segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15456: (In)citações (80): Quem se lembra deste fado, cantado pelos páras do BCP 12, em Cacine, em junho de 1973, na altura da batalha de Gadamael, com música dos "Amores de Estudante" ?... "Quero, quero ir para Lisboa, / Ai, ai, eu quero, / Nem que seja de canoa, /Eu quero ir / P'ra terra santa querida, / Dizer adeus a esta merda / P'ro resto da minha vida." (recolha de Abílio Magro)

1. Escreveu há tempos o Abílio Magro (ex-fur mil amanuense (CSJD/QG/CTIG, 1973/74), na sua série  "Um Amanuense em Terras de Kako Baldé" (*):


(,,,) Decorria o mês de junho de 1973. Eu ainda era muito "pira", não tinha completado ainda 3 meses de Guiné. Vinha do "ar condicionado" e encontrava-me em Cacine, no meio de grande confusão, tropas pára-quedistas, fuzileiros, Marcelino da Mata, etc.

Felizmente em Cacine não faltava nada. Não faltava cerveja morna, não faltava uma pedra de gelo, por cabeça, às refeições, não faltava o arroz de "rolhas" (arroz com muito colorau e meia dúzia de rodelas de salsicha), etc., eyc..

A CCAÇ 3520 era um companhia farta. Farta de ali estar, farta de comer arroz de "rolhas", farta de esperar pela rendição. Julgo que não cheguei a completar 4 semanas de "férias" naquela "estância balnear", mas foi o suficiente para imaginar uma estadia de 23 meses!

Tenho ideia de só ter comido arroz de "rolhas" durante aquele período. Posso estar enganado.
Comecei a dar mais valor ao "pessoal do mato". Antes 527 serviços de Sargento da Guarda!

O major Leal de Almeida lá continuava a fazer incursões por Gadamael e levava habitualmente consigo o outro Furriel. O major, além de me ter pedido, no início, para lhe dar um jeito no "estaminé", pouco mais me pediu para fazer. Apenas um ou outro "mail" para Bissau.

E eu..., andava por ali a ver as "bajudas"!... (...) Entretanto, eu ia jogando a "lerpa", bebendo umas "bejecas" mornas e convivendo com os sargentos paraquedistas (ah gente do "catano"!).

Recordo-me bem de um convívio noturno na "messe" de sargentos. Houve de tudo! Aguardente, fados, poesia, etc., tudo a roçar o "hard-core", claro! Gente espetacular, camaradagem excelente e com uma disciplina extraordinária, nomeadamente com o armamento.

Guardei na memória alguns versos de um fado cantado pelos "páras" com música do hino académico "Amores de Estudante" e que, salvo erro, rezavam assim:

Quero, quero ir para Lisboa,
Ai, ai, eu quero,
Nem que seja de canoa,
Eu quero ir
P'ra terra santa querida,
Dizer adeus a esta merda
P'ro resto da minha vida.

Pára-quedistas, homens nobres,

Tanto ricos como pobres,
Avançando pela mata (...)

(e de mais não me recordo)

  

[Guiné, algures, s/d.,foto do nosso  camarada Manuel Peredoex-fur  mil paraquedista, que é o primeiro do lado direito, armado de RPG-2, seguido do sagento Carmo Vicente e do Fernandes, caboverdiano, fur mil, todos do 4º Gr Comb da CCP 122 / BCP 12, Brá, Bissalanca, 1972/74; do Carmo Vicente, hoje srgt mor paraquedista ref , DFA, escritor, ler e ouvir aqui o seu testemunho, na primeira pessoa, à RTP1, eobre a sua participação no 25 de novembro de 1975, ]


Ficou-me também na retina a imagem do 1º Sargento pára-quedista [António Carmo] Vicente, evacuado para Cacine, vindo de Gadamael, com um tiro numa perna, a aguardar evacuação para Bissau e com quem tinha convivido alegremente naquela noite.

A minha "guerra" lá foi continuando com a "lerpa", "as bejecas" mornas, o convívio com os "páras" e a excelente qualidade das instalações, nomeadamente o "balneário" de arrojado design e equipamento de conceituadas marcas. (...)


2. Comentário do editor (**):

Alguém se lembra de ter ouvido (ou de ter lido) a letra (e a música) deste fado (parodiado), ao que parece criação de alguém do BCP 12, e mais provavelmente da CCP 122 que estava em Cacine, na altura em que o furriel amanuense Abílio Magro também lá esteve, em junho de 1967, apoiando o major Leal de Almeida,em plena guerra de Gadamael ?

Talvez o Manuel Peredo (que vive em França e é nosso grã-tabanqueiro) se lembre do resto da letra...  Ou o próprio Carmo Vicente ou o Delgadinho Rodrigues (hoje capitão pára reformado  e furriel em junho de 73). Ou outros camaradas paraquedistas do BCP 12 que honram, com a sua presença,  a nossa Tabanca Grande, depois de terem honrado a pátria, enquanto bravos combatentes, como é o caso o  Vitor Tavares (CCP 121),  o Manuel Rebocho (CCP 123) ou o António Dâmaso (CCP 122 e 123).

E outros há que, não sendo formalmente (ainda) nossos grã-tabanqueiros são por nós referidos e acarinhados: por exemplo, o Manuel Carneiro, da Tabanca de Candoz, e que pertenceu à CCP 121 (1972/74), ou o Avelar de Sousa (que foi cmdt da CCP 123, em 1970/71, não sendo portanto contemporâneo dos camaradas acima referidos, e que é hoje maj gen pára ref, frequentador da Tabanca da Linha).

Recorde-se aqui a letra e a múscia da canção coimbrã "Amores de Estudante", cujo refrão diz o seguinte:

(...) Quero, ficar sempre estudante,
P'ra eternizar
A ilusão de um instante.
E sendo assim,
O meu sonho de Amor
Será sempre rezado,
Baixinho dentro de mim. (...) 


A letra parodiada pelos páras faz parte integrante do nosso Cancioneiro, o Cancioneiro da Guiné, dizendo muito sobre o "estado de espírito" e o "moral" das NT no terrível período dos três G (Guileje, Gadamael, Guidaje), em maio/junho de 1973. Todos estavam fartos daquela  "merda" (sic), não se vendo qualquer luzinha no fim do túnel... O poder político, na altura,   usou e abusou da extraordinária capacidade de sofrimento, abnegação, coragem e patriotismo do soldado português. E não  esteve decididamente à altura da história!...
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Notas do editor:

(*) Vd poste de 20 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11125: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (5): Curtas férias em Cacine, CCAÇ 3520 (2)

(**) Último poste da série > 30 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15424: (In)citações (79): Comer crocodilo que comeu homem, é canibalismo? Felupes de São Domingos dizem que 'crocobife' é bom... (Patrício Ribeiro, Bissau)

Guiné 63/74 - P15455: Notas de leitura (783): “Sem Papas na Língua”, Joaquim Letria em conversa com Dora Santos Rosa, Âncora Editora, 2014 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Fevereiro de 2015:

Queridos amigos,
Trata-se de uma entrevista soberba, Joaquim Letria tem uma memória poderosa, desfia com grande vivacidade o mundo das notícias e da política durante meio século, ilumina a comunicação social e deixa bem claro que é, ainda hoje, uma figura incontornável da criatividade jornalística.
É no confronto entre a figura do político fascista e os galeirões que se projetam no mundo mediático de hoje que ele conta uma história passada na Guiné, com César Moreira Baptista.
Acho que vale a pena ler... e meditar.

Um abraço do
Mário


Joaquim Letria, César Moreira Baptista e a Guiné: estamos em guerra

Beja Santos

“Sem papas na língua”, é uma memorável lição de jornalismo de Joaquim Letria em conversa com Dora Santos Rosa, Âncora Editora, 2014. Letria é um nome obrigatoriamente associado à inovação em jornalismo, tanto na vertente de reportagem, como na criação de suplementos, jornais e revistas. Esta entrevista é uma longa viagem, com ponto de partida no diário de Lisboa, na Associated Press, no Rádio Clube Português, na BBC, na RTP, em O Jornal, de novo na RTP, na revista Sábado, colunista, no polémico programa “Cobras e lagartos na RTP”, como assessor de Ramalho Eanes…

Trata-se de um olhar penetrante, lúcido, esclarecido de um mestre do jornalismo que recupera a vida nas redações nos anos de 1960 e que comenta o espetáculo mediático do nosso tempo, não sem alguma amargura. Falando das suas relações com o poder ao tempo de Marcelo Caetano, recorda uma saborosa história que ele viveu durante a viagem que Américo Thomaz fez à Guiné. Vale a pena reproduzi-la na íntegra. Pergunta-lhe a jornalista:
“Teve mais alguma chamada de atenção por parte do poder?”, Letria responde: “Já que falámos em César Moreira Baptista, conto-lhe um outro episódio. Começou com uma viagem ótima, no paquete Funchal, a acompanhar uma visita a África do Almirante Américo Thomaz. No apogeu da guerra colonial fomos à Guiné e a todas as ilhas de Cabo Verde. Eu tinha ido com instruções expressas para não escrever uma linha: o Diário de Lisboa era contra a guerra e portanto não ia fazer notícia. Só ia para o caso de acontecer alguma coisa: de matarem o Américo Thomaz ou de haver um atentado. Mas no Mindelo recebi um telegrama e fiquei sem perceber o que se passava”. A entrevistadora questiona-o sobre a natureza do programa: “Vinha assinado pelo diretor geral e dizia: ‘Não compreendemos seu silêncio. Favor enviar serviço imediatamente’. Isto ao fim de 15 dias. Não percebi nada, pois era o contrário do que estava combinado. Mas pus-me a escrever que nem um doidinho e lá mandei o primeiro serviço. E a partir daí comecei a mandar sempre, convencido que estavam a publicar. Entretanto, no desembarque do presidente da República na Guiné, há um ataque e morrem 11 soldados portugueses1. Isto acontece muito perto do sítio onde estávamos, a uns 9 ou 10 quilómetros. Consegui ter toda a informação através de um médico militar: disse-me quantas eram as baixas, onde tinha sido o ataque, tudo. Aquilo, claro, era notícia: presidente da República desembarca e a 9 quilómetros um ataque mata 11 soldados. Mandei a matéria para a redação do Diário de Lisboa. Ou melhor: julguei que tinha mandado…”. A entrevistadora quer saber mais, e ele esclarece: “Tinha escrito a história em terra, em Bissau, e ido aos correios, às oito da noite, para a mandar por telégrafo. Paguei o envio e fui à minha vida, descansado. Nesse dia havia um banquete oficial no palácio do Governador, onde estava toda a gente, de Arnaldo Schulz até César Moreira Baptista. Um pouco antes da meia-noite aparece-me um jipe no Hotel de Bissau, com um funcionário da Secretaria, de smoking, a dizer que o Dr. Moreira Baptista queria falar comigo. Fui para o palácio e nessa altura tenho uma altercação um pouco violenta com o Secretário Nacional da Informação, por causa da notícia que eu julgava que tinha mandado para Lisboa, mas que afinal não tinha saído de Bissau, por ter sido apreendida pela censura militar”. A jornalista quer saber mais sobre os termos da altercação, e ele esclarece: “Foi uma discussão muito exaltada, aos gritos. Ele dizia-me que eu estava a ajudar os inimigos de Portugal ao escrever histórias como aquela. E eu dizia-lhe que tinha a certeza absoluta de que tudo o que tinha escrito era verdadeiro e que não estava ali para fazer propaganda, mas sim para escrever notícias. E aquilo que tinha acontecido era notícia! Conto-lhe este episódio porque há uma coisa que acho muito curiosa e que talvez hoje as pessoas não tenham bem noção dela: era possível falarmos assim com os fascistas. Era possível discutir-se com eles e as regras do jogo eram muito claras. Cada pessoa sabia qual era o seu papel: ele estava no dele e eu no meu e não foi por causa daquela discussão, aos berros, que me mandaram prender. É verdade que entretanto foi publicada uma notícia no Brasil, no jornal “Estado de São Paulo” a dizer que um jornalista – que era eu – estava a ferros no paquete Funchal. Era tudo mentira, claro, mas julgo que a ideia terá surgido no seguimento da discussão com o Moreira Baptista”.

Para quem ler um relato vivacíssimo da transição do jornalismo daqueles anos 60 de máquinas de escrever, de correspondentes que se socorriam obrigatoriamente do telefone, do que foi a comunicação social a seguir ao 25 de Abril e como um decano do jornalismo vê o nosso tempo com o desencanto de se sentir preterido pela sua independência, recomendo sem nenhuma hesitação esta soberba entrevista. Como observa, em nota prévia, outro grande repórter, Fernando Dacosta: “Portugal permite o luxo (o escândalo), de ver afastar-se um dos maiores profissionais de comunicação social. Joaquim Letria é um ser que sabe encontrar caminhos próprios, afirmar-se diferente; que tem na sensibilidade e na criatividade, na liberdade e na comunicabilidade balizas inamovíveis”.

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Notas do editor:

1 - Sublinhado da responsabilidade do editor

2 - A propósito dos supostos 11 soldados mortos referidos pelo Jornalista Joaquim Letria, o editor contactou o autor da recensão, Mário Beja Santos, em 16FEV2015:

Caro Mário
Confesso que não sou um seguidor muito fiel do Joaquim Letria.
Face ao texto e à sua suposta afirmação de que aquando da visita do Presidente Tomás à Guiné (julgo que em 02FEV68), muito perto de onde estava a comitiva (não sabe o local, um jornalista tão informado?) houve um ataque do PAIGC que matou 11 dos nossos, consultei os registos dos mortos nesses dias.
Encontrei 1 morto no dia 3 perto de Bissássema; 1 morto no dia 4 em Buba e 1 morto em Dugal; 1 morto no dia 5 em Contuboel; 1 morto no dia 9 em Cachete; 1 morto no dia 12 em Nova Lamego, etc. Não vale a pena procurar mais porque nessa altura o Presidente já devia estar em Lisboa. No mês de Fevereiro houve um total de 15 mortes. Não achas que ter havido 11 só num dia era desgraça a mais?
Pergunto. Vamos publicar aldrabices? Era esta a (des)informação que corria para justificar o não à guerra?
À tua consideração.
Carlos

Do nosso camarada Mário Beja Santos recebi esta resposta em 17FEV2015:

Caríssimo, 
Muito obrigado pela tua observação, de imediato contatei o editor para fazer chegar a Joaquim Letria. Vamos esperar uma semana pela resposta. Não havendo resposta, sugiro publicação do meu texto e do teu comentário. Penso que o que escreves ficará beneficiado da eliminação da tua apreciação do trabalho dele, na 1.ª linha. 
Agora, vou verificar se houve outra ida do Thomaz à Guiné, o Letria fala do Schulz, o que ainda torna a coisa mais enredada…
Um abraço do 
Mário

Até hoje não houve qualquer notícia do jornalista Joaquim Letria a confirmar ou a rectificar o que declarou na sua conversa com a autora do livro.

Carlos Vinhal
Co-editor deste Blogue
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15444: Notas de leitura (782): “Radiografia Militar”, por Manuel Barão da Cunha, Âncora Editora, 2015 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15454: Agenda cultural (444): Integrada no 14.º Ciclo das Tertúlias Fim do Império, dia 9 de Dezembro, pelas 15 horas, apresentação dos livros "Angola Terra d'Úganda", de Luís Vieira da Silva e "Missões de um Piloto de Guerra", de Rogério Lopes, no Palácio da Independência, em Lisboa (Manuel Barão da Cunha)

1. Em mensagem do dia 3 de Dezembro de 2015, o nosso camarada Manuel Barão da Cunha, Coronel de Cav Ref, que foi CMDT da CCAV 704/BCAV 705, Guiné, 1964/66, dá-nos conta da próxima tertúlia do Fim do Império, a levar a efeito no próximo dia 9 no Palácio da Independência, em Lisboa:


14.º CICLO DAS TERTÚLIAS FIM DO IMPÉRIO 

LISBOA/SHIP/Palácio da Independência (perto do Metro/Rossio, entrada livre

20% das vendas revertem para a SHIP)

No próximo dia 09 de Dezembro de 2015 (por causa do Natal), 4.ª feira, às 15h00, 127ª tertúlia com a apresentação dos livros "Angola, Terra d’Uanga", de Comandante Luís Vieira da Silva (piloto em Moçambique e na ponte aérea; obra já apresentada no Porto); e "Missões de um Piloto de Guerra", de Comandante Piloto-Aviador Rogério Lopes, com autor e General da Força Aérea Aurélio Aleixo Corbal.



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Nota do editor

Último poste da série de 4 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15443: Agenda cultural (443): Já saiu o livro do Juvenal Amado, "A tropa vai fazer de ti um homem! - Guiné 1971-1974"... Data e local da sessão de lançamento oficial: 23/1/2016, Livraria Chiado, Clube Literário, Fórum Tivoli, Avenida da Liberdade, Lisboa

Guiné 63/74 - P15453: Memória dos lugares (325): Cabo Verde, Ilha de São Vicente, Mindelo: o N/M Uíge em janeiro de 1967, no meu regresso a Lisboa (Virgínio Briote, ex-alf mil cav, CCAV 489, Cuntima; e ex-alf mil comando, cmdt do Grupo Diabólicos, Brá, 1965/67)


Foto nº 1 >  Cabo Verde, Ilha de São Vicente,  Mindelo > Janeiro de 1967 > Baía do Porto Grande, Marina do Mindelo  e Monte Cara, ao fundo 



Foto nº 2 >  Cabo Verde, Ilha de São Vicente Mindelo > Janeiro de 1967, o N/M Uíge, na Baía do Porto Grande... Ao fundo o Monte Cara


Foto nº 3 > Cabo Verde, Ilha de São Vicente Mindelo > Janeiro de 1967 > O N/M Uíge, na Baía do Porto Grande... Ao fundo, o Monte Cara


Foto nº 4 > Cabo Verde, Ilha de São Vicente, Mindelo > Janeiro de 1967 > O N/M Uíge, na Baía do Porto Grande... Ao fundo, o Ilhéu dos Pássaros, 


 Foto nº 5 > Cabo Verde, Ilha de São Vicente, Mindelo > Janeiro de 1967 >  Uma rua "tipicamente portuguesa"...



Fotos: © Virgínio Briote (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]


1. Texto e fotos de nosso camarada, grã-tabanqueiro e editor (jubilado por razões de saúde) Virgínio Briote (ex-alf mil cav,  CCAV 489, Cuntima e ex-alf mil comando,  cmdt do Grupo Diabólicos, Brá,  1965/67)

(...) "Uma noite daquelas, já se deviam ver as ilhas de Cabo Verde, o comandante do Uíge informou-os que teriam que escalar S. Vicente. Atracariam no Mindelo, só o tempo para meterem águas. Como é possível, para meter águas? Não as meteram antes, só agora é que se lembraram que lhes está a faltar água? Nunca mais chego a Lisboa.

Metade de um dia no Mindelo. Tanta vontade de partir dali, que nem saiu do navio. Ficou-se aquele tempo todo no barco, a olhar para a cidade, para os montes, clicks na Ricoh até acabar o rolo. Leva a máquina, tira umas fotos por mim, Black.

Mais horas do que lhes tinham dito, finalmente tiraram as amarras, outra vez o navio em boa rota.


Nem acreditava, devia estar a sonhar, um ponto ao longe primeiro, uma recta de pontos uns minutos depois, uma curva cada vez maior a olhar para ele, o Tejo a levá-lo até Lisboa, desde a manhã cedo desse dia, 27 de Janeiro [de 1967].

Dois anos! Tinha embarcado em Lisboa em 10 de Janeiro de 1965, pôs os pés pela primeira vez em Bissau em 19 do mesmo mês e ano. Embarcou em Bissau em 19 de Janeiro de 1967, exactamente dois anos depois." (...) (*)

2. Comentário do editor LG ao poste P15439 (*):

Vb, as fotos que publicaste são "preciosas"... A da Academia Militar, c. 1963, já ta conhecia, e já a havíamos divulgado aqui no blogue... Mas as de Cabo Verde, ou melhor, Mindelo, ilha de São Vicente, merecem um destaque especial...

Reconheço o Monte Cara (nas duas primeiras) e o Ilhéu dos Pássaros (na última), além de uma rua "tipicamente portuguesa" do Mindelo.. O "meu velho" fez 26 meses no Mindelo, em 1941/43, como "expedicionário", e eu passei a minha infância a folhear o seu álbum... de tal maneira o usei que o desmembrei e restam-me hoje algumas escassas dezenas de fotos, amarelecidas, desbotadas, maltratadas...

Essas tuas imagens do Mindelo dizem-me muito, a mim e aos nossos amigos cabo-verdianos... Tens mais fotos desse tua rápida passagem pelo Mindelo ? Se sim, envia. De qualquer modo, vou fazer umn poste, com as tuas fotos do Mindelo, para a série "Memória dos lugares"... O Mindelo é um dos sítios do nosso imaginário... Eu nunca lá fui, quis lá ir com o meu velho ainda em vida, mas a saúde dele não me deixou concretizar esse sonho... Foi já lá o meu filho, por nós os três (**)... Ab. Luis


3. Resposta do Virgínio Briote, de 5 do corrente:

Olá Luís,

Agradeço as tuas palavras de incentivo que me levaram a “reescrever” o Tantas Vidas. Sem a vossa ajuda eu não iria voltar a pegar no assunto. Ainda tenho algumas páginas de anexos que, talvez, tenham algum interesse.

Em relação às fotos do Mindelo, as que tenho foram as que enviei e mais esta [,foto nº 1], que não sei se já foi publicada, mas que é idêntica a outra que foi editada.

Naquela altura a minha vontade era ver-me em Lisboa, nem sequer desembarquei no Mindelo. Dei a máquina ao Black para ele tirar algumas fotos, se quisesse. E estou arrependido de não ter retratado a chegada a Lisboa, com aquela gente toda cá em baixo, aos abraços ao pessoal que ia desembarcando.

Um abraço

V Briote

domingo, 6 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15452: (Ex)citações (303): Eu e o marinheiro a bordo de um avião da TAP, a caminho de Lisboa... Um conto do vigário: o 'negócio chorudo' das fotografias do deserto do Sara... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)

1. Comentário do Valdemar Queiroz ao poste P15445 (*)


[Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70; , foto à esquerda, em Contuboel, 1969]


Viva, caro Juvenal Amado.

Este teu conto do vigário foi muito 'contado' e 'cotado', naqueles anos em que havia tantos filhos na guerra colonial. Era fácil ao vigário — o que faz as vezes do outro — burlar os pais, principalmente as mães, que só queriam o melhor para os seus filhos.

Mas, o que se passou comigo brada aos céus dos contos do vigário. Brada aos céus por ser o mais totó, o mais naif, o mais inocente dos contos do vigário. Senão vejamos.

Vinha no avião da TAP, passar as minhas férias a Lisboa, quando se avistou, nas janelas do lado direito do avião, o deserto do Saara. Todos fomos ver, cá de cima, o deserto lá em baixo e até houve fotografias do deserto. 

O deserto do Sara visto de satélite. Foto da NASA, imagem do domínio
público. Cortesia da Wikimedia Commons.
Acabou o visionamento do deserto e eis que chega ao pé e mim um tropa, com uma máquina fotográfica, dizendo:
— Não vendo estas fotos a ninguém!.

Sentando-se ao meu lado,  propôs-me logo um negócio garantido:
— Tirei umas fotos ao deserto que são vendidas como água. 
—  Se calhar... —, respondi eu.
 — Eu sou marinheiro, vou de férias e se o... o furriel avançar já com mil pesos para se fazer, em Lisboa, muitas cópias que são facilmente vendidas...  — dizia ele. — E eu também regresso à Guiné, daqui a um mês, depois das férias... Vamos ganhar um dinheirão e logo fazemos contas.
— Pois é, não digas isso a ninguém, o que a rapaziada mais gosta é fotos do deserto, e é pena não teres do oceano Atlântico — disse eu,  e lá seguimos até Lisboa sem mais conversa.

Evidentemente, que no regresso de férias, a Bissau, do marinheiro/fotógrafo nem pó. Mas, esta das fotografias do deserto é boa e não lembra ao diabo num conto do vigário. (**)

Guiné 63/74 - P15451: Libertando-me (Tony Borié) (46): O Bairro de Ironbound, Newark, N.J. - USA

Quadragésimo sexto episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 18 de Novembro de 2015.




“We Speak English”

Cada País tem o seu idioma oficial, todavia em alguns, praticam-se diversos, mas, por vezes, pelo menos por aqui, tirando a normal conversação entre pessoas que se querem compreender, pelo menos nós emigrantes, ao ouvir esta frase, vinda da boca de algumas personagens em certas ocasiões, mostra um pouco de, “arrogância”, “xenofobismo”, “querer ser mais”, “mostrar que a pessoa com quem se fala, não tem suficiente educação escolar”, ou única e simplesmente, “querer mostrar-se”.

Nas novas gerações, em qualquer País, é normal falar inglês e, claro, sem o perceberem, estão a esquecer o idioma da sua Pátria, todavia, não é o caso dos emigrantes que viveram ou ainda vivem no Bairro do Ironbound, na histórica cidade de Newark, do lado de lá do rio Hudson, no estado de Nova Jersey.

Muito antiga, fundada no ano de 1666, a cidade de Newark é a cidade com mais habitantes no estado de Nova Jersey e, dada a sua localização, é uma das principais cidades da região metropolitana de Nova Iorque, além de centro comercial, industrial e financeiro, que é a Baía do Rio Passaic que abriga um dos maiores portos de mar, inaugurado no ano de 1831, onde chegava o carvão das minas do estado de Pensylvania para sustentar as unidades fabris da região. Também aqui está localizado o segundo principal aeroporto que é o conhecido mundialmente, o Aeroporto Internacional de Newark, que movimenta quase 30 milhões de passageiros anualmente.

Mas hoje companheiros, não estamos aqui para falar das potencialidades da cidade, mas sim de nós, portugueses, emigrantes do século passado, onde quase todas as conversações entre nós era, trabalho, trabalho e quase só trabalho, onde a palavra “yes”, (sim), ou “overtime”, que neste caso, quer dizer mais ou menos “horas extrordinárias”, era sempre uma das primeiras que se aprendia.

Portanto, cá vai.

Existe por aqui o tal bairro operário chamado Ironbound, mais conhecido pelo bairro português, no qual existe grande concentração de portugueses, onde a principal rua é a Ferry Street, cujo segundo nome é “Portugal Avenue”, ou seja Avenida de Portugal.


À medida que os emigrantes Portugueses foram chegando à cidade, atraídos pela concentração de indústria que existia na altura, principalmente no tal bairro do Ironbound, que quer dizer mais ou menos “rodeado de ferro”, com intensa actividade comercial e industrial, cercado de linhas férreas, era um lugar muito atractivo, para quem tinha desejos de trabalhar, onde estes homens e mulheres, de descendência portuguesa, com a sua força física e dedicação, por vezes destruindo a sua própria saúde, compensavam a falta de educação escolar.

As raízes portuguesas na área são profundas, com os primeiros emigrantes, talvez chegados na década de 1910, mas o grande afluxo de portugueses veio na década de sessenta e setenta do século passado, porque hoje, a emigração de Portugal é praticamente inexistente, mas o idioma português mantém-se estável e, se voltássemos àquelas décadas do século passado, podíamos ver e ouvir, em qualquer rua do bairro do Ironbound, este cenário:
“...a Gracinda, casada com o Manuel Murtosa, que é encarregado de uma “gang” de construção de valas para esgoto, homem robusto e respeitado, até tem “pic-up” da companhia, onde todos os dias, por volta das quatro ou cinco horas da manhã, pois o trabalho é longe, lá para os lados de Riverville, transporta os outros cinco companheiros do seu grupo. Hoje é domingo, eles, os homens, estão para a “Ferry Street”, foram ouvir o relato e beber uns copos, ela, a Gracinda, neste momento de domingo à tarde, está sentada nas escadas de entrada do edifício onde residem, num compartimento de cave, que repartem com a Ermelinda e o João de Verdemilho, anda sempre vestida de preto, gosta desta cor, às vezes, quando vai à missa, até põe qualquer coisa de outra cor, especialmente uma blusa branca, que uma vizinha lhe trouxe da “fábrica da costura”, onde trabalha, está sol, começou por pentear-se, desfez, tornando a fazer as tranças, deu-lhe duas voltas, fazendo um “carrapito”, os dedos das suas mãos, já estão um pouco tortos, é dos calos, tem que falar com a Nazaré, que trabalha na “fábrica das peles”, para lhe trazer umas luvas, pois ela, trabalha na “fábrica dos colchões”, ganha mais que as outras, compete com os homens, trabalha à peça, monta o esqueleto dos colchões, encaixa as molas, “tudo a pulso”, ali, em frente ao “boss”, que é o seu chefe, mas é “cheap”, pois não lhe dá, lá muito “overtime”.
Ali sentada, entretem-se a falar com a Ermelinda, está um pouco enjoada, pois comeu uns chocolates que a Alzira lhe trouxe, aquela das “ilhas”, que trabalha na “fábrica dos chocolates”, parece que lhe “caíram” mal, vai remendando umas meias do seu Manuel, até nem precisava, pois tem mais três pares, que lhe trouxe a Manuela, aquela rapariga alta, que tem cara de homem, pois dizem que corta o bigode, que trabalha na “fábrica das meias”, mas está a guardá-las para levar para Portugal, quando lá for, por altura das vindimas, pois a sua casa, que ela diz a todos que é uma pequena “mansão”, lá em Portugal, precisa de ser aberta e arejada e, talvez necessite de pintura, pois à beira do mar, o vento e a chuva, às vezes traz sal”.

E continuando, diz: Porra, Caral.., que já me espetei na agulha, Santíssima Nossa Senhora de Fátima me perdoe que hoje é “Sunday”, (Domingo), e estou a dizer asneiras, já me esquecia, lembra-me por favor, o meu Manuel tem que chamar o Eurico, aquele da Agência, que fala muito bem inglês, para ir com ele terça-feira ao aeroporto, para “grab” (agarrar) o José Maricas, que foi a Portugal, creio que lhe morreu um irmão, pois ele não sabe o caminho e, já agora, tu sabes se a Filomena, aquela solteirona, que anda “in love” (apaixonada) com aquele “bonitinho”, que anda a estudar, que trabalha em “part-time” (meio tempo) na farmácia, ainda trabalha na fábrica da “meat” (carne), em Jersey City, queria ver se ela ”bring” (trazer) umas chouriças italianas, o meu Manuel “like” (gosta muito) fod.-.., caral.. que já me espetei outra vez, olha, precisamos de uma panela maior para cozinhar as batatas, couves e a carne de porco salgada, tu sabes, caldo e conduto ao mesmo tempo, para todos nós, vamos falar com a Isaura, aquela que trabalha na “fábrica das cafeteiras”, para ver se nos arranja uma, das grandes, o meu Manuel já tem quase cinquenta garrafões vazios, daquele vinho da Califórnia “Paisano”, que parece português, para “send” (mandar) para Portugal, quando houver lugar no Contendor da agência do Eurico, que sai do porto de Newark, pelo menos quatro vezes ao ano, tu sabes que o Orlando da mercearia, na Ferry Street, já não põe as coisas em “vegas” (cartuchos) de papel, que eram tão jeitosas, eu até andava a guardá-las para levar para Portugal, agora usa “vegas” de plástico, aquela merda rompe-se toda.

Voltando aos dias de hoje, esta linguagem era corrente e comum, as ditas “asneiras” eram normais, o bairro do Ironbound é um bairro onde o idioma inglês é pouco ouvido, sendo superado pelo idioma português, com palavras em inglês pelo meio, ou mesmo espanhol, tornando-se num bairro famoso, chegando a ser considerado uma das maiores concentrações de portugueses, fora de Portugal, aqui existia tudo o necessário para se poder viver, falava-se, e ainda se fala em alguns lugares, português com sotaque do Minho ao Algarve, com algumas palavras de inglês pelo meio, nos restaurantes, bares, casas de mercearia, alfaiatarias, sapatarias, peixarias, galinheiros, padarias, lojas de fruta, farmácias, lojas de ferramentas, consultórios de doutores, dentistas ou advogados, hospital local e agências de viajem. Construiu-se uma igreja, ao domingo havia e continua a haver, missa em português, oficinas mecânicas e venda de carros e, muito mais, em algumas ruas, em alguns estabelecimentos, onde só viviam portugueses havia letreiros, dizendo: “WE SPEACK ENGLISH”.

Pois às vezes, também por lá passava uma pessoa de origem americana.

Tony Borie, Dezembro de 2015.
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15422: Libertando-me (Tony Borié) (45): Antes éramos cowboys

Guiné 63/74 - P15450: Blogpoesia (426): No meio da Ponte (Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728)

1. Em mensagem de 5 de Dezembro, o nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), enviou-nos este poema com o título "No Meio da Ponte"


No meio da ponte…

Como um tolo no meio da ponte.
Sem saber se seguir em frente ou recuar.
Vim procurar uma lufada de ar corrente
Espevitasse esta secura de morrer.

Vim ver se encontro versos
Em faúlhas das que passam
Se vão pelas alturas.

Todas apagadas.
Olho ao fundo.
Nem uma só formiguinha vejo a mexer.
Naquele labirinto de gente,
Que não pára, frenética,
Como se amanhã fosse o derradeiro dia.

Todos querem levar para casa
Mais um saco do supermercado,
Esquecido do que já têm.

É a vertigem de comprar…

Ali vai um iate.
No isolamento.
Casca de noz
Que uma onda ligeira
Põe em perigo.
Ali vai para a solidão do mar.
Fugindo da multidão.

E aquele paquete gigante.
Um planeta vivo em combustão,
Que procura ele?
Lá vai sonolento e firme,
Pejado de gente faminta
Da felicidade,
Procurá-la sobre o mar…
Porque na terra não.


Ouvindo André Rieu e os seus espectáculos fulminantes de cor e som

Berlim, 5 de Dezembro de 2015
17h48m
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15421: Blogpoesia (425): Eminente e inesgotável (Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf)

sábado, 5 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15449: O PIFAS de saudosa memória (19): O Armando Carvalhêda no programa "Canções da Guerra", do Luís Marinho, na Antena Um: "O PIFAS, o Programa das Forças Armadas, era mais liberal do que a Emissora Nacional"...

  

A mascote do Programa [de Informação]  das Forças Armadas (PIFAS), da responsabilidade da Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica. Autor desconhecido. 

Imagem, enviada pelo nosso camarada Miguel Pessoa, cor pilav ref (ten pilav, Bissalanca, BA 12, 1972/74). 



1. O Armando Carvalhêda é outro dos grandes senhores da rádio (*) que passou pelo Programa das Forças Armadas, o popular PIFAS, entre abril de 1972 e  setembro de  1973, conforme ele recorda em conversa com o Luís Marinho, no programa da Antena Um, Canções da Guerra.  O seu depoimento pode ser aqui ouvido, em ficheiro áudio de 4' 55''.

Segundo o Armando Carvalhêda, o PIFAS,  transmitido pela Emissora Oficial da Guiné, era "mais liberal" do que a estação oficial, transmitindo  canções de "autores malditos",  como José Mário Branco, Sérgio Godinho ou Zeca Afonso, que não faziam parte da "playlist" (como se diz agora) da Emissora Nacional, em Lisboa.

Armando Carvalhêda.
 Foto: cortesia do blogue Expressões Lusitanas
Eram os próprios radialistas, os locutores de serviço, jovens a cumprir o serviço militar e coaptados para a Rep Apsico, para o Serviço de Radiodifusão e Imprensa, que faziam "a pior das censuras", que era a autocensura...

O Armando dá um exemplo,  com o LP do José Mário Branco, "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" (que tinha sido editado em Paris, em 1971)... Havia um consenso tácito sobre algumas músicas que não deviam passar no PIFAS. Neste LP, era,  por exemplo,  o "Casa comigo, Marta!"...



Estava-se na época do vinil, o LP tinha seis faixas, de cada lado,... Intencionalmente ou não, ele uma vez deixou "cair" a agulha da cabeça do gira-disco na faixa do "Casa comigo, Marta" (cuja letra, "subversiva",  para a época, de crítica social corrosiva, se repoduz abaixo; recorde-se que o portuense José Mário Branco, compositor e músico,  era um conhecido opositor ao regime e à guerra colonial, estando exilado em Paris)... 

Ainda de acordo com o Armando Carvalhêda, o PIFAS era o produzido pela  Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica, a APSICO, a 2ª Rep do Com-Chefe, na Amura, por onde passaram nomes ligados ao 25 de Abril como Ramalho Eanes  e Otelo Saraiva de Carvalho. [Em 1969/71, o Serviço de  Radiodifusão e Imprensa foi chefiado por Ramalho Eanes.]

Mais diz  o conhecido autor e realizador de rádio, que não havia "confronto direto" com a Rádio Libertação do PAIGC  (e, portanto, com a "Maria Turra", a locutora do IN, a Amélia Araújo), "embora a gente os ouvisse e eles a nós"...

O Armando Carvalhêda lembra-se com emoção das gravações áudio  que fez, por toda a Guiné,  por ocasião das gravação das mensagens de Natal e Ano Novo. Recorda-se, em particular,  do Natal de 1972: havia soldados emocionados que recebiam o pessoal do PIFAS com grande entusiasmo e carinho. Num aquartelamento, o comandante já tinha selecionado quem iria falar para a rádio.  Um dos soldados que ficara de fora da lista,   quis "meter uma cunha" ao Armando Carvalhêda, oferecendo-lhe o fio de ouro que trazia ao pescoço...

Também se lembra do programa de discos pedidos, que era feito pelo  "senhor primeiro" [, o 1º sargento Silvério Dias] e a "senhora tenente [, a esposa, Maria Eugénia Valente dos Santos Dias]. Em geral o que passava então, nesse programa de discos pedidos, eram as "canções românticas", em voga na época, com letras de fazer chorar as pedras da calçada… O PIFAS recebia centenas, milhares de cartas/aerogramas com pedidos para passarem canções...

Já aqui temos falado do Armando Carvalheda, de resto conhecido do nosso grã-tabanqueiro Hélder Sousa,  dos tempos de juventude. Não sei se ele nos acompanha, ao nosso blogue, de qualquer modo ele tem a "porta aberta", na Tabanca Grande, para partilhar, connosco, mais memórias do tempo de Guiné, em geral,  e do PIFAS, em particular. Alguém aqui escreveu que ele estava colocado em Gadamael quando foi requisitado para o PIFAS. Já trabalhava na rádio, na vida civil, antes de ir para a tropa. (LG)




Um poema de Natal enviado de Farim, dezembro de 1967,  pelo  2º srgt art  Silvério Dias,  da CART 1802, mais tarde radialista no PIFAS (de 1969 a 1974)... O aerograma (edição especial de Natal do MNF) era endereçado à D. Maria Eugénia Valente dos Santos Dias, que morava em Carnide, Lisboa. Já na altura era um "poeta de todos os dias", o nosso camarada e grã-tabanqueiro Silvério Dias, um jovem de 80 anos... [Vd. aqui o seu blogue].

Foto: © Silvério Dias (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]

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Casa Comigo, Marta
Música e ntérpretação: José Mário Branco
Álbum: Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades (1971)

Chamava-se ela Marta,
Ele Doutor Dom Gaspar,
Ela pobre e gaiata,
Ele rico e tutelar,
Gaspar tinha por Marta uma paixão sem par
Mas Marta estava farta, mais que farta de o aturar.
- Casa comigo, Marta,
Que estou morto por casar.
- Casar contigo, não, maganão,
Não te metas comigo, deixa-me da mão.

- Casa comigo, Marta,
Tenho roupa a passajar,
Tenho talheres de prata
Que estão todos por lavar,
Tenho um faisão no forno e não sei cozinhar,
Camisas, camisolas, lenços, fatos por passar
Casa comigo, Marta,
Tenho roupa a passajar.
- Casar contigo, não, maganão
Não te metas comigo, deixa-me da mão

- Casa comigo, Marta,
Tenho acções e rendimentos,
Tenho uma cama larga
Num dos meus apartamentos,
Tenho ouro na Suíça e padrinhos aos centos,
Empresto e hipoteco e transacciono investimentos.
Casa comigo, Marta,
Tenho acções e rendimentos.
- Casar contigo, não, maganão,
Não te metas comigo deixa-me da mão.

- Casa comigo, Marta,
Tenho rédeas p´ra mandar,
Tenho gente que trata
De me fazer respeitar,
Tenho meios de sobra p´ra te nomear
Rainha dos pacóvios de aquém e além mar.
Casas comigo, Marta,
Que eu obrigo-te a casar
- Casar contigo, não, maganão,
Só me levas contigo dentro de um caixão.

A música pode ser aqui ouvida.
A letra foi aqui recolhida. [Fixação de texto por LG.]

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Notas do editor:

(*) VIVA A MÚSICA! - Música ao vivo cantada na nossa língua. Um programa de Armando Carvalhêda.

Desde 1996, a ANTENA 1 tem no ar o programa VIVA A MÚSICA!, único espaço regular no panorama áudio-visual nacional que apresenta semanalmente, durante uma hora música cantada na nossa língua, ao vivo e em directo.

O programa desenrola-se no Teatro da Luz, em frente ao Colégio Militar, em Lisboa, todas as Quinta-feiras, entre as 15h00 e as 16h00, e é produzido por Ana Sofia Carvalhêda e realizado e apresentado por Armando Carvalhêda.
Por aqui desfilaram já quase todas as grandes figuras da música cantada em português como são os exemplos de: Carlos do Carmo, Pedro Abrunhosa, Ala dos Namorados,..

Guiné 63/74 - P15448: Ser solidário (189): Agradecimento da nossa leitora Hondina Cabral Fortes, enfermeira, guineense, a morar no Brasil: "Estou escrevendo para lhe informar que o meu irmão foi localizado e já se encontra junto da família novamento, graças a Deus. Agradeço o senhor pela sensibilidade e bondade".


De: Hondina Cabral Fortes 

Data: 28 de novembro de 2015 às 04:11

Assunto: Agradecimento


Boa noite, sr. Luís,

Sou Hondina Cabral Fortes, moro no Brasil.
No ano passado,  o meu irmão desapareceu em Bissau (*),  eu fiquei desesperada,  pedi ajuda e o senhor acatou o meu pedido. 

Agora estou escrevendo para lhe informar que o meu irmão foi localizado e já se encontra junto da família novamento,  graças a Deus.

Agradeço o senhor pela sensibilidade e bondade.  Que Deus te ilumine e te abençoe sempre. (**)
Grata


Hondina

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 27 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13656: Ser solidário (165): Estou desesperada, conto com a vossa ajuda para encontrar o meu querido irmão Nivaldo Biagué Fortes, de 16 anos, desaparecido de Bissau há 4 meses (Hondina Cabral Fortes, guineense, enfermeira, São Carlos, São Paulo, Brasil)

(**) Último poste da série > 11 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15350: Ser solidário (188): Parabéns, Bambadinca!... Serviço Comunitário de Energia de Bambadinca (SCEB) que conta com a minirrede híbrida mais ampla do mundo: notícia e vídeo (Belarmino Sardinha)

Guiné 63/74 - P15447: Convívios (721): XXII Convívio da Magnífica Tabanca da Linha, Oitavos, Cascais, 19 de novembro de 2015: Os "piras" (Manuel Resende)


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5




Foto nº 6


Foto nº 7


Foto nº 8

XXII Convívio da Magnífica Tabanca da Linha > Oitavos, Cascais, 19 de novembro de 2015 > Os "piras"...


Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Mensagem, com data de 26 de novembro último,  de Manuel Resende [, ex-alf mil da CCaç 2585 / BCaç 2884, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71; fotógrafo oficioso da Tabanca Grande e adjunto do secretário geral e cronista-mor José Manuel Matos Dinis,  além de assessor do régulo Jorge Rosales, em suma. o homem dos sete instrumentos]: 


Assunto - Novos elementos para a Tabanca da Linha


Caro Luís,


Foi difícil identificar dois camaradas de Algés, e que só há pouco tempo consegui. Assim:
Os novos elementos "piras" que foram ao convívio do dia 19 passado (*) são:

1-Jorge (Nunes) Costa - Algés - Foto 7, primeiro à  à esquerda

2-Joaquim Grilo (de Almeida) - Algés - Foto 8, primeiro  à esquerda, camisa preta.

3-António Cardoso - Cascais - Foto 1 e 6
4-Arménio Conceição e esposa Madalena Conceição - Cascais - Foto 4 e 5

5-Carlos Carronha Rodrigues (Coronel) - Algueirão - Foto 1 e 3

6-João Maria Chaves Lopes - Lisboa - Foto 5

7-António (Gomes) Veloso - Massamá - foto 2

8-Carlos (António) Rodrigues - S. Pedro Estoril (2ª vez, mas da 1ª não teve realce) - Foto 1 e 3


Legenda das fotos: sempre da esquerda para a direita:

1-José de Jesus, Carlos Carronca Rodrigues, António Cardoso e Carlos (António) Rodrigues
2-António (Gomes) Veloso
3-Carlos Carronha Rodrigues e Carlos António Rodrigues
4-Arménio Conceição e esposa Madalena
5-Arménio Conceição e esposa Madalena, João Maria Chaves Lopes e João José Alves Martins
6-António Fernando Marques e António Cardoso
7-Jorge Costa
8-Joaquim Grilo

É eidente que no álbum há mais fotos com eles, mas estas são mais personalizadas.

Amigo , qualquer dúvida diz.

Abraço
Manuel Resende

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Notas do editor:

Último poste da série > 25 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15407: Convívios (720): XXII Convívio da Magnífica Tabanca da Linha, Oitavos, Cascais, 19 de novembro de 2015 (José Manuel Matos Dinis / Manuel Resende)

Guiné 63/74 - P15446: Parabéns a você (995): José Pereira, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 5 (Guiné, 1966/68) e Manuel Carvalho, ex-Fur Mil AP Inf da CCAÇ 2366 (Guiné, 1968/70)


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Nota do editor

Último poste da série de 2 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15433: Parabéns a você (994): Herlânder Simões, ex-Fur Mil Art da CART 2771 e CCAÇ 3477 (Guiné, 1972/74)

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15445: História de vida (43): Anda(va) meio mundo a enganar o outro... Ou o conto do vigário em que caiu a minha pobre mãe quando eu estava em Galomaro e lhe apareceu à porta de casa um falso camarada meu... (Juvenal Amado, autor de "A tropa vai fazer de ti um homem", Lisboa, Chiado, Editora, 2015, 308 pp.)

O Juvenal em Galomaro, c. 1972/74, junto ao arame farpado,
 num dos postes avançados do quartel. Foto do autor.
1. O CONTO DO VIGÁRIO E A GUERRA COLONIAL

por Juvenal Amado

[ Foto à esquerda, o ex-1.º cabo condutor autorrodas, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74; natural de Alcobaça, vive em Fátima, autor de "A tropa vai fazer de ti um homem!", Lisboa, Chiado Editora, 2015, 308 pp.]

Há gente capaz de tudo.

Com um esquema bem urdido, bem montado, acercam-se das pessoas que na sua vida simples nunca pensam que o diabo pode estar atrás da porta e, zás, são enganadas por vezes com coisas, de tão simples e credíveis, que ninguém se atreve a pôr em causa.

Penso que o conto do vigário é a trafulhice em que quase toda a gente pensa que nunca cai. Mas estamos enganados e lá vem o dia em que baixamos a guarda, abrimos as defesas e, pronto, somos enganados pela mais estapafúrdia das encenações.

Uns são enganados pela a ambição, outros são enganados pela sua noção de solidariedade e outros pelas suas fraquezas, pelo seu amor aos que estão longe. Tudo serve para enganar os incautos.

Veio este assunto à lembrança pois também alguém da minha família foi em tempos enganada, quando a mentira fez tocar as campainhas do seu desvelo, da sua preocupação quando eu estava a cumprir o meu tempo militar na Guiné.

Um dia, lá para o fim de 73, apresentou-se em casa dos meus pais um individuo praticamente da minha idade, que se apresentou como meu amigo e a cumprir comissão comigo na Guiné.

Pobre coração da minha mãe deu um salto, franqueou as portas e bebeu avidamente o que ele dizia. Que me conhecia muito bem, que eu mandava cumprimentos e que também lhe tinha transmitido alguns pedidos de coisas que pretendia que ele me levasse.

A minha mãe estava sozinha em casa e ofereceu-lhe almoço, ao que ele disse que não tinha tempo pois ia apanhar o comboio no Valado dos Frades para Lisboa, de forma a embarcar novamente para a Guiné. A minha mãe foi recolher o que ele dizia que eu lhe tinha pedido, embora estranhando pois nunca lhes pedia nada nas cartas, lá arranjou meias, cuecas e mais que ele inventou, juntou alguns chouriços,  uma garrafa de ginja David Pinto,  pois sabia bem a saudade que tinha desses petiscos. Aproveitou para me mandar umas fotos a cores de um rolo, que tinha mandado para ser revelado e deu-lhe o dinheiro todo que tinha em casa, pois também eu o tinha solicitado. Está claro que não deu muito, pois era coisa que não abundava lá em casa, mas deu-lhe o que lhe fazia falta,  de certo.

Já que ele não podia almoçar, fez-lhe um farnel para ele comer no comboio e, ala que se faz tarde, ele foi-se embora.

Capa do livro do Juvenal Amado.
Lisboa, Chiado Editora, 2015.
Tudo isto se passou de manhã e, quando o meu pai chegou a casa para almoçar, ela contou-lhe ainda toda eufórica o que se tinha passado, pois não era todos os dias que se tinha contacto com um amigo do filho, que lhe tinha ido dar de viva voz noticias suas. Ele disse-lhe logo, “já foste enganada”.

Foram logo à praça dos táxis, quando perguntaram pelo sujeito, logo o taxista,  até nosso vizinho, se apresentou como tendo sido ele a ir levá-lo, acrescentando que o dito tinha deixado esquecido um embrulho no banco de trás, que não sabia de quem era.

O que já se temia, ficou logo ali comprovado.

A minha mãe fartou-se de chorar, a debalde das tentativas do meu pai para minorar a importância do acontecido. As cuecas e meias voltaram para a respectiva gaveta, o resto desapareceu como desapareceu o dinheiro.

Costuma-se desejar quando nos enganam com dinheiro, que o patacão lhes sirva para o médico ou para a farmácia. Fraca, forte ou inútil a vingança, mas que parece que nos conforta, à falta de uma justiça mais imediata e vigorosa.

É o que na maioria dos casos a que se consegue arranjar.

Veio-se depois a saber que não foi só a minha mãe enganada pelo individuo que explorou os sentimentos e as saudades de quem tinha os filhos longe.

Crime e Castigo é uma obra de Fiódor Dostoiévski e conta a história de um criminoso que não consegue viver com o sentimento de culpa pelo crime que cometeu. Era bom que isso acontecesse aos criminosos, o Mundo seria um lugar muito melhor de se viver sem dúvida nenhuma.

Um abraço,
Juvenal Amado
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15217: História de vida (42): Clube dos Octogenários - Narrativa de 80 anos de vida (Coutinho e Lima)

Guiné 63/74 - P15444: Notas de leitura (782): “Radiografia Militar”, por Manuel Barão da Cunha, Âncora Editora, 2015 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Dezembro de 2015:

Queridos amigos,
Em 1975, a apreensão do livro deu brado, discutiu-se calorosamente a liberdade de expressão. 40 anos depois, Barão da Cunha reformula a estrutura da obra, adiciona-lhe depoimentos, aclara conversas, introduz novos testemunhos.
Sugiro que estejam atentos ao que refere sobre a Guiné, obteve do dirigente máximo da PIDE em Bissau, Fragoso Allas, um depoimento onde este procura esclarecer o teor da conversa entre Senghor e Spínola. Fica indiciado que em Julho de 1973, no exato momento em que o PAIGC vivia uma euforia político-militar, Costa Gomes sugere-lhe uma intervenção junto de Nino Vieira, e Spínola terá comentado: "Agora? É tarde".
Uma longa viagem nas memórias de um coronel da cavalaria que recorda com imensa saudade o ideal de camaradagem e o espírito de corpo instilados na corporação, nos longínquos anos da década de 1950.

Um abraço do
Mário


Radiografia Militar, por Manuel Barão da Cunha

Beja Santos

A “Radiografia Militar” surgiu em 1975 e foi motivo de larga polémica por um sindicato se ter oposto à sua impressão. O Coronel Manuel Barão da Cunha voltou 40 anos depois aos motivos que o levaram a escrever esta série de reflexões sobre o MFA, os valores democráticos, o desenvolvimento e a descolonização e juntou-lhe novas achegas com comentários que foram produzidos até 2014: “Radiografia Militar”, por Manuel Barão da Cunha, Âncora Editora, 2015. Há diferentes secções que a obra contempla: as memórias do Cadete da Escola do Exército, onde se refletem o espírito de corpo, avultam amizades, a nobreza da camaradagem, críticas à pesporrência e vanidades de certos quadros militares, etc; as comissões em Angola e na Guiné, entremeadas de meditações em que o oficial de cavalaria passa a duvidar da natureza da guerra, como disse expressamente: “Depois a guerra foi perdendo a heroicidade, a motivação; foi-se banalizando. As pessoas foram-se cansando. Guiné; Moçambique… Partidas; chegadas… A guerra cansa; tudo cansa… os jornais falam de outras guerras e de futebol! Entretanto, há cidadãos que não fazem a guerra. Uns buscam o exílio, outros têm padrinhos (…) A Academia Militar qualquer dia tem mais professores do que alunos”.

Procura entender os movimentos sinuosos e ziguezagueantes do MFA, fala-nos demoradamente sobre Otelo, as divisões nas Forças Armadas, recolhe depoimentos, esboça o perfil de certos políticos, chega ao 11 de Março, continua a pensar, como outros, que foi uma armadilha montada pelo KGB; o seu livro apreendido deu-lhe matéria para discretear sobre a liberdade de informação, regressa ao passado para nos dar impressões sobre os cursos do Instituto de Altos Estudos Militares e não esconde um certo desprezo pelos oficiais do Estado-Maior, e de novo voltamos à formação militar, à intrusão da Legião Portuguesa e da Brigada Naval na esfera militar.

E assim chegamos à descolonização, aqui disparam críticas em diferentes direções, denuncia alguns dos erros maiores do colonialismo e enumera situações que dão conta da precipitação da saída de Angola, é nesse contexto que igualmente volta ao passado para nos descrever o seu desempenho e dos seus homens na Operação Viriato, dando-nos igualmente um quadro da impossibilidade de se defender o Estado da Índia, uma situação politicamente desastrada que os militares nunca esqueceram.

Segue-se a narrativa da sua comissão na Guiné, no regulado da Pachana, em primeiro lugar, vêm ao de cima novos desencantos com o comportamento da hierarquia; e por último assenta a sua lente sobre a guerra em Moçambique.

Assim chegámos ao depois e onde se interpretam o curso da guerra, o que se podia ter feito para evitar calamidades de parte a parte. Barão da Cunha colhe o depoimento do Inspetor-Adjunto Fragoso Allas, o dirigente máximo da PIDE na Guiné levado por Spínola. Fragoso Allas dá-nos a sua versão sobre os encontros de Spínola com as autoridades senegalesas, tem todo o interesse ouvir o que ele diz:
“O General Spínola, eu e o Embaixador João Nunes Barata, então alferes miliciano e seu secretário, fomos duas vezes a Cap Sikiring, no Senegal.
A primeira reunião, em 27 de Abril de 1972, foi com o Ministro da Informação do Senegal. Foi uma reunião preparatória com vista ao futuro encontro com o Presidente Senghor.
O ministro referiu: “(…) O facto do Senegal ter bastantes afinidades com Portugal e existirem na cultura senegalesa vincados casos de lusitanidade (…) ao povo guineense competia decidir o seu destino, mas também pensava que a Guiné deveria manter os seus laços de afinidade com Portugal, como o Senegal mantivera com a França (…)”.

A segunda vez, em 18 de Maio de 1972, foi com o próprio Presidente Senghor, na mesma localidade. O encontro iniciou-se cerca das 9h30. Após os preliminares, Senghor referiu-se em termos elogiosos à política em curso na Guiné e deu a entender que preferia ter-nos como vizinhos do que a Sekou Touré e que, entre africanos, o facto de nos conseguirmos sentar à mesma mesa para dirimir pontos de vista opostos, era meio caminho andado para a sua resolução. O resto viria depois, no espaço de um decénio, provavelmente.
Pareceu-me que ele (Senghor) estava convencido que Marcello Caetano era influenciado por militares no sentido de a guerra continuar. Manifestou “o desejo do Senegal ajudar Portugal a resolver o seu problema ultramarino, servindo de intermediário na busca de uma solução”.

O General Spínola referiu que “uma forma regionalista de inspiração federativa seria, a seu ver, talvez a que melhor correspondia às exigências do presente, ocupando o lugar de esquemas políticos rígidos que não servem os interesses de Portugal nem os do povo africano da Guiné”. E que “a solução do problema ultramarino português reside numa política de africanização nos moldes já definidos, preparando as populações para participarem a todos os níveis na administração da sua terra”.

E o diálogo prossegue, Spínola e Senghor parecem sintonizar-se. Senghor admite que haja a necessidade de um período de autonomia interna de, pelo menos 10 anos. Mais adiante, no seu depoimento, Fragoso Allas mostra-se reticente a que tenha havido uma terceira reunião, como alguns investigadores sugerem. Nunca enviara a Spínola, então em férias no Luso, qualquer mensagem dizendo que Amílcar Cabral estava na disposição de ir a Bissau, tal mensagem foi de Alpoim Calvão. Mais adiante, Fragoso Allas refere o seu encontro em 8 de Julho de 1973 com o General Costa Gomes, em Bissau. Costa Gomes ter-lhe-á dito que o Governo central estava disposto a contactar o PAIGC, pelo que queria saber se ele tinha contactos válidos de cúpula. Allas respondeu que, após a morte de Amílcar Cabral não tinha. Mas poderia contactar Nino Vieira, embora levasse tempo. E adianta: “Sabíamos que grande parte dos guerrilheiros já não queria combater e que queriam apresentar-se mediante condições, sendo este o único trunfo que tínhamos, levando em consideração que a ONU já havia decido reconhecer o PAIGC como único representante da Guiné… Costa Gomes disse-me para fazer o que pudesse… No primeiro despacho que tive com o governador, referi-lhe a conversa, mas ele limitou-se a comentar: “Agora? É tarde”.

O livro prossegue com nova diversidade de depoimentos. É uma longa viagem de memórias, parece que o Coronel Barão da Cunha quer que cada um de nós tire ilações em função do manancial de dados que nos oferece.
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15425: Notas de leitura (781): A "Guiné do Cabo Verde" (1578-1684), por José da Silva Horta, Fundação Calouste Gulbenkian, 2011 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15443: Agenda cultural (443): Já saiu o livro do Juvenal Amado, "A tropa vai fazer de ti um homem! - Guiné 1971-1974"... Data e local da sessão de lançamento oficial: 23/1/2016, Livraria Chiado, Clube Literário, Fórum Tivoli, Avenida da Liberdade, Lisboa







Capa e contracapa do livro do nosso camarada Juvenal [Sacadura] Amado, nascido no concelho de Alcobaça em 1950, em Fervença, Maiorga. Depois da instrução primária, conheceu o caminho da fábrica como muitos jovens do seu tempo e da sua região. Trabalhou na Crisal - Cristais de Alcobaça, onde aprendeu pintura e desenho. Prestes a fazer os 22 anos,  foi requisitado pela Pátria.  Fez uma comissão de serviço militar no TO da Guiné, na zona leste, entre 1971 e 1974 (como 1º cabo condutor autorrodas,  CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74).

O Juvenal Amado é um dos nossos mais ativos, profícuos e entusiásticos membros da nossa Tabanca Grande. O seu talento para a escrita  já vem de longa data e pode ser comprovado nos cerca de 180 postes da sua autoria ou com referências ao seu nome.

"A tropa vai fazer de ti um homem! - Guiné 1971-1974" é o seu primeiro livro, publicado pela Chiado Editora. Tem já data e local para o lançamento oficial: 23 de janeiro de 2016, em Lisboa. Mas o livro já está no mercado livreiro, desde o mês passado, podendo ser comprado nas livrarias ou "on line", aqui, em formato digital (ebook) ou em papel.

Como se lê na nota biográfica, "a expressão 'A tropa vai fazer de ti um homem' era uma premonição de que só seriam verdadeiros homens quem passasse pelas vicissitudes que a vida militar e a guerra impunham, como se fosse impossível alcançar esse estádio sem esses sacrifícios. É com ironia que hoje recorda estas palavras. O título deste livro é, de certa forma, uma pequena provocação".

Ficha técnica:

Título: A tropa vai fazer de ti um homem - Guiné 1971-1974
Autor: Juvenal Sacadura Amado
Data de publicação: Novembro de 2015
Número de páginas: 308
Editora: Chiado Editora, Lisboa
ISBN: 978-989-51-5933-8
Colecção: Bíos
Género: Biografia
Preço de capa: €15,00 (papel) | €3,00 (ebook)

Sinopse

Caro Juvenal, saúdo-o pelo livro que escreveu. É uma compilação de histórias escritas, vividas e sentidas na primeira pessoa que ilustram um Portugal para muitos desconhecido e, para outros, esquecido.

Só preservando a memória se poderá evitar que a História se repita.

Um abraço, Nuno Miguel Oliveira



Anos 1950 > s/l [algures, no concelho de Alcobaça] >  Juvenal Amado atrás do cão da sua avó, com tias, tios, primo Hélder e a mãe


Foto (e legenda): © Juvenal Amado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Mensagem do Juvenal Amado com data de 12 de novembro último:



 Depois de ouvir atentamente a sociedade cívil,  como está na ordem do dia, tenho a dizer-vos que o lançamento do meu livro já está agendado para 23 de janeiro, sábado,  de 2016,  pelas 16 h30.

Local: Livraria Chiado, Clube Literário, Fórum Tivoli, Avenida da Liberdade, Lisboa.

Faltam os cartazes para a publicidade. Até lá, há que manter a serenidade

Um abraço


Juvenal Amado


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Nota do editor: