segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16801: Notas de leitura (908): “Ten General Alípio Tomé Pinto, O Capitão do Quadrado”, pela jornalista Sarah Adamopoulos e pelo biografado, Editora: Ler Devagar, 2016 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Dezembro de 2016:

Queridos amigos,

Alípio Tomé Pinto está bastamente referenciado no blogue. A sua biografia é vastíssima, vai desde a esplêndida e comovente narrativa sobre a sua aldeia, Maçores, os locais de estudo, o cadete da Escola do Exército, a sua ida em 61 para Angola, onde chega a receber a Extrema-Unção, segue-se os tempos do capitão de Binta, depois o curso do Estado-Maior, o Funchal, de novo Angola, o seu envolvimento nos acontecimentos do 25 de Novembro, o Comando-Geral da GNR, depois de ter comandado a Primeira Brigada Mista Independente, e muito mais.

É uma leitura que delicia, temos ao espelho um homem íntegro, que despreza a pesporrência. Cinjo-me a três momentos que me sensibilizaram profundamente: Maçores, Angola e Binta. O resto fica para vocês todos lerem, seguramente com entusiasmo.

Um abraço do
Mário


Alípio Tomé Pinto, o Capitão do Quadrado

Beja Santos

O livro intitula-se “Ten General Alípio Tomé Pinto, O Capitão do Quadrado”, um mano-a-mano entre a jornalista Sarah Adamopoulos e o biografado, Ler Devagar, 2016.

Trata-se de alguém, hoje octogenário, ferido em Angola e ferido na Guiné. Promovido a general aos 45 anos de idade, por razões de mérito. Uma folha de serviços invejável. Alguns se pronunciarão de que a narrativa no seu todo é aliciante e de exigente leitura. Confesso que me comoveu acima de tudo a elegia transmontana e o palco da guerra. É sobre esses dois tópicos que me vou centrar.

Fins do século XIX, início do século XX, um geógrafo de renome, Vidal de La Blache, defendeu a tese de que ao meio que define o caráter do homem e das populações, é a factura de viver rodeado de montes ou à beira-mar, com verdura, neblina, florestas ou areais. Tomé Pinto, di-lo com orgulho, aquele chão foi a génese do sonho e da aventura, o chão chama-se Maçores, aldeia na Terra Quente do nordeste transmontano. E o meio fica cinzelado nestes termos:  

“As pessoas viviam do que produziam. Eram autónomas, ou quase. O dinheiro não circulava muito. Nem para ir à vila era preciso, por que as pessoas tinham com o médico uma avença que era honrada em cereal. Foi assim até aos anos 1950. O dinheiro quase não era preciso para a vida do dia-a-dia, porque havia a troca, a cedência e a oferta, e, na verdade, só quando iam à feira é que as pessoas precisavam de dinheiro. Para comprar, por exemplo, um fato, ou um lenço, ou tecido para o avental, ou para fazer um vestido. Ou então as coisas que a terra ali não dava: arroz, açúcar, bacalhau, peixe salgado, polvo seco”.

Um maçorano que foi assistindo ao progresso, viu as ruas calcetadas, a linha telefónica para Moncorvo, a chegada da luz elétrica, do transporte diário para Peredo e Torre de Moncorvo, uma escola de ensino primário. Depõe uma memória iluminada pela distribuição de papéis, masculino e femininos, Tomé Pinto é terno a falar das mulheres e da sua solicitude na vida comunitária, a aldeia como uma família, guarda com nitidez a casa, a escola, a educação e depois os estudos em Moncorvo, no Porto e em Bragança. Em 1953 assenta na Escola do Exército, não esqueceu detalhes que mais vida que minudências:  

“Lá vim eu pela primeira vez até Lisboa. Com o dinheiro enfiado no bolso da camisola interior que a minha mãe me tinha arranjado. Na altura, tínhamos de ser nós a comprar as fardas. E também pagávamos o talher com que comíamos, e a roupa de cama com que nos cobríamos. Havia uma despesa grande à cabeça que era preciso fazer. Sim, era uma espécie de enxoval militar”.
Vai cursando e descobre o amor da sua vida.

Em 1961, em Maio, chega a Angola, ainda viu trabalhos forçados. A sua Companhia é a CCAÇ 129. Em Outubro, quase morre na região do Uíge, entre Quizalala e São José do Encoje:

“Fui ferido nos chamados dembos, na Serra de Ambuíla, terra do café, numa emboscada durante um patrulhamento”.

Ferimento grave: Uma bala havia entrada por um dos lados dos maxilares, partindo-o, passando pelo palatino, e alojando-se junto à carótida. Chega a receber a Extrema-Unção. Recupera-se em Lisboa, é reenviado para o Regimento de Nova Lisboa (atual Huambo) onde vem a formar 200 cabos indígenas. Voltará várias vezes a Angola, durante a guerra e depois.

A segunda experiência duríssima é a Guiné, onde amadureceu e ficou marcado para a vida. Vai para Binta, chamar-lhe-ão o capitão de Binta, entre Farim e Bigene. Para entender o que ele foi encontrar temos que recuar àquele pano de fundo que é a desarticulação quase completa daquela região, com fuga de populações para o Senegal e os guerrilheiros a circularem com a maior liberdade, cultivando mesmo as bolanhas. Chega e procura percecionar as formas de atuação. Comanda a CCAÇ 675. Vai de patrulhamento em patrulhamento, impunha-se esclarecer onde estavam os focos da guerrilha, afastá-los e intimidá-los, e estabelecer mesmo ligação entre Binta e Farim, sede do BCAÇ 490. Sucedem-se as operações a um ritmo trepidante: uma batida à região de Lenquetó, a 12 km de Binta. Esta operação teve números consideráveis: entre 20 a 30 mortos, 40 prisioneiros. Progridem em quadrícula, dois grupos de combate reproduzem um clássico dispositivo militar, muito usado nas campanhas africanas do século XIX. Tática bem-sucedida, Tomé Pinto passará a ter cognome: o Capitão do Quadrado.

A obra cita o livro que escrevi com o Embaixador Henriques da Silva “Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro”, onde se fala nessa catadupa de patrulhamento ofensivos e golpes de mão e batidas; as estradas que estavam ao abandono ficaram limpas das abatizes, assim se chegou a Guidage; 22 itinerários, numa extensão de cerca de 250 km, foram percorridos ao longo do mês de Julho de 1964. O dia 5 de Agosto será funesto. Pretende-se ir até Santancoto, no limite do setor. Entra-se numa mata fechadíssima, passa-se por uma bolanha, e nisto deu-se uma intensa troca de fogo, retoma-se o quadrado, e um acidente tomou conta de tudo:

“Apesar do recomendado ao soldado do morteiro para ter cuidado com as árvores de grande copa que ladeavam a estrada, o seu excesso de zelo e ardor combativo (…) levou-o a disparar a morteirada, com tal precipitação que a granada foi rebentar num ramo alto de uma árvore (…) crivando de estilhaços o lado onde se encontrava o capitão e alguns soldados”.

Tomé Pinto cai ferido, o furriel enfermeiro estanca-lhe a hemorragia, pede-se a evacuação. E desse relato há uma página memorável:

“Todos queriam pegar na maca para o transportar até ao helicóptero; um despia o casaco camuflado para lhe aconchegar melhor a cabeça na maca (…) outro dava-lhe o seu concentrado de frutos da ração de combate para comer pelo caminho; outro ainda quase que o obrigava a beber a água do seu cantil. Todos lhe queriam tocar, apertar a mão, desejar-lhe as melhoras para que voltasse depressa”.

Recupera, vai de avião até Farim e com o comandante de batalhão mete-se num barquinho a motor no rio Cacheu, pretende chegar até junto dos seus soldados que dentro de horas partem para uma operação. É recebido com emoção. A guerra não pára, chegou a vez de Binta ser flagelada. Além da guerra, reergue-se a povoação, atrai-se população dispersa, cultivam-se alimentos, há imenso entusiasmo entre civis e militares. Quando, em Agosto de 1965, está em Bissau a caminho de férias, é informado ter sido admitido no Curso do Estado-Maior. Tomé Pinto resistiu a deixar a sua Companhia, tentou adiar a entrada no curso para o ano seguinte. Mas teve que partir. Tudo se irá alterar a partir de então, multiplicar-se-ão as missões e os elogios. Não será por acaso que se escolheu para a capa do seu livro a sua fotografia a bordo do Uíge, a caminho da Guiné. É o Capitão do Quadrado, desse momento inevitável em que se transformou numa terra chamada Binta, congraçando os feitos de guerra com as alegrias do repovoamento e do cuidar do próximo.

Uma grande biografia em que Sarah Adamopoulos revela o seu altíssimo nível jornalístico.
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de Dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16788: Notas de leitura (907): “Histórias Coloniais”, por Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus, A Esfera dos Livros, 2016 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16800: Inquérito 'on line' (93): "Batota no mato" ... ou no blogue ?... Esperávamos 100 respostas, obtivemos apenas 45... Resultados: as três formas mais frequentes de batota: (i) emboscar-se perto do quartel (37%); (ii) começar a “cortar-se", com o fim da comissão à vista (37%); e (iii) “acampar” na orla da mata, ainda longe do objetivo (24%)... Só não fazíamos batota era com o Natal no mato...






Lisboa > Praça do Comércio > 4 de dezembro de 2016 > Iluminações de Natal... Mais de meio século depois da guerra colonial, aquela que foi a praça mais emblemática da encenação imperial na época do Estado Novo (*)... Era aqui que se condecoravam, alguns a  título póstumo, os nossos heróis... 

Batota? Todos fizemos batota: a grande batota que  os políticos e os generais faziam na capital do império, a pequena batota que nós, soldados de Portugal, fazíamos, a nível operacional, no TO da Guiné... E batota que todos fazemos hoje, negando a pés juntos que nunca fizemos batota (no mato, na secretaria, no gabinete de planeamento de operações, no quartel-general em Bissau, nos ministérios da Praça do Comércio, e por aí fora)... A batota que ainda hoje fazemos autocensurando-nos, negando, branqueando, esquecendo... muita coisa de que fomos atores ou testemunhas...

Fotos (e legenda): © Luís Graça  (2016). Todos os direitos reservados.



Lisboa > 6 de outubro de 2013 > Praça do Comércio / Terreiro do Paço > Estátua equestre de D. José, com o Cais das Colunas e o estuário do Rio Tejo, ao fundo... Vista panorâmica a partir do topo do Arco da Rua Augusta.(*)

Foto (e leenda): © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados.




I. Inquérito 'on line' (**):



"A BATOTA QUE FAZÍAMOS NA GUERRA"... 

ASSINALAR UMA OU MAIS FORMAS


Resultados definitivos: total de respostas > 45



As formas mais frequentes de 'batota'...

2. Emboscar-se perto do quartel > 17 (37%)

17. Começar a “cortar-se", c/ o fim da comissão à vista > 17 (37%)

1. “Acampar” na orla da mata, ainda longe do objetivo >  11 (24%)

14. Simular problemas de saúde  > 10 (22%)

18. Outras formas  > 10 (22%)

3. “Andar às voltas” para fazer tempo  > 9 (20%)

16. Falsificar o relatório da ação  > 9 (20%)

10. Falsas justificações para perda de material  > 9 (20%)

4. Evitar o contacto com o IN (não abrindo fogo)  > 8 (17%)

11. Reportar “enganos” do guia nos trilhos  > 6 (13%)


As formas menos frequentes de 'batota'...


6. Alegar dificuldades de ligação com o PCV  > 5 (11%)

9. Sobrevalorizar o nº de baixas causadas ao IN>   5 (11%)

15. Regresso antecipado p/alegados problemas de saúde  > 5 (11%)

7. Enganar o PCV sobre a posição das NT > 4 (8%)

5. Provocar o silêncio-rádio  > 3 (6%)

8. Outros problemas de transmissões  > 3 (6%)



As formas de 'batota' ainda não referidas...


12. Deixar fugir o guia-prisioneiro  > 0 (0%)

13. Liquidar o guia-prisioneiro  > 0 (0%)


A sondagem encerrou no dia 4/12/2016, às 18h42.


II. Comentário do editor:


Estamos a falar de "batota no mato"... Afinal, "pequena batota", da arraia miúda, os filhos do povo que fizeram a guerra (e a paz)... Treze anos de "sangue, suor e lágrimas".. Um milhão de homens, portugueses e africanos,,,

Nunca vi um oficial superior, de G3 na mão, oito carregadores, e dois cantis de água, a meu lado, em operações a nível de batalhão (!)... Falo de oficiais de posto superior a capitão,  majores ou tenentes coronéis !... 

Onde estavam os nossos comandantes, os nossos líderes ? Não passavam de burocratas, chefes de secretaria, alguns deles!... E no máximo, andavam lá em cima, de DO-27, no chamado PCV, a quem tínhamos, nós, os infantes,  um ódio de morte! 

Acredito que, pelo menos no TO da Guiné, eles já eram demasiados velhos para alinhar no mato connosco!... Tinham idade para ser nossos pais!... 

Só conheci um, que foi comigo, connosco (CCAÇ 12),  explorar as "imediações" do famiegrado inferno do Xime, no início de 1971, quando já estávamos em fim de comissão: chamava-se Polidoro Monteiro, era tenente coronel de infantaria, oficial da confiança de Spínola, e honrou-nos a todos, honrou as melhores tradições do exército português!.. 

Já morreu há muito: que descanse em paz!

Pois é, ficam de fora do âmbito deste inquérito, as outras formas mais ou menos "engenhosas" que encontrávamos para "resolver" problemas, típicos da tropa ou da burocrcia militar: por ex, material em falta, que estava "à carga", e que por qualquer razão deu sumiço, foi desviada, estragou-se, danificou-se...

Nada como um ataque ao quartel (ou a explosão de uma mina numa coluna de reabastecimentos) para o 1º cabo quarteleira, o furriel vaguemestre, o 1º sargento e o capitão "atualizarem" os inventários...Essa era a pequena batota de secretaria, a que eu não dou muita importância...

Todos sabemos que, no mato, em operações (mas também em ataques ao quartel ou ao destacamento) havia material e equipamento que podia ficar destruido ou danificado ou ser extraviado: armas, granadas de morteiro e de bazuca, viaturas, sacas de arroz, caixas de uísque e outras bebibas espirituosas, importadas, etc. As vezes, uma minazinha na picada vinha mesmo a calhar, desde que não matasse ou não ferisse ninguém.,..

Não sei se essas práticas se podiam classificar como "batota"... Batota era, para todos os efeitos,  viciar as regras do jogo, violar impunemente o RDM,  quebrar a unidade  comando controlo e o espírito de corpo, perder a confiança no comando, não cumprir as normas, não seguir os procedimentos, etc. O patamar acima de batota, esse, já era crime... Mas não  é de crime que estamos a falar...Referimo-nos, ao fim e ao cabo, aos pequenos trques da autogestão do esforço de guerra...
.
Pode ser que alguém, entretanto,  tenha histórias para contar sobre estas diversas formas de batota que estava ao nosso alcance: (1) batota no mato, (ii)  batota no quartel; (iiii) batota  na secretaria; (iv) batota na arrecadação; (v) batota na caserna...

Este inquérito sobre a "batota no mato" não provocou grande entusiasmo, nem emoção, nem controvérsia, nem muito menos surpresas... Nada de novo, na guerra da Guiné, a norte, a sul, a centro, a leste ou a oeste... 

Em contrapartida, as respostas parecem-nos verosímeis, consistentes... Por exemplo, ninguém assinalou as hipóteses 12 (deixar fugir o guia-prisioneiro) e 13 (liquidar o guia-prisioneiro). 

Simplesmente não eram prática corrente, pelo menos no meu tempo... E eu que fiz diversas operações com guias-prisioneiros, nos medonhos matos do Xime, estou aqui para confirmar que nunca deixámos fugir (muito menos liquidar) nenhum guia-prisioneiro...Não quer dizer que vontade não nos faltasse, às vezes...

Simplesmente isso não aconteceu, embora possa ter ocorrido episodicamente noutros tempos e lugares... E, pelo menos, até agora, ao fim de 13 anos de blogue (!), ninguém até agora teve a coragem ou a frontalidade de confessar que liquidou um prisioneiro no mato!... Nem era expectável que algum camarada nosso viesse, publicamente, confessar ter liquidado um prisioneiro ou um guia-prisioneiro, no mato, em operações, por sua iniciatuva ou por ordem hierárquica... Temos conhecimentos de alguns casos, mas que são contados "off record", nas nossas longas e inytermináveis conversas e inconfidências... Muitas dessas conversas e inconfidências morrerão connsosco... O blogue não é o confessionário do padre nem o divã do psiquiatra... Tentámos abrir uma série "O segredo de...", mas foi um fracasso, um desastre....

A época (natalícia) não ajuda nada à participação bloguística... Andamos já todos com o stresse natalício, com a lista das compras na cabeça e no bolso, com a claustrofobia dos centros comerciais, com a musiquinha do Pai Natal e das renas a azucrinar-nos de manhã à noite,,, E, os mais privilegiados, assoberbados com os preparativos para a passagem de ano no "bem bom" dos hoteis, cá dentro ou lá fora, nos "resorts" de luxo, com vista para o fogo de artifício... Afinal, só o fogo e que nos purifica, simbolicamente falando...

Queimemos mais um ano de vida, camaradas, que este ano já está a chegar ao fim!...  

Os editores, tirando ilações da aparente fraca resposta a este inquérito (45 respostas contra as habituais 100 ou mais), prometem não vos maçar mais com estes passatempos bloguísticos, pelo menos até ao fim do ano... Esta é a boa notícia... (Não nos falte o bacalhau especial à mesa de Natal!)

A má notícia é a de que aí vem um novo ano, o ano de 2017...Como sói dizer-se o novo ano é sempre uma incógnita,  uma "black box", uma "caixa negra", uma verdadeira caixinha de Pandora... Cuidado ao abrir!... Mas, como os nossos leitores já deram conta, os nossos editores, ou pelo menos eu, já começam a dar o tom festivaleiro da quadra natalícia... 

Ontem como hoje, o Natal não se pode/não se podia contornar, adiar, protelar... Aqui é que não se  pode mesmo fazer batota... Quem disse que o Natal é quando um homem quiser ? O tanas!... Por favor, não façam batota!... Desde que nascemos. o Natal é a noite de 24 para 25 de dezembro, e todos queremos lá estar, nessa noite mágica, bem vivinhos da costa, de boa saúde, e com muito sede e muito apetite... LG
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Notas do editor:

(*) Vd .poste de 14 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14027: Manuscrito(s) (Luís Graça) (41): Maresias, Lisboa, Tejo, memórias, amnésias... Parte II: O Terreiro do Paço e a(s) cenografia(s) do poder

(**) Último poste da série > 2 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16793: Inquérito 'on line' (92): A "batota no mato": Nunca aprovei e não pratiquei a técnica do campismo"... (António J. Pereira da Costa, cor art ref)

Vd. postes anteriores:


2 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16790: Inquérito 'on line' (90): A "batota" que fazíamos (ou não....) quando em operações, no mato: a votação termina no domingo, dia 4, às 18h42... Só temos até hoje de manha 37 respostas, o que é pouco... Por lapso, não se incluiu a hipótese de resposta 19: "Não, não se fazia batota"...

Guiné 63/74 - P16799: Parabéns a você (1170): José Pereira, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 5 (Guiné, 1966/68) e Manuel Carvalho, ex-Fur Mil AP Inf da CCAÇ 2366 (Guiné, 1968/70)


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Nota do editor

Último poste da série de 2 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16787: Parabéns a você (1169): Herlânder Simões, ex-Fur Mil Art da CART 2771 e CCAÇ 3477 (Guiné, 1972/74)

domingo, 4 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16798: Blogpoesia (483): "Aldeias da serra..."; "Lânguidos e plangentes..." e "Não consigo devassar...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. O nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) vai-nos enviando ao longo da semana belíssimos poemas da sua autoria, dos quais publicamos estes, ao acaso, com prazer:


Aldeias da serra...

Gosto das aldeias da serra.
Aldeias totais.

Nasci numa delas.
Feitas de pedra talhada, saída da terra.

Têm casas de pedra espalhadas.

Com poços e hortas tratadas
onde se cria de tudo.
Leiras de pão
e ramadas de vinho.

Casas vizinhas,
sem muros,
cheirando a fumo da lenha.

Bordadas à volta,
Com as cores,
de flores que crescem à solta
seguindo à risca as regras do tempo.

Têm caminhos em pedra
e bordas bravias.
Regos e sulcos,
por onde escorre a água das chuvas.

Matas e bosques onde habitam as aves
e cantam os cucos.

Por debaixo das telhas,
se guardam segredos e lendas
vindos de antanho...

Berlim, 1 de Dezembro de 2016
16h3m
JLMG

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Lânguidos e plangentes…

Lânguidos e plangentes são os sons divinos
Que se evolam ao céu em oração.
Lembranças negras que a história urdiu,
Num passado perto.

A lei do mal as gerou implacável no coração do homem.
Perversa semente que renasceu das cinzas
Duma árvore morta.
Nem a terra negra as quis…

Ouvindo “A lista de Schindler”

Berlim, 2 de Dezembro de 2016
14h33m
JLMG

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Não consigo devassar...

Às golfadas me entra pelas janelas
o nevoeiro de Berlim.
Não se consegue devassar.

É o prenúncio-mensageiro
que bate à porta.
Vem aí a manta branca
que no Inverno irá usar.

Já ciranda ansiosa pelas ruas
a frota alegre dos limpa-neve,
já cansados de esperar.

E os meninos, lá em casa,
desesperam por usar as botas novas
e jogar à bonecada,
com a neve que há-de cair...

Berlim, 4 de Dezembro de 2016
9h53m
JLMG
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16766: Blogpoesia (482): "O cargueiro gigante"; "O render da Companhia..." e "Nevoeiro...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

sábado, 3 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16796: Blogoterapia (284): De Lisboa a Gaia para levar um abraço ao Zé Ferreira da Silva, autor das "Memórias Boas da Minha Guerra" (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto, CCS/BCAÇ 3772, Galomaro, 1971/74)



1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", com data de 25 de Novembro de 2016, falando da sua vinda a Vila Nova de Gaia para assistir ao lançamento do livro, da autoria do outro nosso camarada José Ferreira, "Memórias Boas da Minha Guerra".

Juvenal Amado
Levantei-me e tomei um comprimido para a tensão arterial (coisas da idade) enquanto preparava o pequeno almoço. Estava excitado e algo preocupado pela jornada que se aproximava. Sou um provinciano e tomar os transportes públicos em Lisboa ou arredores, ainda é confuso para mim.

Tinha resolvido ir ao lançamento do livro do José Ferreira de comboio e, para isso, começava por apanhar o metropolitano na Reboleira, que me levará a Santa Apolónia, para seguidamente no Alfa Pendular rumar até às Devesa, em Gaia.

Pelas 8 e 10 depois de carregar o cartão (uma modernice) que me dá o direito a viajar no Metro, tomo lugar no mesmo. Não tem ainda muita gente, facto que vem a acontecer duas paragens após, onde a composição ficou a abarrotar, a ponto de ficarem dezenas de utentes no cais sem terem lugar. Tinham assim que esperar por outro ou outros comboios. A Jornada de trabalho começa cedo e acaba bem para lá da hora de expediente, se contarmos o tempo despendido em transportes.

Aproveitei para apreciar o ambiente, onde se comprimia gente de todas idades cores. Haverá sempre quem usa os inconvenientes para se divertir, às tantas, uma jovem com cabelo à Angela Davis (activista negra pelos direitos cívicos dos negros americanos dos anos 60) dando largas a um humor muito urbano, diz alto e bom som: “dispam-se já todos para arranjarmos lugar para mais um”. Íamos todos tão comprimidos que, só facto de tirarmos a roupa se arranjaria mais um lugar. Alguns riram-se, outros mantiveram o rosto fechado, pois entenderam que a situação não tinha graça nenhuma, ou que era hora imprópria para boa disposição.

Após os Restauradores, foi notória a diminuição do fluxo de utentes e, depois da Praça do Comércio, já só ia uma dúzia, se tanto, de pessoas que saíram comigo na estação. Subi o mais rapidamente as escadas e dirigi-me às bilheteiras. Fui recebido por uma jovem e simpática funcionária, com um sorriso a lembrar outros tempos, que para além de vender o dito bilhete, me explicou como devia proceder para fazer a ligação para a estação do Oriente, pois só lá é que tomaria o bendito Alfa.

Correu tudo como previsto. Duas horas e meia depois desembarcava em Gaia. Estava um dia maravilhoso com uma leve aragem fresca, que não incomodava, e rapidamente cheguei à rampa do Mosteiro da Virgem do Pilar, do lado do miradouro, que não conhecia embora tenha estado no RI6 aquando do meu serviço militar.

Fiquei maravilhado com o Douro e as duas margens, os barcos de turismo, o trânsito na ponte Luís I e o jardim circundante onde “rapazes da minha idade” jogavam às cartas em vários grupos. Razão tem a canção onde o Rui Veloso canta as palavras de Carlos Tê, pois depara-se com um cenário grandioso e majestoso.

Porto Sentido

Quem vem e atravessa o rio 
 junto à serra do Pilar,  
vê um velho casario 
que se estende até ao mar.

Quem te vê ao vir da ponte,
és cascata, são-joanina,
dirigida sobre um monte 
no meio da neblina.

Mas eu não estava ali só para apreciar as vistas. O tempo voou.

Acabei por dar de caras com os irmão Carvalho (o António o Manuel) e o Francisco Baptista, que depois dos abraços do costume, fizemo-nos ao caminho para no quartel assistir à cerimónia, dar um abraço ao José Ferreira e felicitá-lo pelas suas estórias de que sou incondicional admirador.

A sessão foi o que se esperava com a devida pompa e circunstância, o Zé no uso da palavra, acabou por nos fazer rir com pequenas estórias ao falar dos intervenientes a que ele deu vida nas páginas do seu livro e que passam por isso a co-autores.

Foi um dia bem passado e, de regresso à Reboleira,  já passava da meia-noite, estava cansado, mas valeu a pena ir de Lisboa a Gaia, só para levar um abraço ao Zé.

Quanto ao livro é para saborear.

No dia 17 de Dezembro vai haver festa novamente, pois os livros são sempre uma festa, e o do Zé é de arromba.

Um abraço para todos
JA






Fotos: © Juvenal Amado
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16773: Blogoterapia (283): Memórias que me acompanham (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493)

Guiné 63/74 - P16795: Agenda cultural (527): Convite para a sessão lançamento do meu livro "Irmãos de Armas", dia 12 de Dezembro às 18h30, no El Corte Inglês de Lisboa, 7º piso, (António Brito)

1. O Cor M. Barão da Cunha reenviou-nos o convite que passamos a publicar da autoria de António Brito, que nasceu em 21 de Novembro de 1949 e aos dezoito anos alistou-se nas tropas pára-quedistas, onde permaneceu quatro anos, tendo sido mobilizado para Moçambique, combateu nalgumas das mais importantes operações militares contra a FRELIMO (1969/71).




CONVITE >  Lançamento do livro de António Brito




Caro Cor. M. Barão da Cunha

Dia 12 de Dezembro, 2ª feira, às 18h30, no El Corte Inglês de Lisboa, 7º piso, vamos realizar o lançamento do meu novo livro IRMÃOS DE ARMAS.

Uma história inédita de combatentes, contada antes, durante e depois da guerra.

A apresentação será feita pelo cineasta António-Pedro Vasconcelos.

Será uma honra poder contar com a sua presença.

Se for razoável fazê-lo, pedia-lhe a gentileza de tornar extensivo este convite, reenviando-o, aos membros da Tertúlia Fim do Império.

Receba um abraço de amizade.

António Brito






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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


1 DE DEZEMBRO DE 2016 > Guiné 63/74 - P16786: Agenda cultural (520): Porto, Unicepe, 5 de dezembro de 2016: às 18h15: apresentação do livro do nosso camarada Paulo Salgado "Guiné: crónicas de guerra e amor".

Ver também as postagens sobre o mesmo autor em:

8 DE OUTUBRO DE 2008 > Guiné 63/74 - P3283: Memórias literárias da guerra colonial (5): Olhos de Caçador, de António Brito, ex-pára-quedista, Moçambique, 1969/71

12 DE JUNHO DE 2015 > Guiné 63/74 - P14737: Notas de leitura (727): “Olhos de Caçador”, de António Brito, Porto Editora, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

3 DE JULHO DE 2015 > Guiné 63/74 - P14830: Notas de leitura (733): “Sagal, um herói em África”, de António Brito, Porto Editora, 2012 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16794: O inicio da guerra colonial no CTIG, contada pelo outro lado: entrevista, de 2001, com o homem que liderou o ataque a Tite, Arafam 'N’djamba' Mané (1945-2004) - Parte I (José Teixeira)




Sítio das FARP - Forças Armadas Revolucionárias do Povo, Guiné-Bissau, onde vem inserido o poste "O fim da dominação colonial", com uma entrevista, concedida em 2001, pelo cor Arafam Mané (1945-2004), sobre o histórico ataque a Tite em 23 de janeiro de 1963.



O inicio da Guerra Colonial no CTIG, contada pelo outro lado:  entrevista,  de 2001, com o homem que liderou o ataque a Tite, Arafam Mané (1945-2004) -Parte I  (José Teixeira)



1. Enquadramento 

por José Teixeira



[Foto à esquerda: José Teixeira, em 2013, com o régulo de Medjo: 

(i) é nosso grã-tabanqueiro da primeira hora; 

(ii) tem mais de 300 referências no nosso blogue; 
(iii) foi 1.º cabo aux enf,  CCAÇ 2381, "Os Maiorais", Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70; 

(iv) está reformado como gerente bancário;  (v) vive em São Mamede de Infesta, Matosinhos; 

 (vi) é dirigente no movimento nacional escuteiro, onde é conhecido por "esquilo sorridente"; 

(vii) é um dos fundadores e 'régulos' da Tabanca de Matosinhos e continua a ser um dos nossos grã-tabanqueiros mais solidários e inquietos;

 (viii) foi talvez dos poucos de nós que, graças ao seu papel de enfermeiro (e também por mérito pessoal, pela sua generosidade, coragem, inteligência emocional, sensibilidade sociocultural,, empatia  e demais qualidades humanas), conseguiu saltar a 'barreira da espécie': ele, "tuga" e cristão, foi aceite e amado pela população fula e muçulmana, e ainda hoje tem verdadeiros amigos, fulas, lá Guiné-Bissau profunda, onde  é amado, mimado, adorado quando lá volta (e já lá voltou não sei quantas vezes) ]


Todos nós, os que passamos pela guerra, temos vindo com o tempo, a tentar passar aos vindouros as situações vivenciadas no ambiente agressivo da guerra. É o nosso ponto de vista. Com mais ou menos romantismo; com mais ou menos realismo, vamos escrevendo o que a nossa memória registou. É comum ouvirmos camaradas nossos contar testemunhos de situações que vivemos em conjunto e encontrarmos diferenças nas versões dos acontecimentos, ou pormenores que desconhecíamos. Foram vividas em comum, mas analisadas por outro ponto de vista. Alguém, com outra base académica ou cultural, ou até com outra visão politica e militar da situação. O local e ângulo de onde se está a vivenciar o acontecimento, afetam a informação registada na memória. A memópria humana é seletiva.

Neste caso concreto, estamos a tomar conhecimento de um testemunho de alguém que vivenciou o ataque a Tite. Foi o seu comandante, mas do outro lado da barricada, logo, o relato dos acontecimentos que viveu e a visão global do ataque são à partida diferentes (e tão "respeitáveis", omo os nossos relatos). São estes conjuntos de pontos de vista, diferentes entre si, e muitas vezes contraditórios, dos acontecimentos que vão permitir escrever a História.

José Teixeira, Tabanca de São Martinho do Porto,
11/8/2011. Foto de LG.
É comum afirmar-se que a guerra colonial na ex-província da Guiné teve o seu inicio com um ataque a Tite na célebre noite de 22 para 23 de janeiro de 1963, Aliás, o próprio Amílcar Cabral afirmou-o uns dias depois.

Na realidade, este ataque, pela sua dimensão e resultados, com mortos e feridos de ambas as partes em contenda, assinala simbolicamente a abertura das hostilidades.
E, no entanto, foi um acontecimento fortuito, desorganizado, sem comando definido e sobretudo à revelia dos órgãos do PAICG. 
Assim o afirmou, em 2001, o coordenador do ataque,  o então coronel Arafam Mané. 

Segundo ele, a guerrilha, à data, já era um facto no Norte, no Centro Sul e Sul desde 1961. Tite já terá sido atacada em 1962. As regiões do Tombali e Quínara estavam a fervilhar numa luta surda entre as forças portuguesas e o PAIGC, com muitas mortes (assassínios) na população, da responsabilidade de ambos os intervenientes. Esases primeiros tempos foram de terror e contarterror, subversão e contraversão... Uma época muito mal conhecida (e pior estudada)...

Revivo com saudade o meu amigo Samba, de Mampatá Foreá, infelizmente já falecido há muitos anos. Sargento da milícia, imã da comunidade muçulmana local (Fula). Homem culto, excelente cozinheiro,  que deixou Bissau para regressar à sua terra, o Regulado Foreá, e defender o seu povo. Muitos serões passámos em amena conversa, onde a religião e o drama da Guiné eram assunto.

Recordo, apesar da poeira do tempo, uma conversa sobre a forma como o inimigo procurava conquistar aderentes à força, no início da luta. Eles, dizia-me, o PAIGCV, entravam, armados, pelas tabancas dentro, e tentavam convencer o chefe da tabanca a entregar os jovens para as forças da guerrilha. Se não o fizesse,  era morto ali mesmo, e os homens válidos eram convidados a segui-los ou em caso de resistência eram forçados, com muitas mortes pelo meio.

Não foi por acaso que o Amílcar Cabral convocou o Congresso em Cassacá, em 1964. Um dos objetivos deste Congresso, foi acabar com as barbaridades,  as arbitrariedades eos abusos de poder, praticadas por alguns chefes de guerrilha, sem qualquer preparação política, de modo a que o povo voltasse a ganhar a confiança no Partido, nos seus dirigentes e no destino da luta de libertação nacional.

Muitos anos mais tarde, em 2008 no Simpósio Internacional de Guileje, tive oportunidade de conhecer e conversar com um ex-combatente das FARP da Guiné-Bissau que me tinha atacado várias vezes em Mampatá e na estrada de Gandembel, em 1968. É dele esta frase, que recordo com emoção:

“Guerra é guerra, meu 'ermon', quando passa não deixa saudades, mas, muitas amizades, neste mundo perdido. Os antigos inimigos se procuram, para saldar as contas com um abraço sentido.” Dizia-me ele: "Desculpa. Eu fui apanhado na minha tabanca, tinha quinze anos."

Mas não pensemos que as autoridades portuguesas ofereciam mel e pão aos guineenses para os conquistar para a sua causa. Os factos narrados nesse Simpósip, por vitimas guineenses, que fugiram para o mato, creio que por medo (alguns) e posteriormente integraram a guerrilha, são de fazer arrepiar o mais “durão”. Era o tempo do “chapa ou fogo” na versão mais agressiva do temido e odiado capitão Curto por parte dos guineenses afetos ao PAIGC (*).. E, nas minhas idas à Guiné-Bissau, tenho conversado com ex-combatentes do PAIGC, onde relembram os tempos de terror imposto pelos "tugas" nas tabancas do interior, que os levou a fugirem para o mato e entrarem na luta.

Mas voltemos ao ataque a Tite para rever os acontecimentos através de relatos insuspeitos de terceiros e presenciais.

".... Em Janeiro de 1963, foi a sede do Batalhão atacada com armas automáticas e de repetição e granadas de mão. Deste ataque resultou 1 morto e 1 ferido das NT e 8 mortos confirmados e vários feridos graves IN. Depois deste ataque foram intensificados os patrulhamentos de que resultou a morte do Papa Leite, elemento IN que actuava na área e que facultou a recolha de valiosíssimos elementos da Ordem de Batalha IN..."

In, Carta de 7-07-1981 do ten cor  Manuel José Morgado, enviada ao director do Arquivo Histórico Militar, em resposta ao assunto " História das Unidades ".

Resumo da Actividade do BCaç. nº 237/BCaç. nº 599 - Maio de 1963 a Maio de 1965 [Caixa nº 123 - 2ª Div/4ª Sec., do AHM


O historiador José de Matos fala em quinze a vinte elementos do PAIGC, que mantem o quartel sob fogo intenso, durante cerca de meia hora, provocando um morto e dois feridos às nossas tropas e deixando três mortos no terreno.(vd. poste  P15795).

O nosso investigador de serviço ao blogue, o incansável José Martins, convidado pelo Luís Graça a investigar o ataque a Tite, concluiu:

“Arafan Mané (, nome de guerra, 'Ndajamba'), militante do PAIGC, destacado Combatente da Liberdade da Pátria, é considerado o 'responsável' pelo inicio das hostilidades na Guiné, ao ter disparado a primeira rajada de metralhadora e comandado a ofensiva. Teria menos de 20 anos. Veio a falecer em 2004, em Espanha, de doença". (P10990)

Estranhamente pouco ou nada se escreveu oficialmente sobre este acontecimento tão marcante, (seria?) para o desenvolvimento da guerra na Guiné.

Há o testemunho do Gabriel Moura, (vidé P 3294; P 3298 e P 3308 de 11/11/2008; 12/10/2008 e 13/10/2008 respetivamente). Foi este soldado português de Gondomar que estava de sentinela ao quartel de Tite, naquela fatídica noite, que entrou no Blogue pela mão do Carlos Silva, (seu conterrâneo e amigo) já depois do seu falecimento para contar a história que vivenciou. Foi o primeiro militar português, quando se encontrava de guarda ao aquartelamento, a responder ao fogo da força que atacou as instalações de Tite. Na reação ao fogo de que foi alvo, consumiu todas as munições de que dispunha, provavelmente três carregadores, assim como utilizou as duas granadas que lhe estavam distribuídas para o serviço. Faleceu em 2004, dois anos após ter editado as suas impressões sobre o acontecimento, e por coincidência no mesmo ano da morte de Arafan Mané.

Temos agora a oportunidade de tomar conhecimento do testemunho do Arafam Mané, ou seja, a versão de quem comandava o outro lado da barricada, numa entrevista publicada em 2001 no jornal O Defensor – Orgão de Informação Geral do Estado Maior das Forças Armadas da Guiné-Bissau. Reproduzida em 2015 no sítio das FARP – Forças Armadas Revolucionárias do Povo, por iniciativa do major  Ussumane Conaté,. diretor da publicação.



2. Arafam 'N' djamba' Mané (1945-2004)
(segundo nota biográfica redigida pelo major Ussumane Conaté, diretor de O Defensor; adaptação de JT])

[Foto à esquerda, Arafam Mané, cortesia de O Defensor]


O comandante Arafam 'N’djamba'  Mané nasceu no dia 29 de setembro de 1945, em Bissau, sendo filho de Lassana Mané e de Nhalin Cassama. Faleceu, de doença de evolução prolongada,  no dia 4 de setembro 2004,  num hospital de Madrid,  onde estava internado, [A data de nascimento pode não ser precisa, os guineenses nessa época não tinham registo civil].

Arafam Mané entrou cedo para o PAIGC, tendo chegado a Conacri, capital da República de Guiné em 1961, onde se foi juntar a Amilcar Cabral e outros militantes do PAIGC que tinham deixado Bissau para, a partir dali, organziar e dirigir a luta de guerrilha.

Após a proclamação unilateral da independência do país em 24 de setembro de 1973, o coronel Arafam 'N´djamba'  Mané ocupou vários cargos  entre as quais os  de chefe de Casa Civil da Presidência da República, director geral da farmácia Farmedie, governador (sucessivamente) das regiões de Gabú e Bafata, ministro da Defesa Nacional,  ministro dos Combatentes da Liberdade da Pátria.

Foi também deputado  durante vários mandatos legislativos, membro do Comité Central, membro do Bureau Politico do PAIGC e também membro do Conselho de Estado durante o mandato presidencial de Koumba Yala. (Notas de Ussumane Conaté,  coronel, diretor de O Defensor)

[Mais elementos sobre Arafam ou Arafan Mané: vd.  poste P2190 de Virgilio Briote]

Esta entrevista, de que se reproduz uam primeira parte, hioje neste poste,  foi concedida em 2001 ao jornal O Defensor  "no quadro da recolha de depoimentos dos Combatentes da Liberdade da Pátria sobre os acontecimentos históricos que marcaram a luta armada de libertação nacional para a independência total da Guiné-Bissau do jugo colonial".

É um documento de interesse para todos nós, pelo que tomamos a liberdade de o reproduzir e divulgar, no nosso blogue, com a devida vénia.  São raros os testemunhos de históricos dirigentes e comandantes do PAIGC, como o Arafam Mané.  Muitos deles morreram, levando consigo irremediavelmente para a tumba as suas memórias.  Nunca escreveram ou deram uma entrevista em vida.


3. Sinopse da entrevista (parte I) 


O Arafam Mané assumiu, com 18 anos, o comando da operação. Começa por confessar que o grupo,  vindo de Conacri,  não tinha experiência militar e estava muito mal armado - tinham apenas, três armas e uma pistola.  Ao grupo juntaram-se civis,  de várias tabancas locais, num total de cerca de 150 pessoas, munidos de catanas, paus, pedras e algumas armas de fogo, suponho que mausers (?) e canhangulos.

A iniciativa partiu do grupo sem que tenha sido dada qualquer ordem superior. Ele mesmo afirma ao entrevistador: “Garanto-lhe que ninguém nos tinha dito nem ordenado atacar o inimigo no quartel de Tite”. E explica o "contexto":  "A operação foi realizada com raiva porque, em 1962, fomos corridos pelos 'tugas'. Este episódio aconteceu, depois de termos efetuado uma sabotagem, cortando as linhas telefónicas e os cabos elétricos daquela zona sul do país. Foi a partir das ações de sabotagem, que a administração colonial e suas forças de defesa e segurança souberam da nossa presença na área."

Muito interessante a ideia (romântica?) de se fazer acompanhar de um “djidiu” de kora (músico tradicional) para cantar, animar e elogiar os camaradas, enquanto combatiam no interior da unidade. Só que o “djidiu” deu ás de “vila diogo” e o combate ficou sem música, que não fosse a das espingardas e os gritos de dor.

Afirma que só tiveram um morto, creio que o seu guarda-costas, Wagna Na Bomba, o que contradiz a informação recolhida no nosso blogue, que fala em 8 mortes. Dado que grande parte dos atacantes eram da população local, talvez se esteja a referir apenas aos elementos do grupo vindo de Conacri e os outros mortos tenham sido dos elementos civis, locais

Refere que o  Quemo Mané [, um homem temperamental  e violento, associado a cenas de terroer, pós-independência, segundo o testemunho do nosso Cherno Baldé] foi encarregado de tentar eliminar o major Fabião.

Suponho que ele se queria referir ao major Pina, comandante da unidade sediada em Tite. [Nessa altura, era o BCAÇ 237, chegado à Guiné em 18/7/1961; esteve em Tite até ao fim da comissão, em 19/10/1963; teve dois cmdts: major inf [José] António Tavares de Pina; e depois o nosso conhecido ten cor Hélio Augusto Esteves Felgas, que será mais tarde o cmdt do Comando de Agrupamentio nº 2957, Baftá, 1968/70.]

Aconselho a leitura do testemunho do Gabriel Moura / Carlos Silva para se entender o conteúdo da entrevista que se segue e apurar as contradições. (Sinopse de JT).



Primeira página de O Defensor, órgão das FARP - Forças Armadas Revolucionárias do Povo. Edição nº 22, dezembro de 2015, 16 pp.,   disponível aqui em formato pdf. O jornal, fundado em 1994, e de periodicidade mensal, tem como  diretor o major Ussumane Conaté.


4. Entrevista com o coronel Arafam Mané - Parte I

Com a devida vénia ao jornal O Defensor, ao seu diretor, major Ussuame Canoté, e ao sítio das FARP. Revisão e fixação de texto: José Teixeira.



O Defensor – O coronel fez parte do comando que em janeiro de 1963 orquestrou o ataque 

contra o aquartelamento fortificado de Tite, em Quínara, no sul do país. 

O que é levou o vosso comando, mal-armado e inexperiente, 
a atacar esse quartel colonial?



Coronel Arafam Mané - O ataque contra o aquartelamento de Tite foi realizado com poucas experiências militares, pois o efetivo que participou nele, era constituído por um grupo de camaradas do partido vindo de Conakry, [a que se juntaram elementos das] populações locais , munidas de algumas armas de fogo, catanas, paus e pedras. 

O ataque que surpreendeu as tropas do exército colonial, [que era]  muito temido pela sua barbaridade contra os autóctones, foi de facto executado sem um comando designado. Foi um ato de coragem e patriotismo que, desde a época dos nossos antepassados, sempre caracterizou a resistência dos guineenses contra qualquer tipo de dominação.

Em termos de armamentos, tínhamos apenas quatro (4) armas, uma pistola (1). Entreguei aos camaradas uma pistola e a arma que eu tinha, e fiquei com uma pistola automática com a qual disparei o primeiro tiro {[para o]  ar para assinalar ]a]os companheiros o início do ataque quando estávamos no interior do quartel fortificado de Tite. Com esse disparo, os camaradas entraram em ação,  utilizando todos os meios de combate que possuíam. O estrondo das armas,  misturado com as vozes de comando dos guerrilheiros que procuravam orientar melhor os companheiros para evitar perdas humanas, acordou as tropas coloniais e despertou a atenção dos sentinelas.

A operação foi realizada com raiva porque,  em 1962, fomos corridos pelos "tugas". Este episódio aconteceu, depois de termos efetuado uma sabotagem,  cortando as linhas telefónicas e os cabos elétricos daquela zona sul do país. Foi a partir das ações de sabotagem, que a administração colonial e suas forças de defesa e segurança souberam da nossa presença na área.

[Em] 1963 repetimos a mesma operação de corte de linhas telefónicas e cabos elétricos. Estas práticas que eram prejudiciais para a comunicação e o funcionamento das instituições públicas e militares, irritaram os colonialistas que começaram a pressionar as populações com ameaças e torturas para obterem informações sobre os que eles chamavam “terroristas”. No âmbito da repressão foram alargadas as redes da PIDE-DGS (Polícia colonial).

O Defensor  – Na altura, a guerrilha já tinha criado 'barracas' 
a partir das quais coordenava as ações militares 
contra os interesses coloniais?

Coronel ADM - Na altura ainda não tinha constituído 'barracas' [acampamentos temporários]. Às vezes alguns camaradas nossos saiam do Sul, iam até Bissau cumprir missões do partido e regressar sem serem descobertos pelas autoridades portuguesas, a PIDE e os seus agentes. Para além de Bissau, cidade capital, mais controlada, os guerrilheiros também se infiltravam nas tabancas,  partilhando refeições e outros alimentos com as populações sem que ninguém desse  conta ou soubesse quem eram.

Mas não pense que tínhamos homens prontos para efetuar trabalhos de reconhecimento e outras missões arriscadas. Não. Às vezes era eu, o meu guarda-costas e meu adjunto, camarada Fernando Badinca, entre outros.

Foi assim que,  em 1962, nos instalámos na tabanca de Cantongo a 3 km de Nova Sintra, a partir de onde nos movimentávamos até as aldeias de Flac-An, Flac Mindé, Flac-Mim, Flora, Bunaussa... Às vezes atravessávamos o rio, íamos a Bolama e daí íamos para a tabanca de Uato para entabular contactos com a população, com o régulo Oliveira Sanca, contactar Jaime Sampa, Lai Canté e outros camaradas. [Eram]  estes que nos enviavam jornais e outros objetos de que precisávamos.

Tínhamos também contactos com o camarada Rafael Barbosa, Aristides Pereira,  inclusive o senhor Eustáquio que, ultimamente, depois da independência teve problemas [de saúde mental]. Foi assim que se iniciou a luta armada de libertação nacional.

O Defensor  – Qual é a estratégia adotada pela guerrilha 
quando se sentiu ameaçada pela movimentação 
da força militar colonial na zona?


Coronel ADM - Alguns tempos depois fomos obrigados a abandonar esses locais, devido as ações do inimigo que, em termos de material bélico, nos superava na altura. Este é o primeiro fator. 

O segundo fator é que abandonamos a zona para salvaguardar as nossas populações, alvos de torturas quando os "tugas"  descobriam que a tabanca manteve contactos connosco ou albergava os nossos camaradas.

Entretanto, quando nos retiramos de lá, fomo[-nos]  instalar na tabanca de Calunca a partir da qual conseguimos ocupar todas as tabancas da fronteira com a Guiné Conakry. Logo depois da ocupação daquelas tabancas,  mandamos o camarada Malam Sanhá, para Conacri, para contactar os membros da Direção Superior do Partido e dar-lhes informações sobre a nova situação.

A chegada de Malam Sanhá a Conacri coincidiu com a chegada das primeiras armas provenientes do reino de Marrocos. Eram cerca de quatro a cinco armas de marca “Patchanga” [metralhadora ligeira DEGTYAREV RDP Cal. 7,62 mm] que,  quando chegaram,  foram distribuídas entre nós,  antes de voltarmos para o mato.



Guiné > 1964 > PAIGC > Cassacá > I Congresso.do PAIGC, Quinta, 13 de fevereiro de 1964 - Segunda, 17 de fevereiro de 1964, Da esquerda para a direita, Abdulai Barry, Arafam Mané, Amílcar Cabral, Domingos Ramos e Lai Sek durante o I Congresso.do PAIGC, em Cassacá,

Foto (e legenda): Portal Casa Comum / Fundação Mário Soares, Consult em 28 de junho de 2016. Disponível em http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=05224.000.056 (Reprodução parcial, com a devdia vénia)


O Defensor –A chegada das primeiras armas do reino de Marrocos 
às mãos da guerrilha, foi acompanhada de uma ordem superior 
para atacar o quartel colonial de Tite?


Coronel ADM – Garanto-lhe que ninguém nos tinha dito nem ordenado atacar o inimigo no quartel de Tite. Amílcar Cabral não nos tinha dito nem ordenado atacar o fortificado quartel com três ou quatro armas. Amílcar Cabral recomendou apenas que voltássemos para o mato,  visto que estávamos armados. Mas, no entretanto, para assustar os colonialistas e também para libertar os nossos companheiros, encarcerados na prisão, decidimos assaltar o quartel de Tite.

Eu me encontrava baseado em Nova Sintra enquanto Malam Sanhá estava na área de Cantona (Fulacunda), onde já se sentia sufocado,  devido a falta de matas densas para se esconder melhor. Esta realidade que representava um potencial risco para ele e seus homens, obrigou[-o] a abandonar o local e juntar-se a nós,  em Nova Sintra.

Recordo que Malam Sanhá chegou a Nova Sintra, precisamente na altura em que nós já estávamos em plena preparação da operação de assalto ao quartel de Tite. Aproveitamos logo a oportunidade para apresentar-lhe a nossa ideia de assaltar as instalações militares de Tite e ele concordou.

Portanto, uma vez a ideia acertada, procedeu-se a distribuição de tarefas claras e concretas a cumprir por cada um de nós. Assim, o camarada Malam Sanhá,  que já tinha sido militar no exército colonial português, foi designado para destruir a caserna dos soldados, enquanto o camarada Quemo Mané tinha como missão eliminar fisicamente o major Fabião, comandante da força colonial em Tite. Quemo Mané, que era grande caçador, tinha essa missão porque conhecia muito bem a residência do major, a quem ia sempre vender carne de caça.

O camarada Dauda Bangura tinha como missão rebentar as portas da prisão, [fazendo  explodir uma mina. Ele tinha feito um treino militar na República Popular da China por isso tinha alguns conhecimentos sobre as minas.

Eu fui encostar-me [a uma] das esquinas da caserna que devia ser atacada pelo camarada Malan Sanhá. Foi a partir dali que disparei a pistola, o primeiro tiro que deu início ao histórico ataque da guerrilha contra o quartel fortificado de Tite. 

Neste ataque, levámos connosco um “djidiu” de kora (músico tradicional) para cantar, animar e elogiar os camaradas, enquanto combatiam no interior da unidade. Mas este camarada,  com a intensidade do fogo e a tentativa de resposta do inimigo, não desempenhou o seu papel e acabou por desaparecer,  abandonando os instrumentos musicais.

Eu, a partir da posição que ocupava,  gritava com força ao camarada Dauda Bangura,  dizendo-lhe “Dauda! Mina, mina, coloque a mina no sítio indicado e faça-a explodir”. Eu gritava tanto, porque não tínhamos experiência de guerra. Talvez foi por essa razão que não sentíamos o perigo que pairava sobre nós assim como as consequências que poderiam advir.

(continua)

Introdução, seleção, notas, revisão e fixação de texto:  Zé Teixeira

______________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de 18 de agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6866: O Nosso Livro de Visitas (97): José Pinto Ferreira, ex-1º Cabo Radiotelegrafista, CCS/BCAÇ 237 (Tite, Julho de 1961 / Outubro de 1963): Evocando o lendário Cap Curto (CCAÇ 153, Fulacunda, 1961/63)

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Guiné 61/74 - P16793: Inquérito 'on line' (92): A "batota no mato": Nunca aprovei e não pratiquei a técnica do campismo"... (António J. Pereira da Costa, cor art ref)



Guiné > Zona leste > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Pista de Bambadinca... Ao fundo, o muro do cemitério ... Uma DO 27 na pista... Era uma aeronave que  adorávamos  quando nos trazia de Bissau os frescos e a mala do correio ou, no regresso,  nos dava boleia até Bissau, para apanharmos o avião da TAP e ir de férias... Era uma aeronave preciosa nas evacuações (dos nossos feridos ou doentes militares, bem como dos civis)... Era um "pássaro" lindo a voar nos céus da Guiné, quando ainda não havia o Strela...

Em contrapartida, tínhamos-lhe, nós, os infantes, um "ódio de morte" (sic)  quando se transformava em PCV (ponto de comando volante) e o tenente coronel, comandante do batalhão, ou o segundo comandante,  ou o major de operações,  ia ao lado do piloto, a "policiar" a nossa progressão no mato...  Quando nos "apanhavam" e ficavam à nossa vertical, era ver os infantes (incluindo os nossos "queridos nharros") a falar, grosso, à moda do Norte, com expressões que eram capazes de fazer corar a Maria Turra..."Cabr..., filhos da p..., vão lá gozar pró c..., daqui a um bocado estamos a embrulhar e a levar nos corn...".

Também os nossos comandantes operacionais (capitães QP ou milicianos) não gostavam nada do "abelhudo" do PCV, em operações no mato...

Foto do álbum de Arlindo T. Roda, ex-fur mil da CCAÇ 12 (1969/71).

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
.
1. Comentário, ao poste P16762 (*), assinado pelo nosso grã-tabanqueiro António J. Pereira da Costa:

[Foto à esquerda: António José Pereira da Costa, cor art ref (ex-alf art , CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art e cmdt , CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74; tem mais de 110 referências no nosso blogue]


Nunca aprovei e não pratiquei a técnica do campismo.

Era arriscada para ambos lados. Por um lado informávamos falsamente o comando, dizendo que fazíamos uma guerra que não fazíamos; por outro deixávamos de criar no inimigo o respeito em que tinha da nos ter para não vir à porta-de-armas perguntar: "corpo di bó?

Quando fui colocado no Xime, em 22 de junho de 1972 [, na CART 3494,] informei lealmente o comando de que se me mandasse a qualquer lado e eu aceitasse a missão,  escusava de ir verificar porque era verdade. Porém, se eu dissesse que não ia,  era escusado empurrar. 

Dei-me bem com o sistema, embora sentisse que da parte do comando houvesse sempre essa dúvida. Numa das tais operações com PCV [, posto de comando volante, em geral em DO 27,]  cheguei a ser mal guiado e isso custou um embrulhanço sem consequências, mas sem vantagens.

De outra vez fui sobrevoado por um DO-27 mas não fui visto embora fosse a atravessar (mal) uma superfície lateritizada (ferruginosa e sem mato). Ou íamos bem camuflados ou o observador era coxo dos olhos. Inclino-me para a segunda hipótese, dado o sucedido na operação com PCV.

No caso da operação à Ponta do Inglês,  diria que não vejo a vantagem, a menos que houvesse elementos de informação importantes a explorar... Nunca lá fui, mas sei que se tratou de um destacamento ao nível grupo que se tornou insustentável, o que já diz qualquer coisa.

No fundo poderemos concluir que a lealdade e a inteligência deveriam andar juntas naquela "Guerra a Petróleo". Tapar o sol com a peneira dá mau resultado. (**)

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Notas do editor:

Guiné 63/74 - P16792: Efemérides (241): 98º aniversário do Armistício da Grande Guerra: Núcleo de Loures da Liga dos Combatentes, em colaboração com a Câmara Municipal de Loures: homenagem aos combatentes tombados durante a Grande Guerra e da Guerra do Ultramar, em 13/11/2016 (José Martins)



Loures > 13 de Novembro de 2016 >  Núcleo de Loures da Liga dos Combatentes, em colaboração com a Câmara Municipal de Loures > Homenagem aos combatentes tombados durante a Grande Guerra e da Guerra do Ultramar.


Fotos (e legenda): © José Martins (2016) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem, de 14 de novembro último,  do nosso colaborador permanente José Martins


[Foto à esquerda: José Martins, ex-fur mil trm,s, CCAÇ 5, "Os Gatos Pretos" (Canjadude, 1968/70): mora em Odivelas]

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Domingo, dia 13 de Novembro de 2016, o Núcleo de Loures da Liga dos Combatentes, em colaboração com a Câmara Municipal de Loures, realizou uma homenagem aos combatentes tombados durante a Grande Guerra e da Guerra do Ultramar.

Estiveram presentes os Presidentes da Câmara Municipal e Assembleia Municipal, Presidentes das Juntas de Freguesia, Comandante do Regimento de Transportes, única unidade militar do concelho, membros da Direcção e Sócios do Núcleo, além da população.

A cerimónia teve a colaboração de uma Fanfarra (caixa e metais) e uma Secção de efectivo reduzido, que prestaram as Honras Militares.

Seguem as fotos do evento.

José Martins

PS - A Liga dos Combatentes assinalou, em 11/11/2016, em Belém, Lisboa,  o 98º aniversário do Armistício da Grande Guerra, o 95º aniversário da sua fundação, o 42º aniversário do fim da Guerra do Ultramar e o centenário da Grande Guerra. A cerimónia evocativa realizou-se junto ao Monumento de Homenagem aos Combatentes do Ultramar, em Belém, tendo sido presidida pelo Sua Exa. o Presidente da República e contando com a presença de altas individualidades civis, militares e religiosas, dos Núcleos da Liga dos Combatentes, Associações de Combatente, muito público anónimo, dentre o qual se destaca a participação de dezenas de jovens estudantes do ensino secundário.
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Guiné 63/74 - P16791: Inquérito 'on line' (91): A "batota" que fazíamos no mato ?... Tenho dificuldade em responder por dois motivos: (i) a decisão não estava nas minhas mãos; e (ii) no Xime não podíamos deixar de privilegiar o conceito "A segurança, em primeiro lugar"... (Jorge Araújo, ex-Fur Mil Op Especiais, CART 3494, Xime e Mansambo, 1971/74)


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > c. 1969/70 > Xime > Margem esquerda do Rio Geba > O cais do Xime... que alimentava o "ventre do leste"... Por aqui passaram milhares de homens, viaturas, equipamentos, armas, munições, géneros alimentícios, etc. Desembarcados das LDG, seguiam depois pela estrada (alcatroada já no tempo do Jorge Araújo ) Xime-Bambadinca-Bafatá-Nova Lamego-Piche, etc. até pontos mais longínquos, já fronteira (Sare Bacara, Pirada, Canquelifá, Bajocunda, etc.).

Havia um aquartelamento na margem esquerda, guarnecido por uma companhia de quadrícula, além de um Pel Art (obus 10.5). Havia ainda uma tabanca (c. 250 habitantes), e no regulado do Xime três destacamentos de milícias (Amedalai, Demba Taco e Taibatá)..

Na margem direita do Rio Geba, frente ao Xime, situava-se a povoação e destacamento do Enxalé, /povoação outrora importante?.  A montante do Xime  ficava o reordenamento (e destacamento) de Nhabijões, os destacamentos de Mato Cão, Missirá, Finete, o qiartel de Bambadinca...Entre Xime e Bambadinca, no Rio Geba Estreito, circulavam as embarcações civis (também conhecidas por "barcos turras")...

Foto: © Arlindo Teixeira Roda (2010) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Comentário (*) do nosso camarada e colaborador assíduo do nosso blogue, Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Especiais da CART 3494. Xime e Mansambo, 1971/74),  


Camaradas,

Como certamente aceitarão, vivi como elemento do colectivo da CART 3494 muitas emoções/tensões na geografia do Xime (1972/73), umas mais fortes outras mais suaves, mas todas juntas dão corpo ao meu “livro de memórias” daqueles anos, experiências únicas e, até ver, inesquecíveis. Desde emboscadas em situação adversa e em inferioridade numérica, naufrágio, mortes e outras situações já descritas em narrativas publicadas anteriormente, tenho uma colecção de eventos que fazem de mim uma “pessoa rica” ou que dão título à formação militar que conclui em Lamego: «A sorte protege os audazes».

Quando se aborda a temática «A batota que fazíamos na guerra»…, tenho muitas dificuldades em responder, na medida em que não dependia de mim decidir sobre o que quer que fosse, pois estava sujeito à hierarquia, e quando entrava em operações mais problemáticas, as informações que me transmitiam eram escassas ou quase nulas.

Por outro lado, a situação geográfica do aquartelamento do Xime, não permitia fazer muitos “desvios” aos que faziam parte do “protocolo”, em que a principal missão estava relacionada com o conceito de Segurança, tarefa prioritária e diária que fazia parte da agenda dos diferentes Grupos de Combate.

Todas elas teriam de ser cumpridas com o máximo de rigor e superior atenção, pois tínhamos de garantir a segurança possível em parte do troço que ligava o Xime a Bambadinca, por causa/efeito do tráfego rodoviário que aí ocorria, uma vez que a possibilidade mais exequível para chegar à capital [Bissau], ou desta ao extremo leste do território, de que são exemplos: Bafatá, Contuboel, Nova Lamego, Piche, Canquelifá, Paunca, Galomaro, Mansambo, Xitole, Saltinho, …, só poderia acontecer por via marítima [Rio Geba].

Porque o cais do Xime era utilizado diariamente, quer como ponto de chegada e/ou de partida, por onde circulavam semanalmente centenas de militares e civis e uma vasta panóplia de produtos e equipamentos, este assumia-se como local político-militar-económico estratégico por excelência.

.Deste modo o nosso grande objectivo operacional era garantir a máxima segurança a todos os que dela necessitavam naquele troço, todos os dias, entre as 07.00/07:30H até ao pôr-do-sol ou, em situações particulares, até que ficassem concluídas as actividades portuárias, no local conhecido por Ponta Coli, onde os grupos escalados das diferentes Unidades de quadricula foram surpreendidos por bigrupos de guerrilheiros do PAIGC, no caso da CART 3494 em 22ABR1972 e 01DEC1972, daí resultando baixas de ambos os lados. 

Outro tipo de segurança que realizávamos estava relacionada com a protecção às embarcações que navegavam no Geba, onde os Gr Comb da CART 3494, algumas vezes reforçados por Gr Comb da CCAÇ 12,  percorriam os itinerários ícones do Xime, como sejam os exemplos de «Ponta Varela», «Madina Colhido», «Gundaguê Beafada» e «Poindon», em patrulhamentos ofensivos, montagem de emboscadas e outras missões/acções mais específicas, umas vezes com contactos outras de sentido inverso.

Perante o exposto, em que situações era possível “fazer batota”?.

Ab. Jorge Araújo

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