sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15502: Tabanca Grande (479): José Fernando Estima, de Aguada de Cima, Águeda, ex-fur mil, CCAÇ 3546 / BCAÇ 3883 (Bissau, Bolama, Piche, Cambor, Canquelifá, Dunane, Ponte Caium, Camajabá, 1972/74)... Grã-tabanqueiro nº 708... quase cinco anos depois de um primeiro (e único) contacto telefónico


Foto nº 1





Foto nº 2






Foto nº 3





Foto nº 4





Foto nº 5





Foto nº 6





Foto nº 7





Foto nº 8





Foto nº 9


Foto nº 10


Foto nº 11


Fotos:  © José Fernando Estima (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG]



1. Mensagem do nosso leitor e camarada José Fernando Estima, com data de 13 do corrente:

Sou ex-combatente,  fur mil José Fernando Estima,  da CCaç 3546 / BCaç 3883 [, 1972/74].  E,  como prometi ao Luis Graça há tempos,  sou a enviar algumas fotos da minha passagem por terras da Guiné, nomeadamente, Bissau, Bolama, Piche, Cambor, Canquelifá, Dunane, Ponte Caium, Camajabá.

Presentemente, estou reformado tendo trabalhado sempre na indústria,  ora como desenhador, ora como encarregado geral (Portugal e África do Sul).

Cumprimentos a todos os camaradas. Sempre ao dispor.

PS - Luis, sou aquela pessoa que te contactou por telefone há uns tempos (*)  e falamos acerca do teu amigo e meu camarada Jacinto Cristina, padeiro em Ponte Caium. Se quiseres,  na próxima mando mais fotos , pois tenho muitas (**). Um forte abraço.


2. Resposta do editor LG:

Camarada Estima, és bem vindo à Tabanca Grande!... Vou fazer a tua apresentação. Passas ser o nosso grã-tabanqueiro nº 708...

Como vês, já somos mais do que um batalhão. Vou dar conhecimento da tua presença à malta da tua companhia, registada no nosso blogue:

 (i) Jacinto Cristina, de Ferreira do Alentejo (representado pela sua filha, a engª Cristina Silva, que vive na Madeira; o Jacinto não tem email); 

(ii) Carlos Alexandre, de Peniche (, aliás, era conhecido pelo "Peniche", a última vez que falei com ele ao telefone, trabalhava nos estaleiros navais da sua terra); 

e (iii) Florimundo Rocha, de Alagoa, Algarve (também representado pela filha, Susana Rocha)...


Todos eles eram do 3º Gr Comb, "os fantasmas do leste"... Vão, por certo, ficar felizes por terem notícias tuas...

Quanto ao teu telefonema, já tem uns aninhos (*): deve ter sido em fevereiro de 2011... Na altura disseste-me que eras natural de Águeda, e que  trabalhavas em Aguada de Cima, mesmo junto ao Restaurante Vidal, um dos restaurantes de referência dos apreciadores de leitão. Deves conhecer os nossos camaradas da tua terra, Paulo Santigo e Victor Tavares...

Também, me pediste, nessa ocasião,  a tua entrada formal na nossa Tabanca Grande. Ficaste de pedir ajuda, a um dos seus filhos ou filhas, para digitalizar fotos do seu álbum. Pediste-me t6ambém para mandar um abraço à malta da tua companhia e do seu batalhão, extensivo a toda a Tabanca Grande. Demoraste uns aninhos, mas aqui estás!... Que sejas bem vindo!

Quanto às fotos do teu álbum, que dizes ter muitas, vai mandando, de preferências com legendas (data, local, etc.). Os créditos fotográficos serão sempre teus. Mandam as fotos digitalizadas com boa resolução. As que mandaste não estão más, mas podiam ter o dobro da resolução... E vieram sem legendas... Nas fotos nº 1 e 2, deves estar tu... Será que eras de arnas pesadas de infantaria ?  As fotos nº 4 e 5 dizem respeito ao obus 14... Estava em Piche ?... As fotos nº 6 e 7 parecem-me ser da ocasião em que a TECNIL, que estava a fazer a estrada de Piche-Buruntuma, sofreu um ataque com mortos e destruição de viaturas... As fotos nº 8 e 9 dizem respeito a um canhão sem recuo, montado num jipe, que foi à vida... Qual a razão ? Rebentamento de mina A/C ? RGP 2 ou 7 ? Autoexplosão ?.. A foto nº 10 deve ser sido tirada num destacamento, depois de um ataque...

E diz-nos algo mais sobre ti e a tua companhia... De que grupo de combate é que eras, quando passaste pela Ponte Caium, o que fazes atualmente, etc. Ah!, e não te esqueças de me mandar um foto atual, tipo passe, e outra, do tempo da Guiné, para a malta te reconhecer... Já são muitos anos de distância...  Serás o nº 708, em termos de antiguidade na Tabanca Grande: és o último que acaba de entrar...

Desejo-te boas festas para ti e toda a família. Muita saúde, feliz Natal. Luís Graça e demais editores e colaboradores.

3. Saudação da Cristina Silva, em nome do pai, Jacinto Cristina, com data de ontem:

Olá, meu amigo, Luís Graça!!

Espero que esteja bem, junto de toda a família!

Que bom ter notícias de mais um camarada da Guiné! Espero que em breve nos juntemos todos, a uma mesa portuguesa. com certeza, para estarmos e recordarmos...

Um grande beijo.

Cristina
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 8 de fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7742: O Nosso Livro de Visitas (106): José Fernando Estima, natural de Águeda, ex-Fur Mil, CCAÇ 3546/BCAÇ 3883, Piche, Cambor (1972/74)

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15501: Blogoterapia (273): Notícias do nosso camarada António Paiva, ex-Soldado Condutor Auto do HM 241 (Carlos Vinhal)

Como sabem, ontem 16 de Dezembro, o nosso camarada António Paiva [foto à esquerda] fez anos e, como é usual, publiquei o habitual postalinho de aniversário. 

À noite, recebi dele uma chamada telefónica a pedir desculpa por não ir agradecer, pelos meios informáticos, as manifestações de parabéns a ele dispensadas, porque se encontra bastante doente, notava-se pelo falar, e não sentia o mínimo de ânimo para escrever sequer uma mensagem.

Pediu-me que fosse testemunha e portador do seu agradecimento a quem a ele se dirigiu através do Blogue e do facebook.

Não tendo eu recebido autorização para entrar em pormenores quanto à sua doença, e respeitando a reserva de vida a que qualquer ser humano tem direito, posso afirmar no entanto que o achei muito doente e desamparado. 

Como alguns de nós saberá, ele vive só. O seu apartamento é num 4.º andar e sem elevador, pelo que lhe adivinho tempos difíceis. Incentivei-o a, junto da Segurança Social e unidades hospitalares a que recorre, solicitar apoio domiciliário ou um internamento temporário até recuperar a saúde que lhe permita viver sozinho sem sobressaltos.

Ao António Paiva desejamos que se restabeleça rapidamente e votos de que tempos melhores regressem ao seu dia-a-dia. Ultrapassado este momento menos bom, poderá voltar a ver a vida com esperança e regressar ao nosso convívio tão depressa quanto possível.

Caro António, até Monte Real, onde te esperamos como novo.

Em nome da tertúlia recebe um abraço
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 31 de julho de 2015 Guiné 63/74 - P14953: Blogoterapia (272): Segredos... de confessionário, precisam-se!... Neste nosso querido mês de agosto, baixa a G3, camarada, e conta-nos uma daquelas histórias que só se costumam contar na véspera da morte, para "alívio da consciência"....

Guiné 63/74 - P15500: (De)caras (26): Os homens grandes da Tabanca Grande saúdam a entrada do nosso ''mininu' Adilan (nome balanta)... e cuja autorização de embarque para a metrópole foi dada, ao "padrinho" Manuel Joaquim, em Bissau, em 29/4/1967, por certificado emitido pelo administrador de concelho Manuel da Trindade Guerra Ribeiro



Curioso documento, passado pelo administrador do concelho de Bissau, o célebre Guerra Ribeiro (que tinha vindo de Bafatá), de seu nome completo Manuel da Trindade Guerra Ribeiro, com data de 29 de abril de 1967, e que reza assim:

(...) Certifico, em face dos documentos que ficam arquivados nesta Administração, que o menor José Manuel Sarrico Cunté, de seis anos de idade, natural de Cunté, concelho de Bissorã, filho de pais desconhecidos, residente nesta cidade [de Bissau], está em condições e autorizado a embarcar para a Metrópole num dos navios da Companhia Colonial de Navegação, cuja saída deste porto está prevista para o dia 4 do próximo mês de maio, afim de fixar residência [ilegível], onde ficará sob inteira responsabilidade de Manuel Joaquim, de 26 anos de idade, furriel miliciano [ilegível], 1966, conforme termo de compromisso e responsabilidade assinado pelo mesmo e que fica arquivado nesta Administração (...)

O administrador Guerra Ribeiro, mais tarde superintendente no tempo de Spínola, era pai do nosso camarada Rui Guerra Ribeira (. Segundo ele me confidenciou,  há tempos, foi levado com escassos meses para Guiné onde o pai, transmontano,  fez a carreira de administrador; estudou na metrópole, da 4ª classe ao 5º ano do liceu, voltou à Guiné, voltou de novo  a Portugal para fazer a academia militar, foi capitão da 15.ª CCmds, em Angola, onde foi ferido num braço; regressou  à Guiné, para se recuperar; foi ajudante de campo do Governador e Comandante-Chefe Bettencourt Rodrigues, e assistiu à sua prisão, em 26 de abril de 1974,  quando o MFA de Bissau tomou de assalto a fortaleza de Amura e o destitui; o Rui foi, há muito convidado para integrar o nosso blogue; amigo do António Estácio tem participado nalguns dos nossos encontros anuais).




Guiné > Região de Cacheu > Mapa de Bigene (1953) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Cunté, entre Barro (a noroeste) e Bissorã (a sudoeste)... É a terra do Zé Manel, que tem o apelido "Sarrico" do 2º sargento Casimiro Sarrico, da CCAÇ 1419 (BissauBissorã e Mansabá, 1965/67),  veterano da guerra de Angola, que o trouxe do mato, na sequência de um operação militar, em janeiro de 1966, e que cuidou dele até ao acidente grave com granada de fumos que o vitimaria um a mês depois; e ainda o apelido da terra onde supostamente nasceu (Cunté). (*)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015)


1. Seleção de alguns comentários de ao poste P15493 (**)

(i) António Murta:

Querido amigo Manuel Joaquim:

A história da ligação da tua vida à daquele que viria ser o teu "mininu", é das páginas mais tocantes e bonitas de todas as que enriquecem o nosso blogue. Por isso nutro por ti a maior admiração e consideração. E pela grandeza que te conforma, tão bem disfarçada na tua simplicidade desarmante. Emociono-me sempre ao lembrar-me da tua corajosa atitude, sempre que te vejo numa foto ou numa referência. Tanto assim é que em março de 2014 criei uma “pasta” para onde descarreguei os postes completos da tua história com o José Manel, para ter à mão e reler quando quisesse. Mas nunca mais li a história completa devido à emoção. Chama-se a pasta "Adilan – Uma história emocionante". Não teço estes elogios de forma gratuita, mas pelas razões já apontadas e porque sei que poucos teriam a tua coragem e responsabilidade, mesmo atendendo às circunstâncias que descreves. Nessas circunstâncias, eu, que não me considero propriamente um bruto, passe a imodéstia, posto perante tal responsabilidade, (responsabilidade para comigo próprio, para com a criança, para com a minha mãe e para com a minha futura mulher), acho que se me evaporavam os álcoois num ápice e não assumia nada sem muita ponderação. Na verdade, acho que nunca seria capaz...Deixo-te um abraço fraterno e desejo-te as maiores felicidades, bem como às tuas meninas e ao “mano”, a quem também dou as boas vindas à Tabanca Grande, se me é permitido.A. Murta.


(ii) J. Gabriel Sacôto M. Fernandes:


Manuel Joaquim, sabes bem como admiro a história humana, magnífica que envolve a tua pessoa e família e o teu menino, o José Manuel Cunté. Claro, portanto, que pela minha parte, só é tardia a adesão dele à Tabanca Grande, pois que, para além do envolvimento directo e suas circunstâncias entre ti e o José Manuel, ele é na verdade um símbolo de muitas situações porque todos nós passamos na Guiné, num misto estranho de sacrifício e nostalgia, com más, mas também muito boas memórias de vária índole.

Um forte abraço aos dois, JS

PS - Quanto aos meios informáticos de que ele carece para se envolver no Blog, talvez possa resolver com um computador e respectivo monitor que não estou a utilizar.


(iii) Francisco Baptista:

Amigo Manuel Joaquim:

De ti espero sempre o melhor porque tu em generosidade e humanidade superas a maioria de todos nós. Eu, relativamente novo no blogue, desconhecia este teu gesto tão nobre e confesso que fiquei muito emocionado ao ter conhecimento dele. Uns apregoam o amor ao próximo, outros praticam esse amor. Bem-aventurado tu que o praticas,

Um grande abraço para ti e para o José Manuel Cunté. Francisco Baptista


(iv) Luís Graça:

Há histórias (humanas) que nos reconciliam com a humanidade... Esta é uma delas... Uma grande história de solidariedade e de amor, a de um grande "minino", o Zé Manel, e de um grande homem, o Manuel Joaquim, e de uma grande família, de 4 grandes mulheres... Merece ser aqui recordada neste Natal...

Sé bem vindo à Tabanca Grande, Zé Manel!... LG

Sê bem vindo, Zé Manel,
"Hha mininu" da Guiné,
Foste mascote de quartel,
Apanhado em Cunté.

Apanhado em Cunté,
Mas salvo por gente boa,
Tua tabanca agora é
A nossa querida Lisboa.

A nossa Lisboa querida,
Sede da Grande Tabanca,
Onde se brinda à vida
E a amizade é sempre franca. (***)



(v) Manuel Joaquim:
O Zé Manel mais as "manas", filhas do Manuel
Joaquim, a quem ele trata por "padrinho"


Ora cá temos o "nha mininu Adilan" como membro desta Tabanca!

Dei-lhe a notícia ao princípio desta noite, logo que cheguei a casa vindo do armazém da Ajuda Amiga~,  sito no quartel de Lanceiros 2, na Amadora (o antigo quartel dos Comandos), onde estamos a selecionar e a embalar bens para encher dois contentores com destino à Guiné e com embarque marcado para daqui a um mês.

Estou comovido com o teor dos comentários supra. Muito obrigado, meus caros camaradas.

O Zé Manel está bem. Poderia estar melhor se a grande empresa (que já foi) onde trabalha não andasse cheia de problemas económicos e financeiros. Mas ele ainda não foi despedido, resta-lhe de lá esta consolação.

João Sacôto, meu estimado amigo, muito obrigado pela tua intenção de ajuda. A resposta do Zé Manel à tua possível oferta foi de regozijo imediato. Temos de combinar o modo de processarmos a entrega, se for caso disso.

Luís Graça, irei exercer alguma pressão para o Zé colaborar diretamente neste blogue. Também eu gostava que o fizesse. Capacidades tem ele para o fazer, agora querer fazê-lo ... não sei. O "low profile" é marca sua quanto aos seus assuntos da Guiné-Bissau (refiro-me ao tempo que lá viveu e trabalhou, dos 17 aos 30 anos). Tenho esperança em que algo se há-de arranjar.

Um grande abraço global para os membros deste blogue, de que tanto gosto independentemente de concordar ou não com o que nele se publica.

Festas Felizes para todos!

Manuel Joaquim
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de  10 de novembro de  2010 > Guiné 63/74 - P7261: História de vida (32): Adilan, nha minino. Ou como se fica com um menino nos braços - 1ª Parte (Manuel Joaquim)

(...) Bissorã, 11/ 01/ 1966. Ordem operacional para a CCaç 1419: "limpeza” da tabanca de C[unté], trazendo a sua população para Bissorã. Ao meu grupo de combate cabe-lhe ficar em casa, aguardando o dia seguinte com a missão de organizar a recolha de toda a gente na ponte (destruída) sobre o rio Blassar, limite transitável da estrada Bissorã/Barro. (...)

(**) Vd. poste de 15 de dezembro de  2015 > Guiné 63/74 - P15493: Tabanca Grande (477): José Manuel Sarrico Cunté - "mininu" Zé Manel do nosso camarada Manuel Joaquim - 706.º Grã-

Guiné 63/74 - P15499: Tabanca Grande (478): Armando Silva Alvoeiro da Costa, ex-Fur Mil Mec Auto da CCAV 3366/BCAV 3846, Susana, 1971/73 - 707.º Grã-Tabanqueiro

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Armando Silva Alvoeiro da Costa (ex-Fur Mil Mec Auto da CCAV 3366/BCAV 3846, Susana, 1971/73), com data de 14 de Dezembro de 2015:

Camarada Luis
Apresenta-se ao serviço, do blogue e para o que for preciso, Armando Silva Alvoeiro da Costa, Furriel "Rodinhas", servi na CCAV 3366 de 1971 a 1973 em Susana no pelotão de manutenção auto, furriel miliciano do Serviço de Material.

Um abraço para ti e para todos os camaradas que tenham acesso ao blogue, e felicito-te pela ideia e pelo trabalho realizado no blogue.
Fico feliz pelo reencontro e estou disponível para partilhar fotos deste período histórico de que fizemos parte.

Armando Costa

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Susana, extremo noroeste da Guiné. Chão Felupe.

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2. Comentário do editor

Caro Armando Costa
Sê bem-vindo à nossa tertúlia.
És a prova de que, ao fim de 12 anos, este Blogue ainda tem muito para dar. Como tu, há muitos camaradas que demoram a juntar-se a nós e a dar o seu contributo para refrescar esta página que está necessitada de mais fotos e textos que retratem, e registem, os acontecimentos vividos por nós em terras da Guiné, nos diferentes anos e chãos. Cada um de nós foi uma forma de ver e sentir aquela guerra pelo que todos somos únicos.
Ficamos então receptivos às tuas memórias escritas e fotográficas.
Nesta tua apresentação faltou a jóia de inscrição, uma pequena história passada contigo, ou não, e uma ou outra foto, legendada, daquelas que tens por aí e julgavas já não ter utilidade, mas que podem ser de novo apreciadas pelos teus pares e, quem sabe, reavivar memórias.
Na tertúlia podes encontrar três ilustres camaradas do teu Batalhão, a saber: Luís Fonseca e Delfim Rodrigues da tua Companhia, assim como o Joaquim Cruz da CCS.
Antes de terminar deixo-te um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores desta página.
O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Poste anterior da série de 15 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15493: Tabanca Grande (477): José Manuel Sarrico Cunté - "mininu" Zé Manel do nosso camarada Manuel Joaquim - 706.º Grã-Tabanqueiro

Guiné 63/74 - P15498: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXVI Parte): Uns continuaram nessas guerras, outros noutras - 2

1. Parte XXVI de "Guiné, Ir e Voltar", série do nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489, Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67.


GUINÉ, IR E VOLTAR - XXVI

Uns continuaram nessas guerras, outros noutras (II)

O Capitão Rubim fez 4 comissões, num total de 9 anos em África. Nos anos de brasa envolveu-se ou foi envolvido pelos acontecimentos do 25 de Novembro, esteve preso em Custóias e em Caxias. Depois de ter passado à reserva dedicou-se àquilo que sempre o interessou, o estudo da história militar. Foi professor na Academia Militar, deu aulas a mestrandos nas Faculdades de Letras de Lisboa (Universidade Clássica) e Coimbra, montou vários projectos museológicos, como a Artilharia da Fragata D. Fernando, o Museu da Escola Prática de Artilharia, o Forte de Oitavos em Cascais, foi colaborador da Comissão Nacional dos Descobrimentos e do IPPAR num estudo que realizou sobre a Torre de Belém e tem feito palestras e conferências para alunos de Escolas Primárias, professores universitários, idosos iletrados. Tem vários trabalhos publicados, a maioria como separatas da Revista de Artilharia. E continua a investigar e a escrever enquanto para isso se sentir com forças.

O Neves da Silva, depois de regressar à metrópole, pensou acabar a licenciatura, a necessidade do sustento imediata não lhe deu tempo, decidiu ingressar num corpo militarizado e passar ao quadro permanente. Como capitão foi destacado para a Presidência da República, forneceu a segurança a dois presidentes, acompanhando-os para todo o lado, deu a volta ao mundo mais que uma vez, viu muita coisa, até um em cima de uma tartaruga. Esteve lá mais tempo que o Almirante Américo Tomás, só abandonou o Palácio de Belém quando, como Coronel, passou à reserva.

A guerra foi-lhe madrasta, a morte e o sofrimento andaram sempre com ele. A primeira vez que saiu a comandar os "Vampiros" o Vilaça passou por uma mina anti-pessoal, não a pisou, caiu a rifa ao Soldado Florêncio Terêncio. O Vilaça e os que estavam próximos voaram sem terem asas.
Quando deram pelo que tinha acontecido, faltava uma perna ao Florêncio. Não gemia, mas ainda disse umas palavras: "Meu alferes, isto não é nada, para a semana já estou operacional..."
A partir daí sempre que o Vilaça ia para o mato, por isto ou por aquilo, as coisas nunca correram bem.

Já na metrópole, o pai deitou-lhe a mão, trouxe-o para a loja de acessórios de automóveis que tinha em Braga. Com a psiquiatria sempre atrás, passaram-lhe uma receita, que arranjasse namoro, o que fez com uma linda bracarense, teve filhos, vendeu rolamentos, desodorizantes, casquilhos, óleos, pastilhas para os travões.

Separou-se da mulher, o pai morreu-lhe, passou a loja. Continuou a trabalhar em acessórios de automóveis nos arredores do Porto, ia passar os fins-de-semana a Braga com os filhos, já adultos e encarreirados. Passava largos períodos de tempo sem dar notícias, depois surgia outra vez como se tivesse interrompido a conversa no dia anterior.

A única coisa que o atrapalhava ultimamente era uma poliartrite, que quase o imobilizava. Até que um dia deu outras notícias. Que afinal por trás do tal reumatismo se escondia um cancro no pulmão. Em meia dúzia de meses, tirou um pulmão, fez quimioterapia, desapareceram as dores, passou umas belas férias em Caminha num Setembro tranquilo, voltou outra vez todo entusiasmado até às vésperas do Natal de 2006. "Olha pá, estou a falar-te para me despedir! Estou nas últimas. Um abraço, pá!".

Ainda conheceu a neta dias antes de ser enterrado no cemitério de Monte de Arcos, Braga.

O Rainha foi viver para a sua terra à beira-mar, no regaço da família, o pai influente meteu-o numa multinacional de papel. Um abraço muito apertado à sua mais que tudo reiniciou o processo, rumo ao altar, filhos a seguir, atirado para a frente como sempre. Tal como muitos outros, envolveu-se no trabalho, deixou de dar notícias, até o nome desapareceu das listas telefónicas. Soube-se depois que deu umas voltas à vida. Separou-se, casou outra vez, reformou-se, separou-se e voltou a casar, mudou-se para o Algarve, regressou à Figueira.

Vamos lá a ver se desta é de vez! Com estes imbróglios todos foi ganhando peso, chegou aos 170 quilos. Pensa em dietas e em gatos persas e também não esquece a pistola que apanhou, em Catungo, ao Pansau Na Isna e que, muitos anos mais tarde, serviu para ser julgado em Tribunal por ter uma arma de guerra em casa. Como se soube? A mulher, aquando do divórcio não lhe perdoou, pegou na arma e levou-a à Polícia.

A maior parte dos soldados desapareceu das vistas. Uns foram para França, um ou outro para o Brasil, Canadá, Estados Unidos, espalharam-se quase todos pelo estrangeiro, na construção civil e comércio. Dos que se sabe terem cá ficado, um ou outro foi sendo visto em Guimarães, Castelo Branco, num lado qualquer por aí.

O Alferes Godinho, um dos Comandos da Operação Tridente no Como, e mais tarde o chefe dos "Camaleões", embalado com a velocidade dos últimos tempos na Guiné, estampou-se com gravidade numa recta do seu Alentejo e recuperou muito devagar. Empregou-se a seguir num banco da baixa lisboeta onde trabalhou até morrer há alguns anos com uma cirrose hepática.

O Valente pequeno, o Mário Valente, continuou na tropa nos dois primeiros anos, no Ministério do Exército ali ao Terreiro do Paço, depois trabalhou quase até à idade da reforma em Lisboa, no representante de uma das maiores marcas alemãs de automóveis até ser apanhado também pela onda das fusões e das rescisões de contratos.

Com tempo disponível apesar de ser avô, ainda geriu durante uns anos, graciosamente, um canil para cães abandonados, perto da casa onde cuida da mulher, quase inválida, na margem sul.


Cerimónia do 10 de Junho de 1963
Imagem pertença do autor

O Saraiva mal acabou o curso da Academia Militar, formou uma Companhia de Comandos em Lamego, a 9.ª. Foi para Moçambique, à procura da Frelimo, uma mina anti-pessoal encontrou-lhe um pé, era uma vez um Comando, desfez-lhe a carreira num segundo1

Depois veio o 25 de Abril e os tempos turvaram-se. Presença habitual nas cerimónias do 10 de Junho na Praça do Comércio em Lisboa, não se sentiu confortável com a turbulência que se seguiu e ausentou-se do país.

Meses depois, a Associação de Comandos recém-formada quis fazer um inventário de todos os Comandos, descobriu-lhe o paradeiro em Madrid e enviou uma carta dirigida ao Excelentíssimo Senhor Capitão Comando Maurício Leonel de Sousa Saraiva. Duas ou três semanas depois recebeu a carta de volta metida dentro de um envelope que dizia “Não sou Exmº Sr., sou Capitão Comando na reforma extraordinária compulsiva do ex-Exército Português”.

Depois desta breve troca de correspondência deixou de se ouvir falar dele uns tempos, os Abris abertos não eram propícios a um guerreiro como ele.

Anos mais tarde reintegraram-no. Não que o tivesse pedido. Passou à reserva como Coronel em Setembro de 1987 e viveu mais uns anos até um cancro na laringe tomar conta dele, em Março de 2002.

O Capitão Garcia Leandro depois da Guiné foi para Timor como Chefe de Gabinete do Governador e já depois do 25 de Abril foi Governador de Macau entre 1974 e 1979.

Foi professor do IAEM e professor convidado do ISCSP entre 1999 e 2005, para o Mestrado de Estratégia, sendo actualmente professor da U.C.P., da U.N.L. e da U.A.L., para Mestrados relacionados com a Segurança, Defesa, Paz e Guerra.

Desempenhou várias funções. Conselheiro Militar da Delegação de Portugal junto da OTAN (PODELNATO) Bruxelas, Comandante Operacional das Forças Terrestres, Comandante da Componente Militar da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO), Director do IAEM, Vice-CEME, Director do I.D.N. e Presidente do Conselho Coordenador do Ensino Superior Militar. Representou Portugal em múltiplas reuniões internacionais e tem publicado vários trabalhos e artigos e participou em conferências em Portugal e no Estrangeiro no âmbito da Estratégia, das Relações Internacionais, da Gestão de Crises, dos Sistemas Colectivos de Segurança e das Missões de Apoio à Paz. Foi ainda Presidente do OSCOT (Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo), Membro do “Academic Council on the United Nations System”, Académico Correspondente da Academia Internacional da Cultura Portuguesa e Membro da Assembleia Estatutária da Universidade Aberta.

O Alferes de Barro, o Toilas, entrou para a Refinaria da Petrogal em Leça. Farto de trabalhar por turnos de 8 horas seguidas ingressou no ensino e em 2005 ainda dava aulas.

Depois de um grave acidente na auto-estrada Lisboa-Porto nunca mais foi o mesmo, traumatismo craniano, pneumonia, depressões, umas coisas atrás das outras. Como se soube? Coincidências! Num curso de formação na Curia, ao jantar de um desses dias, sentou-se num lugar vago, no meio deles, trinta e tal. Palavra puxa palavra, o jovem sentado em frente era filho do Toilas. Não perdeu tempo, pegou no telemóvel e ligou para o pai. Depois passou-lhe o telefone. Toilas, sabes quem está em frente ao teu filho? Lembras-te do tarrafo de Buba, de Barro e Bigene, de Sano? Não pode ser! Pode, pode, Toilas!

O Coronel Nobre Silva, o de Teixeira Pinto e de Catió, o tal do capacete, terminou a comissão da Guiné antes do tempo, regressou à metrópole amargurado, sem nunca saber quem foi ou quem foram os engraçadinhos que lhe encostaram o tal pau à cabeça. Pouca gente reparou no anúncio que, há uns anos, a Servilusa pôs no Diário de Notícias comunicando o seu óbito.

O Carlos Morais, o Carlos da Helena, quando chegou a Lisboa, tinha o pai internado nos cuidados intensivos do serviço da cardiologia do Santa Maria. O médico acabara de lhe dizer que o enfarte não fora de grande extensão, uma vida regrada, mais calma e tudo se iria compor, quando a coisa se complicou. Enterrou-o na semana seguinte. Tomou conta dos negócios, abriu uma pequena fábrica de lanifícios para os lados de Portalegre, casou-se com a secretária um ano depois na Estrela, os filhos vieram a seguir.

Muito dinheiro ganho nos tempos da bolsa, antecipou-se à crise da têxtil, vendeu as fábricas, mudou de ramo, enveredou pela restauração primeiro, depois alargou-se ao comércio da noite, muitas brancas depois passou tudo para os filhos. A última vez que ouviu falar dele foi que vivia num monte para os lados de uma barragem no Baixo Alentejo.

A bela Helena do Carlos Morais regressou mais cedo do que o contrato estabelecia. Mas o pai do Carlos, reconhecido, liquidou-lhe tudo, como se tivesse feito a comissão inteira, 60.000 escudos, na altura uma fortuna para uma moça tão nova, mais o Austin Sprite quando chegasse no navio. Abriu uma loja de pronto-a-vestir para crianças.

O Capitão Marques, o artilheiro das boites, prosseguiu na carreira militar. Quando acabou a comissão tinha à espera a família e um MG verde-escuro com capota de lona preta. Foi colocado no Regimento de Artilharia da Serra do Pilar, em Gaia, antes de voltar a ser mobilizado. O 25 de Abril também o apanhou, calhou virar-se para a resistência às mudanças, foi para o Brasil primeiro, depois para Madrid, fez-se colaborador do General Spínola, até tudo acalmar. Até morrer, amante da boa vida, andou sempre calçado com os últimos modelos que faziam capa dos Automobiles.

O Furriel Valente de Sousa passou à peluda, 28 dias depois de ter chegado a Lisboa. Casado, com um filho de berço, optou pela vida civil. A ideia de ir para o Biafra, a mania das guerras, desapareceu tudo, mais depressa ainda quando os apertou nos braços. Nunca mais vos deixo! Arranjou logo trabalho nas Páginas Amarelas, andou que se fartou pelo país todo, entusiasmou-se, foi promovido. Nunca se soube porquê, depois dos verões quentes dos meados da década de 70, foi até ao Brasil, deve ter gostado porque ficou por lá.

Nunca mais deu notícias. Há poucos meses alguém disse que já tinha morrido.

O General Schulz governou a Guiné de Maio de 64, altura em que o PAIGC começou a intensificar a luta armada, até Maio de 68, quando foi substituído pelo General Spínola. Na metrópole era o Director do Instituto dos Altos Estudos Militares quando o Major Fabião, o tal de Tite, denunciou publicamente, logo no início de uma aula, que estava a ser planeada uma intentona da extrema- direita liderada pelo General Kaulza que tinha em vista a eliminação física dos Generais Spínola e Costa Gomes. Depois do 25 de Abril foi preso em 14 de Janeiro de 1975, acusado de, entre 1958 e 1961, ter sido ministro de Interior da ditadura, e, como tal, responsável político pela PIDE/DGS.

Na cela, confessaram antigos responsáveis pela prisão, deram-lhe uma colher como talher. Esteve detido até Janeiro de 1976, vindo a ser julgado no 3.º Tribunal Militar Territorial de Lisboa e absolvido em sentença de 5 de Abril de 1982. Curiosamente nada sucedeu aos civis que desempenharam funções como ministros da mesma pasta.

Retirou-se para a avenida dos Estados Unidos da América, para um andar que tinha, ali para os lados dos cinemas Quarteto até morrer em 1993.

O conhecimento da praia dos Biscoitos, da Terceira, viu-a muitos anos depois em Lisboa, numa rua a descer para a Avenida da Liberdade, quem diria, tão mau aspecto, velha, gorda, um perfume tão vulgar.

A Dora veio para Lisboa logo depois do 25 de Abril. Quando chegou à Portela, disse ao taxista que queria ir para Cascais, com a rua e o número na mão. Em frente a uma vivenda de muro alto amarrou-se à campainha. Uma criada com farda abriu o portão grande e viu-a, boina verde inclinada na cabeça, dois malões no chão. Zé Andrade2 está? Abriram-lhe a porta, a mãe do Andrade aproximou-se, hesitou, não pôde fugir com o rosto. Telefonou para Lisboa para o emprego do filho, contou-lhe a novidade, e agora o que queres que faça? A seguir, aberto o sorriso, sentou-se com ela, fez-lhe companhia no chá com torradas.

Depois foi viver para Odivelas, a seguir mudou-se para Birre, perto de Cascais. Durante alguns anos, poucos, trabalhou num jardim-de-infância. Com olho para o negócio, tornou-se sócia de uma pequena empresa de limpezas, onde deu emprego a jovens africanas, brasileiras, ucranianas e moldavas. Nunca foi muito de se deixar perder por homens, que se saiba. O único amor que se lhe conheceu foi tiro e queda. Numa montra de um stand de viaturas usadas da Mercedes, sem rugas, prateado, novinho em folha. Um SLK.

O Vasco Correia3, o pai da Teresa, ficou viúvo dois anos antes da independência. Depois do golpe do Nino, retirou-se para Cabo Verde.

O Capitão dos Comandos novos, o Alves Cardoso, estava em Angola quando se deu o 25 de Abril. Envolveu-se, ao que se diz, na luta contra o MPLA e foi ferido com gravidade.

Depois, deu corda aos sapatos para o sul de África, onde se manteve uma dezena de anos até regressar. Um olhar conhecido dele, encontrou-o muitos anos depois, arrefecidas as brasas, na praça de Londres, em Lisboa. Cara para o lado, sempre a cultivar o mistério. Mas sempre um grande capitão. Morreu em 2014.

Nino, sentido, porra! Uma lenda da guerra da independência. No PAIGC desde 1960, responsável por zonas de guerrilha, preso em Catió por um acaso fortuito pelas autoridades, circulava sem o recibo comprovativo do pagamento do imposto de circulação, não o das viaturas, claro.

Um cabo cipaio, por sinal casado com uma irmã de um tal João Bacar Jaló, que, poucos anos depois, a guerra viria a tornar uma figura mítica, libertou-o. Membro do bureau político do Partido logo em 64, chefiou a resistência no Como ao famoso 490 de cavalaria e foi no Como que os Comandos mais antigos experimentaram a sua têmpera, de tal forma que sempre que se falava no nome do Nino, fosse na instrução, no Hotel Portugal, na casa da Dora, nas casas de meninas, fosse onde fosse, punham-se todos em pé, calados, em sentido. Uma praxe como qualquer outra, claro!

Nino Vieira continuou a subir na hierarquia. Responsável político-militar da frente sul, responsável nacional das operações militares, mais tarde, foi ele próprio, em pessoa, quem comandou os ataques ao aquartelamento de Guileje. Se alguém tinha que ser, ao menos que fosse ele.

Após a independência foi Comissário de Estado das Forças Armadas, 1.º Ministro, Presidente do Conselho da Revolução, até correr com o Luís Cabral, o irmão de Amílcar, e matar a união política entre Cabo Verde e a Guiné.

Anos depois, na sequência dos acontecimentos de Casamansa, outro golpe, mas agora contra ele. Retirou-se para Portugal, Gaia, onde oficialmente residiu uns anos até se decidir por nova candidatura à Presidência da República da Guiné-Bissau, desmentindo assim as previsões dos que defendiam que a sua carreira político-militar tinha acabado. Mas as coisas não correram bem. Nem para a Guiné-Bissau, nem para o Nino. Em mais uma crise político-militar, já depois de se ter visto ameaçado em finais de 2008, Nino foi morto numa sangrenta madrugada de Março de 2009.

O Capitão Valente da CCS do QG passou à reserva pouco tempo depois, a saúde já não era a mesma, retirou-se para o seu Ribatejo, para a sua roda de amigos, uma patuscada de vez em quando, um copo de tinto ao lado que só fazia bem. O orgulhoso casapiano não gozou muito tempo esses dias, uma alma tão boa merecia estar viva ainda, ou se calhar foi melhor para ele, depende.

O Alferes Gião fez dois meses de férias quando chegou, mudou-se do Alentejo para a capital, meteu-se nas engenharias, especializou-se em informática. Uma grande empresa do ramo chamou-o para organizar o departamento, por lá andou anos a fio, até que a onda das rescisões também o apanhou, o que lhe deu muito jeito. Instalou-se num condomínio de luxo para os lados de Carnaxide e começou a dar aulas de sistemas de informação numa escola superior em Lisboa. Mais de 30 anos depois, à porta do mercado de Alvalade, num sábado de manhã, encontraram-se, um a subir as escadas, o outro a descer, com outros óculos e ainda mais baixo que antes.
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Notas:

1 - O Capitão Maurício Leonel de Sousa Saraiva foi várias vezes condecorado. Na sua "Caderneta Militar", entre outras, constam duas medalhas de Valor Militar com Palma, a de Prata e a de Ouro, e a Torre e Espada, Grau de Oficial.

2 - Nome fictício
3 - Nome fictício

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior da série de 10 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15473: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXV Parte): Uns continuaram nessas guerras, outros noutras - 1

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15497: Historiografia da presença portuguesa em África (67): Na agonia da presença portuguesa em Ziguinchor (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Novembro de 2015:

Queridos amigos,
Convida a leitura do documento correspondente ao abaixo-assinado de negociantes portugueses a viver em Ziguinchor.
Todo este período correspondente à primeira metade do século XIX é de puro declínio, os franceses não se foram infiltrando na região do Casamansa guerreando, simplesmente não encontraram resistência, estamos no fim do comércio negreiro, as hostilidades dos autóctones é enorme, basta ler os livros de René Pélissier e de Pierre Mendy. E a carta diz tudo, era uma aventura atravessar de Ziguinchor até Cacheu, pelo menos três portagens.
Curiosamente, enquanto tudo isto se passa, Honório Pereira Barreto, com dinheiro do seu bolso e hábil diplomacia dilata o território da Coroa. E quando chega a Convenção Luso-Francesa de 1886 os franceses impuseram as suas condições: ficaram com o Casamansa e deram-nos a península de Cacine.
A História dita as suas regras: o Casamansa que ainda hoje ver respeitada a sua identidade Mandinga e a região de Cacine aderiu facilmente à propagando do PAIGC.
Para que conste.

Um abraço do
Mário


Na agonia da presença portuguesa em Ziguinchor

Beja Santos

Folheava os diferentes números do boletim “Ecos da Guiné”, que teve alguma importância informativa oficial no início da década de 1950, quando, no número 29 de 1 de Dezembro de 1952 encontrei um documento trazido por Alexandre Almeida, um abaixo-assinado enviado por um conjunto de negociantes de Ziguinchor ao Governador-Geral de Cabo Verde, em 13 de Abril de 1944, é este o seu teor:
“Os abaixo-assinados, negociantes e comerciantes do presídio de Ziguinchor, vão hoje levar à presença de V. Ex.ª a mais justa das queixas e esperam que V. Ex.ª os atenda como julgar merecer.
Desde há muitos anos que este Presídio vive absolutamente abandonado por Cacheu, sem providência e sem socorro, apenas é lembrado por este quando tem a enviar alguns soldados insubordinados e de péssima conduta.
Há pouco, os estrangeiros intentaram roubar o único negócio que ainda os portugueses fazem com vantagem que é o do sal, em terras de Felupes Jugubel; foi um particular e não o governo quem obstou a tal, fazendo com dispêndio contratos com o gentio de mora naquelas paragens.
Não obstante este culpável desamparo, os abaixo-assinados têm audácia de asseverar a V. Ex.ª que é o presídio mais respeitado do gentio; porque os abaixo-assinados e o povo não duvidam expor a vida para vingar o mais leve insulto feito à Bandeira Nacional.
Os abaixo-assinados não recebem nem exigem louvores por factos que são em cumprimento do dever. Mas se os abaixo-assinados não podem encómios e distinções também não querem ser ofendidos nos seus interesses já tão minguados em todo este Rio Casamansa.
Acaba de ser ordenado que os abaixo-assinados não possam comprar fazendas aos navios que aportam este presídio, devendo eles ir comprá-las a Cacheu, cuja viagem é, além de dispendiosa, perigosa. A incúria de tal ordem é fácil de ser demonstrada. Os habitantes de Ziguinchor têm já que lutar contra a ruinosa concorrência estrangeira que se apossou deste riquíssimo rio, pois em 1837 os franceses fundaram uma feitoria em Sejo; sendo de notar que são estes mesmos estrangeiros quem nos vende géneros por um preço tal que por pouco mais ou menos custam ao gentio, onde os abaixo-assinados vão negociar.
Ora, se além dos direitos já pesados que os abaixo-assinados hão de pagar acrescer as despesas de viagem até Cacheu, em canoas que pouco ou nada carregam, decerto os abaixo-assinados não poderão vender os seus géneros ao gentio, e ver-se-ão reduzidos à miséria que será a paga pelos seus sacrifícios!
A viagem de Cacheu é bastante perigosa como já se disse: porque tem de se passar um estreito, onde se pagam três impostos a três régulos gentios, demasiadamente insolentes. Conquanto esta proibição de negócio ainda não se tenha posto em vigor, contudo existe, de direito e é contra ele que os abaixo-assinados reclamam providências de V. Ex.ª.
À vista do exposto, os abaixo-assinados rogam a V. Ex.ª se digne de terminar que fique de nenhum valor a ordem que proíbe tão injustamente aos habitantes de Ziguinchor comprar fazenda aos navios que vêm a este porto.
Não pense V. Ex.ª que os abaixo-assinados se negam a pagar os direitos: eles os têm pago e continuarão a pagar”.

Segue-se uma lista de assinaturas encabeçada por Francisco Carvalho Alvarenga.

Não se desconhece que a presença portuguesa na região é débil, os conflitos com as etnias não abrandaram a despeito dos efémeros tratados de concórdia. Basta recordar o que se passa em Bissau, em que os militares e negociantes vivem dentro da fortaleza e quando saem para Bandim ou Intim são imediatamente hostilizados. Fora formalmente abolida a escravatura e não se vê a solução à vista para manter em condições a fixação de população. Fomos abandonando a região de Casamansa e os franceses infiltraram-se insidiosamente. Mesmo quando invocamos a nossa presença histórica na região do Casamansa, as autoridades de Paris não nos atenderam. Fomos libertando os escravos, a decadência atingiu tal proporção que a Coroa tomou medidas drásticas, separando a Guiné de Cabo Verde, dando um governador à região.

Atenda-se ao teor da carta: Cacheu, debilitada, praticamente ignora o presídio de Ziguinchor, só se lembra desta posição quando é necessário recambiar corrécios, os motins de tropa indisciplinada, maltrapilha, eram prática habitual; e atravessar o Norte da Guiné era uma aventura dispendiosa. Este documento é contemporâneo de dois fenómenos importantes: o aceso da resistência das etnias à presença portuguesa e o esforço admirável de Honório Pereira Barreto que cedeu propriedades e fez contratos com régulos para aumentar o território efetivo da Coroa. O investigador António Duarte Silva já se referiu a esta situação: ao começar a segunda metade do século XIX a presença portuguesa na Guiné, embora antiga, mantinha-se muito limitada. Reduzia-se a uma praça (a de Bissau), quatro presídios (Cacheu, Geba, Farim e Ziguinchor), um posto (Bolor) e a Ilha de Bolama. Todos estes estabelecimentos se encontravam sujeitos ao governo das ilhas de Cabo Verde e como refere Honório Pereira Barreto estavam permanentemente “cercados por gentios mais ou menos insolentes, mas que geralmente dominam os Portugueses (…) Dos gentios vizinhos aos nossos estabelecimentos vêm os sustentos (…) Os habitantes, à exceção dos poucos notáveis, seguem os costumes dos gentios, de que descendem (…) São preguiçosos, indolentes, inertes, e a nada se querem aplicar; podendo, se quisessem, levar a grande escala a agricultura, pois o terreno é fecundo”. É neste contexto de letargia que outro fenómeno importante irá ocorrer, importância que extravasa a Guiné: os Fulas submetem os Mandingas e entram ostensivamente no território que é hoje o Gabu. Irão ter um papel determinante na pacificação, tornar-se-ão o mais poderoso aliado da potência colonial.



Ziguinchor tem muitas parecenças com o Bissau Velho. Quem me fez esta observação foi alguém que me ajudou a preparar o contexto do meu livro “Mulher Grande”, alguém que viveu no Norte da Guiné entre 1952 e 1961 e que ia regularmente a Ziguinchor. Aqui viveu Luís Cabral no tempo da luta de libertação, era um ponto fulcral devido à presença de bastantes comerciantes cabo-verdianos e de muitos guineenses que escaparam à guerra.
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15495: Historiografia da presença portuguesa em África (66): James Pinto Bull, deputado guineense (1913-1970), da União Nacional, comenta na Assembleia Nacional,em 10/2/1968, a visita oficial do presidente da República à Guiné (que teve início em 2/2/1968, e cujo roteiro incluiu Bissau, Bafatá, Gabu, Bolama, Bubaque e Safim)

Guiné 63/74 - P15496: Os nossos seres, saberes e lazeres (132): o casal João e Vilma Crisóstomo recebem em sua casa, em Nova Iorque, o ex-comandante do Navio Escola Sagres, Malhão Pereira, o embaixador Mendonça e Moura, e mais três dezenas de membros de comunidades portuguesas da área metropolitana nova-iorquina










Recorte do "Lusoamericano", 11 de novembro de 2015, p. 37.Recorte enviado em 23/11/2015 pelo João Crisóstomo, nosso amigo e camarada, ex-alf mil, na CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/66), conhecido ativista comunitária e figura prestigiada dfas comunidades portuguesas dos EUA.

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Guiné 63/74 - P15495: Historiografia da presença portuguesa em África (66): James Pinto Bull, deputado guineense (1913-1970), da União Nacional, comenta na Assembleia Nacional,em 10/2/1968, a visita oficial do presidente da República à Guiné (que teve início em 2/2/1968, e cujo roteiro incluiu Bissau, Bafatá, Gabu, Bolama, Bubaque e Safim)



Guiné > Bissau > Cemitério local > Fevereiro de 1968 > Visita presidencial à província > O presidente alm Américo Tomás (1894-1987) e comitiva em visita às campas do talhão dos combatentes portugueses. 

Foto da autoria de Firmino Marques da Costa, fotógrafo da comitiva presidencial, e que faz parte do fundo da Agência Geral do Ultramar.  Pode ser visualizada aqui, no Arquivo Histórico Ultramarino (AHU). Reproduzida com a devida vénia.

O ACTD - Arquivo Científico Tropical Digital "pretende ser um sistema de informação inovador, que actua como uma plataforma de partilha e divulgação do saber tropical, potenciando e optimizando simultaneamente a realização de investigação e a aproximação da comunidade científica e da sociedade civil às temáticas tropicais e ao seu património científico, aumentando assim o conhecimento da cultura e da história dos países de língua oficial portuguesa (CPLP)."

O acervo do AHU - Arquivo Histórico Ultramarino "integra actualmente cerca de 16 km de documentos provenientes na quase totalidade de arquivos de organismos da administração ultramarina portuguesa que funcionaram entre meados do séc. XVII e 1974-1975".



Guiné > Bissau > Fevereiro de 1968 > Exposição, na fortaleza da Amura,  de armamento apreendido ao PAIGC, por ocasião da visita do Presidente da República, alm Américo Tomás > Metralhadoras pesadas Degtyarev, de origem soviética (*). Foto do álbum do nosso saudoso camarada Vitor Condeço (1943-2010).


Foto: © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Todos os direitos reservados


1. Intervenção, antes da ordem do dia, do deputado, pelo círculo da Guiné, James Pinto Bull (Bolama, 1913- Rio Mansoa, 1970), em 10 de fevereiro de 1968, na Assembleia Nacional (**):








Intervenção do deputado, pelo círculo da Guiné, James Pinto Bull (Bolama, 1913 - Rio Mansoa, 1970),  Debates Parlamentares > Diário das Sessões, nº 134, 10 de fevereiro de 1968, pp. 2417-2148 (Reproduzido com a devida vénia...)




Intervenções nas duas últimas legislaturas (a IX e X, que não completou por falecimento)


Fonte: Portugal | Estado Novo | Assembleia Nacional | James Pinto Bull (1913-1970) | VIII, IX e X legislaturas |

Nascido em Bolama, licenciadso pelo ISCUP em ciências sociais e políticas ultramarinas, James Pinto Bull fez a sua carreira profissional no funcionalismo ultramarino, tendo sido deputado pelo círculo da Guiné de 1961 a 1970, ano em que morreu, a 26 (ou 25 ?) de julho (***),  num acidente de helicóptero em que perderam a vida mais 3 deputados (J. P. Pinto Leite, o chefe da "ala liberal" de que James Pinto Bulll também fazia parte, Leonardo Coimbra, e José Vicente Abreu), além de 2 militares (o alf pilav Francisco Lopes Manso e o cap cav Carvalho de Andrade).

O seu irmão mais novo, Benjamim Pinto Bull (1916-2005),  liderou  a coligação União dos Naturais da Guiné-Portuguesa (UNGP), um movimento que, com o apoio do Senegal de Leopoldo Senghor, era contra a luta armada e a favor de uma independência da Guiné-Bissau, progressiva, através do diálogo.

Fonte: Parlamento Português >  Publicações On Line >  Deputados da Assembleia Nacional 1935-1974 (Com a devida vénia...)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 13 de maio de 2007 >  Guiné 63/74 - P1756: Exposição de armamento apreendido ao PAIGC, aquando da visita de Américo Tomás (Bissau, 1968) (Victor Condeço)

(**) Último poste da série > 31 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15309: Historiografia da presença portuguesa em África (59): Cem pesos era "manga de patacão" para o camponês guineense, produtor de mancarra... Era por quanto venderia um saco de 100kg ao comerciante intermediário... Em finais de 1965 o governo de Lisboa garante a compra pela metrópole da totalidade da produção exportável da mancarra guineense e fixa o preço por quilo em 3$60 FOB (Free On Board)

(***) Vd. poste de 26 de outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5162: Controvérsias (39): Nunca se fez um inquérito ao acidente que vitimou o meu avô James e seus companheiros (Sofia Pinto Bull)

Guiné 63/74 - P15494: Parabéns a você (1002): António Paiva, ex-Soldado Condutor Auto do HM 241 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 15 de Dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15491: Parabéns a você (1001): Francisco Santos, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 557 (Guiné, 1963/65) e Sousa de Castro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494 (Guiné, 1971/74)

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15493: Tabanca Grande (477): José Manuel Sarrico Cunté - "mininu" Zé Manel do nosso camarada Manuel Joaquim - 706.º Grã-Tabanqueiro

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), com data de 18 de Novembro de 2015, que a nosso pedido fez este trabalho para podermos apresentar formalmente o nosso novo amigo tertuliano, José Manuel Sarrico Cunté:

Meus caros camaradas 
O meu "menino da Guiné" Zé Manel mostrou interesse em fazer parte do mundo desta nossa Tabanca Grande. Mas também me diz que não domina o uso de computadores e que tem dificuldades na sua utilização. E tem ainda mais problemas quanto ao uso de computador. O apoio dos filhos está agora difícil porque o computador que tem em casa não está funcional e outro, de que pode servir-se pontualmente, é o da filha mais velha que já não vive com os pais. De qualquer modo agrada-lhe a ideia de se tornar membro do blogue. 
Combinámos ser eu a fazer a sua apresentação, pode ser? É o que estou a fazer enviando um trabalho meu que penso poder servir para esse efeito, trabalho este que é do seu conhecimento. 
Bem, o que interessa é que ele se inscreva. Os problemas informáticos resolvem-se, com maior ou menor dificuldade. 
Aguardo a vossa opinião sobre este assunto se acharem por bem dar-ma. 

Saudações fraternas
Manuel Joaquim

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“Nha mininu” Zé Manel

“Nha mininu”, na festa dos seus 50 anos, com os padrinhos Manuel Joaquim e Deonilde Silva

Em 10/11/2010 foi publicado neste blogue o P7261 – História de vida: Adilan, nha mininu ou como se fica com um menino nos braços, onde são narradas as circunstâncias que me levaram à decisão de trazer um menino da Guiné, de nome José Manuel Sarrico Cunté, como decorreu essa vinda e como se integrou a criança na minha vida familiar e na vivência local. Na altura apresentei-o com o seu nome original, Adilan, nome que só ficámos a conhecer, eu e ele, muitos anos mais tarde quando voltou a viver na Guiné e conseguiu encontrar os seus pais. A propósito, ver o P7267, onde se relata o acontecido.

Acompanham essa história diversas fotos mas só duas se referem aos primeiros dias vividos no seio da sua nova família. Tinha mais algumas em “slides” mas perdi-lhes o rasto quando casei e saí da casa paterna. Na altura bem procurei, mas sem resultado. Recentemente, ao tentar recuperar um móvel vindo dessa casa tive a alegre surpresa de encontrar a caixinha com esses “slides”, perdida no fundo de uma gaveta há mais de 40 anos. São essas fotos do menino Zé Manel que, para além de umas outras, agora publico.

Para ajudar a enquadrar o tema transcrevo do já referido P7261 a descrição dos momentos vividos no final de Outubro de 1966 em que me responsabilizei por um pretinho, recolhido pelo 2.º Sargento Casimiro Sarrico durante uma operação militar realizada em Janeiro daquele ano. Este militar ficou a cuidar da criança durante cerca de dois meses, até ficar gravemente queimado por uma granada de sinalização que rebentou num bolso do seu camuflado. Evacuado para Lisboa, morreu no HMP alguns anos depois. E o menino foi levado para a caserna por soldados da CCaç 1419 e com eles ficou a conviver, ficando a ser conhecido por Sarrico como é fácil de entender.

(…) 
“Nas vésperas da mudança, a sociedade civil local organiza um convívio para agradecer o trabalho da Companhia durante os 12 meses que permaneceu em Bissorã. Foram convidados os oficiais, os sargentos e algumas praças. Bom ambiente, muitas bebidas, bons petiscos e, com coisas destas, pouco tempo é preciso para se esquecer a razão das despedidas. Às tantas, alguém me convoca: 
– Meu furriel, há para ali pessoal que quer falar consigo. Pedem p´ra ir lá. 
Estranhando o despropósito do momento e da hora, bem noturna, lá vou até à porta. 
 – Oh nosso furriel, um favor, veja se convence o nosso capitão a deixar levar o Sarrico c´a gente p´ra Mansabá! É que ele não autoriza, já fizemos tudo e... nada! Veja lá se o convence! 
Tento dizer-lhes que o capitão lá terá as suas razões... assunto complicado... não deve ser possível levar o miúdo... Mas perante tanta insistência, não resisti: 
– Está bem, estejam descansados que eu vou tentar! Esperem aí! 

Pego num uísque e por ali fico bebericando, conversando e aguardando a oportunidade de cumprir o prometido. Falo com alguns camaradas sobre o assunto mas ninguém está ali para pensar nisso. O ambiente está animado, barulhento e para mim… há uma resposta a dar ao pessoal que espera lá fora. Vamos lá! 

Qual mensageiro da plebe castrense, já envolto em vapores etílicos, um bocado “leve” no andar e de fala um pouco entaramelada, lá vou eu ao encontro do capitão. De chofre, sem rodeios, em voz bem alta: 
– Meu capitão, por que não deixa ir o Sarrico c´os soldados p´ra Mansabá? Estão pr´ali quase a... 

Nem me deixa acabar. Com a voz ainda mais alta que a minha, atira logo: 
– Meu caro Manuel Joaquim, responsabiliza-se por ele?

Pimba!!! ... que grande “martelada” na tola! Inesperadamente, em décimas de segundo, os meus neurónios excitados (anestesiados?) pelo álcool devem ter decidido eu dizer de imediato: 
– Responsabilizo, pois!

O capitão, talvez surpreendido com tal resposta, engasga, pigarreia e ... 
– Então está bem! Se assim é, o rapaz fica ao seu encargo a partir de agora! 
– Com certeza, meu capitão! Vou já avisar o pessoal!

E não houve mais conversa! Meia volta e lá vou eu para a porta da rua ter com a malta, um pouco zonzo com o que me está a acontecer: 
– Podem levar o Sarrico! A partir de agora está por vossa conta. E minha!!! 
– Eh!.. bestial !!! Obrigado!!! 

Caem-me em cima festejando e voltam para a caserna, rua fora festejando... eu volto à sala para festejar, digo a alguém “ já me f... ! ” e agarro mais um uísque para me ajudar a digerir o assunto.” 
(…)
(Extrato do post P7261)

Logo ao alvorecer do dia seguinte ao facto acima narrado, lá segue o Sarriquito para Mansabá, integrado na CCaç 1419. Não tomei qualquer atitude para com o menino, era como se nada tivesse acontecido. Não falei com ele, nem sequer me aproximei durante os dois a três meses seguintes. Só quando decidi trazê-lo comigo é que começámos a conversar de vez em quando, mas sempre acompanhados por algum ou alguns dos soldados que se tinham comprometido a cuidar do menino.

Aproximando-se a data do fim de comissão, comecei a enfrentar um problema: Que fazer? Deixá-lo entregue “aos bichos” ou levá-lo para Portugal? A resposta está aqui neste post.

Saímos de Mansabá seis meses depois da saída de Bissorã e no dia 9 de Maio de 1967, à noite, o Zé Manel está em Portugal, perto de Pombal, e entra na minha casa paterna perante o espanto da minha mãe.

Lembro que trouxe o menino sem conhecimento da minha família nem sequer da mulher com quem eu casaria três meses depois. E só por uma razão, o ter receio de não ser capaz de enfrentar algum “NÃO” vindo das pessoas que me eram mais queridas.

Termo de compromisso e responsabilidade e autorização de viagem para Portugal.

A propósito de quando cheguei da Guiné ninguém saber nada sobre o assunto, transcrevo mais um bocadinho do P7261, na parte referente às primeiras horas vividas pelo Zé Manel no seu novo mundo, na sua nova casa de família, família de que ficou a fazer parte desde 1967. Esta transcrição começa logo a seguir a uma pergunta da minha mãe (- Então não levam o menino?), pergunta dirigida a quem me acompanhava quando cheguei a casa com o Zé Manel.

Não há entre nós, desde há muito, qualquer relação institucional de índole legal. O único documento oficial que existe é o “Termo de compromisso e de responsabilidade” acima referido, com efeitos só até à maioridade do menino.

(…) 
Como que ficam assarapantados com a pergunta mas, de imediato, lhes digo: “Não lhe disse nada!” E logo para ela: “O menino fica comigo!”. A mãe fica de boca aberta, não quer acreditar. E há mais uns minutos de conversa motivada pelas circunstâncias.

Ao reentrar em casa, verifico que ele está sentado no mesmo sítio. Olha-me calmamente, agora sinto que me olha mesmo! Espantam-me a calma e a confiança que aparenta. Belo trabalho dos soldados, só pode ser. 
Tentamos conversar. O seu português é tosco mas lá nos entendemos. 

Vamos comer mais alguma coisa enquanto minha mãe vai recuperando da surpresa e do espanto. Depois, o sono vem depressa ao seu encontro e ele já não acordou antes de ser levado para a cama. Minha mãe quer perceber o que aconteceu para ter assim um menino em casa. E que menino! A conversa prolonga-se.

Acordo, bem tarde, no dia seguinte. Estavam os dois, no quintal, a tratar das galinhas e doutra bicharada. 

“Maravilha!, sucedeu química entre eles!” – penso. 
E minha mãe, ao dar pela minha presença: 
– Queres saber? Logo de manhãzinha fui chamar as vizinhas: “querem ver a prenda que o meu Manel me trouxe da Guiné?” 
Olha, vieram a correr e abri-lhes a porta do quarto, só se via uma bola preta, assim a cara, com duas coisas mais claras, assim os olhos, e elas não sabiam o que era! Abri um pouco as cortinas da janela para verem melhor e nem imaginas como ficaram! Ele estava acordado, muito quietinho de olhos arregalados, só com a cabeça fora dos lençóis!

Bela cena! Respiro fundo e começo a sentir-me bem, verdadeiramente.” (…)
(Extracto do post P7261)

Algumas das fotos aqui publicadas foram tiradas no domingo 14 de Maio de 1967, o quinto dia após a chegada do menino Zé Manel. Os três tínhamos acabado de chegar a casa, vindos da missa na igreja paroquial. A realização da missa facilitou a apresentação do Zé Manel à “sociedade” local. Foi um sucesso.

Foto 1 - Maio de 1967 > No jardim da sua nova casa, poucos dias depois de chegar da Guiné.  
©Manuel Joaquim

Cinco dias depois de serem apresentados um ao outro, o tempo de convivência do Zé Manel com minha mãe já era superior ao que ele tinha tido comigo, incluindo o tempo passada na Guiné. Na Guiné e por minha opção, nunca convivi verdadeiramente nem sequer estive alguma vez com o menino a sós. Mas ele sabia que vinha comigo para Portugal. E veio, sem medo nenhum e já a gostar de mim. Tive a certeza disso em Abrantes, quando mo entregaram e ele se me entregou sem o mínimo problema. Os soldados com quem antes tinha convivido fizeram um trabalho extraordinário, preparando-o para este acontecimento.

Felizmente que tudo correu pelo melhor. Na aldeia e outras aldeias vizinhas, o menino era acarinhado por toda a gente mas o afecto de minha mãe sobressaía. Qual avó extremamente responsável e protectora, a senhora derramava sobre ele muita dedicação e carinho que só acabaram com a sua morte, 37 anos depois.

Foto 2 - 20 de Agosto de 1967 > Um casamento e um batizado. Logo a seguir ao meu casamento, houve o batizado do menino José Manuel Sarrico Cunté sendo meu pai o padrinho e minha esposa (a noiva) a madrinha. 
©Manuel Joaquim

Integrou-se rápida e perfeitamente na vida social local e viveu com minha mãe durante os anos seguintes, cerca de quatro. Sozinhos os dois em casa, excepto nas férias de meu pai que estava emigrado em França. Só acabou este convívio diário quando minha mãe também emigrou, juntando-se ao marido. E por isso fez-se a sua transferência de escola para Agualva, Sintra, onde veio completar os dois últimos períodos da sua 4.ª classe.

Foto 3 - Maio de 1967 > Puxando sons da harmónica, da qual tomou posse logo que nela me ouviu e viu tocar. 
©Manuel Joaquim

Foto 4 - 14/5/1967 > Explorando a harmónica com “madrinha” preocupada (?): “Este filho faz-me cada uma! Que vou fazer com este pretinho?” 
©Manuel Joaquim

Foto 5 - 14 de Maio de 1967 > Com minha mãe, acabados de chegar da missa. Cada um, à sua maneira, parece estar a digerir a situação de convivência a que se viram forçados desde há quatro dias. 
©Manuel Joaquim

Foto 6 - 14/5/1967 > Com a “madrinha” Piedade à volta das flores após chegada da missa dominical. O menino veste roupas compradas em Bissau pouco tempo antes do embarque. 
©Manuel Joaquim

Foto 7 - Maio de 1967 > Explorando espaços à volta da sua nova residência. 
©Manuel Joaquim

Foto 8 - Maio de 1967 > Junto do poço da horta, agarrado à vara da picota para tirar água e à sua já inseparável companheira, a harmónica. 
©Manuel Joaquim

Foto 9 - Maio de 1967 > Com os primeiros amigos da brincadeira, o Tino e a cadela “Tina” (de Valentina Tereshkova). 
© Manuel Joaquim

Foto 10 - Maio de 1967 > Serra da Sicó, vista do lado sul e da janela do quarto do menino Zé Manel. A primeira grande paisagem de Portugal que ele fixou e que o marcou, como também a mim quando pequeno. O meu “mundo” físico para além da Sicó era o mundo do mistério e da fantasia. 
©Manuel Joaquim

Quando em Janeiro de 1971 teve de vir morar comigo e com a madrinha, já havia cá em casa uma “mana” com dois anos e meio, a Alexandra, e pouco tempo depois nasce outra, a Catarina. Como memória desses tempos, aqui vão duas fotos:

Foto 11 - Carnaval > Agualva > Com a madrinha Deonilde, passeando as maninhas Xana “Pipi das Meias Altas” e Tita. 
©Manuel Joaquim

Foto 12 - Perto de Tomar com as suas “manas” Xana e Tita, numa pausa na viagem a caminho de Pombal e da “sua” aldeia, em visita aos padrinhos Zé Bispo e Piedade. 
©Manuel Joaquim

Para terminar, acrescento duas fotos recentes deste “menino” nascido em Janeiro de 1961.
Numa delas, tirada por ocasião do seu último aniversário, está na companhia da sua “mana” Alexandra, minha filha mais velha.
Na outra, ele e eu estamos acompanhados por três ilustres membros desta Tabanca Grande, posando todos para a objectiva de um outro prestigiado membro da Tabanca, o Jorge Portojo.
O Zé Manel acompanha-me quase sempre no convívio anual da CCaç 1419. Em 2014 foi escolhido o restaurante Choupal dos Melros em Fânzeres, Gondomar, para essa confraternização. A data de 10 de Maio coincidiu com a da Tabanca dos Melros no seu regular e sempre animado convívio no referido local. Esta coincidência de datas permitiu termos tido (CCaç 1419) a agradável surpresa da visita dos meus queridos camaradas deste blogue: Jorge Portojo, Carlos Vinhal, Jorge Teixeira e Fernando Súcio.

Foto 13 - Janeiro 2014 > Zé Manel com a sua “mana” Alexandra. 
© Manuel Joaquim

Foto 14 - Fânzeres, Gondomar > 10/5/2014 > Da esquerda para a dirteita: Fernando Súcio, Jorge Teixeira, Manuel Joaquim, Carlos Vinhal e José Manuel Sarrico Cunté. 
©Jorge Portojo

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2. Comentário do editor

Era imperdoável o "nosso menino" Zé Manel não fazer parte da tertúlia. Podemos dizer que a partir de hoje o nosso Xico de Fajonquito (Cherno Baldé) não está tão só.
O primeiro radicado em Portugal desde muito novinho e o segundo a viver no seu país, são dois bons exemplos daqueles meninos que de alguma forma gravitavam à volta dos militares. Foram tantos que não haverá nenhum combatente que não se lembre de os ver a fazer pela vida nos quartéis, procurando comida ou fazendo pequenos serviços. Comiam connosco e ajudávamos-lhes nos estudos. Dou o meu testemunho, recordando os jovens Adulai e Braima, rondando os 10 anos, que nos faziam companhia na Messe. Praticamente só dormiam na Tabanca. Tivemos ainda connosco, durante algum tempo, o Salifo Seidi, um menino muito pequeno, talvez com 5 anos, que a família quis retirar do quartel e enviar para a família, ao que sabíamos, simpatizante do PAIGC.

Não é necessário acrescentar mais nada a esta apresentação porque o Padrinho Manuel Joaquim a fez muito completa, além de que no nosso Blogue foram publicados alguns postes onde está documentada a vinda do Zé Manel para Portugal, basta clicar no marcador José Manel Sarrico Cunté, e porque ele já participou em Encontros Nacionais da Tabanca Grande.

Porque o nosso novo tertuliano não se dá muito bem com estas modernices da internete, pedimos ao Manuel Joaquim que seja portador do abraço de boas-vindas que a tertúlia e os editores lhe enviam.

O nosso obrigado ao Manuel Joaquim por este belo trabalho de texto e fotos de família.

Carlos Vinhal
co-editor
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15351: Tabanca Grande (476): Carlos Valente, ex-1.º Cabo do Pel Mort 2005 (Guiné, 1968/69), 705.º Grã-Tabanqueiro

Guiné 63/74 - P15492: Inquérito 'on line' (23): cerca de 57% dos respondentes, num total de 81, admitem que já caíram (ou foram tentados a cair) no 'conto do vigário', uma ou mais vezes, e sobretudo na vida civil...


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > O fur mil op esp José Casimiro Carvalho, contando o patacão... Não, não se pense que foi ganho ao jogo (vermelhinha, lerpa) ou através do "conto do vigário"... É dinheiro honesto (*), daquele que custava... "sangue, suor e lágrimas"... Mesmo assim, quem não conhecer o Zé Casimiro até pode (ou podia) ser levado  a pensar que   ele estava a contar o "conto do vigário" à sua querida mãezinha para justificar a guita gasta...  em Bissau & arredores:

"[Carta] Cumeré, 12/7/73: Querida mãezinha: São 400$00, porque não autorizam a mandar mais, e só ficamos aqui com 1000$. Ontem fui a Bissau, e almocei lá, comprei umas coisitas, ‘roncos’ assim como fios com uma figurinha para pôr ao pescoço, uma carteira de pele de jibóia (50$00, candonga); e tirei fotografias num fotógrafo, 3 x 100$00… Sem saber como foram co’ caraças 300$00, não se pode ir a Bissau, no mato ao menos o dinheiro chega." (...)

Foto: © José Casimiro Carvalho (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]


I. INQUÉRITO DE OPINIÃO: "SIM, JÁ CAÍ (OU FUI TENTADO A CAIR) NO CONTO DO VIGÁRIO" (RESPOSTA MÚLTIPLA)


1/2. Sim, pelo menos uma vez, na vida civil (n=25) e/ou na vida militar (n=6) (Total: 34)
42,0%


3/4. Sim, mais do que uma vez, na vida civil (n=9) e/ou na vida militar (n=3)(Total: 12)
(14,8%)

 5. Não, nunca caí (ou fui tentado a cair) (n=28)
(34,6%)

6. Não sei / não me lembro (n=7)
(8,6%)

Votos apurados: 81
(100,0%)
Inquérito 'on line' fechado em  14/12/2015 | 6h39 (**)


II. Comentário do editor:

A peluda é mais propícia ao 'conto do vigário' do que a tropa: é o que se pode concluir desta breve inquirição junto dos nossos leitores... O que até se compreende: o controlo sobre os vigários é mais apertado, há o Regulamento de Disciplina Militar (RDM), etc., o que não quer dizer que dentro das quatro paredes de um caserna não possa haver otários e vigários ou vigários e otários (a ordem é perfeitamente arbitrária): um não existe sem o outro...Obrigado a todos/as que responderam.

_________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de  28 de outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3370: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (6): O nosso querido patacão