quarta-feira, 14 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17469: Os nossos seres, saberes e lazeres (217): São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (6) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 3 de Março de 2017:

Queridos amigos,
A etapa seguinte ao Vale das Furnas foi um tanto frustrante, se é verdade que a vegetação luxuriante do Nordeste só por si dá vontade de regressar, caiu depois um dilúvio que tudo alagou, impediu o passeio, a partir da Achada, até ao Parque da Ribeira dos Caldeirões, também ficará para a próxima.
E regressou-se a Ponta Delgada, é a penúltima paragem, mete museus, uma longa tarde sem fastio, do Museu Carlos Machado se falará em próximo folhetim, tal e tanta é a sua riqueza.
E a seguir a derradeira viagem, com a Lagoa do Fogo, passar-se-á pela Ribeira Grande até se ser depositado no aeroporto, já cheio de saudades. A dado passo escrevi uma observação de José Tolentino Mendonça, tenho comigo que é verdade axiomática: "A verdadeira viagem é aquela que dura tanto que já não se sabe porque se veio ou porque se está".

Um abraço do
Mário


São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (6)

Beja Santos

Vamos agora viajar para o Nordeste, a ideia é conhecer toda esta região de autocarro, ficar na Achada, conhecer o Parque da Ribeira dos Caldeirões, ter algum deslumbramento com os oceanos de vegetação, o incenso a derramar-se sobre o oceano lá ao fundo, sentir a beleza edénica da Ponta da Madrugada, tomar o peso ao que se pode desfrutar da Serra da Tronqueira, há apreciadores da Ilha do Arcanjo que classificam esta região nordestina como mais genuína e variada. Gostos não se discutem, vem-se à descoberta, o busílis é que se anuncia o mau tempo, sente-se a temperatura a descer enquanto o autocarro sobe, já se avista a Tronqueira, alguém pergunta se conhecemos os pássaros únicos e solitários que são os priolos. O viajante quer pouca conversa, enfronhou-se neste anfiteatro vegetal, a natureza parece enrugar-se e abrir veredas, passa-se por miradouros, avistam-se pontes, há mesmo quem sugira que não se pode sair deste passeio sem ir ao Pico da Vara, o ponto mais alto da ilha de S. Miguel, paciência, fica para a próxima, a pé ou de carro ir-se-á ao Pico Bartolomeu, ao Planalto dos Graminhais, ao Salto da Farinha e depois à Ponta da Madrugada. E assim se chega à Achada, não longe da Achadinha, ainda não chove mas está quase. Não há onde comer na Achada, a estalajadeira leva-nos até perto da Maia, foi um regalo de peixe, uma caldeirada de congro e algo mais. Depois começou o dilúvio, ao amanhecer ainda se conseguiu esta imagem, passeou-se pela Achada sob chuva inclemente, enfim, na Achada deu-se um achado, fotografou-se a primeira hidrângea, um ténue sinal de Primavera ainda por anunciar.


Segue-se agora de autocarro para Ponta Delgada, ainda chuvisca, mas dá perfeitamente para ver lá do alto o parque da Ribeira dos Caldeirões, cascatas elevadas, antigos moinhos, percebe-se que é uma preciosidade, o andarilho não sente o peso da deceção, fica para a próxima, é mais uma razão para voltar. Assim se chega à capital, na noite anterior, enquanto a ventania se assobiava de terra para o mar, pegou-se nesse ternurento manual que Armando Côrtes Rodrigues escreveu sobre os Açores, uma obra de amor onde tem palavra os primeiros escritores como Diogo Gomes de Cintra ou Gaspar Frutuoso, onde Sena Freitas descreve o Vale das Furnas e Guilherme Read Cabral fala desta ilha que tem identidade na sua arquitetura, nas cores do casario, no labor dos passeios, nos jardins mimoseados, no culto dos seus valores. Olhem bem esta casinha, vejam o passeio, contemplem a veneração a Antero de Quental que pôs termo à vida aqui a pouca distância, junto ao Convento de S. Francisco, que acolhe o orago indiscutível da região açoriana: o Senhor Santo Cristo dos Milagres.





Quando aqui cheguei em 1967, a Igreja do Colégio estava fechada ao público, não obstante, sempre que podia, vinha contemplar esta obra-prima da arquitetura do barroco jesuítico, hoje está aberta ao público, o viandante apanhou as obras em curso, percorreu a igreja e visitou o Núcleo da Arte Sacra do Museu Carlos Machado, opulento e muito bem restaurado, belas telas, azulejos e a espantoso altar-mor da Igreja de Todos os Santos. E daqui foi para o Convento de S. André, nova contemplação, cheia de embevecimento, que belas janelas, em proporção e harmonia, aqui se acolhe um museu singularíssimo, o Museu Carlos Machado, antes porém, e ali a poucos metros, o viandante foi ao núcleo de Santa Bárbara, prestar homenagem a um daqueles açorianos que prestigiou o nome de Portugal fora de portas, Ernesto Canto da Maia, um escultor que é santo do culto de quem o vem venerar, trata-o como o nome preeminente da escultura Arte Deco, tem linhas assombrosas, traços meigos e delicados.




Fica aqui uma amostra do portentoso Museu Carlos Machado, há um pouco de tudo em núcleos tidos como de imensíssimo valor, da ornitologia à oceanografia, o viandante passa resvés, quer finalmente conhecer a igreja do convento, onde nunca entrou, será o capítulo que se segue. Mas especou-se diante desta escultura que fazia parte da proa de um navio, que coisa tão bela. E ocorreu-lhe aquela frase de José Tolentino Mendonça: “A verdadeira viagem é aquela que dura tanto que já não se sabe porque se veio ou porque se está”.


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17441: Os nossos seres, saberes e lazeres (216): São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (5) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17468: Historiografia da presença portuguesa em África (79): Carta da Guiné com o itinerário da viagem do subsecretário de Estado das Colónias em fevereiro de 1947 e obras do V Centenário

Viagem ministerial  e Obras do V Centenário do Descobrimento da Guiné.
Composição e desenho de A. T. Mota [1947]





Carta da Guiné (, elaborada por 2º tenente Teixeira da Mota, ) com o itinerário percorrido (linha a cheio com setas) pelo subsecretário de Estado das Colónias, em fevereiro de 1947, e que já levava 9 anos no cargo, com indicação das obras construídas no âmbito do V Centenário do Descobrimento da Guiné:  a sublinhado (linha horizontal por baixo do símbolo), as que as que foram iniciadas pelo subsecretário de Estado ou que já estavam em construção nessa data (fevereiro de 1947). Grande parte parte destas obras foram inauguradas ou visitadas pelo representante do Governo da metrópole nesta "histórica" visita.

Fonte: Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, vol II - Número Especial, [Comemorativo do V Centenário da Descoberta da Guiné], 1947, 454-455 pp. [O nº completo está disponível "on line" aqui]


1. Esta curiosa (e preciosa) carta da Guiné foi-nos enviada em 1/6/2017 pelo nosso amigo Armando Tavares da Silva, autor de “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Porto: Caminhos Romanos, 2016, 972 pp.). 

Ele fez questão de frisar que a fonte da  documentação fotográfica, que nos mandou (incluindo esta carta), é o número especial de outubro de 1947 do "Boletim Cultural da Guiné Portuguesa" (BCGP). As imagens foram, no entanto,  tiradas de uma cópia pessoal do BCGP e digitalizadas por ele.  Pela nossa parte, editores, fizemos a ampliação da carta (que consta das pp. 454-455 desse nº especial do BCGP) e recortámo-la em quatro quadrantes, grosso modo, correspondentes às principais regiões:

(i) norte-oeste: região do Cacheu e região do Oio;

(ii) sul-oeste: regiões de Bissau, Bolama/Bijagós, Quínara e Tombali;

(iii) norte-leste: regiões de Bafatá e Gabu;

(iv) sul-leste: regiões do Boé e Tombali.

Um quinto recorte dá-nos uma ideia mais detalhada da região de Bissau (centro da Guiné). No sexto recorte, podem ver-se as legendas.

Pelo itinerário da "viagem ministerial" (sic), verificamos que, por exemplo, no leste, o subsecretário de Estado das Colónias, engº Rui Sá Carneiro, acompanhado do governador Sarmento Rodrigues e comitiva, visitou apenas o eixo Bambadinca-Bafatá-Gabu. A visita, de carro, estava condicionada pela fraca rede rodoviária da colónia... De Gabu para o nordeste (Piche, Buruntuma, Canquelifá,
Pirada), só se devia ir por picada... Por sua vez, a região do Boé era praticamente desértica...

Em matéria de "estradas" (símbolo //), só havia em rigor alguns troços:

(i) Varela-Susana-São-Domingos-Sedengal-Barro;

(ii) Bissau-Nhacra-Jugudul:

(iii) Bissau-Bor-Prabis;

(iv) Bissau-Quinhamel;

(v) Bafatá-Gabú;

(vi) Bambadinca -Xitole;

(vii) Fulacunda-Buba



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Ponte General Craveiro Lopes > Novembro de 2000 > Lápide, em bronze, evocativa da "visita, durante a construção" do então Chefe do Estado Português, general Francisco Higino Craveiro Lopes, acompanhado do Ministro do Ultramar, capitão de mar e guerra Sarmento Rodrigues, em 8 de Maio de 1955. Era Governador Geral da Província Portuguesa da Guiné (tinha deixado de ser colónia em 1951, tal como os outros territórios ultramarinos...) o capitão de fragata Diogo de Melo e Alvim.

Foto: © Albano Costa (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


No rio Corubal ainda não existia, em 1947, a ponte do Saltinho (general Craveiro Lopes, inaugurada em 1956), impossibilitando portanto a ligação do leste às regiões de Quínara e de Tombali... Na margem direita  do Rio Corubal, a comitiva só vai chegar até ao Xitole (em 7 de fevereiro de 1947)... A ponte marechal Carmona tinha, entretanto, colapsado logo a seguir à sua construção em 1937...

2. Relativamente às obras, não as construídas,  mas as iniciadas ou em fase de construção (símbolos com sublinhado, com traço horizontal), no âmbito do Centenário,  ao tempo do Subsecretário de Estado das Colónias (que tomara posse do cargo em 1938), pode constar-se, por exemplo, que:

(i) em Bafatá, sede de circunscrição,  as obras do Centenário iniciadas ou em fase de construção eram um monumento (a Oliveira Muzanty), um edifício público, um celeiro, o sistema de abastecimento de água e o hospital; em contrapartida, estava já construído o cais do porto fluvial, o bairro indígena e o matadouro;

(ii) em Gabu, também sede de circunscrição,  tinha-se iniciado a construção ou estava em construção a igreja/capela, a energia elétrica e um bairro indígena; pronta, só estava a fonte;

(iii) em Bambadinca e no Xitole, postos administrativos, montava-se  o telefone; prontos só estavam a escola (em Bambadinca) e o posto sanitário provisório (em Bambadinca e no Xitole).

Dá para perceber quais eram as localidades mais importantes do leste ("chão fula") nessa época; além das já citadas, temos Chime (ou Xime), Fá, Geba, Dandum, Contuboel (posto administrativo), Sonaco (posto administrativo), Pirada (posto administrativo), Cam Quelefá (ou Canquelifá), Buruntuma, Piche (posto administrativo),  Madina (Boé)... E ainda Sinchã Tom Bom, sede do regulado de Chanha...).

Ficamos também a saber que, em matéria de equipamentos sociais (escola, enfermaria, hospital, posto sanitário, fontanário, etc.) o interior da Guiné era ainda muito pobre... e o programa de obras públicas do Estado Novo concentrava-se sobretudo em Bissau, a nova capital (a partir de 1941, em substituição de Bolama, que entra em decadência). Em Bissau, as obras do Centenário incluíam: monumentos (2), campos desportivos (2), igreja (1),  além de comunicações telefónicas, abastecimento de água, hospital, maternidade, posto sanitário, edifícios públicos, cais portuário, campo de aviação (Bissalanca)...

Além de Bissau, a capital, Bafatá e Gabu (mo leste), as sedes de circunscrição eram: 

São Domingos e Canchungo (região do Cacheu);
Farim e Mansoa (região do Oio); 
Fulacunda (região de Quínara);
Bolama (região de Bolama/Bijagós);
Catió (região de Tombali).

Não sabemos se nesta altura já havia as atuais regiões (ou as regiões do nosso tempo). 

Todas estas sedes de circunscrição foram contempladas pela "visita ministerial", bem como a maior parte dos respetivos postos administrativos... Ficaram de fora, por exemplo, no leste, Contuboel, Sonaco, Pirada e Piche... 

Em contrapartida, nas regiões de Quínara e de Tombali, o subsecretário de Estado das Colónias visitou (ou passou por) Catió, Bedanda, Guileje, Balanazinha, Balana, Mampatá, Teroiel e Missirá, vindo de (e regressando a) Bissau, por Enxudé, Tite, Fulacunda e Buba... Ficou de fora, por exemplo, Empada e Cacine,  que eram postos administrativos...

Verificamos, por este valioso documento, que alguns dos topónimos da Guiné ainda estavam por fixar em 1947: caso de Chime (hoje, Xime), Chitole (hoje, Xitole), Canchungo (, mais tarde, Teixeira Pinto), Dandum (, mais tarde, Dando), Gabú (mais tarde, Nova Lamego), Cam Quelefá (hoje, Canquelifá), Begene (hoje, Bigene), Ingtorei (hoje, Ingoré)... (Comparar com carta da província de 1961.)


4 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17318: Historiografia da presença portuguesa em África (75): Subsecretário de Estado das Colónias em visita triunfal à Guiné, de 27/1 a 24/2/1947 - Parte IV: No chão fula, Bafatá e Gabu, 6 de fevereiro de 1947...

26 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17287: Historiografia da presença portuguesa em África (74): Subsecretário de Estado das Colónias em visita triunfal à Guiné, de 27/1 a 24/2/1947 - Parte III: Por Cacheu, São Domingos e Farim, a 2, 3 e 4 de fevereiro de 1947... No tempo que ainda era politicamente correto falar-se em colónias, raças, população indígena, colonos europeu... e felupes que "nasceram e querem morrer portugueses", setenta anos depois do "desastre de Bolor"

9 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17224: Historiografia da presença portuguesa em África (73): Subsecretário de Estado das Colónias em visita triunfal à Guiné, de 27/1 a 24/2/1947 - Parte II: Prosseguem as inaugurações, em 29 e 30 de janeiro... Nessa época havia uma linha área, a Linha Imperial, entre Lisboa e Lourenço

19 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17155: Historiografia da presença portuguesa em África (72): Subsecretário de Estado das Colónias em visita triunfal à Guiné, de 27/1 a 24/2/1947 - Parte I: A consagração do governador geral, o comandante Sarmento Rodrigues, como homem reformador e empreendedor (Reportagem de Norberto Lopes, "Diário de Lisboa", 27/1/1947)

Guiné 61/74 - P17467: (De) Caras (75): "Contrabando de ternura": os tentáculos da minha rede não chegavam ao mato, funcionavam entre Moscavide e Bissalanca... graças a um amigo piloto da TAP... (José Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)

1. Mensagem do José [Botelho] Colaço,  ex-soldado trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), membro da nossa Tabanca Grande desde 2 de junho de 2008; tem 7 dezenas e meia de  referência no nosso blogue.

Data: 12 de junho de 2017 às 16:14

Assunto: "Contrabando de ternura" que permitia, aos nossos familiares, fazer-nos chegar a Bissau e ao 'mato' as suas "encomendinhas"...


Caro Luís, aqui vai parte que ficou da minha rede de "contrabando de ternura"...  porque, passados 54 anos e 74 de idade, muita coisa se apagou, mas achei o tema bastante interessante. Também eu fui um dos beneficiados, embora os tentáculos da minha rede não atingissem o mato, ficavam-se por Bissau.

Como funcionava o meu sistema ? A minha família morava em Moscavide, e em Moscavide morava também um senhor amigo, piloto da TAP,  que fazia a carreira semanal da TAP para a Guiné. Assim que soube que eu ia para a Guiné, prontificou-se a levar uma encomenda todas as semanas. A encomenda tinha uma norma: não podia pesar mais do que 500 gramas.

Ele deixava a encomenda no aeroporto de Bissalanca, numa secção de confiança dele e do meu conhecimento, eu era avisado com a antecedência possível pela minha família via SPM e, logo que tivesse disponibilidade, ia lá, identificava-me, levantava ou davam-me a encomenda.

O normal da encomenda era ser presunto, linguiça e queijo e tudo funcionava às mil maravilhas e a festa com os amigos e alguns "amigos do bornal"... Só que a ordem de ir para o mato não tardou e a terceira encomenda, como eu não a fui levantar, regressou a Moscavide pela mesma via.

Passados cerca de 11 meses regressei a Bissau, em Dezembro de 1964, activei novamente o sistema que durou até fim de Abril de 1965, altura em que fui para Bafatá.

Um abraço,  Colaço.

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Vd. postes anteriores:

13 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17464: (De) Caras (80: Também levei uma encomenda, no regresso de férias em novembro de 1963, a pedido da mãe de um camarada... Era uma lata de salpicões em azeite, para um soldado que estava em Fulacunda e que, infelizmente, morreria entretanto numa emboscada... Acabámos por comer os salpicões em Cantacunda... (Alcídio Marinho, ex-fur mil, CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65)

12 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17456 (De) Caras (79): em outubro de 1972, vim de férias e uma vizinha meteu uma cunha à minha mãe para eu levar uma encomenda para o namorado da filha que era furriel e que eu não conhecia de lado nenhumm... Quando a encomenda chegou ao destino, já o namoro se tinha desfeito, como vim a saber 17 meses depois... (Juvenal Amado, autor de "A tropa vai fazer de ti um homem!"... Lisboa, Chiado Editora, 2016)


10 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17453: (De) Caras (77): O "contrabando" da... ternura ou como o "fiel amigo", o bacalhau, chegava à Bambadinca, ao Tony Levezinho, utilizando uma vasta rede de intermediários, do navio-tanque da Sacor à Casa Fialho - Parte II

9 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17451: (De) Caras (76): O "contrabando" da... ternura ou como o "fiel amigo", o bacalhau, chegava à Bambadinca, ao Tony Levezinho, utilizando uma vasta rede de intermediários, do navio-tanque da Sacor à Casa Fialho - Parte I

Guiné 61/74 - P17466: Parabéns a você (1271): Francisco Silva, ex-Alf Mil Art da CART 3492 e CMDT do Pel Caç Nat 51 (Guiné, 1971/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 10 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17452: Parabéns a você (1270): Alcides Silva, ex-1.º Cabo Estofador do BART 2913 (Guiné, 1967/69)

terça-feira, 13 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17465: (De) Caras (74): "Contrabando da ternura": que bem me sabiam essas encomendas, de que fui portador (na marinha mercante) mas também recetor (Augusto Silva Santos, ex-tripulante da marinha mercante e ex-fur mil da CCAÇ 3306 / BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73).



Foto 1 – Bissau, Abril de 1970. A bordo do N/M "Alfredo da Silva", com a restante pessoal das máquinas. Sou o primeiro da direita



Foto 2 – Bandeira dos navios da Sociedade Geral [, fundada em 1919 pelo industrial Alfredo da Silva, o líder da CUF - Companhia União Fabril; em pouco mais de meio século de existência, teve 57 navios, fora rebocadores, tornando-se um dos mais importantes armadores do país]




Foto 3 . N/M "Rita Maria", da SG


Foto 4 – N/M "Alfredo da Silva", da SG



Foto 5 – Bandeira dos navios da Companhia Nacional de Navegação


Foto 6 – N/M "Niassa", da CNN





Foto 7 – CCAç 3306, Jolmete, Novembro de 1972. Em convívio com outros camaradas, após termos “devorado” umas das célebres encomendas vinda da metrópole, com os saborosos enchidos e queijos. Estou ao centro da mesa. 




Foto 8 – CCAÇ 3306, Brá, Novembro de 1973. Por vezes essas encomendas também chegavam com um “bom” vinho.



Fotos (e legendas): © Augusto Silva Santos (2017). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem, com data de ontem, do nosso camarada e grã-tabanqueiro Augusto Silva dos Santos (que reside em Almada, foi tripulante da marinha mercante e depois  fur mil da CCAÇ 3306 / BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73).


Camarada e Amigo Carlos Vinhal, bom dia!

Sobre o assunto em referência, a par dos outros camaradas que já escreveram sobre o assunto (Tony Levezinho, Hélder Valério Sousa, e Juvenal Amado), também eu tenho alguma coisa a contar, por ter estado muitas vezes envolvido nesse saudável "contrabando".

Se achares interessante, agradeço a publicação do que junto envio.

Forte abraço com votos de muita saúde.

Augusto Silva Santos


2. “Contrabando da Ternura”

por Augusto Silva Santos


Tendo eu começado a minha vida de marinheiro muito cedo, assim também cedo me iniciei no agora chamado “contrabando da ternura”, pois andei embarcado nos navios da marinha mercante dos 18 aos 21 anos ("Rita Maria", "Alfredo da Silva" e "Niassa") até ser chamado para a vida militar e, posteriormente, mobilizado para a Guiné.

Pela razão acima, algumas foram as vezes que mães, pais, amigos e até namoradas, de vizinhos meus mais velhos já mobilizados, sabendo das minhas viagens para terras do ultramar, nomeadamente para Cabo Verde, Guiné, Angola, e Moçambique, algumas vezes me solicitavam para ser portador desta ou daquela encomenda, nem sempre de comes e bebes, como se costuma dizer. 

Eram de facto muito diversas essas célebres encomendas, que felizmente sempre consegui fazer chegar aos seus destinatários através dos mais diversos meios, normalmente através dos amigos que se encontravam sediados nas cidades onde aportávamos, que posteriormente as encaminhavam até ao mato.

Um dos beneficiados ainda chegou a ser o meu irmão, que nos finais de 1970 já se encontrava na Guiné no BCaç 3833 / CCaç.3307 – Pelundo, encomendas essas que um ou outro amigo recolhia e fazia chegar até à “arrecadação do Batalhão” sita em Brá / Quartel dos Adidos, e que ele acabava por receber sempre que havia uma coluna da Companhia de Transportes ou da própria Companhia. 

Quis o destino que também eu viesse mais tarde a ser mobilizado para a Guiné, e fosse parar em rendição individual a uma das Companhias desse Batalhão, neste caso para a CCaç 3306 – Jolmete. Aí, passei também eu a ser contemplado, neste caso por via das encomendas que os meus pais despachavam por um vizinho meu (infelizmente já falecido) que comigo andara embarcado no "Alfredo da Silva".

Importa salientar que, sendo o meu falecido pai do quadro do pessoal civil da Marinha de Guerra, também ele tinha vários elementos amigos a cumprir serviço militar em diversos sítios, nomeadamente na Guiné, e também para eles fui algumas vezes portador de encomendas. 

Mais tarde, nomeadamente quando já estava colocado no Depósito de Adidos em Brá, passei a ser também receptor, mas nem sempre bem sucedido. Lembro-me que, numa dessas ocasiões, tendo recebido uma “valente” encomenda (um saco de viagem cheio das mais diversas iguarias), alguém durante a noite fez com que o mesmo tenha simplesmente desaparecido, sem que tenha havido qualquer magia. Foi mesmo roubada. 

Na altura, debaixo da revolta pelo acontecido e mesmo não o conhecendo, ao “amigo do alheio”, roguei-lhe as mais diversas pragas mas, passados todos estes anos, sinceramente espero que lhe tenha feito muito bom proveito, porque se calhar bem mais precisava do que eu.

Que bem me sabiam essas encomendas da ternura ou da saudade!

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P17464: (De) Caras (73): Também levei uma encomenda, no regresso de férias em novembro de 1963, a pedido da mãe de um camarada... Era uma lata de salpicões em azeite, para um soldado que estava em Fulacunda e que, infelizmente, morreria entretanto numa emboscada... Acabámos por comer os salpicões em Cantacunda... (Alcídio Marinho, ex-fur mil, CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65)

1. Comentário, ao poste P17454 (*),  do Alcídio [José Gonçalves] Marinho, ex-fur mil inf, CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65): 


Quando vim de férias (Prémio Governador da Guiné), em Novembro de 1963, também me foi pedido para levar uma encomenda para um soldado que estava em Fulacunda,

Então, mandei que a mãe do camarada fosse a um latoeiro, mandar fazer uma lata e para colocar na mesma os salpicões, encher de azeite e depois o latoeiro devia soldar a tampa.

Assim a senhora procedeu e no regresso, já com o SPM escrito num papel colado na lata, transportei a encomenda para Bissau. Como cheguei a Bissau e embarquei logo, num barco para Bafatá, não tive tempo para despachar a encomenda para Fulacunda.

No entanto, indaguei com o nosso Furriel de Transmissões, Rui Freitas Pereira (madeirense), da possibilidade de saber se o referido soldado ainda se encontrava em Fulacunda, para ter a certeza que a encomenda chegava ao destino.

Atravês do Rádio, fiquei a saber que, infelizmente, o referido soldado tinha morrido numa emboscada. Logo em seguida, recebi um aerograma de minha mãe, dizendo-me que abrisse a encomenda e comesse o seu conteúdo, como tinha indicado a mãe do referido camarada.

Assim, quando cheguei a Cantacunda, nós, os furriéis e o alferes,  comemos os salpicões, não  sem antes prestarmos um minuto de silêncio em homenagem do camarada falecido. Aproveitamos o azeite nos cozinhados 

Como eram bons os salpicões!

Alcidio Marinho
CCaç 412

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Notas do editor:



(**) Último poste da série > 12 de junho de  2017 >  Guiné 61/74 - P17456 (De) Caras (79): em outubro de 1972, vim de férias e uma vizinha meteu uma cunha à minha mãe para eu levar uma encomenda para o namorado da filha que era furriel e que eu não conhecia de lado nenhumm... Quando a encomenda chegou ao destino, já o namoro se tinha desfeito, como vim a saber 17 meses depois... (Juvenal Amado, autor de "A tropa vai fazer de ti um homem!"... Lisboa, Chiado Editora, 2016)

Guiné 61/74 - P17463: Convívios (810): STM - Almoço dos velhos com novos à mistura, assim foi no dia 3 de Junho de 2017, no Porto, no antigo Quartel de Arca d'Água (Belarmino Sardinha)



1. Mensagem do nosso camarada Belarmino Sardinha (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74), com data de 4 de Junho de 2017:

 
STM - Almoço dos velhos com novos à mistura 

Foi ontem, dia 03 de junho de 2017, que ocorreu no Porto, com encontro no antigo quartel de Arca D’Água, Regimento de Transmissões de Engenharia, hoje parque de estacionamento da PSP, que se reuniu o pessoal que queria reencontrar-se ou voltar a encontrar-se com alguns dos seus antigos camaradas de armas. 

Elaborei esta nota simples, sem preocupações, para mostrar que também aqueles que, não pertencendo a nenhum Batalhão, Companhia ou Pelotão, por serem de rendição individual, se reúnem e confraternizam parecendo até, passados todos estes anos, terem sido um Batalhão. 

Foi o meu primeiro ano nestas andanças, curiosamente chegou ao meu conhecimento este evento através de um camarada que vive em Espanha, veja-se, mas que se encontra também aqui inscrito a fazer a sua prova de vida na Tabanca Grande. Sem ele não sabia destes encontros. 

Ainda há muito a fazer para reunir neste espaço os camaradas que desconhecemos por onde andam, se estão vivos ou não. Se o almoço não justiçou o preço, ficou isso superado, pelo menos para mim, com o encontro de camaradas e amigos cujo paradeiro desconhecia e nada sabia há mais de quarenta anos. Esse reencontro valeu tudo. 

Houve ainda o reviver das nossas tarefas da altura, com a visita ao museu do STM no Quartel do Porto onde decorreu o almoço. 

Ficou já definido que para o ano nos vamos encontrar, os que puderem e quiserem, no Alentejo, em Mora, vamos aguardar a chamada para esse efeito e esperar que possamos ser ainda mais que este ano. 

Para os organizadores do que passou e para os que se comprometeram com a tarefa de organizarem o próximo, aqui fica um grande abraço de agradecimento e a certeza de que, nada havendo que o impeça lá estarei a fazer a minha prova de vida e a dar-vos um abraço. 

Sobre o espaço onde nos reunimos para seguir para o novo quartel nada digo, as imagens demonstram bem como se pode deixar degradar o património. 

Até para o ano. 

Envio algumas fotos que tirei e espero ilustrem condignamente o encontro.

Belarmino Sardinha















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Nota do editor

Último poste da série de 9 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17450: Convívios (809): Encontro do pessoal da CCAV 2748/BCAV 2922, levado a efeito no passado dia 3 de Junho de 2017, em Almeirim (Francisco Palma)

Guiné 61/74 - P17462: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (44): O Zé Manel dos Cabritos e a mula transexual




1. Em mensagem do dia 10 de Junho de 2017, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), autor do Livro "Memórias Boas da Minha Guerra", enviou-nos uma história, no mínimo, estranha. Não é que nós até conhecemos os intervenientes?

Caros amigos
Tal como na anterior história sobre o Zé Manel dos Cabritos, existem várias coincidências que podem induzir em interpretações precipitadas. Quero-vos garantir que esta é mais uma história de ficção que quase nada tem a ver com os amigos, acontecimentos e lugares que nos rodeiam.

Grande abraço do
JFSilva da Cart 1689


Memórias boas da minha guerra

44 - O Zé Manel dos Cabritos e a mula transexual

O Zé Manel dos Cabritos é sobejamente conhecido entre os ex-combatentes em geral e muito em particular com os que lutaram na guerra da Guiné. Entre estes, acentuou a fama de açambarcador de cabritos, ao ponto de ser acusado da sua exterminação numa importante zona dessa região africana.
Por outro lado, o facto de ter sido um emigrante de sucesso, parece ter despertado algum sentimento de inveja, por parte desses “amigos mais chegados”.

Ultimamente tenho tido um relacionamento mais próximo do amigo Zé Manel. Ele, que é sistematicamente acusado de “açambarcador mafioso” no controlo e no proveito dos cabritos no leste da Guiné, esconde, naquele fundo de guloso e de espertalhão, muita bondade e muita ânsia de sã camaradagem. Por isso, ele tem desabafado comigo sobre essas acusações infames e de outras coisas que ele não quer que se saiba. Porém, há uma a que não posso resistir.

Perguntei-lhe se tinha emigrado logo que veio da Guiné e ele respondeu:
- Não. Voltei ao Antero, para me dedicar aos trabalhos na pedra. Já andava lá há uns meses, mas como eu era muito desenvolvido no trabalho de série e rápido noutros serviços, o patrão não me dava oportunidades para me desenvolver na arte de esculpir figuras. E foi num dia de verão que decidi que aquele seria o meu último serviço em Portugal.
O patrão pediu-me para eu ir perto de Bragança levar a escultura de um macho, para ser colocada sobre uma fonte que iria ser inaugurada no Domingo seguinte. Carregaram a escultura numa carrinha Datsun, de caixa aberta, bem amarrada e bem protegida. Levei a carrinha para casa, a fim de seguir, directamente, no Sábado, para Trás-os-Montes. Ainda em casa, pus-me a mirar a obra em toda a volta do carro e cheguei à conclusão de que o “badalo” do burro estava demasiado grande e torto. Peguei no cinzel e fui dar-lhe uns retoques. Só que, não sei porquê, o “badalo” caiu e partiu-se em vários bocados. Fiquei aflito e não sabia como havia de o recolocar no macho. Pensei, pensei e, quando já estava mais calmo, voltei a retocar a zona sexual do animal, destruindo-lhe os tomates e o resto que ficara do badalo. Perdi um tempão naquelas operações delicadas mas, no final, convenci-me de que conseguira travesti-lo numa bela mula.
Faltava, agora, convencer o cliente, que estava a aguardar o macho há várias horas. Ribeira da Raia ficava para lá de Bragança, perto da fronteira, por onde passavam os emigrantes clandestinos. Passei por uma placa que dizia FRANÇA, onde, vim a saber depois, era onde os passadores mais vigaristas, largavam alguns clientes como etapa final desse “salto” clandestino. Fui andando e acabei por parar junto a um rio, onde me apercebi de algum barulho em redor de uma fogueira.

Passava das duas e meia da madrugada. Ouvi alguém dizer:
- Deve ser o gajo que vem trazer o matcho.
- Ó diatcho, agora não vem nada a calhar. Ali o Tono já está a dormir co’ a borratcheira, tuJaquim, estás meio fodido e eu, sozinho não aguento.
- Deixa-te estar Alfredo, que tu estás melhor.

Aproximei-me, passaram-me a caneca colectiva e indicaram-me o local exposto do presunto, salpicão, alheiras, queijo, chouriço, pão etc. etc.
- Olhe, o que o safou é que o Regedor trouxe para aqui material, para esperarmos por si até de manhã. Foi-se deitar e disse que você pode ficar cá, mas que convinha, antes, colocar o matcho, para lhe cimentarmos as patas. Mas estou a ver que isto vai ser difícil.

Pensei logo em desenrascar-me o mais depressa possível. Acompanhei-os nos comes e bebes e ajudei-os a alegrar-se. Acordámos o Tono e fomos descarregar o macho.

Logo que desamarramos a escultura, ali junto à fonte e sob um poste de luz eléctrica, o Tono exclamou:
- Olhem, o matcho não tem margalho!
- É porque vem capado – disse o Jaquim.
- Ó amigo, isto parece mais uma mula. Não me parece que seja o que o Regedor encomendou. – disse o Alfredo.

Olhei para ele, abeirei-me e, lamuriento, exclamei:
- Vocês têm razão. Estou aqui desesperado porque me aconteceu isto, assim, assim… e assim.

Perante o silêncio prolongado, o Tono arrebitou e ordenou:
- Vamos descarregar a puta da mula e colocá-la no sítio do matcho. Afinal sempre gostamos mais de fêmeas e o rapaz, coitado, tem de ir à sua vida. E querem saber uma coisa? A mula vai chamar-se Lola, em homenagem ao nosso amigo Betinho da Rosita, que era unha com carne com o Regedor, e que num dia de Benfica-Porto foi para Lisboa com o Tininho de Bragança e nunca mais voltaram. Parece que o jogo foi em 1963 ou 1964 e empataram a 2-2.

O Alfredo, que não se mostrou muito de acordo, foi avisando:
- Vocês sabem que o Regedor não vai gostar dessa brincadeira, até porque dizem que ele ficou solteiro, à espera desse Betinho.

O Jaquim acrescentou:
- Não sei se sabem que o Betinho fez uma operação, cortou a piroca, abriram-lhe um buraco e que agora se chama Lola e que é um bom pedaço de mulher. O Tono já a viu, não é verdade?
- Sim, é verdade. – disse o Tono, que continuou:
- Um dia em que fomos a Lisboa procurá-la numa boite, perguntámos-lhe pelo Betinho mas ela não nos passou cartão. O Regedor ficou pior que estragado. Até lhe chamou paneleiro. Ela respondeu-nos que não se lembrava desse nome, que era transexual e que se chamava Lola. Quando vínhamos embora, o Regedor confirmou-me que, quando comprara à D. Rosinha, o campo das hortas, fora para pagar a tal operação.

O Jaquim ainda lembrou os tempos de infância do Betinho, dizendo que ele “tinha a mania de tocar ao bicho dos colegas”.

De repente colocaram a mula lá em cima, foram buscar a caneca e brindaram:
- À nossa Lola, a primeira mula transexual de Portugal! 

Nota:
Acredito nesta história do Zé Manel dos Cabritos porque, por volta de finais dos anos 70, eu costumava ir pescar nessa zona raiana e lembro-me de ver o carinho e a admiração que essa gente local prestava às mulas. Também vi a estátua sobre uma fonte. E, enquanto bebíamos uma cerveja no Bar de uma Associação Recreativa e Cultural, contaram-nos que por altura do 25 de Abril, tinham retirado a Lola, “porque era ofensiva à honra das nossas mulas e, ao mesmo tempo, se identificava com o único panasca transmontano”.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17438: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (43): O Zé Manel dos Cabritos e os amigos invejosos

Guiné 61/74 - P17461: Efemérides (258): No dia de Portugal, 10 de Junho, em que o Presidente da República homenageou os ex-combatentes portugueses, parece-me justo que também os ex-combatentes guineenses não sejam esquecidos (Armando Tavares da Silva, historiador)

1. Mensagem, de 10 do corrente,  do nosso amigo Armando Tavares da Silva, autor de “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Porto: Caminhos Romanos, 2016, 972 pp.)


Caro Luís,

Segue em anexo para o blogue um texto sobre os ex-combatentes guinenses que serviram nas forças armadas portuguesas, bem como um excerto de uma notícia do Expresso de Setembro de 2007 digitalizada e dividida em 2 partes.
Abraço,
Armando


2.  Os ex-combatentes guineenses

Caro Luís Graça,

Tenho já há algum tempo entre mãos uma notícia que foi publicada no Expresso,  de 1 de Setembro de 2007.  sobre os antigos combatentes guineenses que lutaram ao lado dos portugueses e que reclamavam as devidas compensações, o pagamento das pensões de reforma e a restituição da nacionalidade portuguesa, notícia esta que anexo e que aguardava ocasião para ser enviada para o blogue. 

Segundo a notícia, a Associação Guineense dos Ex-Militares das Forças Armadas Portuguesas estimava que seriam cerca de 15-20 mil esses antigos combatentes, acrescentando que os mesmo não aparentavam vergonha pelas funções que desempenharam.

A notícia recente de que um apreciável grupo de portugueses que combateram em África tinha enviado para a Assembleia da República uma petição relativa ao tratamento inadequado que lhes tem sido prestado, solicitando o “reconhecimento cabal dos seus serviços e sacrifícios”(Post P17410 de 30 de Maio), fez-me pensar na situação daqueles combatentes guineenses os quais parece não terem idêntica possibilidade de se dirigir à Assembleia da República. 

A notícia do Expresso relata que foi o chefe do governo da Guiné-Bissau que em visita a Lisboa trouxe o caso junto do nosso governo. E é lícito perguntar, depois de já terem passado 10 anos, qual o resultado dessa diligência?

Por outro lado, a mesma petição lembrou-me uma outra dirigida ao rei D. Carlos pelos papeis e grumetes de Bissau em Agosto de 1891, na sequência de graves confrontos que em Fevereiro desse ano tinham ocorrido naquela praça, em resultado de circunstâncias várias difíceis de relatar em curto espaço. 

Referirei apenas que elas tiveram origem no antagonismo entre os papeis de Antula e os de Intim, que se havia manifestado já no ano anterior, que o governador estava convicto que essas hostilidades se deviam “às intrigas dos habitantes da praça [de Bissau] que alimentavam a guerra”, formando dois partidos entre os beligerantes, e que o governador havia incumbido o comandante militar de Bissau de “descobrir” quem eram esses partidários, “iludindo-lhes a vigilância” e fazendo “abortar-lhes” os planos que tivessem em mente.

Pelo seu interesse histórico transcrevo na íntegra a referida petição:

«Senhor!

«Os povos papeis e grumetes de Bissau, que em Fevereiro do ano corrente foram considerados rebeldes, com suspensão de garantias, por haverem ousado pegar em armas contra a Mãe-Pátria, compenetrados hoje da sua impotência, conhecendo o poder das mãos de Vossa Majestade, e reconhecendo o erro em que haviam caído, vêm com o devido respeito, implorar a Vossa Majestade o perdão de suas culpas.

«Real senhor! Os suplicantes, confiados no amor paternal que a clemência, abraçada com a justiça de Vossa Majestade, sempre prodigalizou aos povos da Guiné portuguesa, principalmente aos papeis e grumetes de Bissau, vêm hoje depor aos pés do mui digno delegado de Vossa Majestade nesta província, as duas peças Krupp, que ficaram no campo, no último ataque, pedindo ao mesmo Excelentíssimo Senhor se digne recebê-las como garantia da obediência e submissão dos suplicantes às leis de Portugal, a fim de ele conseguir que Vossa Majestade, usando da faculdade que a Vossa Majestade confere a Carta Constitucional da Monarquia, conceda aos suplicantes a amnistia de que carecem, para o seu sossego, para honra e glória de Portugal, e para o completo restabelecimento da ordem em Bissau: pelo que os suplicantes

P. a Vossa Majestade a

Graça de deferir, e

E. R. M.cê»


Esta petição foi entregue no comando militar de Bissau por uma vasta delegação de papeis e grumetes de Bissau, juntamente com o pároco P.e Henrique Lopes Cardoso, que terá sido porventura quem redigiu a petição.

O governador Vasconcellos e Sá ao enviar para Lisboa esta petição escreve: “Como cidadãos portugueses os grumetes e papeis tinham o direito de petição livre”, reconhecendo que “para o governo, como depositário da honra e dignidade nacional, era melindroso o assunto sobre que tinha de resolver”. O governador entendia que, dada a situação que se vivia em Bissau, com as comunicações entre a praça e os rebeldes completamente interrompidas e com a deterioração da situação alimentar e comercial, a amnistia devia ser concedida.

Sem que a difícil situação que se vivia em Bissau tivesse tido resolução, a 16 de Outubro os habitantes da praça telegrafam à Rainha Senhora D. Maria Pia, para que intercedesse junto de El-rei com aquele fim. A concessão da amnistia só irá ter lugar no dia 27 de Fevereiro de 1892 quando o governador recebe do ministro um telegrama dizendo “Concedido por S. M. perdão papeis nos termos do auto de 6 de Fevereiro”. Tinha entretanto sido eleito em Intim um novo régulo que afirmara estar disposto a obedecer às ordens do governador e de acatar em tudo as leis de Portugal, pedindo ao mesmo tempo que o governador solicitasse de Sua Majestade o “perdão para todos eles como súbditos da coroa portuguesa”, manifestando-se prontos para entregar às autoridades qualquer indivíduo que praticasse qualquer crime dentro ou fora da praça. O auto de perdão é finalmente assinado no dia 6 de Março de 1892 na presença do governador.

A petição dos papeis e grumetes de Bissau levou cerca de meio ano a ser atendida. E os pedidos dos ex-combatentes guineenses já terão sido atendidos? Seria bom que algum grã-tabanqueiro lançasse alguma luz sobre o estado actual desta questão. E algum se recorda dos nomes mencionados na notícia do Expresso?

No dia de Portugal em que o Presidente da República homenageou ex-combatentes portugueses, parece-me justo que também aqueles guineenses não sejam esquecidos.


3. Expresso, de 1 de setembro de 2007 > Ex-combatentes guinee nses exigem pensões  [Recortes reproduzidos com a devida vénia]



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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17458: Efemérides (257): A propósito do 10 de Junho, ainda os estranhos e excelentes portugueses no mundo... "Goa, um adeus no entardecer dos dias / e uma lágrima para sempre" (Poema e fotos de António Graça de Abreu)

Guiné 61/74 - P17460: Recortes de imprensa (88): O nosso amigo capitão Valdemar Aveiro, em Vigo, Galiza, defendendo os pergaminhos da história da pesca do bacalhau ("Faro de Vigo", 10.06.2017)



Espanha > Galiza > Vigo > Club Faro de Vigo >Auditório Municipal e Areak > 9 de junho de 2017 > O capitão Valdemar Aveiro, à direita, com José Manuel Muñiz. presidente da Asociación de Titulados Náutico-Pesqueros (AETINAPE).


 Foto: Marta G. Brea. Fonte: Faro de Vigo, 10.06.2017 ( Com a devida vénia,,,)

Valdemar Aveiro > 
"Los políticos están destruyendo las flotas pesqueras"

Faro de Vigo | Ágatha De Santos Vigo 10.06.2017 | 03:03

(...) "Los caladeros están llenos de pescado y sin embargo, hay quienes continúan diciéndonos que tenemos que tener cuidado con lo que pescamos porque vamos a quedarnos sin recursos pesqueros". Así de contundente se mostró el invitado de ayer del Club FARO, Valdemar Aveiro, capitán portugués especialista en la pesca del bacalao, que repasó la historia de esta pesquería y habló de su presente y también de su futuro, uno futuro que no augura nada bueno.


"Los políticos y la Unión Europea están destruyendo las flotas (pesqueras) y aún dicen que tenemos que tener mucho cuidado con las cuotas si no queremos quedarnos sin pescado. Y no puedo entender que digan esto cuando hay tanta gente en paro", afirmó durante su intervención en el Auditorio Municipal do Areal, que fue presentada por José Manuel Muñiz, presidente de la Asociación de Titulados Náutico-Pesqueros (AETINAPE)."

El invitado del Club FARO aseguró que esta advertencia sobre la escasez de recursos marinos es falsa. Es más, según Aveiro los caladeros de pescado están llenos. "Hay tal cantidad de pescado que se están comiendo a sus crías", advirtió el capitán de pesca portugués, de 83 años, que añadió que esto supone un serio problema para el medio marino. "Quienes siguen empeñados en que creamos que no hay suficiente pescado, nos dicen también que hay un problema con el pescado pequeño, que no hay. Y no hay porque los peces grandes se están comiendo a los pequeñitos", insistió.

Tampoco es cierto, añadió, que el problema de la escasez aludida se deba a los ciclos de reproducción de los peces. No al menos en el caso del bacalao. "Es falso que el bacalao solo se reproduzca una vez al año. Además, la hembra del bacalao pone entre siete y ocho millones de huevos, aunque no sobreviven todos, por supuesto", explicó.

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O jornalista lembra que o conferencista se matriclou co mo moço aos 15 anos, num barco de pesca de bacalhau tradicional, o duro sistema de pesca tradiconal português, baseado na pesca à ,linha com os "dóris", e que aos 21 anos se diplomou como capitão da marinha mercante. 

Dedicou toda uma vida à pesca do bacalhau na Terra Nova e na Groenlândia, tendo-se reformado como capitão do navio "Coimbra" [, foto à esquerda, de Valdemar Aveiro], o campeão da frota de pesca bacalhoeira portuguesa. 

Mantendo.-se ainda no ativo como gestor, é também um reputado e vigoroso cronista da história da pesca do bacalhau na segunda metade do século passado. É já autor de cinco livros sobre este setor piscatório que, durante anos e anos, foi fundamental para a economia não só portuguesa como também para a economia das regiões galega e basca.

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(...) Durante los años que pasó embarcado, siempre dedicado a la pesca de arrastre, también ha sido testigo de naufragios, como el del "Santa Mónica". Aún así, continúo embarcado. Tampoco la dureza del oficio le disuadió para quedarse en tierra. "Hablar de la pesca del bacalao es hablar de una saga heroica", dijo refiriéndose a los cientos de marineros que hicieron de esta pesca su modo de vida.

A esto, se sumaría después las reducciones en el número de capturas de la Unión Europa. "Las cuotas miserables nos han perjudicado a todos", aseguró. Y por último, las plataformas petrolíferas, que limitan también la zona pesquera.

La política pesquera no ha beneficiado precisamente a las flotas pesqueras, ni a la gallega ni a la portuguesa. "No sé cuántos barcos tenía la flota española. Sé que era una de las más importantes del mundo. La portuguesa es mucho más pequeña, pero llegó a tener 77 barcos de pesca. Hoy no tenemos más de once, y no todos son portugueses, sino holandeses", dijo el ponente, que añadió que hoy en día nada de sorprende.

El conferenciante estuvo hace tres días en el Parlamento portugués precisamente para hablar sobre la situación de la flota pesquera portuguesa como experto en la materia. (...)