quarta-feira, 13 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16300: Os nossos seres, saberes e lazeres (163): A estação de metro do Campo Grande: Uma obra-prima da arte pública urbana (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Dezembro de 2015:

Queridos amigos,
Todos sabemos que há manifestações artísticas de grande valor no metro de Lisboa.
Como conjunto impressionante de interpenetração entre um metro de viaduto, acessos e a envolvente dos viadutos vizinhos até ao parque de material e oficinas que integra a estação do Campo Grande, não acredito que haja obra que se compare, porque é intenso o diálogo que se construiu entre os exteriores e interiores da estação com os seus viadutos vizinhos, conseguiu-se um sentido plástico e simbólico, uma permanente comunicação entre o antigo e o moderno, é uma estação onde os passageiros se sentem bem, sentimento a que não é alheio o malabarismo dos cromatismos, as cores repousantes, a sensação de que há leveza num nó de transporte que tem o condão de ter as suas horas de congestionamento. É uma obra-prima que merecia ter rapidamente classificação artística e uma intervenção que lhe proporciona manutenção e visitas comentadas.

Um abraço do
Mário


A estação de metro do Campo Grande: 
Uma obra-prima da arte pública urbana

Beja Santos


Reza que a organização arquitetónica e plástica da estação e dos viadutos da estação do Metro do Campo Grande, desde a cor exterior e interior, aos azulejos, pavimentos, grades metálicas e painéis de betão em relevo e pilares dos viadutos, deve-se ao arquiteto Ezequiel Nicolau e ao artista plástico Eduardo Nery que fizeram daquele espaço público uma obra singularíssima. Esta obra começou a ser pensada em 1981, foi pensada e repensada, fizeram-se toneladas de estudos, admitia-se que o metro ia até ao aeroporto, que seria um metro de superfície, e que também andaria debaixo do solo, desistiu-se tal a complexidade, o enorme impacte ambiental de viadutos excessivamente elevados. E em 1993, aparecia esta belíssima estação, acolhedora, cheia de malabarismos cromáticos, o primeiro metro em viaduto, só muito mais tarde surgirá a linha vermelha.


O que aqui preside são as relações entre a altura e o comprimento, entre os vazios e os cheios, esta delicadeza requintada com cores descansativas, uma luminosidade quase doméstica e o desafogamento dado pelos óculos. Nada ficou ao acaso: o que vai das superfícies planas dos azulejos chega às figuras de convite, voltamos aos palácios, que os há e os houve, maior ilusão ótica em estações do metro de Lisboa não conheço, tudo parece enorme quando, afinal, este azulejar moderno é que transfigura as relações com o espaço em comprimento, altura e largura.


Eduardo Nery foi muito bem-sucedido com estas figuras de convite. As figuras de convite apareciam à entrada dos palácios e significavam que quem entra é bem-vindo. Mas Nery vai mais longe, fragmenta as figuras, há aqui como uma homenagem ao movimento artístico do cubismo e também do surrealismo. Nery observou a propósito do seu trabalho que a preocupação de evitar o sentimento de claustrofobia ou de esmagamento do teto do átrio, muito baixo o levou a escolher um azul claro, que suporta a cobertura da estação. É uma dialética azulejar entre o branco e o azul, uma constante nas doze escadas que ligam entre si o átrio e o cais. Tudo trabalho da Fábrica Sant’Anna.


Estas figuras de convite, diz Nery, ocorreram-lhe da sua experiência no domínio na colagem, “através da qual alterei ironicamente diversas reproduções de obras de arte do passado, conferindo-lhes um novo sentido plástico e simbólico, como acontece com estas quatro figuras do século XVIII, duas femininas e duas masculinas”, utilizadas para acolher quem chega e quem parte. Os óculos ocorreram-lhe da sua experiência na Op-Art. E foi muito feliz nesta deformação e interpenetração das figuras, deu um novo sabor ao geométrico e abstrato.


Arquiteto e artista plástico tiveram que se entender entre o cromatismo e as texturas dos viadutos e da estação, era preciso imprimir unidade e continuidade entre a cor rosada dos painéis em betão lavado, ligando entre si os ecrãs acústicos dos viadutos. Escolheram-se azulejos monocromáticos em seis tons, em faixas estreitas, tanto nos pilares dos viadutos como nas fachadas da estação. Enfim uma combinação entre vermelho, azul e branco, tudo a remeter para um interior e para a envolvente do metro.


Estamos agora no exterior, nos pilares do viaduto. Não sei se o engenho e arte de Nery não atingiram nesta intervenção a sua cota máxima. A ligação ao passado e a remissão para memórias do Campo Grande têm uma estrita lógica. Vemos aqui um cavaleiro e sabemos que muito perto está o hipódromo do Campo Grande. A simbólica da aviação não é delirante, basta pensar que um pouco mais acima está a Portela.


Este Campo Grande era um espaço de passeios, de exibição de moda, aqui havia um clube de ténis, o Visconde de Alvalade foi um dos fundadores do Sporting. Nery trabalhou aqui anos depois do metro estar a funcionar custa a crer que este portentoso trabalho tenha sido imaginado para ficar dentro de um parque automóvel, os poucos transeuntes passam por aqui indiferentes a esta obra-prima da azulejaria do nosso tempo.


Tínhamos o hipódromo, o aeroplano e depois veio o automóvel. Nery terá pensado em fixar neste painel o objeto mais visível da modernidade, na sua modalidade de carros de corrida. A ironia é o seu contraste com as carripanas que aqui parqueiam.


E os pioneiros da aviação, pois claro. Ao contrário do que muitos pensam, esta artéria era frequentada por gente chique, por aqui houve palacetes, moradias, uma burguesia endinheirada e até aristocratas lhe davam preferência vivendo da Alameda das Linhas de Torres e no Lumiar.


Perto da churrasqueira do Campo Grande temos uma mansão de grande porte, faz gaveto com o Campo Grande e a Alameda das Linhas de Torres, é um dos últimos vestígios de gentes com título que escolhiam este quase fora de portas para viverem onde o bulício era marcado pela passagem do gado que corria para o Entreposto Geral de Gados, no Campo Pequeno. Há quem não acredite, mas o Campo Grande foi formoso e espaçoso, era escolhido pelas suas sombras, os passantes admiram-se com as espécies arbóreas e a variedade de flores, andavam de barco no lago, era um quase termo da cidade. Ainda bem que nesta convulsão urbana o metro deixou uma estação extraordinária com azulejaria única. Os sinais de deterioração são bem visíveis e era tempo dos amigos de Lisboa pedirem a classificação do espaço, uma porta aberta para a preservação dos materiais e a convocação para chamar turistas: estão aqui alguns dos melhores azulejos da nossa contemporaneidade.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16277: Os nossos seres, saberes e lazeres (162): A pele de Tomar (12) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16299: Inquérito 'on line' (57): Total de respostas: 122. Só 3,3% não tinha lavadeira... E na grande maioria dos casos (86,1%) lavadeira só lavava mesmo a roupa...


Guiné > Região do Oio > Olossato > c. 1964 > Duas bajudas locais


Guiné > Região do Oio > Olossato > c. 1964 > Lavadeira local

Fotos (e legendas): © José Augusto Ribeiro (2013)(*). Todos os direitos reservados  [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


INQUÉRITO "ON LINE" (**): 


"SIM, NO TO DA GUINÉ, TIVE LAVADEIRA"...


1, Sim, tive lavadeira 
mas só me lavava a roupa > 
105 (86,1%)

2. Sim, tive lavadeira, lavava a roupa 
e fazia outras tarefas domésticas  
1 (0,8%)

3. Sim, tive lavadeira 
e também me fazia "favores sexuais"  > 
12 (9,8%)

4. Nunca tive lavadeira  > 
4 (3,3%)

Votos apurados > 
122 (100,0%)

Sondagem fechada em 28/6/2016, às 14h36
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Guiné 63/74 - P16298: Parabéns a você (1109): António Tavares, ex-Fur Mil SAM do BCAÇ 2912 (Guiné, 1970/72) e Rogério Ferreira, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2658 (Guiné, 1970/71)


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Nota do editor

Último poste da série de 12 de Julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16295: Parabéns a você (1108): António Dâmaso, Sargento-Mor Paraquedista Ref - CCP 122 e CCP 123 (BCP 12 - Guiné)

terça-feira, 12 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16297: Brunhoso há 50 anos (9): O Ciclo do Pão (2) (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)

Brunhoso - Com a devida vénia


1. Em mensagem do dia 8 de Julho de 2016, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), traz-nos a segunda parte do Ciclo do Pão.


Brunhoso há 50 anos

 9 - O Ciclo do Pão (2)

Depois das ceifas ou em parte em simultâneo, era necessário fazer o transporte dos molhos de trigo que os ceifeiros tinham juntado em "rilheiros" nas terras já despidas de cereal e cobertas de restolho áspero. Começava a “acarreja” assim se chamava essa grande operação do transporte dos molhos de trigo e centeio para as eiras do Prado e outras eiras particulares, para serem trilhados ou malhados.

Os lavradores normalmente iam dormir às terras, com o gado, para a primeira carrada estar nas eiras ainda antes do nascer do sol, aproveitando o calor das noites e a luminosidade dessas alvoradas de Verão. Por esse ou por outros motivos cheguei a dormir muitas vezes no campo nessas noites quentes de verão, tendo por luz somente o céu estrelado que cobria a terra com um manto de estrelas que brilhavam como se o Universo tivesse renascido.

Os carros eram carregados, como diziam os lavradores, com "pousadas", conjunto de quatro molhos, e havia muito rivalidade nessas cargas, quer pela melhor aplicação da técnica utilizada, quer por carregarem mais, sinal de animais possantes e bem treinados.

Devido a esse peso, os carros "chiavam”, assim se dizia e, para que isso não acontecesse, primeiro porque o eixo aquecia muito e podia arder com a fricção, e também porque se andassem nas estradas, mesmo municipais, poderiam ser multados, untava-se o eixo e as "estreitouras" com sabão caseiro ou com borras de azeite.

Logo ao inicio do alvorecer, dessas manhãs claras de Verão, com o sol ainda escondido atrás dos montes, os lavradores, os filhos ou os criados de lavoura regressavam numa primeira viagem com os carros carregados de trigo ou centeio, numa marcha lenta que enchia os ares dessa música continua e arrastada, produzida pela fricção das rodas, que parecia um lamento transformado em sinfonia, que desagradava às autoridades policiais, mas não desagradava às gentes da aldeia. À medida que os dias iam passando, as medas nas eiras iam crescendo em largura e altura, algumas imponentes como grandes pirâmides, e outras mais ou menos modestas de acordo com a riqueza em terras de cultivo de cada um. Eu, como de resto os meus irmãos, na adolescência, só começávamos a ir à acarreja, quando o meu pai achava que já tínhamos músculos nos braços para poder atirar, com uma espalhadoura, os molhos para os carros, onde o irmão mais velho ou alguém os acomodava. Na década de cinquenta esse trabalho seria feito por um criado de lavoura, que se "justava" anualmente no dia de S. Pedro, e por um trabalhador que era chamado à jeira. Eu e os meus irmãos, à medida que íamos crescendo, como no geral os filhos dos lavradores menos abastados, íamos fazendo todos ou quase todos os trabalhos agrícolas. Depois das ceifas, o trabalho mais duro das colheitas, de que o nosso pai nos poupava com trabalhos menores, como distribuir água aos ceifeiros ou levar-lhes as refeições nos alforges em cima da burra, voltávamos a ser novamente trabalhadores activos no primeiro plano das actividades agrícolas. A acarreja seria uma tarefa de quinze dias, mais ou menos, em que animais e homens andavam num rebuliço constante que começava logo nesses alvoreceres de verão, suspendia-se durante as horas de maior calor, para recomeçar outra vez à tarde. As eiras do Prado eram um grande espaço de relva próximo da aldeia, propriedade da Igreja (Fábrica da Igreja, como se denominava), onde todos os que não tivessem uma boa área de terreno, uma cortinha ou um prado, próximo da aldeia, podiam trilhar ou malhar os cereais. Fora da época das colheitas era um terreno de pasto, destinado a burros e outros animais de carga, aproveitado sobretudo pelos mais pobres que não tinham “lameiros” (o mesmo que prados) onde os pudessem levar a pastar. Todos os grandes lavradores, cinco ou seis, tinham eiras próprias para fazer as debulhas.

Nos primeiros anos da década de cinquenta os cereais ainda eram debulhados, tal como acontecia com as ceifas, pelo processo tradicional e histórico, igual aos dos antigos povos de lavradores da bacia mediterrânica, com recurso ao trilho e à trilha.

O trilho, aparelho para debulha do cereal, é uma espécie de estrado de madeira, compacto e com algum peso, com lâminas de ferro em forma de faca fixados na parte inferior. Puxado pelo gado na eira, com o condutor em cima do trilho, para maior pressão sobre o cereal tirado das medas, e previamente espalhado, depois de cortados os ”vincelhos” dos molhos. Os vincelhos, com que os ceifeiros atavam os molhos de cereal na ceifa, faziam-se atando o próprio cereal pelas espigas de forma a não se soltarem. Havia sempre um garoto que ia no trilho com uma cortiça em concha, para aparar as fezes dos animais.

Trilho
Com a devida vénia a Capeia Arraiana

As lâminas de ferro separavam o grão da espiga e cortavam a palha.

A Trilha, em tudo igual aos trilhos, mas em vez de metal, tinham seixos cravados na madeira e usavam-se, sobretudo nas lentilhas e tremoços.

Depois da malha o trigo (ou centeio) era junto em parvas, compridos montículos com pouca altura, para fazer a separação da palha e do grão, com a ajuda do vento, utilizando pás próprias para esse efeito. Depois de separado o cereal da palha, era metido com as rasas ou rasões nos sacos de linho grosso com a capacidade de cerca de cinquenta quilos cada um. No fim do dia os sacos seriam carregados nos carros de bois e transportados para as despensas dos lavradores, muitas vezes despejados em tulhas a aguardar o transporte para o celeiro, situado à beira da estação dos caminhos de ferro de Mogadouro. A palha era também carregada nos carros que eram providos de grandes cancelas para puderem transportar mais quantidade, e levada para os palheiros e curraladas. As curraladas eram recintos grandes que alguns lavradores tinham, onde guardavam as alfaias agrícolas, a palha, o feno e nalguns casos também os animais de trabalho.

Os mais pobres ainda utilizavam os malhos ou, "manguais", para todo o tipo de cereal, primeiro porque a colheita era pequena, segundo porque os trilhos eram caros para as suas posses.

Malhar o centeio
Com a devida vénia a Quinta do Lagar da Moira

Parte do centeio era sempre malhado pela força dos homens com os malhos, preservando o caule inteiro, chamado colmo, muito útil para fazer albardas, belfas, encher os xaragões (colchões de colmo, já que outros não havia) e para chamuscar o pelo dos porcos nas matanças, durante o inverno. Nesse tempo havia uma aldeia no concelho de Freixo de Espada-à-Cinta, chamada Fornos, a cerca de 30 kms de Brunhoso, onde os telhados da maioria das casas eram cobertos de colmo. Outras iguais havia nas zonas serranas e mais afastadas, tanto nas Beiras como em Trás-Os-Montes.

A debulha era o epílogo do longo ciclo do pão, o culminar de uma grande jornada onde todos estavam presentes: os homens, as mulheres, os pais, as mães, os filhos, os patrões, os trabalhadores, os novos, os velhos. A gente de Brunhoso saía toda de casa para ajudar nas malhas, o final das colheitas do cereal. Em casa só ficavam as mulheres dos lavradores e algumas ajudantes a fazer comida, pois era necessário alimentar todo esse exército de trabalhadores que estavam nas eiras a tratar do grão e da palha. A comida era abundante tal como tinha sido a dos segadores nas ceifas. Havia uma algazarra própria dos grandes acontecimentos, com todo esse povo de homens e mulheres, sujos do pó do cereal e da palha, a trabalhar debaixo desse sol tórrido de Agosto, ou sentados em longas mesas improvisadas com trigo ou centeio a comer as melhores comidas que as patroas sabiam fazer e a beber o vinho “precioso” da colheita do patrão ou comprado para os lados de Miranda do Douro. Eram dias de grande convívio, trabalhava-se muito, mas falava-se, gracejava-se, comia-se bem, bebia-se bastante. O que recebiam desses dias de trabalho além do vinho e da boa comida, do prazer dessa convivência alargada, era um agradecimento dos lavradores que se confundia com a caridade cristã, de alguns alqueires de trigo ou centeio, ou pães já cozidos que em tempos posteriores de mais necessidade lhes dariam para eles e para os filhos e alguns sacos de palha, para alimento dos burros. Era pouco mas esse pagamento ancestral dessa ajuda por comida e por alguns benefícios futuros certos ou incertos, era muito antiga, tão antiga que os mais velhos já não sabiam se tinha sido instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo, na Galileia, que era terra de trigo. Tinha uma vizinha, mãe de muitos filhos, boa mulher, muito faladora e sociável que não perdia um dia de colheitas.

Nos primeiros anos da década de cinquenta, do século passado, era eu garoto, e recordo-me ainda das debulhas serem feitas da forma que descrevi atrás, somente por homens e animais. Talvez ainda antes de meados dessa década surge a malhadeira uma grande máquina que por processo mecânico, movida inicialmente por um motor a gasóleo e posteriormente por um tractor, separa a palha do grão, saindo a palha já moída por uma abertura larga e o grão por outras aberturas mais estreitas onde havia sacos de linho a encher, vigiados por trabalhadores.

Malhadeira
Com a devida vénia a Paisagens de Trá-os-Montes

O primeiro tractor agrícola surge em Brunhoso, disso recordo-me ainda bem, a meio dessa década e quando foi levado ao lavrador que o comprou para demonstração, com arados e outros acessórios provocou grande sensação e juntou muita gente, pequena e grande sobretudo do género masculino.

Nunca me esqueci era um David Brown, grande e azul .

Tractor David Brown 900 de 1957
Com a devida vénia a The David Brown Tractor Club

Passados alguns anos, já na década de sessenta, irão entrar na aldeia as ceifeiras debulhadoras, máquinas agrícolas, uma espécie de grandes tractores, que se deslocam às searas e fazem toda a ceifa e a debulha à medida que cortam o cereal, que irão alterar radicalmente as formas ancestrais de ceifar e transformar as searas em grão e em palha. As primeiras ceifeiras da região, eram do chamado GRÉMIO DA LAVOURA, instituto do estado que fomentava o cultivo dos cereais, quando vieram para esta região já eram usadas, vinham do Alentejo, onde já eram consideradas pequenas e obsoletas. Com a introdução das ceifeiras-debulhadoras, os antigos ceifeiros passam a ser meros espectadores desse progresso tecnológico onde não havia lugar para eles. Provavelmente será uma das causas, associada a outras, da debandada em massa, a salto, desses trabalhadores para França e para essa Europa das nossas ilusões, depois das Índias, das Américas e das Áfricas. Os homens querem jeiras, querem trabalho e ele cada vez escasseia mais.


A agricultura sujeita a variações de produção provocadas pela seca, a chuva excessiva, as trovoadas o granizo e outras causas naturais pelo que os povos de agricultores procuraram sempre a protecção de entidades sobrenaturais para se protegerem de todas essas calamidades.

A palavra cereal vem de Ceres, a deusa romana da agricultura da colheita e dos grãos.
Ceres, generosa na essência e na forma, é bela sem sofisticação, serena e natural como uma flor silvestre.
Tem outras representações de acordo com os gostos e a sensibilidade dos seus adoradores ou artistas. Eu imagino-a tal como a descrevi.

Ceres é também um símbolo da fertilidade e da vida tal como a sua irmã da mitologia grega a deusa Deméter.
Quando o Império Romano declara o cristianismo como sua religião oficial, no século IV dC, através o imperador Teodósio, as competências de muitos deuses e deusas da antiga religião politeísta são atribuídas pela Igreja a santos e santas.
S. Isidoro, um santo espanhol, é o protector dos lavradores, quase desconhecido no Nordeste Transmontano onde no geral se pedia auxílio a Santa Bárbara, virgem e mártir, protectora das trovoadas e doutros males associados como aguaceiros fortes e o granizo.
A festa à Santa Bárbara, nesse tempo antigo, ainda antes da "fuga" dos trabalhadores para a Europa, era celebrada no segundo domingo de Setembro, quando as colheitas já estavam feitas com o cereal e a palha recolhidos. Era um tempo em que se podiam lançar os foguetes sem o perigo de incendiar as searas ou as medas de trigo e era a ocasião de agradecer à Santa os resultados das colheitas do ano.

Francisco Baptista
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Nota do editor

Poste anterior de 1 de julho de 2016 Guiné 63/74 - P16258: Brunhoso há 50 anos (8): O Ciclo do Pão (1) (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)

Guiné 63/74 - P16296: FAP (96); Algumas correções, para a história: (i) Morais da Silva comandava a Esquadra121, também dos Fiat G-91 e nunca voou helicópteros; (ii) quem veio substituir o cap pilav Cubas em 1970 foi o cap pilav Zúquete da Fonseca, o meu primeiro comandante de Esquadra; (iii) não foi a Esquadrilha mas a Esquadra de voo 122, que sempre se designou por Canibais; (iv ) quando lá cheguei, em 8/12/1970, ainda conheci a "velhice", o Jorge Félix, o Solano de Almeida, o Heleno e o Falé... (Lino Reis, ex-alf mil pil, BA 12, Bissalanca, 1970/72)

Alouette III. Bambadimca (c. 1969/70). Foto:
Humberto Reis (2006)
1. Mensagem do nosso leitor e camarada Lino Reis [e, além disso, amigo e conterrâneo do nosso editor LG; foi alf mil pil, BA 12, Bissalanca, 1970/72, hoje cor pilav ref; tem página no Facebook]


De: Lino Reis
Data: 8 de julho de 2016 às 12:36
Assunto: Mais uma correcção cirúrgica.


Luís, bom dia.

Pensava entretanto encontrar-me contigo no Táss....qualquer coisa,[Bar da Praia da Areia Branca, Tasse-Bem] para te comunicar uma pequena correcção a um dado colocado por Humberto Reis que colo abaixo [, na sequência de uma pesquisa que fiz no teu blogue, sobre os Canibais]

" Notas de L.G.:

(1) Mensagem que recebi hoje, do Humberto Reis:

"(...) Este nosso novo tertuliano Jorge Félix, ex-alf mil pil av, julgo que era um que andava quase sempre com botas de cano alto. O comandante da esq 123 era o cap Cubas, de alcunha o Canibalão, pois a esquadrilha era a de Os Canibais. O Cubas foi substituído em 70, se não me engano, pelo cap Morais da Silva, que chegou a ser CEMFA depois do 25 de Abril."


Para que a verdade histórica seja uma meta suprema, sugiro que a referência a Morais da Silva, na altura Capitão Piloto Aviador e que mais tarde foi CEMFA após o 11 de Março [de 1975], seja corrigida.

Ele comandava a Esquadra 121, também dos Fiat G-91 e nunca voou Helicópteros na sua carreira militar.

Entretanto partiu há meses para o seu último voo. [José Alberto Morais da Silva, cor pilav ref, 1041-2014]

Quem veio substituir o Capitão Piloto Aviador Cubas em 1970 foi o Capitão Piloto Aviador Zuquete da Fonseca, que foi o meu comandante de Esquadra durante quase toda a Comissão [, na Guiné, 1970/72].

Não foi a Esquadrilha mas a Esquadra de voo 122, que sempre se designou por Canibais.

Quando lá cheguei, dia 8 de Dezembro de 1970, ainda conheci o Jorge Félix [, foto à direita], sempre com as suas máquinas a tiracolo, o Solano de Almeida (que teve a sua carreira civil na TAP seguindo o seu pai e o seu irmão), o Heleno (continuou a voar na TAP) e o Falé, pelo menos.

"Eram a velhice" e eu um garboso "periquito" ou abreviando um"PIRA".

Foram escassos dias de sobreposição ou de "largada" dos piras (graças às nossas qualidades no domínio das máquinas voadoras,kkk), pois desapareceram pouco tempo depois rumo à Metrópole; felizmente chegara a sua hora.

É um pequeno contributo para, repito, a verdade dos factos históricos. (**)

Desapareço com saudações aeronáuticas.

Um abraço

Lino Reis

Piloto Cmdt. de Linha Aérea de Aviões ref.

2. Comentário de LG:

Obrigado,  meu caro, pelas tuas "correções cirúrgicas"...  A verdade também é uma questão de detalhes. O meu camarada Humberto Reis (, ex-fur mil op esp, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) não era da FAP, mas tinha amigos na BA 12 e tirou magníficas fotos áereas da zona leste, graças às boleias de heli...

Quanto ao Jorge Félix, há um vídeo dele (ou melhor, do  Pierre Fargeas),  a que ele acrescentou uma conhecida e nostálgica canção do Ch. Aznavour, com letra em espanhol, e carregou no You toube, na sua página... Está reproduzido no nosso blogue. Merece ser visto, revisto e comentado. Na altura escrevi-lhe o seguinte:

"Jorge, é um vídeo que eu vejo e revejo... Por muitas razões: por ti, amigo e camarada do meu tempo; pelo regresso ao passado; pelas saudades da doce, tranquila e bela Bafatá; pelos nossos 20 anos. tão generosos quanto verdes; pela beleza (pertubadora) da Ivete Fargeas; pela 'canción desesperada' do Ch. Aznavour... Uma combinação perfeita!...Um Alfa Bravo".

Julgo que ainda é do teu tempo este casal francês, os Fargeas, que suponho vivia na Base. O Pierre Fargeas (n. 1932) era o técnico francês de manutenção do Alouette  III, e representava o fabricante, a Aérospatiale, Terá estado na Guiné até 1974, segundo informação do Jorge Félix. No vídeo vê-se também o então cor pilav Manuel Diogo Neto (1924-1995).

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Notas do editor:

(*) 28 de fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2592: Voando sob os céus de Bambadinca, na Op Lança Afiada, em Março de 1969 (Jorge Félix, ex-Alf Pil Av Al III)

Guiné 63/74 - P16295: Revisitando o "chão fula", e ligando o passado com o futuro (Patrício Ribeiro, Impar Lda) - Parte V: Piche, hoje uma paisagem bucólica...



Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Guiné-Bissau > Região de Gabu > Piche >  Julho de 2016

Fotos: © Patrício Ribeiro (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do nosso grã-tabanqueiro Patrício Ribeiro, de 68 anos de idade, português de Águeda, vivido, crescido, educado e casado em Angola, Nova Lisboa / Huambo, antigo fuzileiro naval, que retornou ao "Puto" depois da descolonização, fixando-se entretanto na Guiné-Bissau, há 3 décadas, país onde fundou a empresa Impar Lda, líder na área das energias alternativas; é um daqueles portugueses da diáspora que nos enchem de orgulho e nos ajudam a reconciliarmo-nos com nós mesmos e afugentar o mau agoiro dos velhos do Restelo, dos descrentes, dos pessimistas...


Data: 8 de julho de 2016

Assunto - O que o tempo leva, e o que fica para sempre, as pedras...


Boas, junto algumas fotos (em duas partes), de "peças de museu", não quero fazer concorrência com outros fotógrafos…

Das minhas visitas na Zona Leste, lá vão mais algumas fotos Depois de Camjaude (*), o quartel de Pitche...

O que resta e o que o tempo leva... Nestes locais, estamos agora a fazer o nosso trabalho. A colocar água potável para a população.

Nestes passeios na nossa viatura, conseguimos por vezes ouvir a RTP África através do emissor de Gabú. Esta semana fiquei surpreendido com a entrevista que a locutora do PAIGC, no tempo da luta, na Rádio Liberdade, deu ao Delegado da RTP África em Cabo Verde.

Que já naquele tempo, uma das músicas que passavam, para animar os combatentes do PAIGC, era a "Grândola Vila Morena", do Zeca Afonso, que também serviu para o 25 de Abril...

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 11 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16291: Revisitando o "chão fula", e ligando o passado com o futuro (Patrício Ribeiro, Impar Lda) - Parte IV: A Canjadude dos Gatos Pretos, a CCAÇ 5

Guiné 63/74 - P16295: Parabéns a você (1108): António Dâmaso, Sargento-Mor Paraquedista Ref - CCP 122 e CCP 123 (BCP 12 - Guiné)

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Nota do editor

Último poste da série de 9 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16286: Parabéns a você (1107): Adriano Moreira, ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2412 (Guiné, 1968/70); Arménio Estorninho, ex-1.º Cabo Mec Auto da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70) e Joaquim Carlos Peixoto, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3414 (Guiné, 1971/73)

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16294: Tabanca Grande (490): Adelaide Barata Carrêlo, filha do ten SGE Barata, CCS/BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71)... Com sete anos apenas, sofreu a brutal flagelação do IN ao quartel e vila do Gabu, em 15/11/1970, que causou 3 mortos e 4 feridos graves entre as NT e 8 mortos e 80 feridos (graves e ligeiros) entre a população... Passou a ser a nossa grã-tabanqueira nº 721

1. Mensagem de Adelaide Barata Carrêlo, enviada hoje às 14h43:


Boa tarde,

Agradeço de coração todas as palavras que me foram dirigidas (*).

Em relação ao que escrevi, na parte " (...) Também me lembro de quem lá ficou para sempre, não éramos muitos" e " Lugar onde tive medo, fui feliz e vivi (...), referíamos à trágica noite de 15 de Novembro de 1970. 

Ficou também por contar; e, que se me permite, o farei brevemente.

Obrigada mais uma vez, pelo convite para me sentar convosco à sombra do poilão da vossa querida Tabanca Grande.

Um abraço apertado

Adelaide

2. Alguns comentários:

(i) Cherno Baldé:

Amiga Adelaide,

Obrigado pelas bonitas palavras dirigidas à nossa sofrida Guiné, que Deus te proteja e guarde por muitos anos para poderes voltar a pisar esta terra vermelha da tua infância feliz e motivo de todas as saudades que engrandecem o teu grande coração de mulher.

O sentimento que tenho agora, como homem maduro e que acompanhou as vicissitudes e peripécias desta terra desde a infância, é que o gen Spínola queria fazer na Guiné o mesmo que, mais tarde, o Nelson Mandela fez na África de Sul, isto é,  uma nação arco-íris, onde o mais importante não seria a origem das pessoas nem a cor da pele. Por diversas, que agora não interessa invocar, não resultou, paciência. 

Um fraterno abraço para ti e a todos os amigos da Guiné, Cherno AB.

(ii) Valdemar Queiroz:

(...) "meninos que se ensaboavam no meio da rua e com um chuveiro gigante que deitava tanta água de pingos grossos e doces" (...). 

Que maravilhosa descrição, amiga Adelaide.

Abraço fraterno, Valdemar Queiroz

(iii) Jorge Rosales:

Amiga Adelaide:

O seu testemunho é LINDO... A minha filha Luísa faz hoje 45 anos... Que prenda tão forte para o pai... Obrigado.

Jorge Rosales (farda amarela)


(iv) Abílio Duarte:

Quem pode descrever bem esse dia/noite [, 15/11/1970,] é o meu camarada fur mil Aurélio Duarte [da CART 2479/CART 11 (Nova Lamego e Paunca, 1969/70)], que esteve no meio dessa total confusão, e ainda teve um processo disciplinar em cima... Felizmente safou-se militarmente e disciplinarmente, mas o cagaço  não foi pequeno: em maio passado,  no nosso almoço anual,  ele relembrou aquelas horas, pois estava emboscado na estrada de Nova Lamego para Piche e, segundo ele,  turra era mato.


(v)  Luís Graça:

Adelaide, foi das coisas mais lindas que temos editado nos últimos tempos. Essa capacidade de maravilhamento só pode ser de quem guarda, numa caixinha especial da memória, todas as cores, sabores e cheiros da Guiné, do tempo da infância. 

Fica deste já convidada para se sentar à sombra do poilão da nossa Tabanca Grande. Trataremos depois dos pormenores!... Um abraço fraterno.Luis Graça




Guiné > Nova Lamego (ou Gabu) > "Nova Lamego, Guiné Portugesa". Colecção "Guiné Portuguesa, nº (?)". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte, SARL). Exemplar  da colecção do nosso camarada Agostinho Gaspar (ex-1.º cabo mec auto rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74), natural do concelho de Leiria. 

 Digitalização e edição de imagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010).



3. Novo membro da Tabanca Grande, nº 721

A Adelaide, filha do tenente SGE Barata, da CCS/BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71), confirma que estava,  com a família (pais e irmãos). em 15/11/1970, quando o quartel e a vila de Nova Lamego foram violentamente flageladas pelo PAIGC. Com sete anos, deve ter apanhado o maior susto da sua vida,

Recorde-se que,  em 15/11/1970, um numeroso grupo IN, estimado em 150 elementos flagelou Nova Lamego com armas ligeiras e 4 morteiros 82, tendo disparado cerca de 122 granadas, durante 35 minutos .

As NT tiveram 3 mortos (incluindo o srgt mil enf da CCAÇ 5, Cipriano Mendes Pereira),  4 feridos graves (incluindo 1 milícia), enquanto a população teve 8 mortos (incluindo a esposa do nosso camarada Cipriano), 50 feridos graves e 30 ligeiros.  As NT reagiram com fogo de morteiro 81 e canhão s/r, manobra de envolvimento e perseguição, apoiadas  pela FAP. A artilharia de Cabuca e Piche bateram com fogo de obus os prováveis itinerários de retirada do IN.

Nem por isso a Adelaide quis esquecer as melhores lembranças dos dias maravilhosos que passou no Gabu.

Acaba também por aceitar o nosso convite para integrar a nossa Tabanca Grande, honrando dessa maneira o seu pai e o seus camaradas, e nomeadamente daqueles que já morreram,

Se possível, gostaríamos de ter as duas fotos da praxe, de tipo passe, uma atual e outra do tempo que a Adelaide passou na Guiné, com os pais e irmãos. Para já fica com direito a sentar-se. no lugar nº 721 (**), à sombra do nosso mágico, frondoso  e fraterno poilão.

Que sejas bem vinda, Adelaide, que os/as filhos/as dos nossos camaradas nossos/as filhos/as são. 

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 9 de julho de 2016 >  Guiné 63/74 - P16288: (In)citações (95): "Terra vermelha quente e de paz, / lugar onde tive medo, fui feliz e vivi, / amar-te-ei sempre, / minha Guiné menina velha encantada"... (Adelaide Barata Carrêlo, filha do tenente Barata, que viveu em Nova Lamego, no início dos anos 70, durante a comissão do pai, e aonde regressou, maravilhada, quarenta e tal anos depois)

Guiné 63/74 - P16293: Nota de leitura (857): As ONG na democratização da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Agosto de 2015:

Queridos amigos,
Não era sem tempo de procurar dar uma síntese da atividade das ONG na Guiné-Bissau, é redundante dizer que tem sido da maior importância. Basta recordar o desempenho da AD quando tinha o Pepito ao leme.
Tive o privilégio de assistir em 1991 ao aparecimento da associação dos direitos humanos que rapidamente entrou em conflito com o regime de Nino. É de lamentar que a rede internacional das ONG que ali labora não tenha um trabalho articulado com os projetos dos doadores, tudo tornaria estas inciativas para o desenvolvimento mais eficientes e compreensivas para a vida comunitária.
Entretanto, deu-me na telha andar a ver papéis da década de 1950 na Guiné, passou-me pela cabeça voltar ao romanesco como fiz com "A mulher grande", e ao mexer no relato da viagem de Craveiro Lopes à Guiné, em 1955, encontrei este preâmbulo de Sarmento Rodrigues na concessão do novo foral a Bissau, é um belíssimo texto que quero partilhar convosco.

Um abraço do
Mário


As ONG na democratização da Guiné-Bissau

Beja Santos

Na revista Africana Studia, n.º 18, primeiro semestre de 2012, encontrei um interessante artigo intitulado “A sociedade civil face ao processo de democratização e o desenvolvimento na Guiné-Bissau (1991-2011)”, da autoria de Miguel Barros. Trata-se do período que abarca o anúncio do pluripartidarismo até ao ano anterior ao golpe militar encabeçado por António Indjai.

O autor preambula com noções elementares, recordando que a democracia da sociedade civil pressupõe participação com livre expressão e pluralismo e que o regime democrático tem como mais sério obstáculo o autoritarismo. E depois traça o objetivo para o seu artigo, o de visar identificar e analisar as origens e progressos da sociedade civil guineense desde a instauração do multipartidarismo, passando pelo desafio que foi o conflito político-militar de 1998-1999. No passado, o partido-Estado (o PAIGC) controlava os trabalhadores, a juventude, as mulheres, a comunicação social, tudo em nome da unidade e segurança nacionais. Com a entrada em falência do partido-Estado, foram aparecendo e obtiveram reconhecimento outros atores sociais coletivos. Recorde-se que o desempenho da Igreja Católica face ao esvaziamento do Estado, concretamente nos anos 1980 foi o de reforçar a sua influência nos domínios cruciais da saúde e da educação. O conflito político-militar saldou-se por uma maior projeção da Igreja Católica e o seu bispo de então impôs-se como uma das grandes figuras morais na mediação do conflito. D. Camnaté Na Bsing, primeiro bispo de origem guineense, goza igualmente grande prestígio.

A liberdade sindical tornou-se uma realidade, o SINAPROF – Sindicato Nacional de Professores, e o SNTTC – Sindicato Nacional dos Transportes e Telecomunicações, por exemplo, foram decisivos nas denúncias das condições precárias de trabalho e salários na Guiné-Bissau. Para além da UNTG (que congrega 17 sindicatos filiados) existe hoje a Confederação Geral dos Sindicatos Independentes, onde estão os sindicatos mais ativos (justiça, professores, jornalistas, transportes e telecomunicações).

As ONG trouxeram uma nova abordagem para a promoção do desenvolvimento dos domínios dos serviços de base, ambiente e direitos humanos. A sua principal fragilidade passa pela dependência de apoio externo, quando ele desaparece a ONG também desaparece.

Na comunicação social, o pluralismo manifestou-se com o surgimento do jornal Expresso Bissau, depois com as rádios privadas Pindjiquiti e Bombolom, em 1995. A Guiné-Bissau conta com uma rede nacional de rádios comunitários, estão inscritas cerca de três dezenas de rádios.

O setor onde a dinâmica da vida associativa conheceu uma maior vitalidade foi o da associação de jovens e mulheres durante a década de 1990. Há um caráter instrumental destas organizações devido à filosofia dos projetos dos doadores que privilegiam o trabalho direto com os grupos sociais.

Ganharam uma grande projeção os grupos cuja finalidade é o de preservar e fortalecer o espírito de solidariedade e assistência mútua no seio da comunidade, mandjuandades. O contributo mais significativo da sociedade civil aponta para três direções: serviços de base (saúde e educação); direitos humanos e cidadania; informar, sensibilizar e consciencializar (caso do ambiente). Nos serviços base, reduziu-se o impacto da ausência do Estado nas zonas rurais mediante iniciativas que permitiram a construção de centros hospitalares e escolas geridas pela própria comunidade beneficiária. Houve o momento em que as ONG dos direitos humanos se perfilaram como o principal, defensor dos desfavorecidos e protetor contra a violência do Estado.

O grande teste posto à sociedade civil foi o conflito político-militar, criou-se o Movimento da Sociedade Civil para a Consolidação da Paz e Democracia. O período de transição pós-conflito e pós-golpe envolvendo o presidente Kumba Yalá (2003) confirmou a falta de confiança nos políticos e forças partidárias. Nesta época reafirmou-se a autoridade moral, política e social da sociedade civil, através da indigitação de uma figura independente dos partidos para o cargo de presidente da República de Transição, o empresário Henrique Rosa. São tempos de intensa participação, surgiram mais de duas dezenas de partidos políticos, hoje em grande parte volatizados. Na atualidade, assiste-se a uma estratégia destas ONG assente em compromissos com o Estado nalguns setores: um bom exemplo é a gestão das áreas protegidas, em que AD teve um papel de realce. Como conclusão dir-se-á que a inclusão dos atores não estatais é hoje encarada como um processo incontornável, Estado e sociedade estão condenados ao entendimento. Infelizmente nem toda a estratégia dos doadores contempla diretamente o apoio a estes atores.


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E um admirável texto de Sarmento Rodrigues sobre a cidade de Bissau

Ao folhear o Diário da Viagem Presidencial às Províncias Ultramarinas da Guiné e Cabo Verde, em 1955, Volume I, coordenação de Rodrigues Matias, Agência Geral do Ultramar, 1956, encontrei um texto do comandante Sarmento Rodrigues, quando governador da Guiné, em 1948, no preâmbulo do diploma legislativo em que concedeu à Câmara Municipal de Bissau novo foral:
“O alvará régio de 15 de Março de 1692 é o registo de nascimento de Bissau. Ordenara-se a construção da primeira fortaleza, ligara-se a gente à terra. E tão bem que, de então para cá, Bissau nunca mais deixou de ser a Praça.
No entanto, e apesar de em 1855 ter Comissão Municipal, e em 1859 ser vila, durante esses dois séculos ela não foi outra coisa mais do que uma Praça. Recinto fechado e muralhado, apenas com algumas casas de comerciantes, todas de barro ou taipa, aninhadas à sombra dos baluartes e cobertas por uma paliçada, depois um muro que da Balança corria até Pidjiquiti.
Vontade de crescer, todavia, não lhe faltou. E necessidade também. Em 1894, numa das muitas pazes temporárias e submissões fictícias do gentio irreverente, proclamou-se nova zona de expansão. Um polígono de 350 metros envolvendo as muralhas. Um padre abençoa, extramuros, um local para uma igreja. As habitações, aglomeradas por detrás da parede de tijolo, ameaçavam transbordar. Um povoado queria crescer.
Até que em 1913 o governador Carlos Pereira demoliu o muro asfixiante. Bissau passava agora a não conhecer outros limites além da barreira do mato impenetrável que na sua frente se levantava. E não teve mais descanso. Abrem-se ruas através dos matagais. Em 1914 é cidade e tem o primeiro plano de urbanização. Aumentam dia-a-dia os edifícios. Velez Caroço dá-lhe, em 1923, o seu primeiro foral. A cidade precisava de ser orientada na sua vida e o no seu avanço, que se não detinha. Era a primeira urbe da província.
Em 1941 fazem-na capital da Guiné. Já então possui bairros novos, muito para além das vistas da velha fortaleza abandonada. A área do plano de urbanização de 1914 e do foral de 1923 torna-se cada vez mais escassa.
Por isso em 1945 se procedeu aio estudo do seu alargamento, começando pelos levantamentos topográficos que haviam de conduzir à concessão de nova área e a um novo plano de urbanização e expansão. Desta vez é que se chegava à colina de Bandim.
Chegamos assim à situação presente. A cidade de S. José de Bissau tem hoje um apreciável conjunto de artérias e edificações. Todas elas não bastam, porém, para os seus numerosos habitantes que aumentam dia-a-dia. Possui hotéis, hospitais, estádio, praças, monumentos, uma catedral, água canalizada, luz e todas as modernas conveniências. Secaram-se os pântanos que a envolviam e empestavam. Era indispensável alargar-lhe a área e atualizar-lhe a vida. O seu desenvolvimento não poderia continuar sujeito aos velhos processos que foram excelentes para o seu tempo. O novo foral da Câmara de Bissau tinha de ser promulgado”.

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Nota do editor

Último poste da série de 8 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16285: Notas de leitura (856): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos: o caso do cirurgião Domingo Diaz Delgado, 1966-68, segundo o livro de H. L. Blanch (2005) - Parte III: onde se faz referência à possível operação das NT, no corredor de Sambuiá, onde terá morrido o cap inf QP José Jerónimo da Slva Cravidão, da CCAÇ 1585, em 4/6/1967 (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494, Xime-Mansambo, 1972/1974)

Guiné 63/74 - P16292: (In)citações (97): O futebol contra o racismo: os heróis improváveis do 10 de julho de 2016!... (Francisco Baptista / Cherno Baldé / José Manuel Matos Dinis / Francisco Gamelas / Luís Graça)

1. Comentário do nosso editor LG com data de ontem, às 23h00 (*):

Acabou de me telefonar de Bissau o Cherno Baldé:

- Parabéns, Portugal!

Que lindo!

Está tudo em festa na Guiné-Bissau!...

Era um telefonema improvável!... Na atrapalhação, e não querendo que ele estivesse a gastar dinheiro numa chamada internacional, só lhe disse:

- Obrigado, Cherno, é uma vitória de todos nós, lusófonos, e um manifesto contra o racismo!...

Eu, que não vi o desafio pela TV, não sabia àquela hora que um dos heróis improváveis daquela noite, era um tal Éder, um "patinho feio", nascido em Bissau!...


2. Comentário do José Manuel Matos Dinis, com data de ontem às 23h02:

Camaradas, boa noite!

Como já devem saber, Portugal é campeão europeu. Tinham decorridos alguns poucos minutos e tocou o telefone. Ainda levei uns momentos a atender, por atrapalhação com um livro.

Do outro lado perguntaram por mim. Tinha reparado que o número não estava registado, portanto, não sabia a proveniência. Era uma voz emocionada. Confirmei que sim, que era eu quem atendia. Fala o CHERNO, o CHERNO BALDÉ, e de modo emocional acrescentou um e outro VIVAS a PORTUGAL.

Trocàmos abraços telefónicos, e desejàmos felicidades recíprocas, até que nos possamos encontrar. Valeu a pena, aqui e na Guiné-Bissau.

Abraços fraternos

JD


3. Francisco Baptista, um "rapaz" de Brunhoso, escreveu um texto com garra, e premonitório,  na véspera do jogo de futebol entre as seleções de Portugal e da França, texto esse que vai seguramente figurar  na antologia do nosso blogue (*)... 

E o nosso editor LG entendeu colocar na caixa de comentários o seguinte, às 17h01 de ontem:

Há dias recebi esta mensagem de um outro Francisco, Gamelas de apelido, beirão de Aveiro, que ficou na caixa do correio como muitas outras, não se tratando de um assunto "diretamente" relacionado com o "core business" do nosso blogue...

Depois do teu poste, aproveitando a "aberta" dos nossos editores, aqui vai... É uma manifesto contra o racismo, usando a força (inegável) que tem o futebol mediático nas nossas sociedades... Que a julguem os nossos leitores...

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Francisco Gamelas

29/06/2016

Aqui vai um achado bonito, que nem sempre corresponde à realidade. Mesmo assim, ... FG

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(Autor desconhecido)

Aproveito esta oportunidade para explicar um bocadinho a diferença entre racismo e anti-multiculturalismo.

É assim: um português nascido no Brasil [Pepe] corta uma jogada perigosa da Croácia na sua grande área.

A bola é recolhida por um preto da Musgueira [Renato Sanches], que avança no terreno até ter a noção do melhor passe. Manda a bola para um mulato da Amadora [, Nani,], que a mete num menino pobre da Madeira [Ronaldo]. Este remata à baliza, mas o guarda-redes contrário só tem tempo de a defender para um espaço livre, onde surge um cigano [Quaresma] a fazer golo.

Todos portugueses. Nenhum vai meter uma bomba no Rossio. Agnósticos, ateus ou cristãos, não sei.Todos filhos da cultura lusitana.

Racismo? Não, obrigado!

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P16291: Revisitando o "chão fula", e ligando o passado com o futuro (Patrício Ribeiro, Impar Lda) - Parte IV: A Canjadude dos Gatos Pretos, a CCAÇ 5



Foto nº 1 >  O brasão dos Gatos Negros, a CCAÇ 5


Foto nº 2 > O Patrício Ribeiro junto aos restos do aquartelamento


Foto nº 3 > Aqui foi, durante toda a guierra, a casa dos "Gatos Pretos"


Foto nº 4 > A carrinha da Impar Lda junto a uma das famosas pedras de Canjadude


Foto nº 5 > Uma das pedras (rcohedos) de Canjadude donde se vê a tabanca


Foto nº 6 A  > A tabanca de Canjadude,. em  primeiro plano o centro de saúde


Foto nº 6 > Vista da tabanca de Canjadude


Guiné-Bissau > Região de Gabu > Canjadude> Julho de 2016

Fotos: © Patrício Ribeiro (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso grã-tabanqueiro Patrício Ribeiro, de 68 anos de idade, português de Águeda, vivido, crescido, educado e casado em Angola, Nova Lisboa / Huambo, antigo fuzileiro naval, que retornou ao "Puto" depois da descolonização, fixando-se entretanto na Guiné-Bissau, há 3 décadas, país onde fundou a empresa Impar Lda, líder na área das energias alternativas; é um daqueles portugueses da diáspora que nos enchem de orgulho e nos ajudam a reconciliarmo-nos com nós mesmos e afugentar o mau agoiro dos velhos do Restelo, dos descrentes, dos pessimistas...

Para ele, e todos os demais portugueses da diáspora, da Guiné-Bissau a Timor, um alfabravo verde-rubro do tamanho do mundo... Para o Cherno Baldé que, findo o jogo Portugal-França, nos telefonou emocionado a dizer: "Viva Portugal! Parabéns, Portugal!"... O golo da vitória foi marcado por um "patinho feio" chamado Éder, nascido em Bissau...


Data: 8 jul 2016



Assunto - O que o tempo leva, e o que fica para sempre, as pedras...


Boas,

Junto algumas fotos (em duas partes), de "peças de museu!, não quero fazer concorrência com outros fotógrafos…

Das minhas visitas na Zona Leste (*), lá vão mais algumas fotos.

Primeiro, de Candjadude,e depois de Piche

O que resta dos abrigos do "antigo quartel tuga" [, que foi sede até ao fim, da CCAÇ 5, os "Gatos Negros"].

Onde muitos se abrigaram... As pedras que ninguém leva... Onde muitos passaram noites e noites de G3 na mão...

Onde tenho que subir, para apanhar rede para o telemóvel,  E de onde se pode ver a tabanca... Em 1º plano está o Centro de Saúde  (fotos nº 6 e 6A].

Em Canjadude, como em Piche, como largas dezeanas de tabancas do antigo !ch
ão fula", estamos agora a colocar água potável para a população.

Nestes passeios na nossa viatura, conseguimos por vezes ouvir a RTP África através do emissor de Gabú. Esta semana fiquei surpreendido com a entrevista que a locutora do PAIGC, no tempo da luta, na Rádio Liberdade, deu ao Delegado da RTP África em Cabo Verde.

Que já naquele tempo, uma das músicas que passavam, para animar os combatentes do PAIGC, era a "Grândola Vila Morena", do Zeca Afonso, que também serviu para o 25 de Abril...

Abraço

Patricio Ribeiro
«impar_bissau@hotmail.com



Guiné > Região do Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 >  Guião dos "Gatos Pretos"



Guiné > Região do Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 > 1974 > Os últimos dias dos "Gatos Pretos": o pessoal da tabanca teve autorização para ficar com os bidões vazios. Foi uma verdadeira corrida para ver quem conseguia ficar com eles.

Fotos (e legendas):© João Carvalho (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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