segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15752: Notas de leitura (808): “Spínola”, de Luís Nuno Rodrigues, A Esfera dos Livros, 2010 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Abril de 2015:

Queridos amigos,
Na releitura desta obra de Luís Nuno Rodrigues fui agradavelmente surpreendido por um dado que já era óbvio na primeira leitura: o investigador deixa bem escarrapachado que Spínola nunca se furtou a informar os seus superiores sobre a evolução militar, em todas as fases críticas, nos cinco anos em que foi Comandante-Chefe. Se é facto que vai ziguezaguear em Maio de 1973, aceitando inicialmente a retração do dispositivo, prontamente se apercebeu que ficaria manietado no coração da Guiné, perdendo o controlo das franjas e desconhecendo inteiramente o que a guerrilha e a Organização da Unidade Africana preparavam depois da declaração unilateral de independência.
Spínola deixa a Guiné mas o mito ficara intocado e apresentar-se-á como o militar providencial no Largo do Carmo.

Um abraço do
Mário


Spínola e a evolução militar da Guiné (1968-1973) (2)

Beja Santos

A correspondência trocada entre Spínola e os seus superiores, no comando da Guiné, à luz do trabalho desenvolvido por Luís Nuno Rodrigues na biografia que escreveu sobre o mediático homem do monóculo, A Esfera dos Livros, 2010, torna claro, a despeito de certos excessos de pendor melodramático que a verificação que era transmitida sobre a evolução militar era fiável e baseada em dados fundamentados. 

Não cabe, neste tipo de apontamentos, explanar sobre o desenvolvimento económico e social que Spínola imprimiu à província. Terá certamente sentido ver como ele pretendeu encontrar soluções políticas confiando que Marcello Caetano apostasse numa política de “autonomia progressiva”. Os dois encontram-se no Buçaco no Verão de 1970, Caetano trabalha na proposta de revisão condicional. Spínola compromete-se a enviar um documento, envia-lhe em Outubro um relatório que servirá de base ao seu livro "Portugal e o Futuro"; relatório que ele intitulará “Algumas ideias sobre a estruturação política da Nação”

Sente-se animado pela tese federativa. Mas, inexoravelmente, caminhava-se para a deterioração das relações. Spínola aspirava a uma candidatura presidencial, Caetano aposta em manter Américo Tomás. A chamada Ala Liberal parecia entusiasmada com a eventual candidatura de Spínola à presidência da república. Depois Spínola é repreendido por Caetano quando concedeu uma entrevista ao Diário de Lisboa. E visando uma solução negocial para o problema guineense, Spínola pede a Caetano para se encontrar com Senghor. Sabemos como posteriormente Caetano desautorizou Spínola para novos encontros, na correspondência de ambos transparece um tom discordante onde outrora havia coloquialidade. 

Segundo Luís Nuno Rodrigues, em Outubro de 1972, Spínola, em férias no Luso, recebeu uma mensagem urgente do inspetor Fragoso Allas, o responsável pela PIDE da Guiné, dizendo que Amílcar Cabral estava na disposição de ir a Bissau conferenciar consigo e, inclusivamente, com o próprio Marcello Caetano. Este continua a rejeitar qualquer tipo de contactos. 

Spínola escreve-lhe em 24 de Outubro, reiterando as suas apreensões, seria “a última hipótese do Governador da Guiné dialogar com Amílcar Cabral em situação transitória de manifesta superioridade”. Caetano responde que “para a defesa global do ultramar é preferível sair da Guiné por uma derrota militar com honra, do que por um acordo negociado com os terroristas, abrindo caminho a outras negociações”.

1973 é o ano crítico das suas relações. A 20 de Janeiro é assassinado Amílcar Cabral. Não vale a pena entrar na polémica sobre os labirintos deste assassinato, continua tudo por esclarecer, o importante são as grandes mudanças no terreno, ditadas pela chegada dos misseis antiaéreos Strela. Perdida a supremacia aérea, ocorre em Maio uma grande ofensiva militar do PAIGC que deixou marcas indeléveis. 

A 22 de Maio Spínola envia ao General Costa Gomes um conjunto de pareceres e propostas relativos à nova situação militar na Guiné, evocava uma reunião extraordinária de Comandos realizada a 15 de Maio. Impunha-se tomar decisões urgentes no âmbito da manobra militar, abriam-se três alternativas: redução da área a defender com vista à economia de forças; conservação do atual dispositivo sem qualquer reforço à luz de um espírito de defesa a todo o custo; e reforço do teatro de operações em meios, em ordem a manter a superioridade sobre o inimigo no quadro da manobra atual. 

Nesse mesmo dia Spínola escreve ao Ministro do Ultramar: “o governador apenas pode informar o Governo central sobre a gravidade do momento, em ordem a que as medidas adequadas sejam tomadas por quem tem competência para as adotar, nada mais restava fazer do que aguardar serenamente o desfecho que prevemos, o colapso militar"

Em Junho, poucos dias depois do ataque a Gadamael, Costa Gomes deslocou-se a Bissau. O centro das discussões passa pela adaptação do conceito de manobra. Spínola declara a necessidade do recuo de “muitas das guarnições de fronteira para posições previamente selecionadas mais no interior que, pelo seu menor número e adequada localização, minimizem os riscos a que atualmente estão expostas e permitam obviar quando possível à situação crítica que a escalada do inimigo nos criou”

Costa Gomes concorda com a análise de Spínola, a manutenção do dispositivo só seria possível com volumosos meios adicionais, absolutamente impossível de os fornecer. Anos mais tarde, numa fase litigiosa com Costa Gomes, Spínola dirá que foi este quem fizera semelhante proposta, o que é falso.

Mas Spínola acabaria por mudar de ideias, opondo-se à retração do dispositivo militar, pelo menos enquanto essa retração não fosse acompanhada de um reforço substancial dos meios à sua disposição. Volta a queixar-se amargamente ao Ministro do Ultramar, diz-lhe sem rebuço que a guerra na Guiné exigia medidas que iam frontalmente contra a linha política a que ele se considerava vinculado, a seu tempo propusera soluções para o problema da Guiné que tinham sido rejeitadas: 

“Agudiza-se o problema da minha substituição que peço a Vossa Excelência seja considerada a tempo de possibilitar a alteração do dispositivo militar que é mister fazer”.

E Luís Nuno Rodrigues finaliza dizendo que perante a impossibilidade na solução política e face a um cenário de eventual repetição da situação de Goa em 1961, Spínola decidia abandonar as suas funções na Guiné. Chegou a Lisboa em 6 de Agosto de 1973, e comunicou a sua decisão a Caetano: “Senhor Presidente do Conselho, venho dizer-lhe que regressei de vez”.

Um talentoso General, Bethencourt Rodrigues, aceita, depois de muito rogo de Caetano, substitui Spínola. Na aparência, a guerrilha não ganha intensidade, o PAIGC tinha preparado nova ofensiva para Maio de 1974, novamente no Norte. A situação política em Portugal decompunha-se no início do ano, Caetano, em desespero, procura negociações à revelia da sua matriz ideológica. É tarde, muito tarde, os militares, sobretudo aqueles que conheciam a Guiné, sabem que já não há solução militar possível para a Guiné e para Moçambique. Tudo acabará num quase sereno golpe militar, no Largo do Carmo, em meados da tarde de 25 de Abril, Caetano entrega simbolicamente a Spínola.
A descolonização vai começar.
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Nota do editor

Poste anterior de 12 de Fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15738: Notas de leitura (807): “Spínola”, de Luís Nuno Rodrigues, A Esfera dos Livros, 2010 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15751: (De)caras (30): Vencendo o medo, a estigmatização e a hipocrisia social gerados pela doença oncológica: mensagens de apoio à coragem e diginidade do nosso camarada António Eduardo Jerónimo Ferreira


Coimbra > IPO (Institituto Português de Oncologia)  > 2015 > Foto tirada durante a quinta sessão de quimioterapia no IPO de Coimbra: o nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Cobumba eBissau, 1972/74). Tem um blogue, Molianos.  (Molenos ou "Molianos" é uma povoação da freguesia de Évora de Alcobaça, concelho de Alcobaça).

Foto (e legenda): © António  Eduardo Ferreira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]


Gestor de ausências 

É o tempo que não volta. 

A saúde que nos abandonou. 

Aquela mulher que um dia nos olhou ternamente, 
mas não deixou o seu contacto.

Alguns amigos que supunhamos ter, 
ao mais leve estremecer se evaporaram. 

Alguém que disse sim com a voz… 
e não com o pensamento. 

O passarinho que todos os dias cantava à nossa janela, 
e o gato, um dia, devorou. 

O nosso amigo que um dia uma mina destroçou. 

O caminho por onde passávamos, 
já lá não está. 

Alguém, que era único, 
e um dia a morte levou. 

Ainda há quem diga, 
ele já nada faz. 


António Eduardo Ferreira



1. Seleção de 10 comentários ao poste P15737  (*) (incluindo mensagens  enviadas para o correio interno da Tabanca Grande) (**):


(i) Maria Arminda [Santos]: 

Olá, António Ferreira. Parabéns por esse espírito lutador e de esperança que revelou no seu depoimento. É um desabafo e uma lição de vida. Entre camaradas e amigos que passaram por dificuldades na mesma guerra, faz todo o sentido trazer ao conhecimento de todos, o seu estado de saúde. Fez muito bem. Para quê esconder, uma doença que cada vez está mais presente nas nossas vidas e que quando se revela há que a encarar com serenidade, fé e esperança?!.. Apesar de tudo por que passou, veja que está e continuará a estar entre nós.

Alguém disse que "há um cancro adormecido em cada um de nós" e que um dia, desperta!... Há três anos em (2012) o meu despertou, ou por outra, um feliz acaso permitiu-me o conhecimento da sua existência e que felizmente foi retirado a tempo e sem consequências. Não necessitei de nenhum tratamento adicional, mas apenas a vigilância periódica, que ainda se mantêm. Penso que irei ter alta após a próxima colonoscopia, que aguardo não revelar alterações.

Devemos todos fazer os exames de rotina que nos forem aconselhados, pois há bastante sucesso, em muitos casos.

Desejo-lhe a continuação de uma boa recuperação.

Um abraço amigo,
Mª Arminda Santos.


(ii) Tony Borié (EUA):

Olá, António. Também sou António, também fui afectado com a doença de câncer, também me submeti ao tratamento de radiação e outros tratamentos que me deixavam sem forças e atormentado, às vezes desejando e tendo atitudes não muito comuns num combatente que fomos, mas no fundo resisti, com tu vais resistir e, vais viver muitos anos, és um combatente e isso faz-te diferente, bebeste água da bolanha e resististe, ouviste tiros dirigidos a ti e aos teus companheiros e resististe, sofreste a amargura de viver em zona de combate e resististe, portanto esta fase menos feliz da tua vida é somente a vivência de outra guerra, onde vais sair com vida, tornar a conviver normalmente com a família e amigos, e com vontade, entre outras coisas, de escrever as tuas vivências para os teus companheiros de guerra que te admiram!

Um abraço de esperança, companheiro António.
Tony Borié


(iii) António Medina (EUA):

Olá. Luís: acabei de ler o teu mail relacionado com a doença do câncer que está afectando muitos dos nossos camaradas da Guerra da Guine.

Fui vítima do câncer da próstata há cerca de três anos atrás, gracas a Deus foi visto a tempo e hora, hoje me sinto curado de acordo com a opinião dos médicos que me assistiram durante aquele período turbulento da minha vida.

Apanhei 48 sessões de radioterapia, nunca até hoje tomei sequer um comprimido por nunca me ter sido indicado. O Hospital Oncológico Dana Farber em Boston me mantem sob vigilância, apresentando-me de seis a seis meses para uma avaliação não só pelo toque rectal mas também pelas diferentes análises a que me sujeito. Fica sempre alguma mazela como assim a ereção. Mas sinto-me porreiro e opino a qualquer um que não faça da doença um tabu, deve comunicá-lo abertamente e actuar quanto mais depressa possível procurando assistência médica. Tratando é que se encontra a cura.

Melhoras a todos aqueles que sofrem dessa maldita enfermidade.

Um abraço,
A. Medina



Boa tarde, Luis Graça. Estive na Guiné-Bissau de 1966 a 1968 (Mansabá, BCAV 1897).

Em 2009 foi-me descoberto um cancro (linfoma). O mundo caiu na minha cabeça , mas com a ajuda de um excelente oncologista, das medicações , da família e amigos, estou aquí , mas em alerta para que não retorne .

Precisamos ter fé. Abraços,
Armandino

(v) Mário Beja Santos:

Caro António Eduardo Ferreira, um blogue de camaradas da Guiné é um anfiteatro adequado para tu te exprimires com a autenticidade com que o fizeste. Faço parte de uma organização onde se agrupam mais de duas dezenas de associações de doentes crónicos: esclerose múltipla, traumatizados cranioenceláficos, Alzheimer, doenças reumáticas, doentes da próstata, doentes reumáticos, e por aí adiante. 

Aqui há uns mese atrás entrei lampeiro numa conferência internacional sobre multimorbilidade e envelhecimento. Um colega de ocasião achou estranho eu estar com ar tão afoito, não sei se ele estava à espera que eu me arrastasse com canadianas ou tivesse um ombro mais alto do que outro. Expliquei que era doente crónico como ele, que há 20 anos ou mais tomo sulfato de glucosamina para travar a degenerescência das cartilagens dos joelhos, tenho tido sorte; expliquei-lhe igualmente que tomo três comprimidos diariamente para aplacar as dores na perna esquerda, sequela da segunda operação que fiz à L4. 

E lá procurei dizer-lhe que é preciso ter sorte, já Napoleão Bonaparte dizia que gostava de ter generais aguerridos mas que em batalha preferia que eles tivessem acima de tudo sorte. Isto para dizer que também nos habtiuamos ao sofrimento e que é um dos mais negros preconceitos não dizer a verdade sobre o nosso estado de saúde, esse silêncio acaba por nos fazer sofrer mais. E hoje muitos cancros estão a ser debelados, desde o da mama ao da próstata. 

Espero que na vida tu tenhas pelo menos tanta sorte como eu tenho tido e recebe um abraço do
Mário




Camarada António Ferreira: este teu depoimento não é uma queixa, um desabafo, um "fado da desgraçadinha". Pelo contrário é um depoimento de um HOMEM! Observado de outro ângulo - é, até, boa literatura.

Dizes (e muito bem!) que há quem esconda a doença, como se isso diminuisse a condição de homem (ou mulher), como se afectasse a honra da família, como se fosse um mal peganhento, contagioso, uma coisa porca e extra-terrestre.

Pois, Vinicius de Morais, no seu célebre poema, no qual refere a grande proliferação da doença (nas suas variadíssimas nuances...), chega a afirmar que "até Deus tem câncer!".

Recebe um GRANDE e FORTE abraço do
Alberto Branquinho



(vii) Luís Graça:

António Eduardo Jerónimo Ferreira, emocionei-me, primeiro, com (e depois orgulhei-me de) o teu testemunho!...

Ès digno da nossa geração (sofrida mas corajosa) que esteve na Guiné e fez a guerra da Guiné... O teu depoimento é também uma pedrada no charco da hipocrisia (social) que rodeia a doença oncológica no nosso país... Hipocrisia, estigmatização e discriminação...

Quem disse que o teu testemunho não tem nada a ver connosco, o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné ?  Hoje já falamos em neoplasia, cancro... Há uns anos atrás nem sequer a palavra nos atrevíamos a pronunciar: fulano tal morreu de doença incurável... Felizmente que hoje a maior parte dos cancros são curáveis e a taxa de sobrevivência é elevada...

Tenho um filho, que é psiquiatra, e que é nosso grã-tabanqueiro, que escolheu ir trabalhar no IPO de Lisboa... Precisamos, todos, de reforçar a rede de apoio psicossocial ao doente oncológico!... Acredito que temos, neste momento, muitos camaradas nossos em sofrimento, a lidar e a lutar contra esta doença!... Estes precisam do carinho, apoio e solidariedade de todos nós... Afinal, a nossa vida tem sido um picada cheia de minas e armadilhas!...O cancro espreita-nos a todos!...

O meu amigo Sobrinho Simões, uma autoridade mundial na matéria, diz que um em cada dois dos portugueses vai ter um cancro em 2050... E que isso não é nenhuma tragédia, é o preço que temos de pagar por viver cada vez mais anos...

Um xicoração fraterno, António Eduardo!... Bebo um copo à sua saúde, à tua convalescença, à tua coragem, à tua dignidade, á tua camaradagem!... Luís

PS - Por que é que o raio do cancro haveria de ser um tabu ? Por que é que não haveria de ser um dos tópicos do nosso blogue ? Se as balas da russa Kalashnikov e os "rockets" chineses das RGP não nos mataram, a nós, felizardos, que fomos à guerra e regressamos a casa, sãos e salvos, com maiores ou menores mazelas, se alguma coisa haveremos de morrer, se calhar de cancro, quem sabe ?!.. Pois que não seja,  ao menos,  de morte macaca, e que quando a malvada chegar, para nos cobrar o bilhete de viagem para o "outro lado donde não se regressa", que seja ao menos com lucidez e dignidade!...



És de facto um exemplo ao dar a cara sobre uma coisa que muitos escondem.

És igualmente um exemplo pela coragem que demonstras, pois nunca é fácil a entrada nesses hospitais e menos ainda quando se vai a uma consulta, o primeiro impacto é complicado, mas ao encararmos de frente o problema e aceitá-lo, tal como se apresente, torna mais fácil a vida e os tratamentos.

És um lutador e espero que recuperes rapidamente.
Um abraço,
BS

(ix) Francisco Baptista:

Amigo António Ferreira:  obrigado pela lição de optimismo e coragem que nos dás,  não só aos que sofrem desse mal mas também a todos e são tantos que têm familiares ou amigos atingidos por ele.
Pela tua coragem psicológica e intelectual tu demonstras ser um guerreiro que não esmorece na luta e ainda arranjas forças para dares alento a outros que necessitem. O teu texto é um hino à vida e merecia ter uma divulgação maior do que a deste blogue para ser lido por mais gente a quem por vezes falta o ânimo que a ti te sobra.

Desejo-te também as tuas rápidas melhoras e ai dando notícias.

Um grande abraço,
Francisco Baptista.


Força, António,  e a resignação com enfrentaste sobre rodas as minas e as emboscadas na Guiné. 

Enfrentando as atribulações da vida, o homem poderá sofrer derrotas, mas não será vencido! 

Estou certo do restabelecimento da tua saúde e hoje vou beber por ela.

Aquele abraço,
Manuel Luís Lomba
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 11 de fevereiro de 2016 >  Guiné 63/74 - P15737: Blogoterapia (274): Portas estreitas da vida onde nem sempre se consegue passar (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto, CART 3493, Mansambo, Fá Mandinga, Bissau, 1972/74)

(...) A minha doença foi diagnosticada nos últimos meses do ano de dois mil e quatro, seguiram-se cinco meses de espera e a cirurgia em fevereiro do ano seguinte, hoje talvez esperasse menos tempo, passados cerca de dois meses, fui sujeito a trinta e cinco tratamentos de radioterapia, reagi sempre bem, os efeitos secundários foram quase inexistentes. Ao longo destes anos continuei sempre a ser seguido no IPO de Coimbra.

No início do ano passado [, 2015,] os valores tumorais estavam demasiado altos, foi então que foi decidido que tinha de fazer quimioterapia o que aconteceu a partir do início do mês de abril, seguiram-se dez tratamentos com intervalos de três semanas. No início fiquei um pouco assustado,  atendendo ao que ouvia falar acerca dos possíveis efeitos secundários, no primeiro dia fui acompanhado por uma pessoa de família ao tratamento, a viagem é de aproximadamente cem quilómetros de minha casa até ao hospital, nas restantes nove sessões a que fui sujeito entendi que não era necessário ir alguém comigo.

Tudo foi menos complicado que eu imaginava (...). Terminadas as dez sessões, fim do tratamento, senti um alívio enorme próprio de quem passou por mais uma porta estreita da vida, daquelas que nunca se sabe se conseguimos passar, os efeitos secundários comparando com o que acontece a algumas pessoas foram poucos,  o que me permitiu continuar a fazer uma vida quase normal, com exceção do dia do tratamento, todos os outros continuei a fazer a caminhada como antes fazia, de aproximadamente uma hora. (...)

Hoje assino com o nome completo,
António Eduardo Jerónimo Ferreira

Guiné 63/74 - P15750: Questões politicamente (in)correctas (47): o menino guineense, fumador passivo, o militar, inveterado fumador, e o neto holandês que quer que o avô chegue aos 100 anos: "Oh opa, was je in de oolog in Guinee. Wie waas in Guinee leven tot 100 jaar" (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) > O fur mil Valdemar Queiroz, com um menino ao colo, e a fumar...


Foto: © Valdemar Queiroz (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]


 1. Mensagem de Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]


Data: 14 de fevereiro de 2016 às 03:22

Assunto: O Menino e o fumo dum cigarro


Quando o meu filho mostrou, pela primeira vez, ao meu neto, esta fotografia do avô na guerra na Guiné, o meu neto disse:

De opa's roken net de jongen [ o avô está a fumar junto dum menino!]. 

O meu neto é holandês.

Evidentemente, estávamos em 2009 e o meu neto achou estranho que se fumasse junto dum menino, em 1969.

...Fumar um cigarro é como sentir uma alegria que não fica só em nós......

... Quem me dera fumar dois cigarros, num fim de tarde, em Nova Lamego, ou até três, também, em Canquelifá.

... Quem me dera fumar uns cigarros em Guiro Iero Bocari, com 24 anos, ou já 25. .....

E durante mais de 35 anos continuaram as cigarradas até 2010.

Tinha que dar, no Hospital Amadora-Sintra, com internamento, muito debilitado durante 35 dias, com uma DPOC Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica,

Nuca mais fumei, mas continuo a ter grandes dificuldades em me deslocar pra qualquer lado com obstrução respiratória.

Tenho que me aguentar, vou-me aguentar.

E o meu neto holandês (agora): 

Oh opa, was je in de oolog in Guinee. Wie waas in Guinee leven tot 100 jaar.

Ele diz mais ou menos isto: quem esteve na Guiné vai viver até aos 100 anos.

Merecemos, vamos lá ver se aquele menino, agora com mais ou menos 46 anos,  que nos viu fumar, também vai testemunhar.

Valdemar Queiroz

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Nota do editor:

Últimos postes da série:

15 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14617: Questões politicamente (in)correctas (46): "Não sou 'tuga', sou português"... (António J. Pereira da Costa) / "Confesso que nunca me chocou como português e patriota ser chamado por 'tuga' pelos guineenses" (Francisco Baptista)...

24 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11864: Questões politicamente (in)correctas (45): Os dois príncipes: o filho de Kate Middleton e o filho da Fatwa de Catió... (Luís Mourato Oliveira, o último comandante do Pel Caç Nat 52)

7 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11538: Questões politicamente (in)correctas (44): Há um provérbio fula que diz: "Quando se fala dos maus, os bons sentem-se ofendidos" (Cherno Baldé)

24 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11459: Questões politicamente (in)correctas (43): Meu caro Cherno Baldé, a maioria dos militares da minha companhia não era racista nem se comportava como tropa ocupante (Paulo Salgado,ex-alf mil op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72)

7 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10632: Questões politicamente (in)correctas (42): As trocas de comissões, por dinheiro, durante as guerras coloniais (Zeca Macedo, EUA, ex-2º ten, DFE 21, Cacheu e Bolama, 1973/74)

5 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10620: Questões politicamente (in)correctas (41): A origem da palavra Turra (António Rosinha)

Guiné 63/74 - P15749: (De)Caras (29): Tentativa, frustrada, de criação do Dia do Combatente Limiano... Assembleia Municipal de Ponte de Lima chumbou a proposta (Mário Leitão, farmacêutico, ex-furriel mil na Farmácia Militar de Luanda, Delegação n.º 11 do LMPQF - Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos, Luanda, 1971/73)


1. Mensagem de 13 de janeiro último, do nosso leitor e camarada [António] Mário Leitão, natural de Ponte de Lima, director técnico da Farmácia Lopes, em Barroselas, Viana do Castelo; autor do livro "Biodiversidade das Lagoas de Bertiandos e S. Pedro d´Arcos" (2012):

Caros Luís Graça e Camaradas do blog:

A Assembleia Municipal de Ponte de Lima, numa decisão colectiva dos membros que suportam ou simpatizam com o partido político que governa a Câmara Municipal, reprovou uma proposta popular que solicitava a instituição do DIA DO COMBATENTE LIMIANO.

Era uma sugestão inócua, despida de qualquer carga partidária, transversal a toda a população do concelho, e que apenas tinha um objectivo memorialista e de respeito pelo passado. A sua reprovação foi uma atitude INQUALIFICÁVEL, para a qual não encontro explicação!
Há quem diga que alguns membros da Assembleia não gostaram de ver os 52 rapazes que morreram na Guerra do Ultramar classificados como HERÓIS! (*)

Bom, compreenderás melhor quando leres o artigo que publiquei no Jornal CARDEAL SARAIVA!
Julgo que é um assunto de importância nacional, pela sua originalidade e pela sua natureza. Se puderes, dá-lhe a maior divulgação!

Em meu nome, em nome dos nossos Militares Mortos e em nome dos seus queridos familiares, MUITO OBRIGADO!

Mário Leitão


2. Comentário do editor:

Sem querer (nem poder) intervir num conflito que deve ser dirimido pelos eleitos e pelos eleitores de Ponte de Lima, ou seja, é do foro democrático local, quero dizer-te que tens o meu/nosso apreço pela tua/vossa iniciativa de tentar criar um o Dia do Combatente Lmiano.
Espero/esperamos que as vossas posições se harmonizem, e que honra seja feita aos vivos e aos mortos que combateram, ao longo de 13 anos, na guerra do ultramar (ou guerra colonial).

O pdf que me mandaste com o teu artigo publicado no jornal "Cardeal Saraiva" está com baixa resolução... Tentei, em vão, recuperá-lo. Manda-me uma 2.ª via. Responderemos depois a dois ou três assuntos pendentes, incluindo o teu pedido de entrada para a Tabanca Grande...
Desculpa, entretanto, o atraso da publicação deste teu material. (**)
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Notas do editor

(*) Vd, poste de 26 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15042: O nosso livro de visitas (184): António Mário Leitão, natural de Ponte de Lima, ex-fur mil, Farmácia Militar de Luanda, delegação nº 11 do LMPQF - Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos, Angola,  1971/73

(**) Último poste de 28 de janeiro de  2016 > Guiné 63/74 - P15683: (De)Caras (28): Rescaldo da Sessão evocativa do 20 de Janeiro de 1973: Colóquio “Quem mandou matar Amílcar Cabral?”, organização da Embaixada da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15748: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (42): As riquezas das matéria primas africanas e as fantasias criadas

1. Texto do Antº Rosinha:

[, foto à direita: emigrou para Angola nos anos 50, foi fur mil em 1961/62; saiu de Angola com a independência, emigrou para o Brasil e finalmente foi topógrafo da TECNIL, "cooperante", na Guiné-Bissau, em 1979/93; é um "ex-colon e retornado", como ele gosta de dizer com a sabedoria, bonomia e o sentido de humor de quem tem várias vidas para contar; é membro sénior da Tabanca Grande]



Data: 12 de fevereiro de 2016 às 15:47
Assunto: As riquezas das matéria primas Africanas e as fantasias criadas


Ou seja, falemos de coisas que toda a gente fala, mas que os responsáveis não  abordam  politicamente, menorizando um assunto imensamente importante e grave.

Toda a África daqueles anos em que nós aqui andámos por lá, era alvo  de enorme atenção mundial quanto às suas riquezas por explorar.

Falava-se no ouro da África do Sul, uma realidade e que muita gente acreditava que todos os países africanos só precisavam de "brancos" ou "amarelos" para explorar da mesma maneira que faziam os boeres e o explorador Rhodes.

No nosso caso, de portugueses das riquezas do azeitinho, do vinhinho, e da corticinha, queixávamo-nos da culpa do atrasado do Salazar, que  escondia as riquezas das colónias para ninguém cobiçar o que era nosso.

Tudo isto não é novidade para quase ninguém, mas estas coisas ouvidas em Angola antes e durante a guerra,  por independentistas tipo pessoas em que podemos enquadrar gente como  os futuros dirigentes do MPLA e PAIGC, servia para aliciar os nativos, e  principalmente quem vivia nas cidades, criados, serventes nas obras, vendedores de jornais e pipocas, estudantes nas escolas e liceus, e em geral todos os jovens citadinos.

Todos, menos os velhos sobas e régulos que desconfiavam das farturas, e sabemos que uma grande maioria pagou com a vida e a destruição e perseguição, principalmente em Angola com 3 movimentos inimigos.

Mas nós, muito  povo português da metrópole, caíamos também nessa cantilena, das riquezas e diamantes a pontapé, e até hoje passados 40 anos muito patinho ainda escorregou na casca da banana, alguns até foram ao parlamento explicar aos deputados para onde foi tanto dinheiro.

Na Guiné, essa miragem das riquezas «escondidas» também foi vendida e de que maneira. Estrangeiro que chegasse a Bissau, nos primeiros vários anos após a independência com partido único, PAIGC, verificava que  essa fantasia das riquezas escondidas, ainda era vendida entre os jovens e principalmente entre a Juventude Amílcar Cabral (JAC).

E, embora Amílcar Cabral chamasse à atenção,  em discursos, que não queria uma Guiné igual aos países que continuavam  a ser explorados  por neocolonialistas, não evitou que o PAIGC criasse macaquinhos na cabeça de toda a gente.

Então estava criada uma ideia na cabeça de toda a gente, em Bissau, que a Guiné estava deitada sobre um enorme lençol de petróleo, e um grande travesseiro de fosfatos, que os portugueses escondiam.

Como tal, nem era  preciso semear o arrozinho, a mancarrazinha e o cajuzinho!,,, Alguém viria para explorar aquelas riquezas e era a felicidade total.

E assistiu-se vários anos a uma Guiné absolutamente paralizada, sem produzir nada, à espera das ofertas de dadores e doadores que tudo o que enviavam era distribuído entre os "membru" do partido, ou exportado para os vizinhos, e o povo naquela fome.

Outra ideia criada pelo PAIGC, e que  todas as ex-colónias alimentam, até os brasileiros, era que os portugueses, atrasados, não deram educação e ensino, por isso "estamos atrasados".

E os dadores e doadores vai  de recuperar o atraso dos portugueses,  a fazer com bolsas de estudo doutores e engenheiros como uma linha de montagem, e não havia mais  jovens  que quisesse permanecer na sua tabanca original, nem para criar vaca ou cultivar arroz.

Ora, como até agora não apareceram as tais riquezas que Salazar «escondeu»,  e é aí que eu quero chegar, podemos hoje, 40 anos após a independência, contraditoriamente, podemos confirmar que hoje os guineenses são dos povos menos pobres da toda a África e precisamente por essas riquezas continuarem escondidas.

Mais pobres que a Guiné são os Estados petrolíficos e diamantinos, como Angola, os Congos , Nigéria, Serra Leoa e muitos  outros, em que têm enormes cidades  com milhões de jovens a vaguear pelas ruas, sem qualquer perspectiva de vida, quer na agricultura, que ninguém produz porque há dinheiro para importar, nem na construção e indústria porque há dinheiro para pagar a portugueses e chineses e franceses e brasileiros fazerem, nem nas escolas porque não adianta estudar porque vêm engenheiros e doutores  europeus, chineses e  americanos  e ocupam os bons lugares de trabalho.

Um caso paradigmático quanto às riquezas petrolíferas é São Tomé, que são duas ilhas num mar de petróleo. E fantasiando riquezas mirabolantes, abandonaram aquelas maravilhosas e modelares fazendas de cacau do "colon" explorador, e agora estão esperando que um branco qualquer venha restaurar a exploração cacaueira, já passaram 40 anos.

Todos os países europeu coloniais sabiam das riquezas que havia naquelas colónias, e a melhor e mais económica e  "humana" maneira  de explorar essas riquezas, era a independência.

Mas,  exceptuando nós portugueses e os brancos do apartheid sul-africanos e rodesianos é que de uma maneira ou outra lutaram contra a demagogia de libertadores irresponsáveis daqueles "ventos da história", que ajudados pelo cinismo de neocolonialistas, iludiram com fantasias mirabolantes milhões de jovens que hoje (os pretos velhos nunca acreditaram) estão completamente desorientados.

Muitos desses jovens estão há vários anos  junto ao funil da mancha, outros no arame farpado de Ceuta, outros na Tunísia a olhar para Lampedusa. Estão a perguntar de quem é a responsabilidade sobre o desaparecimento daquelas riquezas, porque a eles não calhou nada.

Sabemos que África tem regiões com muitas riquezas naturais, mas sabemos que há outras tão pobres que nem a água das chuvas é regular. E podem nem ser essas as que vivem pior, Cabo Verde é um exemplo. Mas Cabo Verde é um caso africano à parte, não tem as mesmas contradições  da maioria dos outros países. Para os cabo-verdianos, o que conta são as únicas riquezas que têm: O seu tchon e as pessoas.

Nós,  portugueses, como os mais antigos colonizadores em África, bons ou maus colonizadores,  (não há colonizadores bons, mas dizem alguns guineenses que os franceses colonizam melhor que os portugueses),  temos obrigação, através dos que andámos na Guerra do Ultramar, escrever na história da África e da Europa que lutámos enquanto pudemos contra o caos daquelas descolonizações, que de terras onde não havia fome, hoje há fome, guerra, diamantes, petróleo, abandono e invasões indiscriminadas, até de religiões estranhas vindas de todas as latitudes, e não sabemos onde as coisas vão parar.

E uma das causas de muitos problemas africanos, são mesmo as riquezas «escondidas». A Europa, como vizinha de África,  e com algum sentimento de culpa, vai (está) a sentir na pele o que aí vem.

Cumprimentos

 Antº Rosinha



Suécia > s/l > s/d > Visita de uma delegação de um país africano... Segundo indicação do Cherno Baldé,  pelas vestes e traços fisionómicos, seriam representantes do povo massai, seminómadas; são menos de um milhão, e vivem no Quénia e no norte da Tanzânia.

Foto do arquivo de José Belo (sem indicação da fonte).
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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de janeiro de 2016  > Guiné 63/74 - P15623: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (41): o que foi mais devastador para o PAIGC foi precisamente a campanha psicológica spinolista por uma "Guiné Melhor"


domingo, 14 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15747: Manuscrito(s) (Luís Graça) (77): "Nesta terra querida, / Tive mundo, e tive amor, / Não me posso queixar da vida, / Tive tudo, e também dor"... Viva a nossa decana, a dona Clara Schwarz da Silva


Algures na Polónia, antes da II Guerra Mundial, c. 1938... Julgo que tenha sido o último encontro da
família Schwarz... Do lado esquerdo,  Clara, o pai Samuel e a mãe Agata... Clara deveria ter cerca de 23 anos... Depois desta data, o mundo não haveria de ser mais o mesmo...  Clara Schwarz atravessou todo o século XX, e chegou até hoje,  ao dia de hoje,  com uma memória prodigiosa... Acabei de falar com ela esta manhã, pelo telefone,  e desejar-lhe os nossos melhores votos de saúde, em nome de toda a Tabanca Grande!...



Lisboa, c. 1920 > Clara, com os pais, Samuel e Ágata





Samuel Schwarz (1880-1953)... Bilhete de cidadão nacional... 25/1/1941 > Assinatura




Requerimento de Samuel Schwarz dirigido ao Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros  [António de Oliveira Salazar], com data de 16 de novembro de 1939.  O pedido de visto para o cidadão polaco Aleksander Schwarz, irmão de Samuel,  foi indeferido. Ver despacho a vermelho, no canto superior esquerdo, que diz o seguinte: "Não. Ver ofício da da Polícia de Vigilância e Defesa de Estado, nº 16080, de 7-12-39" (Assinatura ilegível). 



Aleksander (Oles) Schwarz, sua esposa Sonia, os seus dois filhos Violusia e Georges com Clara  Schwarz, aquando da sua estadia  em Lisboa, em 1940.  O engº químico Aleksander Schwarz , diretor de uma conhecida fábrica de produtos químicos, tinha conseguido refugiar-se na Suécia, passando pela Lituânia.


Em 1939 Samuel Schwarz naturalizou-se português. E em novembro desse ano  pediu a Salazar un visto para o seu irmão Aleksander que tinha conseguido fugir, depois de ter sido feito prisioneiro pelos soviéticos, refugiando-se em Estocolmo, Suécia. Esse visto foi recusado, face a uma informação da Polícia de Vigilância e Defesa de Estado (PVDE), antecessora da PIDE/DGS, o que não impediu Aleksander e sua  família de chegar a Portugal em maio de 1940, na vaga de refugiados a quem Aristides de Sousa Mendes, o cônsul português de Bordéus, concedeu um visto, contrariando ordens de Salazar.

Durante a II Guerra Mundial, Samuel Schwarz foi incansável na ajuda solidária ao gueto de Varsóvia, enviando nomeadamente géneros alimentícios (café, sardinhas, etc.).


Fotos acima: Cortesia de João Schwarz da Silva  > Des gents intéressants > Samuel Schwarz 



Clara Schwarz, c. anos 40 do séc. XX >  Pintura de Luciao Santos (com ateliê em Alcobaça). Clara casou em 14 de outubro de 1940 com o advogado Artur Augusto Silva. O casl foi viver em Alcobaça-

Cortesia de João Schwarz da Silva  > Des gents intéressants > Artur Augusto da Silva



Clara Schwarz da Silva, aos 31 anos, 1946... Fotografia no passaporte do marido, Artur Augusto da Silva.

Fotos acima: Cortesia de João Schwarz da Silva  > Des gents intéressants > Artur Augusto da Silva



Em Martinho d Porto, os avós Ágata e Samuel com os netos, por volta dos  finais dos anos 40, Henrique à esquerda,  João à direita.... Carlos (Pepito), o mais novo, nasceria, em 1949, em Bissau, para onde o pai foi em 1948, e a quem se juntaria depois a famílía.  Samuel viria a falecer em 1953. Em Lisboa a família vivia na  Av António Augusto de Aguiar, 118-1º.

Foto: Cortesia de João Schwarz da Silva  > Des gents intéressants > Samuel Schwarz 



Mapa (francês) da Guiné, de 1760


Foto: Cortesia de João Schwarz da Silva  > Des gents intéressants > Artur Augusto da Silva



1. Mandei, em meu nome e da minha fmília, uns versinhos de parabéns à dona Clara que faz hoje 101 anos:

Uma "gracinha" do Luís Graça para a nossa amiga, 
muito querida, 
Clara Schwarz da Silva,
neste dia muito especial em que celebra 101 aninhos!

Já não são anos, são aninos!...
Dona Clara, nossa "mindjer grandi",
temos muito orgulho e ternura por si,
e estamos muito honrados por ser 
e continuar a ser por muitos anos
a decana da nossa Tabanca Grande!... 

Um xicoração muito fofo do Luís Graça, da Alice, da Joana e do João (em viagem).


Fazer anos, que maçada,
Já não tenho,  p’ra isso,  idade,
Mas estou-vos muito obrigada,
P'los votos… de eternidade!

Decana, eu ? Ah, pois sou,
Com muita honra e prazer!
E ao blogue ainda vou,
Mesmo sem poder escrever.

Nesta terra querida,
Tive mundo, e tive amor,
Não me posso queixar da vida,
Tive tudo, e também dor.

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Guiné 63/74 - P15746: Blogpoesia (436): Tudo passa (Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728)

1. Em mensagens de 11 e 13 de Fevereiro de 2016, o nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), enviou-nos estes dois poemas da sua autoria:


Tudo passa

Tudo esquece, por mais grave.
Até a dor profunda se desvanesce.
O tempo e suas circunvoluções,
Outros males,
A distância e a ausência
São adversárias da memória.

Com a bonança logo se esquece a tempestade.

Não adianta agravar a dor ensimesmando.
Façamos pausa.
Exigir que a mente se entregue a outra causa.

Divisar de longe desvanesce
E só se enxerga o saliente.

ouvindo Wagner,

Berlim, 11 de Fevereiro de 2016
8h23m

Jlmg 
Joaquim Luís Mendes Gomes

************


Perseverar

Tantas vezes sangraram os meus joelhos.
Tantas me levantei e comecei a caminhar.
Tantas horas de insónia.
Tanta fome de dormir.
Não adianta o desespero
Porque o sono é dorminhoco…
Na hora certa há-de voltar.

E o milheiral como era verde.
Tanta neve o esmigalhou
Com vontade de matar.

Veio o sol.
Redobraram suas forças.
Espigou.
Tanto verde, parece um mar.

Corre mal a nossa vida.
Até parece o fim do mundo.
Cai a chuva e vira o vento.
Vem o sol e o amor.
Dobra a vontade de viver...

Berlim, 13 de Fevereiro de 2016
5h34m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15715: Blogpoesia (435): Domingo de Sol (Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728)

Guiné 63/74 - P15745: Atlanticando-me (Tony Borié) (6): Às armas, às armas, contra os canhões, lutar... lutar!

Sexto episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Às armas, às armas, contra os canhões, lutar... lutar!

Olá companheiros.
Novo ano, oxalá continuemos juntos, pelo menos até às novas Festas de fim de Ano e, já agora com saúde e alegria, no meio de todas estas “modernices”. Se tiveram pachorra, leram a história do Nico, que era Eurico, talvez seja igual a dezenas de “Manéis, Antónios, Josés e Joões, que deixaram o seu país, na esperança de uma vida mais confortável, ou talvez só para ver novos continentes, novos costumes ou novas pessoas.

Não queremos falar no novo título, que dá pelo nome de “Atlanticando-me”, que até nós temos dificuldade em pronunciá-lo, como quase todos já sabem o nosso preferido era “A Pedra da...”, mas esse potencial título já tem dono... o Hélder não o larga, e faz muito bem, pois é muito original e dá “pano para mangas”!.

Voltamos à guerra, às armas de fogo, à Guiné, a Mansoa, onde havia uma comunidade de militares, civis e talvez alguns guerrilheiros onde, para os mais velhos, não era necessário ter divisas, davam ordens aos mais novos, era a regra, era a origem das coisas, cumpria-se e, só depois de cumprir, se “refilava”. O nosso sargento da messe, que na altura devia andar pelos trinta e tais, para nós parecia um “velho”, hoje lembramo-nos que podia ser nosso neto, mas adiante, frequentemente ordenava-me mais ou menos isto:
- Olha, vê se me limpas e oleias a pistola e a G3, porque qualquer dia isto já não dispara.

Nós não estávamos muito familiarizados com armas de fogo, contudo pedíamos ao furriel do pelotão de morteiros, aquele que andava sempre a fumar um cigarro feito à mão, que pertencia ao nosso grupo de “fumadores e bebedores”, que ajudou a construir um cabanal, onde havia uma mesa feita de barris de vinho vazios, onde limpavam e davam manutenção ao equipamento de combate, que depois de limpo andava por ali a dar tiros, aos pássaros da bolanha ou a qualquer outra coisa que mexesse e, ainda hoje não sabemos se esses tiros eram dados para passar a mensagem de que se estava vivo e se andava por ali, ou se eram tiros de raiva contra o sistema que nos mandou para África.

Tudo isto bem a propósito de que o nosso Presidente Obama, limpar algumas lágrimas em frente a um canal de televisão, lamentando tantos tiros que por aqui são dados, onde morrem adultos e crianças inocentes, as suas lágrimas também são nossas, juntamo-nos a ele nesta luta para acabar com a venda de armas de fogo a qualquer um que as queira comprar, sem haver uma identificação rigorosa, seguida de um treino em estabelecimento apropriado, que devia durar o tempo suficiente para que no final o instruendo pudesse ser avaliado por um júri qualificado.


Falámos com o nosso vizinho a respeito de armas de fogo, ele, que por aqui vive há mais de dez anos, veio de Nova Iorque com a esposa, andam pela nossa idade, emocionado disse-nos mais ou menos estas palavras:
- Após meses de exame de consciência, decidimos comprar um revólver, não foi uma decisão de ânimo leve, pelo menos os nossos filhos tentaram dissuadir-nos, mas depois do que vemos e ouvimos na televisão todos os dias, com actos de violência em todo o lado, ficámos com a sensação de que deveríamos fazer algo diferente, não estamos dispostos a esperar que alguém nos proteja, temos a sensação de que devemos ser nós a assumir a nossa segurança. Também sabemos que não somos os únicos a lutar com esta decisão, pois as lojas de armas em todo o país estão a revelar um aumento nas suas vendas, entendemos que é um facto triste que as vendas de armas vão para cima depois de um qualquer tiro ou ataque terrorista, mas uma coisa é certa, não temos ilusões, pelo menos nós, que somos seres humanos, portanto criaturas emocionais, vamos continuar a ser boas pessoas e bons vizinhos, apesar de possuirmos uma arma de fogo, contudo não vamos continuar a ser um alvo fácil, vamos fazer como alguém já disse, “quando tentarem roubar-te a vida, fala macio e mostra um cajado dos grandes", pelo menos nós, não nos queremos sentir num alvo fácil.

Por aqui, em alguns estados, a venda de armas é quase um ritual normal, quase como ir a um “supermercado”, comprar, batatas, cebolas, arroz e pão, para consumo normal de uma vida normal, abastecer-se, embrulhar e trazer para casa, só com a diferença que devem preencher um simples formulário, que posteriormente será entregue ao departamento de segurança da sua área, entretanto, já saem armados do estabelecimento, dizem-nos até que armas de fogo, munições e outras partes de equipamento de combate, são um investimento, compra-se uns milhares de munições calibre tal, passado um tempo já valem mais, mesmo na “feira das pulgas”, que é uma feira de fim de semana, que se realiza na área onde vivemos, já abriu uma loja de armas de fogo, está sempre ocupada com potenciais clientes honestos, ou futuros homicidas, dizem-nos que compram armas para protecção pessoal, colecção, divertimento de tiro ao alvo, ou para a caça aos ursos, fazendo de nós pessoas inocentes, “uns grandes ursos”.

De um modo ou de outro, todos nós sabemos uma coisa que cada vez se torna mais verdadeira, anda por aí muito idiota, que não consegue controlar-se e decide largar toda a sua raiva em pessoas inocentes, usando uma arma de fogo. Se entrevistarem 10 pessoas que possuem armas de fogo, pelo menos 6 vão responder que entre outras coisas é por receio ao terrorismo, palavra muito frequente entre o nosso vocabulário, enquanto combatentes, lá nas bolanhas e savanas da então nossa Guiné.

Antes de terminar, só mais um pequeno pormenor, há por aqui estados, como por exemplo o Texas, onde possuir uma arma de fogo é normal, como qualquer cidadão usar um par de sapatos para protecção dos pés, portanto é uma sociedade quase armada, mas educada por gerações, onde se respeitam, pois quando se cruzam duas pessoas na rua, não vão entrar em conflito, pois sabem que tanto um como o outro podem estar armados, portanto é uma sociedade altamente resistente a qualquer ataque

Tony Borie, Fevereiro de 2016
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15716: Atlanticando-me (Tony Borié) (5): Nunca é tarde (5)

Guiné 63/74 - P15744: Parabéns a você (1033): Senhora D. Clara Schwarz, Centenária Amiga Grã-Tabanqueira, Mãe do nosso falecido amigo Carlos Schwarz (Pepito), e decana da Tabanca Grande... Faz hoje 101 anos!



Tem já cerca de quatro dezenas de referências no nosso blogue

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Nota do editor

Último poste da série de 10 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15730: Parabéns a você (1032): José Brás, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1622 (Guiné, 1966/68)

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15743: Fotos à procura de... uma legenda (70): Spínola e Costa Gomes em Caboxanque, com o Cap Cav Carvalho Bicho, outros oficiais, um milícia e o chefe da tabanca (Rui Pedro Silva, ex- cap mil, CCAV 8352, Caboxanque, Cantanhez, região de Tombali, 1972/74)


Guiné > Algures > Maio de 1973 > Costa Gomes, CEMGFA (Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas), dá início, a 25 de maio de 1973, a uma visita ao Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG), para se inteirar do agravamento da situação militar e analisar medidas a tomar com vista a garantir o espaço de manobra do poder político em Lisboa.

Foto: © Pierre Fargeas / Jorge Félix (2009). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]



1. Comentário, de 13 do corrente,  de Rui M. Silva ao poste P15734 (*)

[Foto à esquerda: Rui Pedro Silva, membro da nossa Tabanca Grande, ex-alf mil, CCAÇ 3347 (Angola, 1971), ex-ten mil, BCAÇ 3840 (Angola, 1971/72), e ex- cap mil, CCAV 8352 (Guiné, Caboxanque, 1972/74)]


O Gen Costa Gomes visitou a Guiné por duas vezes em 1973 (Janeiro e Maio).

Estas fotos foram tiradas em Caboxanque, Cantanhez. Julgo que a foto é de Janeiro mas sendo assim entre estes oficiais deveria estar o Ten Cor Araújo e Sá, Cmdt do BCP 12 e do Cop 4,  e/ou o Major Moura Calheiros [, 2º comandante].

No livro "A Última Missão", do agora Cor  pára ref  Moura Calheiros (**),  verificarão que a páginas 351 se encontra uma foto desta visita em que se reconhecem muitos dos presentes nas fotos agora publicadas. E nessa foto vê-se parcialmente a minha cara atrás do Gen  Spínola.

Não reconheço o militar que está atrás do Gen Costa Gomes.

A carregar a papelada, meio encoberto,  julgo ser o Cap Matos,  ao tempo comandando o destacamento de Caboxanque.

O oficial à esquerda do Gen Spínola (de boina) é o Cap Cav Carvalho Bicho,  ao tempo comandando a CCaç 4541/72,  sediada em Caboxanque,  tendo participado na operação "Grande Empresa",  de ocupação do Cantanhez.

O outro oficial por estar parcialmente encoberto não consigo identificar.

Em primeiro plano temos um milícia de Cufar e o homem grande e chefe da tabanca de Caboxanque.

Tenho que recorrer aos papeis para me recordar do seu nome que merece ser referido.

Um abraço a todos,

Rui Pedro Silva
Ex-Cap Mil,  CCav 8352/72,
Caboxanque
(Dezembro de 1972 / Junho de 1974)



 Angola, Zemba >  Dezembro 1971 > Visita do Gen Costa Gomes (em segundo plano, á esquerda, de camuflado e óculos escuros). Em primeiro plano,do lado direito,  o oficial de dia, o então alf mil da CCAÇ 3347 (Angola, 1971), Rui Pedro Silva. (***)

Foto (e legenda): © Rui Pedro Silva (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]

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Notas do editor;

(**) Vd. poste de > 5 de dezembro de 2010 >  Guiné 63/74 - P7385: A última missão, de José Moura Calheiros, antigo comandante pára-quedista: apresentação do livro (4): "A História, tal como a ficção, não pode ficar em suspenso sem um epílogo que a justifique e lhe dê um sentido" (António-Pedro de Vasconcelos)

Guiné 63/74 - P15741: Efemérides (214): Dia 8 de Novembro de 1967, data do falecimento do primeiro militar da CART 1742, numa acção de reconhecimento na Tabanca de Ganguiró (Abel Santos, ex-Soldado At Art)

 

1. Em mensagem do dia 28 de Janeiro de 2016, o nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) fala-nos do dia 8 de Novembro de 1967, data do falecimento do primeiro militar da sua Companhia numa acção de reconhecimento na Tabanca de Ganguiró.
 


A Tabanca de Ganguiró

Aquele dia 8 de Novembro de 1967 foi fatídico para a malta da CART 1742, porque foi abatido pelo IN o primeiro camarada, numas das muitas incursões que a malta já tinha realizado no sector Leste, o chamado L 4, cujo centro operacional se situava em Nova Lamego (Gabu), abrangendo uma vasta área geográfica, como a imagem mostra a cinzento, que vai desde o Boé até Pirada, e do Sonaco a Buruntuma, toda esta zona patrulhada pela 1742, que dava ainda apoio às populações, assim como às colunas de reabastecimentos que se faziam periodicamente a Madina do Boé e Beli, assim como a Bambadinca, para o nosso próprio consumo.


Chegámos a Canjadude ao fim do dia anterior daquele fatídico 8 de Novembro, onde pernoitámos. De manhã cedo lá abalamos em direcção a Ganguiró, objectivo que alcançámos pelas 16 horas. A ordem que nos foi transmitida era para inspecionar o local e ver o que tinha acontecido à população. O que encontrámos foi a tabanca incendiada, sem população, que tinha abalado dali, tendo os seus parcos haveres sido transformados em cinza. Um espectáculo aterrador que nos foi apresentado, mas o pior estava para vir.

Posição relativa da Tabanca de Ganguiró ao quartel de Canjadude
Vd. Carta de Cabuca 1:50.000

Enquanto o grupo de combate se foi instalando para fazer a segurança próxima ao local, para passar a noite, sem que nada o fizesse prever, deu-se uma explosão fortíssima junto a uma árvore, local onde uma secção se ia instalar. Tinha sido provocada pelo acionamento de uma mina antipessoal pelo camarada Neto, decepando-lhe a perna direita e provocando ferimentos a outros militares. Passados alguns segundos reagimos à inércia momentânea, começámos a prestar os primeiros socorros a quem deles precisava, improvisando macas com canas de bambu para o transporte dos feridos para Canjadude, estando já o camarada Neto em agonia, que acabamos por perder perto do aquartelamento.

Na Tabanca de Ganguiró

Este episódio, que recordo com muita mágoa, ainda hoje me provoca interrogações inexplicáveis. O meu camarada não deveria estar ali, ele era o carpinteiro da Companhia, e por ironia do destino, era a primeira vez que nos acompanhava, perdendo a vida daquela maneira.

Recordo que em Canjadude havia um cartaz colado na parede (julgo que na caserna), simbolizando a união entre os Portugueses e os Guineenses, que mostrava a imagem de um aperto de mão entre um branco e um preto, com a frase: Juntos venceremos.
Puro engano, tamanha mentira que ainda hoje perdura.

Sem mais, recebam um Alfa Bravo, e até já.
Abel Santos
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15723: Efemérides (213): 1969, um ano trágico para as NT, em matéria de desastres em transportes fluviais: não foi apenas o desastre do Cheche, no rio Corubal, em 6 de fevereiro, mas também em 21 de junho o desastre de Mopeia, no Rio Zambeze, Moçambique, com uma centena de vítimas militares

Guiné 63/74 - P15742: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (7): O Soldado João Parrinha, natural de Cabeça Gorda, Beja

O José Nascimento no cais do Xime,
que foi construído no tempo da CART 2520
1. Mensagem do nosso camarada José Nascimento (ex-Fur Mil Art da CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) com data de 3 de Fevereiro de 2016, com uma pequena homenagem a um Soldado do seu Pelotão.


O Soldado João Parrinha


O João Parrinha era um rapaz tipicamente alentejano. Natural de Cabeça Gorda, nas proximidades de Beja, bonacheirão, muito simples e humilde, sem qualquer instrução, quando lhe perguntei por que razão não sabia ler nem escrever, pois no tempo em que eu fui para a escola primária, já o era obrigatório, ele respondeu-me:
José Nascimento, foto atual
- Obrigatório sim, mas como poderia eu ir à escola se ela ficava a mais de 20 quilómetros de onde eu morava?

Passado algum tempo de estarmos na Guiné, apercebi-me da sua proximidade, mais do que qualquer dos outros elementos do meu pelotão. Quando saíamos para o mato,  ele procurava estar sempre perto de mim e até quando fazíamos segurança à ponte sobre o rio Udunduma, os nossos colchões eram colocados no chão ou em cima de algumas chapas de zinco e o nosso tecto eram as estrelas, eu dormia entre os soldados e normalmente o Parrinha era o que ficava mais por perto.

Certa vez quando houve uma pequena escaramuça com elementos do PAIGC, na zona de Madina Colhido, o Parrinha foi ferido por um estilhaço dum rocket e logo gritou por mim:
- Meu furriel,  estou ferido!

Fui ver o que se passava, foi de imediato tratado pelo nosso enfermeiro. Felizmente era um ferimento ligeiro nas costas e sem qualquer gravidade.

Por coincidência ou não,  ele fazia anos na mesma data que eu e numa das nossas deslocações a Bambadinca, cruzámo-nos com um nativo que transportava um pequeno porco e logo ali fez negócio e o animal seria para fazer um petisco no dia do nosso aniversário.

Levado o bicho para o Xime, o Parrinha construiu uma pequena pocilga e com os restos da cozinha lá ia alimentando o nosso bácoro, que foi comprado a meias.

Mas,  para nosso descontentamento,  os "turras" resolveram estragar-nos a nossa planeada festa de aniversário e numa noite qualquer atacaram o quartel do Xime. Felizmente para o 3.º pelotão estávamos no Udunduma.

O que aconteceu é que a improvisada pocilga foi pelos ares e o nosso pitéu passados alguns dias deixou de o ser em consequência do incidente.

De vez em quando o Parrinha pedia-me dinheiro emprestado e logo se prontificava a pagar,  assim que recebia o seu modesto vencimento.

No destacamento do Biombo [,, quando fomos para Quinhamel], onde a actividade era mínima, andava quase sempre desenfiado, até chegava a dormir nas tabancas e eu fazia que não sabia de nada.

Já na Metrópole,  e passados alguns anos após o nosso regresso da Guiné, numa passagem por Cabeça Gorda,  fui à procura do Parrinha, e qual não é a minha surpresa quando me dizem que ele estava no Algarve, até me disseram em pormenor onde ele morava.

Assim que tive oportunidade lá fui a Olhão, ao Bairro dos Pescadores, onde encontrei este antigo militar. Conversa puxa conversa, em determinado momento ele me diz:
- Quando fomos para a Guiné,  ia com a ideia de lhe dar um tiro.
- Porquê? - indaguei com alguma admiração.
- É que,  quando estávamos em Torres Novas, você deu-me um pontapé no traseiro.

Recordei-me que,  durante a instrução,  lhe dei um pequeno toque, sem qualquer intenção de o magoar, tipo sacudir o pó dos fundilhos das calças, como que a lhe dizer "vamos lá, você é capaz de fazer este exercício".. Ficou melindrado.


Fiquei então a perceber o porquê da sua proximidade na nossa passagem pela Guiné... Conversámos por mais algum tempo e saí da sua casa com vários quilos de peixe de primeira qualidade e com a convicção que o ódio (se é que existiu) se transformou em amizade.

Infelizmente já não voltei a falar com este rapaz que foi a minha sombra na Guiné. O coração do João Parrinha resolveu pregar-lhe uma partida e deixou de bater precocemente, ele já não pertence ao número dos vivos.

Adeus,  João Parrinha, até à eternidade!... E para o pessoal da Tabanca Grande um enorme abraço.

José Nascimento
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15490: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (6): A Bandeira