segunda-feira, 10 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17228: (D)o outro lado do combate (Jorge Araújo) (7): as más notícias de Amílcar Cabral (1924-1973): a mina accionada pela viatura de Pedro Pires, em 17 de março de 1972, na estrada Sansalé-Boké, em território da Guiné-Conacri



Infogravura: Jorghe Araújo (2017)



Colaborador permanente do nosso blogue, Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Especiais da CART 3494. Xime e Mansambo, 1971/74) é professor universitário, doutorado em ciências do desporto.  Este texto foi nos  enviado a 17 de março último, com a seguinte nota: "passam hoje 45 anos em que o Pedro Pires caiu numa mina em território da Guiné-Conacri, conforme é referido por Amílcar Cabral", pretexto para maia um poste para a série "(D)o outro ladoc do combate (*).


Sobre o comandante Pedro Pires. recorde-se aqui o seguinte:


(i) de seu nome completo Pedro Verona Rodrigues Pires, nasceu na ilha do Fogo, Cabo Verde, em 29 de abril de 1934:

(ii) em Lisboa, a partir de 1956. frequenta a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e é membro da Casa de Estudantes do Império;

(iii) chamado a cumprir o serviço militar obrigatório, foi alferes miliciano na FAP - Força Aérea Portuguesa.

(iv) com o início da luta armada em Angola em 1961, saiu clandestinamente  de Portugal em junho desase anop no meio de uma leva de 8 dezenas de estudantes africanos que foi a salto para França (entre eles, estavam os angolanos Iko Carreira, Gentil Viana e Daniel Chipenda e os moçambicanos Joaquim Chissano e Pascoal Mocumbi):

(v) de França seguiu para Marrocos, onde colaborou com o dirigente da Frelimo, o moçambicano Marcelino dos Santos, na Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas:

(vi) em 1963, já está em Dacar, Senegal, de onde transita depois para Conacri, antes de seguir para Cuba e para a URSS, onde frequentou cursos de guerrilha;

(vii) sabe-se pouco sobre a sua vida como combatente; na sequência do assassinato  de Amílcar Cabral em janeiro de 1973. torna-se  um dos protagonistas do II Congresso do PAIGC, que criou uma Comissão Nacional para Cabo Verde;

(viii) foi depois escolhido para comissário adjunto (secretário de Estado) das Forças Armadas, quando o PAIGC proclamou a independência da Guiné-Bissau, em 24 de Setembro de 1973; nessa altura, Pires aparecia como n.º 2 de Nino Vieira, que acumulava as funções de comissário (ministro) com as de presidente da Assembleia Nacional Popular.

(ix) chefiou a delegação do PAIGC que negociou com o Governo português, o reconhecimento da independência da Guiné: assinou o Acordo de Argel, em agosto de 1974: dirigiu a delegação que assistiu ao acto de reconhecimento da independência da Guiné-Bissau, em Lisboa, a 10 de setembro de 1974:

(ix) depois da Declaração de Independência de Cabo Verde em 5 de julho de 1975, foi designado ministro-presidente, cargo que ocupou até 1991, quando — como resultado de sua iniciativa junto com outros — o sistema multipartidário foi introduzido no país e o MpD - Movimento pela Democracia, de Carlos Veiga, conseguiu a maioria.

(x) com o advento da democracia e do multipartidarismo, em 1991, o comandante Pedro Pires substituiu Aristides na liderança do partido (já designado por PAICV após a cisão de 'Nino' Vieira):

(xi) eleito Presidente da República em 2001 e reeleito em 2006:

Outras fontes: vd. também, Expressp das Ilhas e o arquivo Pedro Verona Pires no portal Casa Comum / Fundação Mário Soares.


1. INTRODUÇÃO

Antes de mais, cumpre-me referir que tinha intenção de adicionar o meu modesto contributo a um dos temas mais sensíveis desta semana no blogue, apresentado no P17138 pelo nosso camarada António Martins de Matos (ten gen pilav ref), em particular sobre o seu ponto 3. «O Strela, a arma que revolucionou a guerra». )*)

Porém, por ter em mãos a divulgação de uma ocorrência (efeméride) verificada há, precisamente, quarenta e cinco anos, em 17 de março de 1972, igualmente uma sexta-feira como a deste ano, esta acabou por se sobrepor à anterior, por opção, prometendo no entanto recuperá-la oportunamente.
A presente narrativa nasce, uma vez mais, de uma nova visita aos arquivos da Casa Comum, Fundação Mário Soares, onde encontrei uma outra má notícia divulgada por Amílcar Cabral (1924-1973), esta relacionada com o accionamento de uma mina, colocada em território da Guiné-Conacri, no itinerário entre Sansalé e Boké, por uma viatura (pesada?) onde seguiam entre outros dirigentes do PAIGC, Pedro Pires e Bacar Cassamá, que saíram ilesos, mas onde se registaram algumas perdas humanas que não foram identificadas/referidas nem quantificadas na sua carta.

[Vd, acima o mapa da região sul da Guiné, assinalando-se o local do acidente, no itinerário Sansalé-Boké, em território da Guiné-Conacri.]


2. AS MÁS NOTÍCIAS DE AMÍLCAR CABRAL

2.1. O episódio da mina accionada pela viatura de Pedro Pires

Este episódio ocorreu em 17 de março de 1972, uma sexta-feira, faz quarenta e cinco anos. Partindo do pressuposto de que serão poucos, certamente, os que dele têm conhecimento, tomei a iniciativa de o partilhar convosco.

Nessa sua missiva enviada a Pedro Pires (n. 1934-04-29), lamentando o sucedido, Amílcar Cabral refere que ele é (era) “fruto da traição dos nossos próprios irmãos”, situação que haveria de repetir-se consigo próprio, dez meses depois, em 20 de janeiro de 1973, ao ser assassinado em Conacri por membros do seu próprio partido, facto histórico amplamente divulgado nos mídia, e já do domínio público.

Quanto ao conteúdo transmitido, aqui vos deixo a sua totalidade, transcrevendo-o, e adicionando-lhe pequenos detalhes, colocados entre parênteses rectos.

O original está colocado no final, bem como referida a sua fonte.


2.2. A carta de Amílcar Cabral para Pedro Pires escrita em 18 de março de 1972

[Papel timbrado do PAIGC]

Conacri, 18 de Março de 1972


Meu caro Pires,


Algumas palavras apenas para te dizer que foi para mim uma grande surpresa saber, pela tua carta de 17 de Março [ontem], que tu estavas no carro [provavelmente uma viatura pesada] que caiu na mina na estrada de Sansalé [região de Boké, República da Guiné]. Vi bem que na mensagem [provavelmente telegrama] dizias caímos, mas pensei que fosse apenas maneira de exprimir nossa.

Temos ainda mais razões, portanto – e grandes, meu Deus – para sentir profundamente o que se passou, fruto da traição dos nossos próprios irmãos, ao serviço dos criminosos colonialistas tugas. Compreendo perfeitamente a tua tristeza ou indignação perante o acontecimento, e só agradeço a todos os deuses e irans [irãs] o não termos tido mais perdas [não quantificadas], a tua vida e a do Bacar [Cassamá], e a de outros camaradas terem sido preservadas.



Cortesia da Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivos > Arquivo Amílcar Cabral

Citação:
Bruna Polimeni (Ago’1971), "Amílcar Cabral, Constantino Teixeira e Bacar Cassamá entre outros militares do PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43310 (2017-3-16)

Dado a gravida do caso escrevi uma informação ao [Ahmed] Sekou Touré [1922-1984], da qual te envio uma cópia. Hoje, dentro de meia hora, vou falar com ele sobre este assunto, que é do nosso interesse comum e que devemos resolver com urgência.


Bem gostaria de estar contigo agora para falarmos sobre este assunto – e sobre esta condição própria às lutas como a nossa que é a traição daqueles por quem lutamos e sofremos. Espero no entanto ver-te o mais breve possível. Lamentando, é certo, os camaradas perdidos e feridos, cujos nomes espero me indiques, regozijo-me no entanto em saber-te bem, ileso e, como sempre, decidido a dar tudo pela vitória do nosso Partido, ao serviço do nosso povo.


Todos te cumprimentamos com saudade.

Fraternalmente, Amílcar Cabral.


Fonte: Portal: Casa Comum

Instituição: Fundação Mário Soares


Assunto: Manifesta a sua surpresa por Pedro Pires se encontrar no carro que caiu na mina na estrada de Sansalé, colocada pelos “irmãos ao serviço dos criminosos colonialistas”. Refere que escreveu uma informação ao Sekou Touré, dada a gravidade do caso.

Remetente: Amílcar Cabral.

Destinatário: Pedro Pires

Data: Sábado, 18 de Março de 1972

Fundo: Pedro Verona Pires

Tipo Documental: Correspondência
________________

Nota do editor:

Postes anteriores da série > 



domingo, 9 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17227: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (14); Uma horta em Missirá, no regulado do Cuor:


Foto nº 1 > Horta


 Foto nº 2 > Horta


Foto nº 3 > Horta 


Foto nº 4 > Horta


Foto nº 5 >  Mascote, um pequeno babuino (macaco-cão)


Foto nº 6 >  Ponto de cambança

Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 >  Missirá>  Pel Caç Nat 52 > c. 1973/74 >  A horta,

Fotos (e legendas): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].




1. Continuação da publicação do  álbum fotográfico do Luís Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro, que foi alf mil da CCAÇ 4740 (Cufar, 1972/73) e do Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, 1973/74). (*)

Foi o último comandante do Pel Caç Nat 52. Irá terminar a sua comissão em Missirá, depois de Mato Cão, e extinguir o pelotão em agosto de 1974.

Em Missirá fez um horta para poder ter legumes frescos, e onde toda a gente trabalhava... porque quem não labuta, não manduca... E havia alfaias agrícolas de todo o género, até um pulverizador... Bambadinca, sede do batalhão, ficava do outro lado do rio, na margem esquerda do Rio Geba Estreito. Como a formiguinha, armanzenava-se comida para a estação das chuvas (de maio a outubro).

Sobre Missrá, no regulado do Cuor,  tenos cerca de 160  referências.  Por lá passaram grã-tabanqueiros ilustres como o Mário Beja Santos "Tigre de Missirá" ou Jorge Cabral ("alfero Cabral"). este no comando do Pel Caç Nat 63 (1969/71), Sem esquecer o primeiro de todos os comandantes do Pel Caç Nat 52, que passou por Missirá, e que foi o Henrique Matos.

Guiné 61/74 - P17226: Fotos à procura de... uma legenda (82): Meninas de Zagora, no sudeste de Marrocos, às portas do deserto do Saara... (Luís Graça)










 Marrocos > Cordilheira do Atlas > Zagora > 27 de março de 2017 > Duas crianças bérberes que espreitam, de manhãzinha,  tímidas mas curiosas, a partida de um grupo de turistas portugueses, chegados na véspera ao hotel Palais Amaa, vindos de Ouarzazate. (Fotos tiradas à distância, com zoom, do interior do hotel, a primeira, e as restantes do interior do autocarro que seguia para Erfoud.)

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné]

Guiné 61/74 - P17225: Blogpoesia (504): "Do zero ao infinito..."; "Milagre ou não..." e "Estilhaços de verniz...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728



1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Do zero ao infinito...

Aprendi a contar,
contando, uma a uma,
as estrelas do céu,
à luz do luar.

Aprendi a sonhar,
vendo as ondas cansadas
que vinham de longe,
dos longes do mar.

Aprendi a rezar,
nas horas mais tristes da vida,
quando me senti na solidão.

Aprendi a esperar,
oculto na sombra,
até ver o sol a nascer.

Apeteceu-me chorar,
quando vi o que a sorte me trouxe
escondida,
quando toda a minha alegria partiu...

ouvindo música clássica
Bar "Caracol" em Mafra, 9 de Abril de 2017
10h00m
Jlmg

************

Milagre ou não...

Vai seco o rio.
Coitados dos peixes.
Ficaram todos na represa,
larga e funda.
Aqui vai o leito, seco e triste.
Deixaram de ver-se ao espelho,
as ramagens verdes e suas sombras.
Refulgem ao sol as pedras lisas
e areia branca.
Chegam aqui os bois enganados,
a morrer de sede.
Só uma grande enxurrada de aluvião
lhe poderá restituir
o encanto que vestia o rio.
E as gentes ribeirinhas,
chorando a secura de seus campos,
se juntaram já, em procissão,
clamando aos céus,
venha chuva tão abundante
lhe renove o rio.
Parece que os ouviu a divindade.
Milagre ou não,
O rio encheu...

ouvindo música de filmes

Bar "Castelão" em Mafra, 4 de Abril de 2017
10h19m
Jlmg

************

Estilhaços de verniz...

Se cobrem os passeios e caminhos
de estilhaços de verniz.
Como de folhas secas....
Tanto reluziram ao sol.
Perderam cor. Mirraram.
Semearam ilusões,
figurando princesas,
príncipes.
Empertigados.
Afinal, mortalhas simples
de cabeças ocas.
Secou-lhes o céu da boca.
De tanta palavra vã.
Tantos gestos inúteis,
com ares de garbo.
Porque se pintam rostos,
para quê o charme,
se, por fim,
tudo é falso e fátuo?
Mais vale a ruga na pele ao sol
que reflita a alma
que a imagem rútila
que, no fundo, é máscara...

Bar-café Jardim, em Ovar,
5 de Abril de 2017
10h41m
JLMG
____________

Nota do editor

Último poste da série de 2 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17197: Blogpoesia (503): "O cabo das tormentas..."; "Pelo Alentejo verde..." e "Transparência da mulher...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P17224: Historiografia da presença portuguesa em África (73): Subsecretário de Estado das Colónias em visita triunfal à Guiné, de 27/1 a 24/2/1947 - Parte II: Prosseguem as inaugurações, em 29 e 30 de janeiro... Nessa época havia uma linha área, a Linha Imperial, entre Lisboa e Lourenço Marques....








Recorte da 1ª págima do Diário de Lisboa, nº 8683, ano 26, quarta-feira, 29 de janeiro de 1947, diretor: Joaquim Manso (Fonte: Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivos > Diário de Lisboa / Rua Ramos > Pasta 05780.044.11034(  (com a devida vénia...)





Recortes da edição do "Diário de Lisboa, nº 8685, ano 26, sábado, 1 de fevereiro de 1947, diretor: Joaquim Manso (Fonte: Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivos > Diário de Lisboa / Ruella Ramos >  Pasta: 05780.044.11036 (com a devida vénia...) .


1. Em 29 e 30 de janeiro de 1947, prosseguia a visita, à Guiné, do subsecretário de Estado das Colónias, engº  Sá Nogueira, sendo então governador-geral o futuro ministro das Colónias  (1950) e depois do Ultramar (em 1951) Manuel Sarmento Rodrigues. (Repare-se: só em 1950, os territórios ultramarinos têm um "ministro", até então eram representados por uma obscura subsecretaria de Estado...).

 Sublinhámos  em poste anterior a importância política de que se revestia esta  demorada visita, de  quae um mês, quer  para o governo de Salazar, na conjuntura do pós-guerra e no início do movimento de descolonização, como para o governador geral Sarmento Rodrigues, um prestigiado oficial da marinha, considerado com um "conservador liberal", com "ligações à Maçonaria" e que apoiava o Estado Novo... 

Natural de Freixo Espada à Cinta, era conotado como sendo um homem "à esquerda" do regime, com afinidades com o Marcelo Caetano, o então ministro das Colónias . Foi governadorgeral da Guioné entre 1945 e 1949. Será o preferido de Salazar para o lugar de Ministro das Colónias, em 1950, e depois do Ultramar, em 1951.  [Foto à direita, cortesia da Revista Militar].

É reconhecido o trabalho que Sarmento Rodrigues desenvolveu na modernização de Bissau e outras cidades, e na ganização do território. Destaque, no seu tempo,  para os estudos relacionados com a Guiné e a África Ocidental, ao criar, com a colaboração de Avelino Teixeira da Mota, o Centro de Estudos da Guiné. 

 O engº Sá Nogueira tinha chegado no dia 27. Dois depois,  fazia uma série de inaugurações, com destaque para o abastecimento de água a Bissau e para o bairro de Santa Luzia. O representante do governo da Metrópole e a sua comitiva visitava de manhá as obras do Museu,do Palácio do Governador e moradias dos funcionários "que transformarão radicalmente a fisionomia da cidade, dando-lhe o aspeto de um centro urbano moderno", lê-se na primeira página do "Diário de Lisboa" desse dia, segundo despacho da agência noticiosa Lusitânia... A residência do delegado do ministério público também foi objeto de visita, sendo considerada "a última palavra da nova arquitetura colonial" (sic).

Não faltaram os vivas e as aclamações dos "indígenas de diversas tribos, que tocaram o hino nacional em instrumentos gentílicos", bem como dos "colonos"... Houve ainda visita aos depósitos de construção do Alto Crim, bem como às obras do porto do Pigiguiti (sic) (era assim que o topónimo era grafado: hoje há variantes para todos os gostos!).

A 30, foi feita uma visita ao Asilo de Bor, uma obra de assistência às crianças abandondas, dirigida pelas irmãs franciscanas missionárias. E foi inaugurado o posto administrativo de Prábis. Na edição do "Diário de Lisboa", de 1 de fevereiro de 1947, dava-se também a notícia, do regresso a Lisboa, no "avião da Linha de África" (sic), do correspondente do jornal, o dr. Norberto Lopes. À chegada,o jornalista manifestou a sua "agradável impressão tanto pelo que viu na Guiné" (sic), como pela "regularidade e excelente funcionamento da carreira aérea entre Lisboa Lourenço Marques". O avião era um Douglas C-47, CS-TDD,  o 1º Dakota da TAP, pilotado pelo comandante Rodrigues Mano, e trazia 7 passageiros.



TAP - "Uniforme da linha imperial" (1946-1953). Era feito de caqui leve e fresco, Era usado exclusivamente nas linhas áreas para África. A inspiração eram as expedições e safarias em terras de África. (Foto e legenda: cortesia de Jornal TAP, edição nº 119, abril de 2015 > "Hangar da história: 70 anos de moda".)


Recorde-se que o  pretexto desta  visita ao territíório da "colónia", a primeira de um membro do governo de Salazar, foi o encerramento das comemorações do descobrimento da Guiné, em 1946 (uma data, de resto, polémica, para os historiadores, a da pretensa chegada de Nuno Tristão ao território). A iniciativa das comemorações locais foi do comandante Sarmento Rodrigues, tendo por trás  equipe dinâmica, criativa e entusíástica que se abalançou à tarefa hercúlea de conhecer, desenvolver e modernizar a Guiné, reforçando  a presença portuguesa no território, num conjuntura geopolítica, a do pós-guerra,   que se inicia o processo de descolonização.   Destaque, nessa equia, para o então 2º tenente da marinha, Avelino Teixeira da Mota, responsável pelo "Boletim Cultural da Guiné" Portuguesa" (que irá dedicar um nº especial, em outubro de 1947, a esta efeméride, o V Centenário).

Guiné 61/74 - P17223: Parabéns a você (1236): Jorge Canhão, ex-Fur Mil Inf do BCAÇ 4612/72 (Guiné, 1972/74); Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art MA da CART 1659 (Guiné, 1967/68) e Coronel Pilav Ref Miguel Pessoa, ex-Tenente Pilav da BA 12 (Guiné, 1972/74)



____________

Nota do editor

Último poste da série de 8 de Abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17221: Parabéns a você (1235): José Augusto Miranda Ribeiro, ex-Fur Mil Art da CART 566 (Guiné, 1963/65)

sábado, 8 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17222: Tabanca Grande (431): Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796 (Gadamael, Vicente da Mata, Ome (Bijemita), Quinhamel, Biombo e Bissau, 1970/72)... Grã-tabanqueiro n.º 740

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano, Adolfo Cruz, (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796, Gadamael e Quinhamel, 1970/72) com data de 7 do corrente;

Assunto - Tabanca Grande

Caros Amigos,

Aproveito este momento para me registar na entidade em epígrafe [Tabanca Grande] acreditando que passarei a fazer parte de uma entidade  que nos diz muito, não pela missão que nos moveu, naquele tempo, mas pelo simbolismo, além da cumplicidade e admiração que todos nutrimos uns pelos outros.

Nasci em Vieira do Minho, em 11 de Setembro de 1948.

Vivi em Aveiro, Lisboa, Ponte da Barca, Ansião, Coimbra, Arcos de Valdevez, Braga, Figueira da Foz.

Residi em Lisboa, novamente, desde Maio de 1973. Actualmente (sendo pensionista, desde Setembro de  2005) resido em Algés, Oeiras.

Sou do 4.º turno de 1969, tendo entrado no RI 5,  Caldas da Raínha, em 6 de Outubro, seguindo para o CISMI de Tavira, para complemento da especialidade de  atirador.

Depois, dei instrução no RI 7,  Leiria e, em Julho de 1970, formei a Companhia de Caçadores Independente, CCAÇ 2796, no RI 2, Abrantes, seguindo para o Campo Militar de Santa Margarida, onde fiz o IAO.


Em 31 de Outubro de 1970, embarcámos para a então Província da Guiné, no velho "Carvalho Araújo", tendo chegado a Bissau, em 9 de Novembro.

Como teria que ser, primeira etapa no Depósito de Adidos (Brá), aguardando disponibilidade de LDG ou LDM para a viagem para Gadamael Porto, nosso destino de operações.

A viagem foi "interessante" ..., tendo feito transbordo em Cacine, para batelões, pois eram os meios possíveis para complemento da viagem naquelas circunstâncias de navegação.

Em Gadamael Porto, estivemos durante 16 meses (embora nos tivessem dito que seriam, apenas, 12 meses, período máximo considerado para aquela zona).

Depois, passámos para 4 destacamentos, um grupo de combate em cada um: S. Vicente da Mata, Ome (Bijemita), Quinhamel, Biombo, onde permanecemos cerca de 7 meses, seguindo para o COMBIS, Bissau, onde aguardámos voo para Lisboa.

Em 5 de Outubro de 1972, após desfilar perante o Governador-Geral e Comandante-Chefe, gen Spínola, partimos para Lisboa !

Abraço
Adolfo Cruz

Blogue "Se Penso, Blogo, Existo".
http://www.kruzadolphus.blogspot.com


2. Comentário do editor:

Adolfo, chegas num dia triste, em que desaparece o nosso camarada Jorge Portojo, que esteve em Catió, em 1968/70. Mas o dever de cada de um de nós é o de passar uns aos outros e aos vindouros o nosso testemunho, as nossas memórias.

Sê bem-vindo. Passas a ser o membro da Tabanca Grande n.º 740. E ficamos à espera que nos fales, com mais detalhe, dos sítios por onde passaste com os teus camaradas da CCAÇ 2796. Se sobre Gadamael, Quinhamel e Biombo, temos muitas referências no blogue, já sobre São Vicente da Mata  e Ome sabemos muito pouco ou nada.

Senta-te no teu lugar, à sombra do nosso poilão, e já sabes: a partir de agora tens licença para falar em voz alta, e com propriedade, sobre as tuas andanças na Guiné.  É para isso que o nosso blogue serve, além de ser um traço de união entre todos os camaradas que por lá passaram, de 1961 a 1974.

Que sejas bem vindo e que fiques connosco por muito tempo. Diz-nos a tua data de nascimento, se quiseres que a gente te cante, em público, os "parabéns a você" no dia do teu aniversário...
Conheces as regras de convívio do blogue e já sabes que a gente se trata por tu.
Fica bem.
____________

Nota do editor:

Último poste da série > 30 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17189: Tabanca Grande (430): António Salvada, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2854/BCAÇ 2884, Có, 1969/71, nosso 739.º amigo tertuliano

Guiné 61/74 - P17221: Parabéns a você (1235): José Augusto Miranda Ribeiro, ex-Fur Mil Art da CART 566 (Guiné, 1963/65)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 7 de Abril de 2o17 > Guiné 61/74 - P17214: Parabéns a você (1234): António Rocha Costa, ex-Alf Mil Op Especiais da CCAV 2539 (Guiné, 1969/71); Fernando Manuel Belo, ex-Soldado Condutor Auto do BCAV 8323 (Guiné, 1973/74) e Mário de Azevedo, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 6 (Guiné, 1970/72)

sexta-feira, 7 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17220: Memórias de Gabú (José Saúde) (67): As minhas memórias de Gabu: A morte de um camarada (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.
As minhas memórias de Gabu


A morte de um camarada

Nas exaustas sombras de um ténue silêncio, revejo romanescas imagens de uma guerra que ousou quebrar a irreverência de uma juventude que, no auge dos seus irreverentes 20 anos, era atirada para as frentes de combate sem que se premeditasse o momento seguinte.

Hoje, vergado ao peso dos meus 66 aninhos de idade, ajoelho-me perante todos os camaradas que, tal como eu, viveram inolvidáveis momentos de prazer e dor.

Prazer pelos instantes em que a guerra dava pausas e a rapaziada divertia-se com as ocasionais festanças, quer bebendo endeusados refrigerantes nos bares de oficiais, sargentos ou praças, quer matando o tempo em jogatanas de futebol, ou num outro tipo de divertimentos.

A dor, incessantemente a dor, era, e é, uma mágoa que todos nós ainda transportamos nas nossas já usadas memórias. A dor da morte de um jovem projetado para a frente de combate e muitas vezes mal preparado para uma peleja onde as balas ditavam dramáticos fins, apresentava-se como um enorme sofrimento para o camarada que se sentia revoltado por uma morte que lhe passou, por enquanto, ao lado.

Dor por aqueles que ficaram estropiados e/ou por outros que ainda sofrem com as contingências de um pós-traumático stress de guerra, situação esta retirada de uma comissão militar obrigatória numa Guiné, como é o caso, onde tudo para nós se apresentava como novidade.

Revejo a drástica situação em que a morte ocorria amiúde e nós, miúdos de tempera rija, reagimos a uma intempérie que acabava por salpicar mais uma página do calendário da vida de um combatente que se atrevia a enfrentar o medo e os imprevisíveis encontros com inimigos que lutavam de peito aberto num terreno que era seu e que muito bem conheciam.

Acompanho no nosso blogue histórias de famigeradas emboscadas onde muitos camaradas perderam a vida e outros ficavam feridos. Instantes dramáticos relatados por camaradas que conviveram com essa irrefutável realidade. Palavras soltas, por vezes duras, que visavam somente dar ânimo àqueles que lutavam em desespero e que se agarravam a um limitadíssimo fio de vida que literalmente os separava de uma morte que estava ali tão perto.

Irra a guerra!... Irra a tantos fatídicos fins!... Irra a quem fez da guerra um cemitério de jovens! Irra para aqueles tempos em que a incerteza do ir e voltar ficava estampada nas joviais caras de mancebos que levavam na testa o selo de “carne para canhão”. Enfim!…

A propósito deste fatigado cavaquear doutros tempos, lembro-me irrepreensivelmente um dia observar a chegada ao meu quartel de um camarada morto em combate na região de Gabu. O destino do corpo foi a enfermaria. O furriel miliciano enfermeiro Navas, permitiu-me que lhe prestasse o último adeus.

Cruzámos olhares, observámos o corpo, e verificámos um pequeno orifício na testa de uma bala que lhe foi fatal. De resto todo o seu corpo se apresentava ileso.

Como eram cruéis aqueles tempos em que a guerrilha ditava bárbaras atrocidades. Hoje, tudo passou à história e aqueles velhos tempos em que sustínhamos nos braços uma G3 para nos defendermos do IN, são apenas recordados por camaradas que por ora ainda vão debitando memórias de uma guerra onde fomos atores forçados numa tela de longa metragem desenhada a preto e branco e em que a sigla terminal regista a palavra FIM.




Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

9 DE JANEIRO DE 2017 > 
Guiné 61/74 - P16937: Memórias de Gabú (José Saúde) (66): Noratlas

Guiné 61/74 - P17219: In Memoriam (284): Jorge Teixeira (Portojo) (1945-2017) cujo funeral é amanhã às 14h30, da Capela Mortuária de Rio Tinto, Gondomar, para o cemitério de Paranhos, no Porto, um artista visto pelos seus amigos (Carlos Vinhal / José Ferreira da Silva / Dinis Souza e Faro / Francisco Baptista)

Momento musical - Lacrimosa, de Mozart, dedicado hoje, no facebook, à Memória do Jorge Portojo, pelo seu amigo e camarada José Ferreira da Silva

Jorge Teixeira (Portojo) - 1945-2017 - A sua cidade como fundo

O nosso Portojo deixou-nos ontem. Estava internado internado há alguns dias no Hospital de S. João, onde se encontrava depois de o seu estado de saúde ter piorado.

Os amigos mais chegados, principalmente os que o acompanharam nesta fase terminal, esperavam já este desfecho.

O nosso amigo Portojo era homem de poucas palavras mas que prezava os amigos, aos quais fez centenas de fotografias, ou não andasse ele sempre com a sua inseparável máquina fotográfica. Estava doente há muitos meses, passando por algumas melhoras aparentes. Nunca deixou de estar presente nos convívios mensais da "Tabanca dos Melros" e nos do "Bando do Café Progresso, das Caldas à Guiné".

Deixa na Web imensos trabalhos, em Power Point, dedicados à cidade do Porto, que conhecia, amava e fotografou como poucos. O Douro e as suas margens, até às terras transmontanas, foram objecto da lente da sua máquina fotográfica. O Grande Porto foi também registado em imagens, de que saliento por, motivos sentimentais, Matosinhos e Vila do Conde. Desta última cidade, dedicou o Jorge o seu primeiro trabalho a mim, a quem chamou um matosinhense de Azurara, e ao Carmelita, este sim um vilacondense de alma e coração, do qual deixo a foto da Igreja Matriz de Azurara, onde fui baptizado.

Igreja Matriz de Azurara - Vila do Conde
Foto de Jorge Portojo

De Matosinhos, mas propriamente de Leça da Palmeira, esta belíssima perspectiva tirada do local onde existiu o primeiro farol, esse sim, o da Boa Nova.

Casa de Chá da Boa Nova, Farol de Leça e panorâmica de Leça da Palmeira
Foto de Jorge Portojo

E por que não o Porto a preto e branco?

Belíssima esta foto da meia-laranja sobre a Praia do Molhe - Foz do Douro - Porto
Foto de Jorge Portojo

Terminamos com "Glória", de Vivaldi, dedicado hoje mesmo, no facebook,  pelo camarada Diniz Souza e Faro ao nosso já saudoso Portojo.

Carlos Vinhal

************

2. Texto enviado ao nosso Blogue por Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72):

Conheci pessoalmente o Jorge Portojo somente o ano passado quando fui convidado pelo José Ferreira, a integrar o Bando do Café Progresso. 

Dentre muitos camaradas simpáticos e educados conheci, o Jorge, um pouco alheio e indiferente a este intruso. Esse Jorge Portojo, de quem já tinha ouvido falar vagamente, com o realce e a admiração que o blogue do "Luís Graça e Camaradas da Guiné" sabe ter por todos os camaradas e artistas que se destacam em diferentes áreas do saber e da arte. 

Confesso que o Jorge Portojo, que não foi muito simpático quando o conheci, com o tempo apercebi-me que ele teria algumas exigências em aceitar a convivência de estranhos. O Jorge teve sempre uma exigência estética, talvez um pouco egoísta, para decidir a aceitação de estranhos, porque ele foi sempre um esteta e um artista. Procurei entender esse capricho de artista ao elogiar-lhe os seus trabalhos fotográficos, que realmente eram admiráveis, e recebi sempre dele um retorno e agradecimento positivo. 

O Jorge Portojo para mim é um grande artista e um grande homem desta grande cidade do Porto, onde vivo e que aprendi a amar. Descobri o Jorge Portojo há um ano entre muitos bandalhos, todos homens de respeito, e aprendi com ele a amar mais esta cidade linda. Vós outros camaradas e amigos Bandalhos com uma convivência mais próxima e prolongada sabereis. 

Por muitas razões teria que gostar deste nosso camarada que nos deixou, nascido e criado no Porto, a viver muitos anos em Fânzeres, encostado ao Porto, um grande fotógrafo da cidade e ex-combatente da Guiné. Retratou a cidade do Porto com alma e coração, retratou o norte do país rural e urbano igualmente com o mesmo amor e a mesma arte (há cerca de quinze dias comentei fotos admiráveis dele que me enviaram).

Honra e glória ao Jorge Portojo! 
Nunca te esqueceremos. 
Um grande abraço ao Jorge que parte mas fica na nossa alma e na arte que perpetua a sua memória. 

Francisco Baptista
____________

Nota do editor

Último poste da série de 7 de Abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17217: In Memoriam (283): Jorge Teixeira (Portojo) (1945-2017), ex-Fur Mil, Pel Canhão s/r 2054, Catió, 1968-70... O funeral é amanhã às 14h30, da Capela Mortuária de Rio Tinto, Gondomar, para o cemitério de Paranhos, no Porto

Guiné 61/74 - P17218: Notas de leitura (944): “O país fantasma”, de Vasco Luís Curado, Publicações Dom Quixote, 2015 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Janeiro de 2016:

Queridos amigos,
São quase 500 páginas de uma história bem contada, tudo irá começar no torvelinho dos acontecimentos de 1961, com o massacre de brancos e pretos em fazendas no Norte de Angola. O escritor vai pondo os protagonistas no terreno, descobre um ponto de encontro para eles comunicarem e lança-os, em plena guerra civil, a viajar em colunas como refugiados em que se volatizou a esperança.
Uma estrutura impecável, com as tensões bem doseadas, é um caminhar até 1975 sem mascarar os dramas humanos, sem lamechices, sem bodes expiatórios, cuidando de que há sempre um juízo histórico para aquilatar como se decidiu, como se errou, como se perdeu e achou.

Um abraço do
Mário


O país fantasma, por Vasco Luís Curado (3)

Beja Santos

Continua a escalada da guerra civil, os brancos, em colunas quilométricas, chegam a Nova Lisboa, procuram a família e os amigos. Célia, a namorada de Alexandre, viaja com elementos de um partido da extrema-direita branca, gente que criou um esquadrão da morte encarregado de cometer assassinatos políticos, assaltos a portos policiais e quartéis para obter armas. “Queriam sabotar o programa para a independência. Assaltavam bancos e carrinhas de valor, agentes cambistas, estações de rádio, fábricas. Infiltrados em negócios de tráfico de armas, formaram um arsenal particular com armas ligeiras e pesadas. Suspeitava-se de que tinham sido eles a atacar uma viatura militar portuguesa, disfarçados com fardas da FAPLA, para criar confusão entre os militares portugueses e o MLPA”. Tomé, o elemento do esquadrão da morte explica a Célia como é que pretendem reestabelecer a ordem em Angola:
“Receberemos ajuda da África do Sul. Vamos fazer o que já devíamos ter feito há muito tempo, se os brancos não estivessem tão desunidos e não fossem enganados por Lisboa. Vamos proclamar unilateralmente a independência de Angola e construir um Estado à imagem da Rodésia. Uma aliança entre as forças armadas sul-africanas e a FNLA, com muitos portugueses à mistura, derrotará o MPLA”.
Célia agradece a boleia, sai em Sá da Bandeira. Capelo, antigo oficial português e fazendeiro na Gabela, discursa na primeira pessoa do singular, narra que chegaram a Nova Lisboa, os refugiados procuram um conforto possível naquele pandemónio. Inscrevem-se na lista de espera do voo para Portugal:
“A maior ponte aérea civil do mundo atingiu proporções que ninguém previra. Não havia horários de voo. Assim que aterrava, um avião reabastecia-se de combustível, enchia-se de passageiros até aos limites mínimos de segurança e descolava. Não se sabia quando chegaria o seguinte”.
Tudo serve para fugir, parece um êxodo bíblico: viaja-se em barcos de capotagem e barcaças, no paquete de luxo Infante D. Henrique, colunas motorizadas, algumas com 3 mil camiões, empreenderam a travessia de África em direção a Portugal, arrisca-se tudo para sair do Inferno. Nova Lisboa está num caos, já se comprou todo o ouro possível, a moeda estrangeira era trocada por angolares a um quinto do valor oficial. Comprava-se tudo o que os refugiados ou as empresas vendiam barato por não poderem transportar para fora do país. Todos os fugitivos têm histórias deprimentes para contar. Célia parte para se juntar à família em Nova Lisboa, é impossível chegar a onde está Alexandre. Sobrelotada, Nova Lisboa rebenta pelas costuras: vai desaparecendo a comida, as fábricas fecham, as quintas e vacarias eram assaltadas e os guerrilheiros matavam animais caros, como vacas leiteiras, por serem brancos e ser necessário matar tudo o que era branco. Depois, começou a faltar o carvão, a lenha, o gás e a gasolina. A capital da região agropecuária mais rica de Angola estava a passar fome. Aquela família vai para o aeroporto no dia marcado para o voo, tudo caótico:
“As listas de espera obrigavam pessoas a viver ali há mais de uma semana. Havia tendas oferecidas pelo Exército, havia abrigos improvisados com chapas de zinco como teto, entre caixotes e malas. Cozinhava-se o que se podia”.
Ouve-se perfeitamente o tiroteio, depois de muitas peripécias entram no avião:
“O piloto recusou a descolar enquanto estivesse montada uma metralhadora antiaérea sobre o telhado do aeroporto”.
E assim chegam a Lisboa, é o tormento da adaptação, a via-sacra à procura de familiares ou de um espaço definido pelas autoridades. Voltou-se ao discurso na primeira pessoa do singular, um discurso penitente, uma sentida discriminação, a vida vai-se refazendo, como diz o autor somos também o resultado de catástrofes e mudanças, aquela última descolonização africana era apenas um episódio de perdas e sobrevivência que os seres humanos protagonizavam.

O ponto de encontro destes retornados é a Baixa, mais propriamente o Rossio. Capelo e Mateus reencontram-se. Em Portugal vive-se o período revolucionário. À porta do Banco de Portugal, são longas as filas dos funcionários públicos do Quadro de Adidos, vêm levantar o vencimento, conversam, desabafam, contam histórias mirabolantes dos caixotes que se extraviaram. Os retornados vão acompanhar as notícias da intensa guerra civil, sobretudo do que se vai passar em Luanda, à volta do 11 de Novembro de 1965. Capelo reencontra a irmã, é uma conversa de surdos. Estamos em Novembro, o Rossio está cheio de gente, há para ali uma manifestação, pretendem levar um caixão com terra de Angola para o Palácio de Belém. Do outro lado há uma outra pequena multidão de ex-combatentes das guerras de África, os ânimos aquecem, o confronto é iminente, e o final do romance histórico é metafórico, sublime:
“O caixão que continha terra de Angola foi erguido no ar, acima das cabeças, e só então é que Mateus o viu. Num impulso absurdo, vários braços empurraram o caixão na direção dos ex-combatentes, como para lhes mostrar que tinham alguma culpa pelo morto de que se estava a fazer o funeral simbólico. Pondo-se em bicos de pés, Mateus tornou a ver o caixão, caravela periclitante movida por vagas e vagas de braços, que alcançou o limite daquele mar e oscilou mais ainda, por que já não se sabia que rumo lhe dar, e desapareceu da sua vista, náufrago”.

A trama de um romance histórico como este é um correr da escrita em cima da lâmina, é preciso uma história muito bem contada, plausível, com gente que aparenta ter carne e osso para que a narrativa capture o leitor, é então que o rigor histórico, ou quase, corre fluido entre os parágrafos, e toda aquela multidão que vivera tantos anos longe da guerra apercebe-se que chegou a hora de partir, aquele dragão vomita um fogo que os colonos não poderão apagar. Vasco de Luís Curado ganhou a aposta com este importante romance histórico, em que as próprias descrições da violência se inserem corretamente na tessitura das descrições. Naquele ano de 1975 chegaram náufragos que contribuíram para o fermento novo da democracia portuguesa.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 3 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17202: Notas de leitura (943): “O país fantasma”, de Vasco Luís Curado, Publicações Dom Quixote, 2015 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17217: In Memoriam (283): Jorge Teixeira (Portojo) (1945-2017), ex-Fur Mil, Pel Canhão s/r 2054, Catió, 1968-70... O funeral é amanhã às 14h30, da Capela Mortuária de Rio Tinto, Gondomar, para o cemitério de Paranhos, no Porto


Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > Março de 2017 > Uma das últimas fotos do Jorge Teixeira (Portojo) (1945-2017). Cortesia da página do Facebook da Tabanca dos Melros de que ele foi cofundador em 2009.


1. O Jorge Teixeira (Portojo) (ex-Fur Mil, Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70), despediu-se da "terra da alegria"... O  funeral é amanhã às 14h30, da Capela Mortuária de Rio Tinto, Gondomar, para o cemitério de Paranhos, no Porto (*).

O seu grande amigo e camarada, o José Ferreira da Silva, é que nos confirmou a triste notícia, que já circulava esta manhã nas redes sociais:

"Comunico a todos os meus amigos que o Jorge Portojo faleceu esta noite, no Hospital S. João do Porto, onde se encontrava há uma semana.

O Funeral sairá da Capela Mortuária de Rio Tinto pelas 14,30 de amanhã, em direcção ao Cemitério de Paranhos.

Todos os que tiveram o prazer de o conhecer sabem bem da perda que vamos sentir. Resta-nos manter a sua boa memória, bem como a amizade e camaradagem que ele tanto nos incutiu.

Sempre juntos, desde a guerra até à paz eterna!"


2. O Portojo tinha mais de 6 dezenas de referências no nosso blogue.  Fazia anos a 8 de dezembro. Tinha um grupo indefetível de amigos e camaradas, o Bando do Café Progresso. Tinha página no Google Mais com 355 seguidores. Era um apaixonado pela vida, amante das coisas boas da vida. 

Era um notável fotógrafo. "Cartografou" a sua cidade como poucos, deixando-nos belíssimas imagens do Porto e dos recantos. A mim ajudou-me a conhecer melhor o Porto (**),

Era um homem, de verbo fácil, grande contador de histórias, dotado de grande argúcia e corrosiva ironia... Convivi com ele duas ou três na Tabanca de Matosinhos e no último encontro da Tabanca Grande, o ano passado, em Monte Real.

Tinha página no  Facebook, era um um homem perfeitamente adaptado às redes sociais. Estava também no Twitter, como  Jorge Portojo... Os seus interesses manifestados era,: "Fotografia, Caminhadas, Convívios, Leitura, Música, Amizades, Copos". Tinha diversos blogues de que destaco A Vida em Fotos.

Em 27 de abril de 2013, no  9º aniversário do nosso blogue, escreveu o seguinte depoimento que diz muito da sua personalidsde e da sua maneira de ser e estar na vida (***):

(...) "Fálo (com acento, assim evito confusões com o falo que nos querem impôr na nova ortografia) por mim, pois a muitos amigos e camaradas a quem envio esses lugares comuns tal não seria possível sem o Blogue que criaste e os editores desenvolveram e os correspondentes mantêm vivo.

Por ele e por causa dele, Blogue, reencontrei camaradas, fiz amizades pessoais e correspondentes espalhados pelo mundo.

Roubando ao Eduardo Campos a sua célebre frase: Salazar foi um fdp que me tirou anos de juventude, mas permitiu-me conhecer muitos amigos.

Ao Blogue cabe perfeitamente a adaptação da frase. Na minha resposta ao questionário, escrevi que já não tenho mais estórias para contar. Claro que tenho, mas muitas não podem ser publicadas. Faltar-lhes-ia em primeiro lugar o engenho da escrita para descrever situações que à distância de 40 e tal anos parecem estúpidas e irreais.

Também foi por causa do Blogue que recebo a minha pensão militar. Não sei se é assim que ela se chama, mas para o caso também não interessa nada. (Acho que é a única frase boa que alguma vez a Teresa Guilherme exprimiu, serve para tudo).

É estória velha já contada. Ao correr da pena, foi o saudoso Carlos Pinhão que me ensinou a diferença entre estória e história. Não tem nada a ver com a nova ortografia ou ter apanhado a palavra dos amigos Brasileiros. Mas este Blogue tem história e muita e tem muitas estórias.

Para lá dos parabéns, blablabla, deixo o meu abraço ao Luís e seus muchachos extensivos à rapaziada da Peste Grisalha." (...).

Até sempre, camarada Jorge Portojo. A tua memória e o teu nome ficarão, para sempre connosco,  sob o sagrado, mágico, protetor poilão da Tabanca Grande, indo juntar-se à lista, infelizmente já extensa, dos que "da lei da morte já se foram libertando".

As nossas condolências, à família, amigos e camaradas mais chegados. (LG)
_____________


(*) Vd. poste de 28 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14087: Os nossos seres, saberes e lazeres (75): O Porto (e)terno (Luis Graça)

(***) Vd. poste de  27 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11487: 9º aniversário do nosso blogue: Parabéns (3): Parabéns ao grandioso Blogue (Felismina Costa) e Por ele e por causa dele, Blogue, reencontrei camaradas, fiz amizades pessoais e correspondentes espalhados pelo mundo (Jorge Teixeira - Portojo)

Guiné 61/74 - P17216: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte VII:Canal do Panamá




Parte VI (pp. 20-22)



Texto, fotos e legendas: © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Publica-se hoje a VII parte das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias", do nosso camarada António Graça de Abreu, escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de 175 referências.

É casado com a médica chinesa Hai Yuan e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.

Sinopse: o navio de cruzeiro "Costa Luminos", com cerca de 3 mil passageiros e tripulantes e mil tripulamtes (quase 300 metro de comprimento, e 92 mil toneladas; vd. aqui ficha técnica),  parte do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016. 

Duas semanas depois está nas Caraíbas e na Colômbio (Cartagena de las Ìndias). Atravessa depois ocanal do Panamá para ir  navegar durante mais de um mês no  Oceano Pacífico. (Sobre o Canal do Panamá, vd. aqui entrada da Wikipédia.)