 24 de junho de 1967, o meu dia de São João

Guiné 63/74 - P15277: Os nossos seres, saberes e lazeres (120): Entre Antuérpia e as Ardenas, e algo mais (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Setembro de 2015:

Queridos amigos,
Retido por um contratempo mais uma dia em Bruxelas, por ali andei no folguedo, nunca escondi a ninguém que temos, a cidade e eu, um enlace amoroso, ofereci-lhe, e continuo a oferecer-lhe, toda a minha curiosidade para a ver e sentir. É um festim para o coração aqui chegar, daqui parto sempre melancólico por não dar a Bruxelas a atenção que ela merece, sabendo que os eurocratas a tratam com desdém. Bati a portas familiares, percorri trajetos mais do que conhecidos, mas o essencial é partilhar toda esta satisfação, este colorido numa arquitetura onde perpassa a pedra escura, convosco.

Um abraço do
Mário


Entre Antuérpia e as Ardenas, e algo mais (3)

Beja Santos

Dei uma saltada até ao Bozar, nome porque é conhecido o Palácio das Belas Artes, a casa de maior prestígio em eventos artísticos, tanto clássicos, como os concertos da Maria João Pires, aqui se exibiram Ravi Shankar e Ray Charles, há exposições fabulosas, tudo farei para em Outubro vir ver a Europalia Istambul, representações de Constantinopla que datam do século XIX e a Europalia Anatólia, é a grande presença turca, sempre à espera que a União Europeia venha a admitir a Turquia com um melhor estatuto. O edifício está em obras, a sua sala de concertos, uma das mais lindas do mundo, está a receber beneficiações. À entrada deparou-se-me este trabalho artístico intitulado Africonda, de Pascale Marthine Tayou, seguramente uma rival da Joana Vasconcelos, aqui estão toalhas de rosto, máscaras, feno e madeira. É, no mínimo, decorativo. Não se pode entrar na sala de concertos mas não resisto a mostrar uma dessas imagens que correm mundo. Dá gosto estar aqui sentado, mesmo na geral, que me têm deixado boas memórias.

Chama-se Sala Henry Le Boeuf, inaugurada em 1929, daquele palco agradeceram as palmas Serge Prokofiev, Igor Stravinski e Louis Armstrong.

No átrio, bem perto da entrada da sala de concertos, está este monumento dedicado à memória de Henry Le Boeuf, banqueiro, mecenas e melómano que conseguiu financiamento para a sala que tem o seu nome. Não fosse este fotógrafo-amador mais que canhestro, e a escultura ficaria com os dois braços bem visíveis, paciência.

Aqui está uma porta do Bozar, há muitas como esta, enternece-me a simplicidade destas linhas da Arte Deco, cada vez me convence mais que ao nível das artes decorativas do século XX foi a corrente de vanguarda mais emocionante e que deixou mais sequelas. Não fosse caso disso, e não víamos estas manifestações artísticas permanentemente glosadas no mobiliário, na ourivesaria, no vestuário. O génio é isto.


A remexer neste acervo de imagens, aquando da visita à Igreja de Notre Dame de la Chapelle, esqueci-me de vos mostrar o que fundamentalmente aqui me trouxe, o túmulo de Bruegel, a minha admiração por este pintor não tem limites. Sempre que posso vou aos museus nacionais de Belas Artes contemplar uma obra que me encanta, A Queda de Ícaro, espero um dia ter oportunidade de vos dizer porquê. O nosso Bruegel e os seus descendentes deixaram uma obra fenomenal, se um certo quadro caía no goto do príncipe, do bispo ou do rico comerciante, tínhamos logo cópia, é por isso que a Tentação de Santo Antão, no Museu Nacional de Arte Antiga, tem vários gémeos, ainda bem, são obras-primas multiplicadas.


Quem vê fachadas não vê interiores, não há ninguém que não saiba que o que se construiu no gótico, na pedra, praticamente é irreconhecível na estatuária, em toda a imaginária, até nas soluções dos vitrais. Lá dentro, confesso, é um barroco tão pesado, tão pomposo, só apetece dar uma volta, saudar o Bruegel e fotografar o gótico. Bruxelas está cheia de falso gótico, nos tempos áureos em que o rei era dono do Congo financiou estas imitações, algumas metem dó.


O meu dia de turista caminha para o fim, nem me atrevo a dizer o número de imagens que vão para o balde do lixo, nalguns casos, não sei o que é que pensam os outros fotógrafos amadores, são imagens que perdem identidade quando as revisitamos, sabemos que andámos por ali, mas as imagens não coincidem com a emoção, são abatidas ao efetivo da memória. Passo de revés junto da Igreja de S. Nicolau por onde começou este passeio em Bruxelas, no mês de Setembro. A luz é boa para mostrar a componente da arquitetura civil a embeber-se no templo que vem da Idade Média. Confesso que gosto muito.


É fatal como o destino, não me coíbo, seja qual for a estação do ano, em atravessar pela Grand-Place, um dos ícones da cidade, já se disse que os canhões a mando de Luís XIV reduziram esta formosura a pó, mas o homem é obstinado, reconstrói estes pontos-chave da civilização e da cultura. Os alemães destruíram Cracóvia, os norte-americanos e britânicos Dresden, e depois reconstrói-se, perde-se a pátina mas o fundo do passado regressa às praias da história dos povos, é um espelho que não se pode quebrar.


Despeço-me com uma imagem da Galeria Bortier, se o leitor se der ao cuidado de ir catrapiscar no Google encontrará imagens surpreendentes de uma Bélgica que já não existe, esta galeria era um ponto alto para bibliófilos, compradores de imagens, bibelôs e antiguidades. É facto que já passa das 18 horas, ao fundo, do lado direito, está aberto um estabelecimento, onde, se eu entrar, encontrarei um devotado colecionador de obras de René Magrittte, ia mostrar-me com orgulho os cartazes deste sumo-sacerdote do surrealismo. Limito-me a fixar esta imagem, a galeria dá mostras de definhamento, já não há aquela clientela dos séculos XIX e XX, agora quer-se calcorrear as grandes catedrais do consumo… Está aqui um pouco do meu passado, ali ao lado está a Gare Central, ali se chega de trame, comboio ou metro, aproveitava os minutos disponíveis à chegada ou antes de partir para coscuvilhar papel e coisas afins. Agora vou apanhar o metro, o meu dia acabou, muito cedo parto para Antuérpia, e como temos o tempo belga agora chuvisca e o tempo esfria. Amanhã faço-vos um relato de uma cidade magnífica, por ali andaram portugueses à procura de flamengos para povoar a Madeira e os Açores, há ali afinidades históricas que não se pagam nem se apagam.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15249: Os nossos seres, saberes e lazeres (119): Entre Antuérpia e as Ardenas, e algo mais (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15276: Recortes de imprensa (76): Ribamar da Lourinhã: inaugurado em 20/9/2015 o monumento aos combatentes da terra, que prestaram serviço em África e no Oriente (Sofia de Medeiros, jornal "Alvorada", 15/10/2015)



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Texto e foto: Sofia Medeiros. "Alvorada", Lourinhã, 15 de outubro de 2015 
(Reproduzido com a devida vénia)


Comentário de L.G.:

Nestas últimas semanas, ainda não passei por lá, por Ribamar, terra onde tenho muitos parentes, do clã Maçarico... (A minha bisavó materna, nascida por volta de 1864, era de lá). Gostaria de lá poder ter estado, e dado um braço ao meu parente Luís Maçarico (**), que esteve prisioneiro na Índia (em 1961/62), e que foi um dos elementos da comissão organizadora deste evento. 

O recorte foi-nos enviado pelo ten cor inf ref José [Costa] Pereira, do Núcleo de Torres Vedras e Lourinhã da Liga dos Combatentes, em 19 do corrente, com a seguinte nota:

"Por iniciativa de uma comissão encabeçada pelos senhores, lenente-general Jorge Silvério, Luís Maçarico e Pedro Cruz foi inaugurado um monumento aos combatentes de Ribamar, em 20 de Setembro de 2015.

Este evento que teve a presença de uma força da Escola das Armas, foi presidido pelo senhor presidente da Câmara da Lourinhã, Engº João Duarte, e teve o apoio da Liga dos Combatentes, através do seu Núcleo de Torres Vedras e Lourinhã."

Natural de Ribamar, e morto por "acidente com arma de  fogo", em 23/7/1968,  no TO Guiné era o Albino Cláudio, sold at inf da CCAÇ 2368 / BCAÇ  2845 (Fonte: Portal UTW - Ultramar TerrwaWeb)

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Notas do editor:

(**) Ultimo poste da série > 14 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15252: Recortes de imprensa (75): "Guiné-Bissau, um dia de cada vez", fotorreportagem de Adriano Miranda, Público -Multimédia, 11/10/2015... Quatro dezenas de fotos, a preto e branco, que nos emocionam e interpelam (António Duarte, ex-fur mil at, CART 3493 e CCAÇ 12, dez 1971/jan 1974)

(**) Vd. poste de 27 de janeiro de  2012 > Guiné 63/74 - P9405: Efemérides (84): Luís Filipe Maçarico e Joaquim Isidoro dos Santos, dois bravos da Lourinhã, que ficaram prisioneiros das tropas indianas em 19 de dezembro de 1961

(...) Luís Filipe Maçarico, nascido em 1939, em Ribamar, chegou à India, em 1960, com 21 anos. Cumpriu 28 meses de serviço militar como cozinheiro, primeiro no Hospital Militar de Panjim, e depois – os últimos cinco meses – no campo de prisioneiros (onde continuou a cozinhar para os seus camaradas). O Luís é, além disso, uma pessoa muito estimada na sua terra, estando ligado à organização de eventos como os dois primeiros encontros dos Maçaricos de Ribamar ou à dinamização do Rancho Folclórico de Ribamar. (...)

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15275: Fotos à procura de... uma legenda (65): Os nossos bravos marinheiros condecorados por Spínola, em 1971 (Ernestino Caniço, ex-alf mil cav, Pel Rec Daimler 2208, Mansoa e Mansabá, 1970/71, ACAP, Bissau, 1971)


Foto nº 3 A

Foto nº 3 B


Foto nº 3


Foto nº 3-C


Fotos : © Ernestino Caniço (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Foto do álbum do Ernestino Caniço (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá, Mansoa e Bissau, 1970/71), hoje médico, reformado:

O Ernestino Caniço conheceu o o govrnador-geral e com-chefe quando, já no final da comissão, exerceu funções na famosa Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica (RepACAP), na  Secção de OperaçõesPsicológicas, no QG/CTIG, na fortaleza da Amura, funções essas que o obrigavam, com alguma frequência, a ir ao palácio do Governador. Esta foto traz apenas, como legenda, "O general Spínola com um grupo de marinheiros" (*)...

Mas vendo bem, em pormenor, trata-se de um grupo de bravos da marinha que acabavam de ser condecorados, alguns com cruzes de guerra. Por onde andarão estes homens, nossos camaradas ? E quem serão ? Em que data se realizou esta cerimónia ?

À esquerda de Spínola, está um comodoro (se não erro). Vou pedir ao nosso grã-tabanqueiro Manuel Lema Santos para o tentar identificar. Seria o comodoro Luciano Bastos, comandante da Defesa Marítima da Guiné ? (**)

O Ernestino Caniço é membro da nossa Tabnca Grande desde 21/5/2011. Comandou o Pel Rec Daimler 2208 até fevereiro de 1971, altura em que o pelotão foi colocado em reforço do Agrupamento de Bissau, sendo os seus homens dispersos por diversas unidades. O Pel Rec Daimler foi mobilizado pelo RC 6 (Porto), embarcou no T/T Uíge em 31/1/1970, chegou a Bissau a 6/2/1970, seguindo depois para Mansoa e Mansabá.

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