quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15323: Em busca de... (262): Pessoal de Pirada ao tempo do BCAV 8323/73... Quem ouvir falar do episódio em que o ten cor cav Jorge Matias terá recebido, em janeiro de 1974, por intermédio do comissário político do PAIGC, em Velingará, um tal Biai, um pedido de Luís Cabral para entabular conversações com as autoridades portuguesas? (José Matos, historiador)


Guiné > Zona leste > Setor L6 > Pirada > c. 1973/74 > 14 de Fevereiro de 1974, ten cor cav, cmdt do batalhão e o  célebre comerciante Mário Soares (este em primeiro plano:  dizia-se que tinham contactos privilegiados com os "dois lados da guerra", as NT e o PAIGC. O  ten cor cav ten cor cav Jorge [Eduardo  Rodrigues y Tenório Correia] Matias, cmdt do BCAV 8323/73, que estava sediado em Pirada (, o comando, a CCS e a 3ª C/BCAV 8323/73) faz aqui uma homenagem, emocionada aos bravos de Copá, o 4º pelotão, da 1ª C/BCAV 8323/73, comandado pelo alf mil at cav Manuel Joaquim Brás,  e a que pertencia o António Rodrigues, e reforçada por mais uma secção, do 1º pelotão, comandada pelo fur mil Carlos Eugénio A. P. Silva.

Foto: © António Rodrigues. (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]

1. Mensagem do nosso amigo José Matos 

[José Matos, nosso grã-tabanqueiro, investigador independente em história militarm, autor entre outros do artigo "A ameaça dos MiG na guerra da Guiné", originalmente publicado na Revista Militar, nº 2559, abril de 2015, pp. 327-352, e no nosso blogue em quatro postes recentes]


Data: 9 de outubro de 2015 às 20:19
Assunto: Pirada

Olá,  Luís

Precisava de uma pequena ajuda tua,  no sentido de divulgares uma situação que se passou em Pirada em janeiro de 74.

Nessa altura, o comandante do Batalhão de Cavalaria 8323/73, o ten cor Jorge Matias,  recebeu uma informação do delegado político do PAIGC, em Velingará, um tipo chamado Biai, de que Luís Cabral queria falar com as autoridades portuguesas.

Perguntava se algum dos camaradas que estava em Pirada nessa altura ouviu alguma coisa sobre isso e se pode contar...

Ab

José Matos


PS - Olha, já agora saiu, em França, um livro sobre a Operação Mar Verde... Podes clicar aqui para saber mais.


2. Comentário do editor:

O BCAV 8323/73 foi mobilizado pelo RC 3 (Estremoz), partiu para o TO da Guiné em 22/9/1973 e regressou 10/9/1974. Esteve sediado em Pirada, setor L6. Comandante: ten cor cav Jorge Eduardo  Rodrigues y Tenório Correia Matias. Unidades:  1ª C/BCAV 8323/73; Bajocunda; 2ª C/BCAV 8323/73:  Piche, Buruntuma, Piche;  3ª C/BCAV 8323/73: Pirada. O facto mais saliente dessa época foi a heroica defesa e depois retirada de Copá em 12/13 de fevereiro de 1974, por ordem de Bissau.

Temos três dezenas e meia de referências, no nosso blogue,  a este batalhão, a maior parte relacionadas relacionadas com os acontecimentos de Copá, e aos bravos de Copá. Como se sabe, este destacamento acabou por ser retirado pelas NT em 14/2/1974. Pertencia à 1ª C/BCAV 8323/3, sedidada em Bajocunda.

Alguns camaradas deste Batalhão que integram a nossa Tabanca Grande, e que referenciamos numa pesquisa rápida pelo blogue (,,, nas há mais!);

(i) Amílcar Ventura, ex-fur mil da 1.ª C/BCAV 8323/73 ("Os cavaleiros do Gabu"), Bajocunda, 1973/74, natural de (e residente em) Silves, membro da nossa Tabanca Grande desde maio de 2009;

(ii) António Rodrigues, ex-soldado condutor auto 1.ª C/BCAV 8323/73  (Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma); é o autor da notável série "Memórias de Copá" (de que se publicaram pelo menos 6 postes):

(iii) Fernando [Manuel de Oliveira] Belo, ex-soldado condutor da 3.ª CCAV/BCAV 8323/73, Pirada, 1973/74; 

(iv) Manuel Valente Fernandes, ex-alf mil médico do BCAV 8323 (Pirada, 1973/74).

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terça-feira, 3 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15322: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (100): Reencontrando o comandante Pombo, em 17/10/2015, na sede da AFAP - Associação da Força Aérea Portuguesa, em Lisboa, 41 anos depois da viagem que fiz com ele no seu Cessna dos TAGP, de Bissau até Catió, em 31/3/1974 (António Graça de Abreu)



Lisboa, sede da AFAP - Associação da Força Aérea Portuguesa > 17 de outubro de 2015 > Ao centro, o nosso grã-tabanqueiro, António Graça de Abreu, proferindo a conferência "Entender a China 2015. Viajar pelo mundo chinês”. Ele foi o convidado especial da AFAP na comemoração do seu XXXII aniversário (*). Foto: Cortesia da página da AFAP. [Edição: LG]



Mensagem do António Graça de Abreu [ex-alf mil, CAOP 1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74, poeta, escritor e conhecido sinólogo]:


Data: 19 de outubro de 2015 às 15:28
Assunto: Com o comandante Pombo, na Guiné 1974 e em Lisboa, 2015


1. Sábado passado, dia 17 de Outubro, fiz uma conferência sobre a China (entusiasmante e participada) na Associação da Força Aérea, na Av. Gago Coutinho, Lisboa. Havia mais de vinte generais, e outros tantos coronéis. Até eu, pobre alferes, me senti importante com tão excelente assistência.

E estava lá o Pombo, dos TAGP (Transportes Aéreos da Guiné Portuguesa), o Pombo, grande senhor dos aviões e da vida, voando como um príncipe nos céus da Guiné no seu Cessna branco e vermelho dos TAGP.

Um abraço fortíssimo a esse homem de eleição, voando um dia comigo, ou melhor, eu com ele, em Março de 1974, desde Bissau até Empada e depois Catió.

O grande Pombo, excepcional piloto e extraordinária figura dos céus guineenses, antes e depois da guerra, agora algo alquebrado pela inevitável passagem dos anos, encostado por bem, à sua fascinante e colorida vassourinha brasileira.

Que gosto, que prazer estar, mesmo ao de leve, com esta boa gente, pedaços à solta de todos de nós! (**)


2. Do meu Diário da Guiné (Lisboa, Guerra e Paz ed., 2007, pag. 209), respigo o texto que escrevi na altura sobre voar com o comandante Pombo..


Cufar, 31 de Março de 1974

Prometi que só regressava a Cufar depois de ter resolvido o problema do meu substituto. Pois agora é verdade, já desencantaram o homem. É o alferes Lopes, apenas com quinze dias de Guiné. Tem a especialidade de Secretariado, estava exactamente destinado à 1ª. Repartição, em Bissau, e ou porque têm gente a mais ou porque eu os chateei demasiado nestes últimos dez dias, desviaram-no para Cufar. 

Encontrei-o na piscina do Clube de Oficiais, almocei com ele, animei-o –- está um bocado abalado com a vinda para o mato,–-  disse-lhe que Cufar é mauzinho mas se ele fosse atirador de Infantaria e tivesse sido colocado em Cadique ou Jemberém ou Gadamael, seria bem pior.

Tentei trazê-lo comigo mas não foi possível, vim na avioneta civil, o Cessna dos TAGP (Transportes Aéreos da Guiné Portuguesa) e só havia cinco lugares, todos ocupados. O Lopes chegará assim que houver disponibilidade de transporte.

Ainda não tinha experimentado voar nestes aviões pequeninos, mais bonitos e confortáveis do que as DOs. De manhã, no Depósito de Adidos onde se trata das viagens dentro da Guiné, ouvi falar num avião civil fretado pelo exército para transportar oficiais com destino a Empada e Catió. Agarrei-me logo. De Catió a Cufar podia fazer os dez quilómetros por estrada.

O Cmdt Pombo aos comandos do seu Cessna dos TAGP,
c. 1972/74  (Foto de Álvaro Basto, 2008)
Saímos de Bissau, voámos sobre Tite e a região do Quínara, atravessámos o rio Grande de Buba direitinhos a Empada, um aquartelamento importante já no sul da Guiné. Descemos em Empada, onde saíram dois alferes e entrou o meu coronel que estava na povoação numa espécie de visita de inspecção.

Fiquei admirado com a forma como voam os aviões civis. Já havia constatado que não tomam aquelas precauções todas contra os mísseis terra-ar do PAIGC, ou seja voar a mais de dois mil metros ou a "rapar", logo acima do solo, ou subir e descer em parafuso sobre as pistas de aviação. Foi a vez de experimentar pelos céus do sul da Guiné um voo quase normal, embora estivéssemos perfeitamente ao alcance dos mísseis IN, tanto mais que sobrevoámos à descarada zonas onde os guerrilheiros se movimentam com algum à vontade. Deve ser verdade, eles não atacam aviões civis e a avioneta, vermelha e branca é facilmente identificável cá de baixo. Se nos tivessem mandado abaixo seria um grande "ronco", éramos quatro alferes e, de Empada para Catió, ainda um coronel, o meu chefe (coronel pára-quedista João José Curado Leitão). Estas avionetas civis continuam a voar quase como nos bons velhos tempos e como o Cessna vinha relativamente baixo, distinguiam-se  trilhos utilizados pela população e pelos guerrilheiros nas áreas que controlam. Semi-escondidas nas florestas, adivinhavam-se umas tantas aldeias.

Em Catió, enquanto aguardávamos a escolta, bebi uns whiskies velhíssimos com o meu coronel e o tenente-coronel comandante do batalhão de Catió. Depois viemos para Cufar por estrada com vinte homens armados da CCaç 4740 a guardarem-nos as costas. Se tivéssemos sofrido uma emboscada, eu, que nem espingarda tinha, ficava logo ali como um passarinho. Esta deve ter sido a minha última "saída" para o mato.

António Graça de Abreu

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 15 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15253: Agenda cultural (430): Conferência de António Graça de Abreu, "Entender a China 2015. Viajar pelo mundo chinês”, sábado, dia 17, pelas 11h30, em Lisboa, na sede da AFAP - Associação da Força Aérea Portuguesa, nas comemorações do seu 32º aniversário

Guiné 63/74 - P15321: Os nossos seres, saberes e lazeres (123): Obras escultóricas urbanas de Armando Ferreira, ex-Fur Mil da CCAV 8353 (1)

1. Dizia-nos a certa altura da sua apresentação ao Blogue o nosso camarada Armando Ferreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 8353, Cumeré, Bula e Pete, 1973/74):  

[...]
Nasci em Alpiarça e aos dez anos parti para Lisboa, aí estudei em escola de artes e trabalhei, e muito mais tarde regresso para ter espaço físico na realização com o meu trabalho.
Tenho dois filhos e dois netos, e estou disposto a fazer seja o que for para que a minha família e as outras, terem direito ao país onde nasceram e receberam a sua própria cultura, TER A VIDA COM FELICIDADE.
Sou escultor de profissão, o meu trabalho está entre o Realismo e Expressionismo e tenho neste Portugal muitas esculturas urbanas, representando: feitos, heróis, individualidades, conjuntos escultóricos de grande dimensão, alegorias etc.
Trabalho em pedra e em bronze. Estou representado em vários países.
[...]

O editor prometeu publicar as fotos recebidas, pequena amostra da arte deste nosso camarada. Este é o primeiro grupo, de dois, que recebemos.



Ao Ciclismo



Dr. Hermínio Paciência



Ao Povo de Alcanena




À Família Agrícola


À Liberdade - Estudo

À Liberdade




À Melhor Casta



À Solidariedade

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15317: Os nossos seres, saberes e lazeres (122): No meu tempo chamava-se Pão Por Deus, hoje chamam Halloween, não sei por alma de quem (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P15320: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (27): De 01 a 31 de Março de 1974

1. Em mensagem do dia 31 de Outubro de 2015, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos a 27.ª página do seu Caderno de Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

27 - De 01 a 31 de Março de 1974

Março de 1974 – Não podendo dispor dos meus registos de memórias desta época, pelas razões já aqui expressas várias vezes, socorro-me de breves passagens da correspondência enviada para a Metrópole, mas, principalmente socorro-me do valioso documento memorial que é a História da Unidade do meu Batalhão, como um filme daquela curta mas tão marcante etapa da minha vida. Rebobino o “filme” para o mês em apreço e está lá tudo o que preciso saber, desde os factos de que não tenho a mínima memória, - ou de que nunca tivera conhecimento -, aos factos que, embora ainda vagamente lembrados, jamais conseguiria datar e localizar com precisão. Outros, é certo, estão bem vivos na memória e limito-me a confirmar no “filme” o rigor do que está gravado. Dizia um antigo presidente americano, - Abraão Lincoln, creio -, que a memória é como um aço muito duro, difícil de gravar, mas depois de gravado, jamais se apagará. Mais ou menos nestas palavras.

Este mês de Março ficou marcado por alguns acontecimentos empolgantes, para variar, como a ligação de Nhala à estrada nova Aldeia Formosa-Buba e a visita da Presidente do Movimento Nacional Feminino, Cecília Supico Pinto. Sobretudo esta visita, trouxe uma animação inusitada às tropas de Nhala – e do Sector -, mas não se pode dizer que tivesse, também, quebrado a monotonia e a rotina, simplesmente porque naquela época, o que tínhamos menos era monotonia e rotina, tal era a actividade operacional. Esta actividade continuava virada para a protecção às obras da estrada como até aí, mas, a partir de agora, também para a protecção exclusiva das máquinas, paradas à noite, em zonas cada vez mais afastadas dos aquartelamentos, implicando dormidas no mato junto delas. Para além disto, todo o Sector era “vasculhado” constantemente, em acções desencadeadas pelos alarmantes sinais – no terreno e não só -, de que a guerrilha estava um pouco por todo o lado: ora deixavam pegadas, ora lançavam very-lights, ora faziam tiros de RPG que se ouviam nas matas afastadas. Por várias vezes apareceram mesmo, dispostos ao confronto: logo no início do mês interceptaram dois soldados do Pel Caç Nat 55 que andavam à caça, matando um deles; na estrada Mampatá-Colibuia tentaram aproximar-se dos pontões, possivelmente para os destruir, mas foram repelidos pelo GrComb da CART 6250 de Mampatá que lá estava emboscado; no dia 15, a tropa de Buba, da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 que se deslocava para a protecção às obras da estrada, foram emboscadas, (pela segunda vez) por cerca de 50 elementos. Em carta para a Metrópole, dei conta: “Hoje, mais uma vez, uma coluna vinda de Buba para a frente trabalhos, entre aquela base e Nhala, foi atacada na estrada. Mesmo nas nossas barbas, mas sem consequências”. Foi em 15 de Março/74, uma sexta-feira. Ainda nessa carta, como curiosidade, informo: “Há dias foi colocada uma bomba dentro de um café que eu costumava frequentar quando de passagem por Bissau”. Estava assim o ambiente geral.

Anteriormente, no dia 7 já noite, vimos subir nos céus de Nhala, mesmo à nossa frente, um very-light verde, silencioso e belo, como num resto de romaria minhota. Estávamos sentados no alpendre da messe, cada um com o seu copo na mão em amena cavaqueira, mas a reacção imediata não foi esperar pelo rufar dos tambores e acordes de gaita-de-foles, mas sim largar tudo e correr para o que tinha de ser feito. Toda a iluminação desligada, em pouco tempo o morteiro 81 estava no espaldão a bater a zona em frente. Todo o pessoal nas valas, expectante, sem saber o que aconteceria a seguir. Eu e a equipa do morteiro 60 do meu grupo, corremos para o extremo da tabanca, do lado da picada para Buba, para bater uma possível retirada por esse lado. Disto lembro-me perfeitamente. Colocámo-nos num espaço exíguo entre a vala de defesa e uma palhota. Enquanto ali estivemos, quase encostados à palhota, eu ouvia no seu interior um tossir de mulher de idade, pareceu-me, numa tosse persistente e cavernosa que picava num peito já sem energia. Não sei se estaria acompanhada mas, apesar do barulho das saídas do morteiro quase ao pé da porta, ninguém veio espreitar ou indagar daquelas necessidades de incomodar quem precisava de descansar. Nunca mais esqueci este episódio. No dia seguinte fizemos uma batida na zona, mas apenas encontramos pegadas de dois indivíduos.


10 de Março de 1974 – (domingo) – A visita da Cilinha

Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto (1921 – 2011), Cilinha, como gostava de ser tratada, (diminutivo que lhe vinha da infância), era descendente de aristocratas e uma Senhora do Regime. Não precisa de grandes apresentações porque sobre ela quase tudo já foi dito. Muito antes de a ter conhecido em Nhala, já tinha por ela uma elevada consideração e um grande respeito, pela sua coragem, tenacidade e coerência. Durante treze anos, de 1961 a 1974, foi presidente do MNF que ela fundou, tendo em vista acções de sensibilização da sociedade portuguesa para a defesa das colónias ultramarinas, o seu Ultramar. Tudo fez nesse sentido, desdobrando-se em iniciativas na Metrópole e calcorreando as colónias, tentando dar alento a tropas desmotivadas e politicamente amorfas.

Era por ser assim, e não pelos seus objectivos, que a admirava e a minha consideração elevou-se depois de a ter conhecido. Porque, sendo coerente com as suas convicções, saiu do seu confortável cantinho e dos salões solenes e elegantes, e veio para o terreno com o seu camuflado pôr na prática aquilo em que acreditava, correndo riscos e sofrendo privações. E via-se que gostava do que fazia, exibindo uma alegria contagiante e uma disponibilidade total, atributos que passavam para quem a via e ouvia, por a reconhecerem como “um deles”. Politicamente, eu estava nos antípodas. Para mim, a Cilinha, pelas suas ideias e acções e pela sua proximidade (intimidade) com o Regime, representava o Regime.

Politicamente, portanto, eu era contra a sua filosofia de manutenção das colónias, contra tudo o que dizia e fazia nesse sentido, que era, um pouco do que já fizera na sua juventude em prol da caridadezinha.

Paradoxo, incoerência da minha parte? Não. Repito que, como pessoa, tinha por ela o meu maior respeito e consideração. Aliás, soube já depois da sua morte que, nesse aspecto de respeitar o “outro” mesmo não concordando com “ele”, ela não era muito diferente de mim. Dois exemplos: Foi sempre amiga, desde a infância, da Sofia de Mello Breyner, mesmo estando em campos políticos opostos; uma vez disse, revelando nobreza de carácter: “Admiro Cunhal pela sua coerência”. Para terminar, lamento que após o 25 de Abril e até à sua morte, tenha sido desprezada pela esquerda e ostracizada pelos seus correligionários de direita. Tudo apanágios de gente de baixa índole. Sei que nunca foi hostilizada, ainda assim, merecera mais consideração.

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À chegada a Nhala, a Cilinha foi alvo de calorosa recepção por parte da tropa e de alguma população, sobretudo crianças. Mais pelo inédito da situação e pela curiosidade por esta mulher branca que se aventurava no mato para chegar perto deles, com estímulos e uma palavra amiga. Almoçou na messe de oficiais após uns descontraídos aperitivos, mais para pôr a conversa em dia. Vinha acompanhada pelo Comandante do Batalhão, Ten Cor Carlos Alberto Ramalheira e por um séquito de outros oficiais que foi arrastando por onde passou. Após o almoço (ou antes?) houve tempo para falar aos soldados, cantar o fado e, até, dançar com alguns. Depois partiu rumo a Mampatá, após demoradas e sentidas despedidas. Admito que foi o acontecimento do mês, mas não poderia adivinhar que o mês seguinte traria acontecimentos muito mais importantes e marcantes do que este, efémero e superficial.

Seguem-se algumas fotografias que seleccionei dessa visita.


Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: A Cilinha rodeada por alguns oficiais num momento de descontracção durante os aperitivos.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: A Cilinha a dialogar com o Comandante do Batalhão Carlos Ramalheira. Em primeiro plano o Cap. João Brás Dias, Comandante da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 de Buba.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: Messe de oficiais de Nhala. O Comandante do Batalhão diz umas palavras de circunstância.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: Ajuntamento de alguns militares e nativos para ouvir a Presidente do MNF.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: A assistência vai-se chegando, mas alguns parecem hesitantes...

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: Após a visita, a Cilinha é acompanhada até às viaturas para o regresso. À sua esquerda o Comandante da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 de Nhala, Cap Braga da Cruz. À frente, o Comandante do Batalhão em diálogo com um homem grande da tabanca.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: A Cilinha troca umas palavras com o Cap Braga da Cruz.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: Cilinha sorridente, num meio que lhe é familiar: a tropa.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: A Cilinha olha directamente para a objectiva (corte da fotografia anterior).

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: Finalmente o embarque.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: A Cilinha e o Comandante do Batalhão acomodam-se por cima de sacos de areia.
 
Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: Última despedida do Cap Braga da Cruz.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: A Cilinha despede-se de um Alferes que não consigo identificar.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: Últimas recomendações? A mim pareceu-me mal que a Cilinha e o Comandante tivessem seguido à cabeça da coluna numa Berliet rebenta-minas.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: Vista geral do aparato que envolveu a visita da Cilinha.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: Último adeus da Cilinha ao pessoal de Nhala. Em segundo plano, de frente com a mão na cintura, vê-se o Fur Mil Manuel Casaca.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: A coluna embica pela velha picada rumo a Mampatá. Mas em frente já é possível ver-se o troço que, ao cimo, entronca na estrada nova: à direita para Buba, e à esquerda pata Mampatá e Aldeia Formosa.

Nhala, 1974-03-10 – Visita da Cilinha: O pó foi sempre uma constante, mas agora agravado pelo revolver dos terrenos pelas máquinas da Engenharia. Não o apanhar de frente, é uma vantagem de quem segue na viatura rebenta-minas. Ou talvez por isso...

(Continua)

Texto e fotos: © António Murta
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Nota do editor

Poste anterior da série de 27 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15297: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (26): De 29 de Janeiro a 26 de Fevereiro de 1974

Guiné 63/74 - P15319: (Ex)citações (298): Um peso era manga de patacão... para a bajuda de Mansoa (César Dias, ex-fur mil sapador, CCS/BCAÇ 2885, 1969/71)





Guiné > Região do Oio > Mansoa > CCS/BCAÇ 2885 (1969/71) > Bajuda no pilão...

Fotos: © Sousa de Castro (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]



1. Mensagem, com data de ontem, 2/11/2015, às 19h13, do César Dias, ex-fur mil sapador da CCS/BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71)



Luís, respondendo ao inquérito de opinião desta semana... cheguei á conclusão que 1 peso era manga de patacão (*).

Vagueando pela tabanca de Mansoa com a máquina em punho, vê a diferença das fotos.

(i) a foto nº 1 (uma bajuda a pilar) foi tirada por mim;

(ii)  depois chegou o alf Montezuma do meu pelotão, ofereceu-lhe 1 peso e olha a diferença... (**)

Um abraço

César



Moedas de 1 peso (escudo da Guiné)... Coleção do Joaquim Almeida, o Custóias

[O Joaquim, que esteve na CCAÇ 817, Porto Gole, 1965/67, guarda "religiosamente" estas duias moedas , recuperadas na sequência  do assalto a um acampamento do PAIGC na bolanha de Porto Gole, na zona de Mansoa, em 3 de julho de 1965, operação onde teve o baptismo de fogo. A moeda de baixo foi emitida, em 1946, por ocasião do V Centenário da Descoberta da Guiné].
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 31 de outubro de  2015 > Guiné 63/74 - P15309: Historiografia da presença portuguesa em África (59): Cem pesos era "manga de patacão" para o camponês guineense, produtor de mancarra... Era por quanto venderia um saco de 100kg ao comerciante intermediário... Em finais de 1965 o governo de Lisboa garante a compra pela metrópole da totalidade da produção exportável da mancarra guineense e fixa o preço por quilo em 3$60 FOB (Free On Board)

(**) Último poste da série > 29 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15302: (Ex)citações (297): Quem disse que "100 pesos era manga de patacão" no nosso tempo? Em 1960, mil escudos (da metrópole) valiam hoje 428 euros; e em 1974, 161 euros, ou seja, uma desvalorização de c. 266 %... Recorde-se por outro lado que 100 pesos só valiam 90 escudos...

Guiné 63/74 - P15318: Parabéns a você (981): António Martins de Matos, Tenente General Pilav Ref, ex-Tenente Pilav da BA 12 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 2 de Novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15313: Parabéns a você (980): Abílio Magro, ex-Fur Mil Amanuense no CSJD/QJ/CTIG (Guiné, 1973/74)

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15317: Os nossos seres, saberes e lazeres (122): No meu tempo chamava-se Pão Por Deus, hoje chamam Halloween, não sei por alma de quem (Juvenal Amado)

1. Em mensagem de ontem, 1 de Novembro de 2015, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), fala-nos do Pão Por Deus de ontem em contraponto com o Hallween de hoje.

No meu tempo chamava-se Pão Por Deus, 
Hoje chamam Halloween, não sei por alma de quem

Nos Casais dos Chãos da Mendiga este dia era de festa.

Fazia a minha avó paterna anos e era dia de Todos Os Santos que para mim e minha irmã se traduzia no dia de Pão por Deus.

Íamos no dia anterior à tarde de camioneta dos Claras até Porto de Mós, onde esperávamos por um autocarro que seguia para a Mendiga e que nos deixava no Cruzeiro, onde estava o meu avô à nossa espera com uma candeia com que alumiava o caminho. Era um carreiro de terra onde as pedras, algumas enormes, o tornavam mais próprio para as cabras do que para as pessoas.

Andávamos bem mais de meia hora, carregados com mercearias que eram difíceis de comprar na aldeia. Só havia uma loja chamada de “ferro-ó-bico”, que vendia coisas pouco mais primárias como velas, petróleo, tabaco, café e café de cevada, etc. Era uma loja pequeníssima, onde as coisas se amontoavam num equilibrismo duvidoso e mesmo assim, muito isolada e afastada do povoado. Não vou jurar, mas penso que se acarretavam os géneros de mula, pois não me recordo de ver caminho suficiente largo para lá passar um carro mesmo que de bois. Na aldeia também havia uma taberna de um tio do meu pai, que foi assassinado com um tiro de caçadeira nas costas por se negar a vender um copo de vinho ao um homem, que já estava demasiado bêbado no seu entender. Coisas de todos os tempos como se sabe.

Mas era assim que se vivia naquela terra agreste onde a maior riqueza era a azeitona e onde as terras, para serem amanhadas, se tinha de retirar pedra e mais pedra. Dizia o meu pai com o humor muito dele, que “aquilo é que era uma terra boa para agricultura, até dava pedra sem ser semeada”.

Na maioria das casas, de pedra nua por fora, criava-se um porco que dava arranjo para um ano inteiro após morto e metido na salgadeira.

Mas eu e a minha irmã, ansiávamos por aquele dia. Logo de manhã muito cedo bebíamos café que sabia a fumo, comíamos pão praticamente com oito dias, grelhado nas brasas e abalávamos de saca às costas com um rancho de garotos, que inicialmente desconfiados logo nos aceitavam de bom modo. Corríamos a aldeia e as aldeias todas da região batendo a todas as portas, pedindo pão por Deus e salvo raras excepções ninguém nos negava as nozes, os figos e as brandeiras de erva doce e azeite que faziam as minhas delicias. Está claro que primeiro no nosso caso, que éramos de fora, tínhamos que responder invariavelmente a um pequeno inquérito tal como “donde és menino”? Eu respondia então que era neto da Maria Cordeiro e do Lino Amado e que vinha de Alcobaça. Antecipava-me assim à próxima pergunta e recuperava do atraso. Logo um sorriso se abria, pois ali eram quase todos primos e primas e acabavam com umas palavras sacramentais tais como, “infalivre estão muito bem informados”.

A palavra “Infalivre” servia praticamente para todas as situações. Exemplos: Infalivre está muito gordo, infalivre está muito magro, ou alto, ou se o tempo estava bom ou mau, etc. Enfim, o termo procedia quase tudo.

As madrinhas faziam uns bolos maiores e mais elaborados para oferecer aos afilhados/as de véspera. Eram de farinha diferente com limão e algum açúcar e depois de cozidas faziam-lhe desenhos com açúcar em calda que lhes conferia um aspecto diferente e muito bonito.

Mas lá íamos nós cantando “Pão Por Deus à magalona saco cheio vamos embora” e “aqui cheira a rosas, aqui moram as formosas”.

Quando alguém não nos abria a porta a cantilena já era outra, “aqui cheira a nabos, aqui moram os diabos”.

Entretanto crescemos e já não parecia bem andarmos ao pão por Deus, a menos que quiséssemos passar pela vergonha de nos oferecerem uma rapariga no saco, dando assim a entender que já éramos demasiado espigadotes.

Avô Lino, avó Maria, Natálio, Cremilde e Manuela

Tenho mais dez anos de idade que a minha irmã e mais dezassete que o meu irmão mais novo. O facto dos meus avós acabarem por irem viver para Alcobaça, ditou um longo interregno sobre a nossa ida aos Casais. Quando lá voltei, a aldeia estava mais triste e abandonada onde os caminhos, as casas e cisternas, continuavam na mesma.

Só tinham ficado os velhos e as crianças. Quem podia abalou para as “franças” em busca de vida melhor deixando os filhos com os pais já demasiado idosos para também se porem ao caminho.

Entretanto as minhas tias venderam a casa e as terras, e eu só lá voltei quando regressei da Guiné. As casas pareciam mais pequenas as ruas mais estreitas, mas em contrapartida havia novas construções de casas de regressados da estranja e a suinicultura abundava bem como o cheiro quase insuportável e nauseabundo, contrastava com alguma abundância e bem estar daquelas gentes. “Infalivre” o Pão Por Deus deve ter por lá continuado a praticar-se, mas não era o mesmo da minha infância.

Hoje os meus sobrinhos-netos vão ao Halloween, mascaram-se e dizem “doçura ou travessura” como se vê na América.

Fomos colonizados até nas mais pequenas coisas e é pena, pois trocou-se uma tradição por uma prática e moda, que nada tem a haver com este povo de quase mil anos.

“Infalivre” estamos em risco de desaparecer culturalmente, salvam-se as bifanas de Vendas Novas para fazer frente aos hamburgers.

Um abraço e faço votos que tenham tido um bom Pão Por Deus que aqui em Fátima se chama o “bolinho”.

Juvenal Amado
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15300: Os nossos seres, saberes e lazeres (121): Entre Antuérpia e as Ardenas, e algo mais (4) (Mário Beja Santos)