quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17053: Tabanca Grande (427): João Maria Pereira da Costa, ex-fur mil Pel Rec Info CCS / BART 2857, Piche, nov.1968- ago 1970

1. Apresenta-se na Tabanca, o nosso Camarada João Maria Pereira da Costa, que foi Fur Mil na CCS do BART 2857 (Nov 1968 a Ago 1970, Piche), que nos enviou a seguinte mensagem:

HISTÓRIAS QUE A MEMÓRIA NÃO ESQUECE

“A MINHA PASSAGEM PELO XIME DE REGRESSO A CASA”

Chegados a Bambadinca perto das 5 horas da tarde, a primeira leva de regresso a Bissau, terminada a comissão, camionetas com as nossas malas e uma companhia, nos disseram que não havia maré e que teríamos de seguir para o Xime.

Deitei as mãos à cabeça e pensei baixinho vai ficar pelo caminho metade do pessoal em emboscada e depois a passagem da bolanha será tiro ao boneco. As covas na estrada com muita água, as viaturas só andavam através dos guinchos dos Unimogs agarrados às árvores.

Mas enfim, felizmente nada aconteceu.

Colocámos as viaturas na descida para o ancoradouro e o pessoal a dormir debaixo delas, pois somente ao outro dia pela manhã chegaria a LDG.

E nós que vamos fazer!?

O pessoal periquito, com três meses de Guiné tudo dentro dos abrigos. Não restava nem mais um buraco para nós.

Começámos então na conversa com os piras. Pessoal, até que horas são aqui os ataques ao aquartelamento. Costumam terminar depois da meia-noite e devem vir da Ponta do Inglês. Então pessoal não existe por aí uma garrafinha de whisky? Nada, metidos nos buracos. Nós tarimbados fora dos abrigos e em cima das valas sem saber como iríamos passar a noite. Eram oito horas da noite. Fomos buscar umas garrafas das nossas e começámos a beber e a oferecer aos piras. Passado o medo o já com o efeito do álcool. começaram a sair da toca.

Bem! Levámos a noite toda nos copos. Já se faziam corridas por cima das mesas do refeitório. Não conto pormenores pois ficou uma imundice.

Portanto não havia lugares no tal Hotel Estrela.

Até Bissau fomos a curtir a buba da véspera. Um pouco de cuidado na ponta do inglês, mas tudo correu às mil maravilhas.

Histórias da nossa juventude de guerreiros inconscientes

Belos tempos. Hoje mais idosos recordamos alguns dos bons momentos e das loucuras por terras da Guiné.


Um abraço a todos quantos passaram pelos vários Spa’s da Guiné.

João P. da Costa
Fur Mil da CCS do BART 2857 

Foto de Juvenal Amado © Direitos reservados.


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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

Guiné 61/74 - P17052: Tabanca Grande (426): Sílvia Torres, filha de ex-combatente, doutoranda em ciências da comunicação pela NOVA, autora do livro "O jornalismo português e a guerra colonial", nossa grã-tabanqueira nº 736


1. Mensagem da nossa grã-tabanqueira Sílvia Torres, doutoranda em ciências da comunicação pela Universidade NOVA de Lisboa, autora da obra "O jornalismo português e a guerra colonial” (Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2016, 436 pp.) (*)


De: Sílvia Torres <silviammtorres@gmail.com>
Data: 15 de fevereiro de 2017 às 18:12


Professor Luís Graça,

O meu pai, António Torres,  esteve em Angola de 1972 a 1974. Foi mecânico de armas.

Comecei a interessar-me pela guerra e por Angola por influência do meu pai que todos os anos, em maio, se reunia (e continua a reunir) com os camaradas de Angola, que no dia-a-dia recordava (e continua a recordar) episódios de Angola e que sempre que podia ia visitar (e continua a ir) camaradas da guerra espalhados pelo país – no carro, havia sempre um conjunto de folhas com nomes, moradas e números de telefone de ex-combatentes (esta lista continua a ser consultada com
frequência pelo meu pai).

As muitas fotografias que trouxe de Angola, que a minha mãe tão bem organizou em álbuns, ilustravam as suas palavras.

O interesse pela Guiné Portuguesa e por Moçambique surgiu mais tarde.

Sou licenciada em Jornalismo e Comunicação e iniciei a minha vida profissional no Diário de Coimbra, como jornalista, em 2005. Em 2007, chamou-me à atenção um anúncio no jornal Expresso: a Força Aérea estava a recrutar uma pessoa com formação em jornalismo. Candidatei-me, fiz os testes (médicos, psicotécnicos e físicos) e fui a selecionada para a vaga em causa. Fui colocada na Rádio Lajes (Terceira - Açores), passei pelo Centro de Recrutamento da Força Aérea (Lisboa) e cumpri também uma missão de cooperação técnico-militar em Timor-Leste. Estive na Força Aérea entre outubro de 2007 e maio de 2014, como oficial, com a especialidade Recursos Humanos e Logística.

No âmbito do Mestrado em Jornalismo, que conclui na Universidade Nova de Lisboa, escolhi estudar a cobertura jornalística da Guerra Colonial/do Ultramar feita pela imprensa de Angola. Agora, como
doutoranda, centro o meu estudo no mesmo tema, mas alargado também a Moçambique e à Guiné. O jornalismo português, pelo menos até ao 25 de abril de 1974, alcançava também os meios de comunicação social das então províncias ultramarinas e, assim sendo, é nossa obrigação não o
ignorar, porque faz parte da nossa história e porque, tal como o jornalismo da metrópole, também teve a sua importância.


Quanto à minha apresentação, aqui vai uma pequena nota biográfica:

(i) Sílvia Torres nasceu em Mogofores, Anadia, em 1982;

(ii) licenciada em Jornalismo e Comunicação e mestre em Jornalismo;

(iii)  começou por ser jornalista do Diário de Coimbra;

(iv) entre 2007 e 2014, como oficial da Força Aérea Portuguesa, trabalhou na Rádio Lajes (Terceira – Açores) e no Centro de Recrutamento da Força Aérea (Lisboa), cumprindo ainda uma missão de
cooperação técnico-militar em Timor-Leste;

(v) atualmente é doutoranda em Ciências da Comunicação pela Universidade NOVA de Lisboa e bolseira de investigação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT);

(vii) a sua pesquisa centra-se na cobertura jornalística da Guerra Colonial feita pela imprensa portuguesa de Angola, da Guiné Portuguesa e de Moçambique, entre 1961 e 1974;

(viii) o facto de ser filha de um ex-combatente justifica o interesse pessoal e académico pelo conflito.

Cumprimentos, Sílvia Torres



Capa do livro "O jornalismo português e a guerra colonial" (Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2016). Organização de Sílvia Torres. Foto de capa do Facebook da autora (com a devida vénia...)



2. Comentário dos editores:

Sílvia, fica apresentada, e muito bem,  à Tabanca Grande. É, em termos cronológicos, a grã-tabanqueira  nº 736 (**)... Todos os lugares são sentados, à sombra do nosso mágico, secular, protetor e fraterno poilão... Não há tabanca que se preze que não tenha um secular poilão... É uma árvore sagrada: é lá que repousam os bons irãs... e as memórias daqueles dos nossos amigos e camaradas que "da lei da morte já se foram libertando"... (E já são 52 num total de 736.)

Obrigado por abrir um pouco mais o seu "livro da vida". Ficamos a saber a razão da sua "ligação" a esta temática, incluindo a sua  relação com a Guiné e o seu trabalho na FAP... Como já lhe dissemos, temos vários camaradas da FAP, incluindo um tenente general que foi um bravo "pilav" do Fiat G-91, em 1972/74, António Martins Matos, antigo chefe do Estado Maior da Força Aérea

Ficamos também a saber que o seu pai esteve em Angola, entre 1972 e 1974 e tinha uma especialidade, relativamente rara, "mecânico de armamento"... Devia haver um por batalhão, pelo menos  na Guiné...

Como sabe, o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné é essencialmente um espaço de partilha de memórias (e de afetos)... Embora centrado na Guiné, o blogue fala de outros territórios que são teatros de operações da guerra colonial ou onde marcámos presença (histórica) enquanto portugueses...

Também termos, como já sabe, um "livro de estilo":  ver aqui as 10 regras da política editorial do blogue...Os antigos camaradas de armas, por exemplo, tratam-se por tu...

Disto isto, desejamos-lhe os maiores sucessos pessoais e profissionais. Um alfabravo (abraço) para o seu pai e nosso camarada António Torres. (Se quiser partilhar connosco algumas das suas histórias e fotos de Angola, diga-lhe que as portas da Tabanca Grande estão abertas para ele...).
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

14 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17048: Recortes de imprensa (85): O nosso camarada Armor Pires Mota no lançamento do livro da investigadora Sílvia Torres ("O jornaliismo português e a guerra colonial", Lisboa, Guerra & Paz, 2016, 432 pp.) na sua terra natal: Anadia, 2 de julho de 2016 (Excerto do "Correio do Vouga")

Guiné 61/74 - P17051: Parabéns a você (1208): António Eduardo Carvalho, ex-Cap Mil Inf, CMDT das CCAÇ 3 e CCAÇ 19 (Guiné, 1974) e José Maria Pinela, ex-1.º Cabo TRMS do BCAV 3846 (Guiné, 1971/73)


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Nota do editor

Último poste da série de 10 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17037: Parabéns a você (1207): José Brás, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1622 (Guiné, 1966/68)

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17050: Efemérides (245): "Black out" noticioso sobre a partida do T/T "João Belo" com os expedicionários do RI 11 (Setúbal) para Cabo Verde em 16 de junho de 1941...Nesse mesmo dia, o velho transporte-hospital "Gil Eanes" partia para dar assistência sanitária à frota de pesca do bacalhau na Terra Nova e Groenlândia... (Um ano e tal depois o "Gil Eanes" esteve para ser afundado pelos ingleses, por suspeita de espionagem do seu operador de rádio a favor dos alemães)




 

Capa e excertos do "Diário de Lisboa", do dia 16 de junho de 1941... Fonte: Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivos > Diário de Lisboa / Ruella Ramos (Com a devida vénia...)


Citação:
(1941), "Diário de Lisboa", nº 6668, Ano 21, Segunda, 16 de Junho de 1941, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_24964 (2017-2-15)

  1. Era uma segunda feira e o verão parece que estava a chegar... Os homens do RI 11, os expedicionários do 1º Batalhão, partiam para a Cabo Verde, no vapor "João Belo" (*)... 

Nem uma única notícia nos jornais!... Ou pelo menos no vespertino "Diário de Lisboa", não alinhado com o regime... Presume-se que este "black out" noticioso sobre movimento de tropas portuguesas fosse justificado  por razões de segurança, mais do que óbvias... No entanto, o embarque era público, realizado à luz do dia, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, e acompanhado por centenas de familiares e amigos dos expedicionários...

O  mar, e em especial o Atlântico Norte, estava infestado de "tubarões"... Os submarinos alemães eram o terror dos mares... Portugal, país neutral, acautela a defesa dos Açores e de Cabo Verde, arquipélagos potencialmente cobiçados tanto pelos Aliados como pelas potências do Eixo, Alemanha e Itália (que tinha construído uma aeródromo justamente na ilha do Salvo, tendo estado operacional até à entrada na guerra, já em 1940, em 10 de junho)...

A edição deste vespertino tem então 8 páginas, o que se deve  entender como um sinal do racionamento de matérias-primas, alimentos e outros produtos... Toda a primeira página desta edição é dedicada ao conflito que devasta a Europa e já se estendia ao norte de África, ao Mediterrâneo e ao Atlântico...

A guerra estava longe e, ao mesmo tempo,  perto de nós.. Nas imediações de  Moura, no Alentejo, na véspera, 15/6/1941, um bombardeiro alemão, quadrimotor [, um Focke-Wulf 200 Condor, o "carrasco do Atlântico"!...] despenha-se e morre a sua tripulação, depois de se ter liberto da sua carga mortífera, perto da Amareleja...

O funeral das vítimas realizava-se em Moura, no dia seguinte, ao fim da tarde, com a presença de representantes políticos, diplomáticos e militares da Alemanha. [Sobre este caso ver aqui um dossiê organizado pelo Hotel de Moura]

2. Nesse mesmo dia (**)  partia, do cais do Ginjal, em Almada,  para a Terra Nova e Groenlândia, com escala nos Açores, o transporte-hospital Gil Eanes (, era assim que se chamava), com regresso marcado para outubro de 1941.  

Na altura ainda pertencia à marinha de guerra e era comandado pelo comandante Zolá da Silva,  capitão de fragata. Por sue turno, Henrique Tenreiro, delegado do Governo, o "patrão das pescas", era uma figura sempre presente nestas cerimónias de despedida. 

 A missão do "Gil Eanes" era fundamentalmente a da assistência sanitária à rota bacalhoeiro  e aos seus bravos marinheiros e pescadores que trabalhava a bordo em condições duríssimas.  Levava também algumas centenas de toneladas de isco, bem como centenas de bidões de gasóleo para os lugres da frota branca, peças sobresselentes e outros materiais de apoio....

Não se trata do último navio-hospital, com o mesmo nome, construído nos Estaleiros de Viana do Castelo em 1955... Estamos a falar do "velho Gil Eanes", um dos navios alemãos apresados no Tejo em 1916:

Originalmente tinha, pois, nome alemão: "Lahneck", sendo propriedade da companhia alemã "Deutsche Dampfschiffarts GeselIschaft Hansa". Tinha a capacidade para 2000 toneladas de carga e para navegar a 10 a 11 nós, media 84.79 m de comprimento e dispunha de um potente motor de 2000 hp.

(...) " Foi um dos navios alemães requisitados pelo Governo em 23 de fevereiro [de  1916], em consequência do que a Alemanha nos declarou guerra a 9 de março. Dias depois, era rebaptizado. Foi-lhe posto o nome dum daqueles homens que revolucionaram a história e que só sabemos que era algarvio e se chamava Gil Eannes. Mas foi ele que, numa simples barca, ousou desafiar os medos medievais e passar além do Bojador.

"E, do lugar aonde 'passou além da dor´, como diz o Poeta, apareceu ao Infante, não com uma espada sangrando nem com um grupo de cativos, mas com um ramo de flores, que os portugueses dedicaram à Padroeira de África e se ficaram chamando 'rosas de Santa Maria'.  Foi 'Gil Eannes' que este alemão aportuguesado se passou agora a chamar". (...)

Andou inicialmente no  transporte de tropas durante o resto da I Grande Guerra, sendo depois  fretado para os Transportes Marítimos, e servido na carreira dos Açores. Até que surge a ideia de o  adaptar a navio de assistência à frota da pesca do bacalhau nos bancos da Terra Nova.

(...) "Na Holanda recebeu as modificações necessárias, e a 16 de maio de 1927 partia, enfim, para a Terra Nova, donde regressava a Lisboa em 14 de novembro.

"Estávamos, porém, já sob novo regime: o da Revolução do 28 de Maio, donde sairia o Estado Novo. Ora, não obstante a situação de infra-humanidade em que viviam e trabalhavam os nossos pescadores nos bancos da Terra Nova, as prioridades eram outras. E o Gil Eannee foi empregue no transporte de presos [políticos, e nomeadamente em 1928, para Angola e Guiné).

Em 1929 e 1930 faz a sua 2ª e 3ª viagem à Terra Nova. Só voltará lá em 1937...

(...) "A situação dos nossos pescadores era aflitiva. As doenças e mortes pairavam como mal permanente. Os portugueses eram até, por isso, alvo das maiores atenções por parte da população de St John's e dos pescadores esquimós que nutriam pelos nossos compatriotas uma grande solidariedade, em grande parte por compaixão. 

"Ao mesmo tempo, o regime apoiava os armadores no sentido de incrementar a pesca do bacalhau nos bancos da Terra Nova e já também da Gronelândia, a fim de nos tomar pelo menos auto-suficientes num produto de intensa procura no espectro do consumo nacional. Foi então que o Gil Eannes, integrado na Marinha de Guerra, passou a dar apoio regular aos nossos pescadores do bacalhau, até 1941. 

"Foi, depois disso, desarmado, em 1942, data em que foi entregue à Sociedade Nacional de Armadores do Bacalhau, a cujo serviço efectuou 27 viagens, 14 das quais de comércio e assistência. Quando a prestava, fornecia à nossa frota bacalhoeira água, óleo, carvão, isco, sal e alimentos. Possuía a bordo um serviço médico, transportava correio e expedia e recebia telegramas.

"Entretanto, com a viragem do meio século, Portugal beneficiava da crise das economias europeias do após-guerra e, muito embora não tenha entrado na II Guerra Mundial, também beneficiava dos subsídios para reconstrução nacional e entrava na OCDE. Ora, o regime, pela via corporativa, desenvolvia uma política social de assistência voltada para os problemas dos trabalhadores e orientando-se pela doutrina social da Igreja que dizia professar..

"Foi por isso que, por esforços conjugados do Ministério da Marinha e do Grémio dos Armadores dos Navios da Pesca do Bacalhau, se decidiu substituir o velho Gil Eannes, ronceiro, esclerosado e sempre vestido de empréstimo nas roupas de navio de assistência, por um navio hospital dotado de outros meios, inclusivamente médicos, de assistência, com enfermarias, sala de tratamentos, gabinete de radiologia, bloco operatório, capela, e até salas de lazer, para prestar uma assistência médica compatível com a dignidade humana dos nossos pescadores do bacalhau." (...)

E é aqui que surge o novo "Gil Eanes", em 1955. Essa história pode ser aqui (pros)seguida... no sítio da Fundação Gil Eanes. (O navio-hospital "Gil Eanes" é hoje um museu, que pode ser visitado no porto de Viana do Castelo.)

Sobre as misérias e grandezas do velho Gil Eanes [ou Gil Eannes, como foi matriculado] (incluindo a prisão, pelos ingleses,  em  alto mar, do operador de rádio, Gastão Crawford de Freitas Ferraz, agente alemão...) , ver também aqui: Licínio Ferreira Amador > O Gil Eanes



O velho transporte-hospital "Gil Eannes" (ou "Gilç Eannes")



3. Esssa história, desconhecida da maior parte dos nossos leitores, merece ser contada aqui, com a devida vénia ao Licínio Ferreira Amador, escritor ilhavense, nascido em 1940... 

Afinal, no Portugal de Salazar também havia muitos amigos da Alemanha nazi, e alguns eram mesmo espiões, capazes de pôr em perigo a segurança de toda a tripulação de um navio e, mais, mudar o curso da história....  

Foi o caso do espião Gastão Crawford de Freitas Ferraz, nascido no Funchal. que, por 15 contos por més (!), passava informações aos alemães sobre o movimento dos navios no Atlântico Norte. Felizmente o operador de rádio do "Gil Eanes" foi capturado, em alto mar,  por um comando inglês, antes de conseguir avisar a Alemanha de que uma frota aliada se preparava para invadir o Norte de África, o que aconteceu a 8 de novembro de 1942.

Sobre a espionagem detectada em barcos de pesca do bacalhau no Atlântico Norte, durante a 2ª Guerra Mundial consultar a obra do jornalista  Rui Araújo,  "O Diário Secreto que Salazar não leu", Lisboa, Oficina do Livro, 2008, em especial as pp.  86-138.

(...) "A partir de 1937, a missão do Lahneck / Gil Eannes começou então a ser mais frequente, tornando-se ainda mais forte o elo de ligação entre os marinheiros e as famílias em Portugal; levava-lhes as cartas e lembranças que mitigavam as saudades, distribuídas no final da escala e salga e todos os mantimentos que eram necessários à campanha. 

Entretanto a partir de setembro de 1939, a Europa e o mundo foram assolados pela 2ª Guerra Mundial com os veleiros a pescar nos Grandes Bancos da Terra Nova e agora também na Groenlândia. Estes pesqueiros situavam-se nas rotas de navegação entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos tão apetecíveis para os nazis com os seus submarinos escondidos no seio daquelas frias e perigosas águas.

Em fevereiro de 1942, o Lahneck / Gil Eanes deixou de pertencer à Marinha de Guerra e passou para as mãos da Sociedade Nacional dos Armadores de Bacalhau.

Em novembro do referido ano, os aliados preparavam-se para invadir o norte de África numa operação com o nome de código Torche. Os serviços secretos do Reino Unido começaram então a verificar procedimentos fora do normal de navios portugueses a pescar no Atlântico Norte, equipados com aparelhos de transmissão de rádio. Aqueles serviços desconfiaram especialmente do arrastão Álvaro Martins Homem, que tinha como radiotelegrafista Carlos Maria Tomás Teixeira, e do navio-hospital, que, nos dias 4 e 5 de Agosto do referido ano, teria comunicado aos alemães alguns movimentos de navios aliados naquelas paragens. Estas transmissões foram recebidas por uma estação clandestina alemã na Linha do Estoril, mais propriamente em Cascais.

Numa estadia do Lahneck / Gil Eanes em St. John´s [, na Terra Nova,] , os ingleses fizeram-lhe uma busca,decidindo que o seu operador de rádio, Gastão Crawford de Freitas Ferraz, fosse detido. Porém, alguns erros de estratégia impediram que a sua prisão se realizasse de imediato e o navio iniciou a viagem de regresso a Portugal.

Os ingleses resolveram pôr a embarcação portuguesa ao fundo sem deixar quaisquer vestígios, incluindo sobreviventes, porque era preferível que morressem algumas dezenas de pessoas, facto que seria um mal menor, comparado com os milhares de vítimas na operação Torche.

Os aliados escolheram aquela última decisão devido à proporcionalidade da ameaça, ou seja, de o operador do navio-hospital conseguir informar os nazis do itinerário dos barcos aliados para a referida operação no norte de África.

Posteriormente, os serviços secretos ingleses mudaram de ideias, pensando que não seria desejável atacar os portugueses, porque forneciam combustível nos Açores e Cabo Verde à Royal Navy. Decidiram então interceptar o barco já a caminho de Portugal; prenderam o espião Gastão Ferraz, evitando que este informasse atempadamente os alemães dos planos de invasão dos Aliados na operação Torche, caso os conhecesse. A prisão em alto mar deu-se no dia 3 de Novembro de 1942, tendo sido escolhido para esta missão o destroyer HMS Oribi (G66) que acompanhava o comboio de navios W24.

Os agentes secretos que detiveram o espião português permaneceram a bordo do Lahneck/ Gil Eanes até chegarem a águas portuguesas, onde o radiotelegrafista foi transferido para uma fragata da Royal Navy que o conduziu para Gibraltar.

A detenção do operador de rádio apanhou de surpresa as tropas alemãs e francesas do governo pró-nazi de Vichy, que estavam no norte de África, porque acreditavam que os aliados iriam desembarcar em França ou Noruega e não em Marrocos e na Argélia como veio a acontecer.

O eventual relatório redigido pelo capitão-de-fragata António José Martins, delegado do governo junto do Grémio dos Armadores de Navios da Pesca do Bacalhau, na referida viagem a bordo do navio-hospital, desapareceu dos arquivos da Marinha. (...) 


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terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17049: Militares mortos na 1.ª Guerra Mundial e Guerra do Ultramar do concelho de Torre de Moncorvo (Armando Gonçalves) - Parte VI: Baixas do distrito de Brgança, na I Grande Guerra por teatro de operações: Angola, Moçambique e França











Lisboa >   "Expedicionários portugueses escrevendo uma carta para a família", foto de Joshua Benoliel (1873I-1932). 

(Capa da "Ilustração Portuguesa", II érie, nº 575, 26 de fevereiro de 1916)





1. Continuação do trabalho de pesquisa do nosso amigo Armando Gonçalves, professor de História, do Agrupamento de Escolas Dr. Ramiro Salgado, em Torre de Moncorvo, e que aceitou integrar a nossa Tabanca Grande, passando a ser o nº 733 (*)


Parte III (pp. 20-28)






















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Guiné 61/74 - P17048: Recortes de imprensa (85): O nosso camarada Armor Pires Mota no lançamento do livro da investigadora Sílvia Torres ("O jornaliismo português e a guerra colonial", Lisboa, Guerra & Paz, 2016, 432 pp.) na sua terra natal: Anadia, 2 de julho de 2016 (Excerto do "Correio do Vouga")




Anadia > Biblioteca Municipal > 2 de julho de 2016 > Da esquerda para a direita, Jorge Ribeiro, Sílvia Torres, Teresa Cardoso e Armor Pires Mota (Cortesia de Correio do Vouga)


1. Excerto do Correio do Vouga,semanário da diocese de Aveiro, com a devida vénia (*):

O livro “O jornalismo português e a guerra colonial”, da autoria de Sílvia Torres, foi apresentado na Biblioteca Municipal de Anadia, no dia 2 de julho [de 2016], e contou com a intervenção de dois jornalistas antigos combatentes na guerra colonial: Jorge Ribeiro e Armor Pires Mota, para além da autora e da presidente da autarquia anadiense, Teresa Cardoso. (...)

(...) Armor Pires Mota, que foi combatente na Guiné, de 1963 a 1965 e chefe de redação do “Jornal da Bairrada” (de Oliveira do Bairro), recordou a sua experiência pessoal no conflito, realçando que durante a sua estada no conflito foi escrevendo uma “espécie de diário”, publicando algumas dessas crónicas naquele jornal bairradino. Nessas crónicas, numa linguagem “nua e crua”, em jeito de “repórter de guerra, relatava as vivências por que passava na frente de combate, tendo sido alertado que essas publicações lhe poderiam provocar dissabores. No entanto, após regressar da guerra, resolveu reunir essas crónicas e publicá-las no livro “Tarrafo”, o qual suscitou, de imediato, a intervenção da censura, que apreendeu praticamente todos os livros, motivando que Armor Pires Mota fosse interrogado pela PIDE (a polícia política de então), o mesmo se passando com o diretor daquele jornal, o advogado Granjeia (com escritório em Aveiro).

Para Armor Pires Mota, muito do que foi escrito sobre a guerra colonial foi por pessoas que nunca lá estiveram e, pior ainda, com profundas mentiras sobre o que realmente se passou no conflito. “Quem lá esteve ficou bloqueado” e só a partir da década de 1980 começaram a publicar as suas memórias sobre o conflito.

Por causa da censura, Armor Pires Mota afirmou que “os jornalistas publicavam aquilo que podiam e eram autorizados”, realçando ainda que “os próprios jornalistas, no terreno, autocensuravam-se, não dando notícias nuas e cruas do conflito”, tanto mais que o regime impôs regras rígidas sobre a cobertura jornalística do conflito. Ressalvou que, no entanto, a censura existe em todas as guerras.

Cardoso Ferreira

2.  Comentário do editor:
Sílvia Torres,
nascida na Anadia, em 1982


A Silvía Torres, filha de antigo combatente da guerra colonial, doutoranda em ciências da comunicação, aceitou o nosso convite para integrar a nossa Tabanca Grande. Tem-se dedicado, enquanto investigadora, ao tema do jornalismo e a guerra colonial. Lançopi em maio de 2016 o livro "O jornalismo português e a guerra colonial" (Lisboa, Guerra & Paz, 2016, 432 pp.).

Entre os entrevistados para  a feituar deste livro, encontram-se nomes de jornalistas como Agostinho Azevedo, Armor Pires Mota, Baptista Bastos, Cesário Borga, David Borges, Fernando Dacosta, Fernando Correia, Francisco Pinto Balsemão, Joaquim Letria, José Manuel Barroso ou Maria Helena Saltão, O livro contém igualmente depoimentos escritos de académicos, como Francisco Rui Cádima, Alberto Arons de Carvalho ou José Manuel Tengarrinha, de militares, como Otelo Saraiva de Carvalho, Fontes Ramos e Aniceto Afonso, e de jornalistas como Avelino Rodrigues, Joaquim Furtado ou Rodrigues Vaz.

A Sílvia Torres, que vai ser apresenrtada à nossa Tabnaca Grande, pediu-nos entretanto contactos para  entrevistar pessoas que tenham trabalhado na imprensa da Guiné Portuguesa; O Arauto, Notícias da Guiné e/ou A Voz da Guiné - durante a Guerra do Ultramar (*ª).


3. Ficha técnica e sinopse da obra, editada pela Guerra & Paz, com sede em Lisboa:

Título: O jornalisnmo português e a guerra colonial
Autor: Sílvia Torres
Género: Não Ficção/Jornalismo
Ano de Edição: 2016
Formato: 15x23
Nº de Páginas: 432
Peso: 426
ISBN: 978-989-702-203-6
Preço de capa: 17,5 €

Sinopse: 

Armor Pires Mota conseguiu relatar a guerra da Guiné, com pormenores manchados de sangue e lágrimas, através de um jornal regional ao qual a censura não deu importância. Fernando Gonçalves criou o «Zé Povinho da Guerra Colonial» em Angola e pintou humoristicamente o conflito. Em Moçambique, Jorge Ribeiro gravou as mensagens de Natal dos soldados, que, por vezes, desejavam «Boas Festas para a esposa e para a noiva» ou «um Ano Novo cheio de propriedades». Fernando Correia, ao serviço da Emissora Nacional, não contou a verdade sobre a guerra porque não o deixaram. Estas e outras memórias das décadas de 60 e 70 do século XX, sobre Portugal, Angola, Guiné e Moçambique, preenchem este livro, «um exterminador implacável de lugares comuns e de ideias feitas sobre a Guerra Colonial e também, por arrastamento, sobre o jornalismo em geral e o jornalismo de guerra em particular», na opinião do ex-combatente Carlos de Matos Gomes.

(Fonte: Guerra & Paz, Editores) (com, a devida vénia)

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 11 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16943: Recortes de imprensa (84): Na morte de Fidel Castro, o apoio de Cuba ao PAIGC é relembrado por Fernando Delfim Silva e Oscar Oramas ("Nô Pintcha", Bissau, 1 de dezembro de 2016) - Parte II

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17047: "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941/1943)", da autoria do capitão SGE José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp) - Parte II: Mobilização do batalhão e composição das companhias (2)



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[Comtinua)





Capa da brochura, "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941/1943)", da autoria do capitão SGE José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp. inumeradas, il.)



Foto do autor, José Rebelo, capitão SGE que foi entre junho de 1941 e dezembro de 1943 um dos jovens expedicionários do 1º batalhão do RI I1, então com o posto de furriel. Não sabemos se ainda hoje é vivo, mas oxalá que sim, tendo então a bonita idade de 96 ou 97 anos. Em qualquer dos casos, este nosso velho camarada  é credor de toda a nossa simpatia, apreço e gratidão.


A brochura que estamos a reproduzir é uma cópia, digitalizada, em formato pdf, de um exemplar que fazia parte do espólio  do Feliciano Delfim Santos (1922-1989), que foi 1º cabo da 1ª companhia do 1º batalhão expedicionário do RI 11, pai do  nosso camarada e grã-tabanqueiro Augusto Silva dos Santos (que reside em Almada e foi fur mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73) (*)

Trata-se de um conjunto de crónicas publicadas originalmente no jornal "O Distrito de Setúbal", e depois editadas em livro, por iniciativa da Assembleia Distrital de Setúbal, em 1983, ao tempo do governador civil Victor Manuel Quintão Caldeira. A brochura, ilustrada com diversas fotos, tem 76 páginas, inumeradas.

Além do pai do Augusto Silva Santos, o 1º cabo Feliciano Delfim Santos (1922-1989), temos conhecimento de mais um expedicionário do RI 11, familiar de uma camaradas nosso, membro da Tabanca Grande: trata-se do tio do Benjamim Durães, o soldado atirador António Joaquim Durães. Seria interessante podermos identificar mais... A maior parte do pessoal do 1º batalhão do RI 11 era originário do distrito de Setúbal (LG)

Guiné 61/74 - P17046: Notas de leitura (929): “O PAIGC perante o dilema Cabo-Verdiano (1959-1974)”, por José Augusto Pereira, Campo da Comunicação, 2015 (2) (Mário Beja Santos)

Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Novembro de 2015:

Queridos amigos,
Há que reconhecer a este jovem historiador a ousadia na pesquisa e análise de uma questão tabu, passadas todas estas décadas, a dissecação histórica de uma unidade que se transformou no slogan mais dinâmico de direção do PAIGC e que a prática veio demonstrar, após a independência de facto, que as raízes históricas eram um argumento ideológico muito perto do vazio.
Quem escreve o prefácio é o comandante Pedro Pires. É no contexto da sua exposição que encontrei uma inverdade medonha, incompreensível num dirigente político com o peso de Pedro Pires. A dado passo do referido prefácio, a propósito da decisão de criar os Armazéns do Povo, escreve: "Fui encarregado da implementação desta decisão na Frente Sul. Os seus efeitos positivos se fizeram sentir rapidamente no mural dos nossos combatentes. Uma pequena nota banal, mas que tinha influência junto das populações: os produtos comercializados pelos Armazéns do Povo e postos à disposição dos combatentes e das suas famílias eram de melhor qualidade que os vendidos nas lojas do lado português. Isso causava cobiça e motivava assaltos às populações das zonas libertadas pelos supletivos coloniais". Como é que é possível ter audácia, hoje, de fantasiar que as forças armadas portuguesas faziam operações para assaltar e pilhar os bens dos guerrilheiros? Como é que é possível, tantas décadas depois, ter este desplante, este delírio para enganar o pagode?

Um abraço do
Mário


O PAIGC perante o dilema Cabo-Verdiano (2)

Beja Santos

O livro “O PAIGC perante o dilema Cabo-Verdiano (1959-1974)”, de José Augusto Pereira, Campo da Comunicação, 2015, dá uma excelente oportunidade para irmos conhecendo as diferentes vicissitudes da luta armada na Guiné e como o PAIGC, a partir de Conacri e Dakar, procurou incentivar a subversão cabo-verdiana. Vimos no número anterior como o autor cotejou dados fundamentais sobre as estruturas sociais e económicas da Guiné e Cabo Verde, o posicionamento histórico dos dois povos, a génese do PAIGC, as primeiras hostilidades postas à unidade Guiné-Cabo Verde, como Cabral impôs o PAIGC junto de países amigos e na esfera internacional.

O autor dedica bastante atenção à ação do PAIGC na frente político-militar, como se liderou a guerrilha, como conquistou a população no interior da Guiné, como lidou, nas diferentes fases da guerra, com a estratégia imprimida pelas Forças Armadas portuguesas. E assim chegamos à questão da unidade no pensamento de Cabral. Em Dezembro de 1960, Cabral enviou um memorando ao governo português, faz referência ao programa do PAIGC com duas parcelas territoriais e propõe negociações com as autoridades de Lisboa para se obter a independência num clima amistoso que culminasse na união orgânica dos povos da Guiné e Cabo Verde. O refrão de unidade passará a ser permanente. Quando confrontado com opiniões céticas, a argumentação usualmente apresentada tinha a ver com o lugar de Cabo Verde como entreposto negreiro ao longo dos séculos, Cabral dizia sem hesitação que Cabo Verde era uma cultura eminentemente africana, com predomínio de mestiços e poucos brancos. Nunca ousou pôr no seu elenco de argumentos o problema linguístico, religioso e cultural, tratou sempre lateralmente o contencioso entre o guineense e o cabo-verdiano. No fundo, Cabral precisava de como pão para a boca dos quadros cabo-verdianos e temia que se Cabo Verde permanecesse sob administração portuguesa estaria sempre em risco a independência de Guiné e até de outros países; e não poucas vezes argumentou que a questão económica da unidade entre os dois futuros países traria vantagens mútuas. E desde cedo que encontrou contestação às suas teses a começar por José Leitão da Graça, cabo-verdiano, estrénuo defensor da independência de Cabo Verde, rejeitando a união política com a Guiné, sublinhava que eram dois povos com personalidades distintas, chegando mesmo a falar do conflito entre guineenses e cabo-verdianos originado pelo papel assumido pelos ilhéus na ocupação efetiva do território guineense. Cabral nunca cedeu, toda a propagando do PAIGC, incluindo a sua ofensiva diplomática era laudatória a este tipo de unidade. Na propaganda, foram utilizados todos os argumentos emocionais para mexer com a alma cabo-verdiana: a emigração para S. Tomé; a escassez de chuvas em Cabo Verde e as concomitantes carístias, responsabilizando-se sempre as autoridades coloniais pelo modo de exploração do solo, indutor de permanentes penúrias. E como diz o autor, “igualmente relevante no dispositivo argumentativo utilizado pelo PAIGC na mobilização dos cabo-verdianos para a causa da independência foi a perceção das desigualdades existentes entre a população, de que avultam as diferenças salariais entre metropolitanos e ilhéus no desempenho da mesma categoria profissional, e nas discrepâncias na distribuição da terra, detida por uma minoria de proprietários”. A reação das autoridades de Lisboa dirigia-se sobretudo para os seus aliados: o posicionamento de Cabo Verde no Atlântico Norte, ser um porta-aviões indestrutível, um ponto de interação e de apoio nas comunicações marítimas e aéreas Norte-Sul no Oceano Atlântico, etc. Para consumo interno, pôs-se a questão das ilhas, a necessidade de estar atento a qualquer desembarque de guerrilha, de ter uma fiscalização política muito severa e de estrangular à nascença quaisquer formas de agitação e da presença de sublevadores do PAIGC.

O autor dá-nos um quadro correto do que se procurou fazer, a nível do PAIGC, para mobilização e agitação política no arquipélago, os seus principais intervenientes, a lógica do trabalho, em sucessivas etapas (entre 1959 e 1963; entre 1963 e 1968; e entre 1968 e 1974), inclui os principais nomes, com Jorge Querido e Abílio Duarte à cabeça. Leitão da Graça fica de fora nesta movimentação, ele tem o seu próprio partido para a independência de Cabo Verde. Houve planos de desembarque para Cabo Verde, mandava o bom senso que não havia condições para desembarcar tropas e fomentar a guerrilha; a despeito da falta de condições favoráveis, Cabral tinha que dar gestos de que animava os cabo-verdianos à luta. Entre 1966 e 1968 mais de 30 elementos, todos de origem cabo-verdiana foram preparados em Cuba para a luta armada a desencadear no arquipélago, entre eles: Pedro Pires, Silvino da Luz, Manecas, Agnelo Dantes. Receberam, treino militar envolvendo o manuseamento de armas ligeiras e de vários tipos de canhões e explosivos, foram submetidos a aulas de natação e desembarque noturno, para além de terem recebido assistência política e ideológica. A formação em marinha de guerra também foi dada pela União Soviética, foi uma preparação que durou dois anos e decorreu nas águas do Mar Negro, no porto de Odessa. Osvaldo Lopes da Silva foi o responsável que chefiou este grupo. Queria o destino que inviabilizada a operação de desembarque, todos estes quadros iriam ter posições relevantes no desfecho da guerra.

Abertos os dossiês, décadas depois, há hoje informação bastante fidedigna para se dizer que as atividades de cariz político desenvolvidas no interior do arquipélago nunca terão atingido o nível desejado, quer pela direção superior do partido quer pelos militantes nacionalistas ali colocados. Cabral tinha que estar permanentemente a aplacar a impaciência dos jovens cabo-verdianos, a tentar os melhores apoios para a sua preparação. A queixa dos cabo-verdianos era permanente: “Porque é que o nosso partido faz tanto para a Guiné e tão pouco para Cabo Verde?”. A impaciência era legítima mas nunca se comprovou incúria por parte de Cabral. Terá talvez o autor razão que está nesta situação o crescimento de um partido em crise, e que há duas dimensões da contestação ao líder ao mesmo tempo que crescia a tensão entre guineenses e cabo-verdianos.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17040: Notas de leitura (928): “O PAIGC perante o dilema Cabo-Verdiano (1959-1974)”, por José Augusto Pereira, Campo da Comunicação, 2015 (1) (Mário Beja Santos)