segunda-feira, 10 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17565: Inquérito 'on line' (120): Mesmo com ficha na PIDE/DGS, nunca me inibi de escrever cartas e aerogramas, sem autocensura nem receio de represálias... E foram mais de 300!... Contei, a quem gostava, tudo o que acontecia no CTIG no meu tempo (António Graça de Abreu, ex-alf mil, CAOP 1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74)



Guiné >Região de Tombali > Cufar> CAOP 1 > O António Graça de Abreu, no aeroporto de Cufar, em dezembro de 1973, posando junto a um heli, Allouette III. No mês anterior, o aquartelamento de Cufar tinha sofrido uma flagelação com foguetões 122, e um ataque com RPG [lança-granadas foguete] e armas automáticas, nas proximidades dos arame farpado... Dezete meses depois do início da comissão, o António recebia finalmente o tão desejado quanto temido baptismo de fogo. Recorde-se que o António Graça de Abreu foi Alf Mil, CAOP 1,Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar (1972/74)

Foto: © António Graça de Abreu (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


Capa do livro do António Graça de Abreu,
 "Diário da Guiné: lama, sangue água pura"
 (Lisboa,  Guerra & Paz, 2007)
1. Comentário do António Graça de Abreu ao 
poste P17558 (*):

Cada um fala do que sabe. No meu caso, CAOP 1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/1974, com aviões e helis a chegar todos os dias aos nossos aquartelamentos (sei do que falo), algumas vezes com o meu major de Operações, outras vezes sozinho, habituei-me, guiando os jeeps, a ir buscar o piloto e o correio à pista.

Eu era o alferes miliciano da pequena logística do CAOP 1. O correio não falhava. Era eu quem, muitas vezes, abria os sacos com o correio e juntava uma multidão à minha volta ansiosa pelas cartas e aerogramas que eu, carteiro de circunstância, distribuía aos meus soldados.

No que me diz respeito escrevi mais de trezentos aerogramas, sem autocensura, contando, a quem gostava, tudo o que nos acontecia na Guiné. A PIDE/DGS, que havia dado por mim antes da Guiné, nos tempos de Faculdade de Letras (tenho um lindo processo que consultei e fotocopiei, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo), desde que fui promovido a aspirante parece que me perdeu o rasto.

Tudo o que escrevi então chegou ao destinatário. Em 1972/1974 garanto que o correio, desde Lisboa, chegava a Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, quase todo, em menos de 24 horas.

Abraço,
António Graça de Abreu
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P17564: "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é já hoje", da autoria do 2.º Sargento Ref António dos Anjos, Tipografia Académica, Bragança, 1937 (4): Págs. 33 a 42 (Alberto Nascimento, ex-Soldado Condutor Auto)63)


1. Quarta parte da publicação do livro "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é hoje", da autoria do 2.º Sargento António dos Anjos, 1937, Tipografia Académica, Bragança, enviado ao Blogue pelo nosso camarada Alberto Nascimento (ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 84 (Bambadinca, 1961/63).


(Continua)
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Último poste da série de 6 de Julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17551: "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é já hoje", da autoria do 2.º Sargento Ref António dos Anjos, Tipografia Académica, Bragança, 1937 (3): Págs. 24 a 32 (Alberto Nascimento, ex-Soldado Condutor Auto)

Guiné 61/74 - P17563: Notas de leitura (976): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (4) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Julho de 2017:

Queridos amigos,
No laborioso levantamento a que procedeu Armando Tavares da Silva ganha clareza, nos registos historicamente sequenciados, os lamentos dos governadores sempre a pedir mais efetivos, mais meios navais, mais dinheiro. Toda a década de 1890 é extremamente penosa: não é só a falta de meios, os grupos étnicos vivem em franca ebulição, caso clássico do Forreá, vai-se continuamente ao Oio sem sossego e na região do Geba não há descanso.
Armando Tavares da Silva refere ao detalhe a figura de Graça Falcão, pertence à galeria dos valentes que caem em desgraça, como Marques Geraldes já caíra.
Ao tempo, a questão da delimitação das fronteiras ainda tem pano para mangas.

Um abraço do
Mário


A presença portuguesa na Guiné: história política e militar 1878-1926,
Por Armando Tavares da Silva (4)

Beja Santos

Dentre os mais importantes trabalhos historiográficos referentes à Guiné, é da mais elementar justiça pedir a atenção de todos os interessados para uma investigação de grande fôlego: “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016.

Não posso deixar de enfatizar a profundidade da investigação, partindo de um professor catedrático que nada sabia de hermenêutica e heurística, que se lançou numa sequência cronológica quase sem folgas no que é político e militar, é difícil conceber um registo de acontecimentos tão completo, direi mesmo que doravante quem se dedicar ao levantamento deste período histórico, para efeitos de análise interpretativa, tem aqui um acervo inigualável.

Pedro Ignacio de Gouveia regressa à Guiné em que há graves desinteligências no Forreá. Criara-se na região um posto militar em Contabane, era grande a vontade de dilatar a presença militar e administrativa, pretendia-se até um posto militar no Xitole, mas viva-se em défice orçamental, no ofício que envia ao ministro adianta as suas razões: “É inquestionável a vantagem de um posto militar no Xitole para a facilidade dos transportes das caravanas que recolham a Buba fazer o comércio, evitando-se assim estar à mercê das intrigas entre régulos que repetidas vezes interrompem o comércio e prejudicam os réditos da província, não lhe permitindo o desenvolvimento de que é suscetível, sem grande esforço”. O governador procura evitar interferências nas guerras étnicas, recebe diferentes régulos, conversa com eles, parece que vai haver uma acalmia no Forreá e no Corubal. No rio Grande houve que prender um chefe Beafada e volta-se a entrar no Oio, onde a obediência à autoridade é mínima ou nenhuma. O governador anterior, Vasconcellos e Sá, criara um imposto de capitação, o governador sugere a prudência, quer que seja uma operação consistente e tolerável, fala num imposto de capitação de 240 réis para os adultos ou de 960 réis por palhota. O Ministro Barros Gomes não aciona este mecanismo. No fim de 1896 sai legislação fazendo cessar a circulação de prata estrangeira no território da Guiné. O ano seguinte não nasce com bons auspícios: os Manjacos de Caió assaltam embarcações, criam-se condições para uma resposta enérgica, numa parceria entre o Exército e a Marinha faz-se uma incursão e os rebeldes rendem-se. Temos depois a desastrada incursão de Graça Falcão no Oio, o autor detalha o que aconteceu, recorre ao testemunho de quem lá esteve, Graça Falcão será inquirido, corriam notícias que o tenente exerceria escravatura. O governador adoece e morre na viagem de regresso a Lisboa, há incidentes fronteiriços à volta do rio Cacine e novo incidente no Forreá.

Em 1897 é nomeado governador o 1.º Tenente da Armada Álvaro Herculano da Cunha. Inicia o seu mandato com visitas, deixou-nos relatos curiosos. Um deles:  
“Em Cacheu fui esplendidamente recebido. Ao fundear às 7h30 da noite começaram as danças, tiros e iluminações, que duraram até à meia-noite. Às 11h30 dirigi-me para terra levando no meu escaler, tripulado por quatro remadores, o meu ajudante. Ao aproximar-me de terra, os grumetes, entrando por água dentro, pegaram no escaler em peso e levaram-nos com todos dentro, depondo em terra a uns 50 metros da linha da preia-mar. Na praia estava toda a população masculina civilizada e todo o povo, homens e mulheres. Ouvidas duas palavras do comandante militar, do comércio e colónia estrangeira, a que respondi com breves palavras, dirigi-me para uma casa preparada para me receber, onde fui convidado a ser hóspede de Cacheu”.
Na sua epistolografia constam existências para aumentar os contingentes de oficiais e de praças da província, reclama mais lanchas-canhoneiras. Revela-se muito atento ao que se passa à volta, desta feita há indisciplina no destacamento de Geba, faltam oficiais, mas ele não pode colmatar a lacuna. Ganha mais intensidade o comércio de armas. Herculano da Cunha pretende ocupar o interior da província, concretamente a região do Gabu. Adoece o governador e vem até Lisboa mas regressa tempo depois. A par da muita instabilidade, o governador vai escrevendo ao ministro de que está a estabelecer novas relações e que cresce o clima de paz. Em 1899, os régulos, os chefes de tabanca e os grandes do Oio pedem ao governo paz.

Caminhamos para o dobrar do século, dão-se passos de ocupação militar e administrativa, obtém-se com os Balantas a paz de Encoche. Temos aqui outro texto sugestivo do governador:
“É o rio de Mansoa o de maior movimento da Guiné, posto que mais ricos sejam os de Geba, S. Domingos de Cacheu e Grande de Bolola, mas é das margens daquele que provém a maior parte do arroz consumido na Guiné e, presentemente, a maior parte da mancarra além de bastante borracha, cera, etc. Do rio Impernal para o Norte é habitado por povos Balantas até à povoação de Mansoa, e daí até à origem por Mansoancas e Mandingas. Os pontos mais importantes são, em primeiro lugar, a povoação de Mansoa, habitada por cristãos e Mansoancas, sendo estes pouco numerosos e que praticam como o cristão e o Mandinga, sendo, para assim dizer, a linha divisória entre os Balantas e Mandingas. Depois, pela sua origem, os povos de Encoche na margem do rio Encoche, afluente de Mansoa; Encheia e, por fim, Famby e Nhacra. Encoche é para Mansoa o que Bissau é para o Geba: o depósito. Por consequência, a paralisação do comércio no Encoche ressentia-se em todo o rio”.
Viajou até lá e escreve as suas impressões. Armando Tavares da Silva reporta estas digressões de Herculano da Cunha, um viajante que não desfalece.

Entra-se numa nova fase da delimitação da fronteira, os franceses estão relutantes sobre o traçado na fronteira Sul. Este período é dado por concluído em Maio de 1903, acordam-se diversas compensações territoriais, mas ainda há assuntos para resolver na fronteira entre o Casamansa e o rio Cacheu, será uma nova missão que iniciará trabalhos em Janeiro de 1904.

O novo governador é o 1.º Tenente da Armada Júdice Biker. Parece interessado em não perder tempo e lança-se numa expedição a Canhabaque, nos Bijagós. Bombardeia-se e incendeia-se, são processos de intimidação para régulos que tinham praticado assaltos e roubos às embarcações. E foi assim que se restabeleceram as relações comerciais com os Bijagós. Chega igualmente uma notícia que traz alívio: a morte de Mamadi Paté, alguém que há muito tempo marca a turbulência na região do Geba. Chegam novas lanchas canhoneiras, tenta-se de novo uma paz duradoura no Oio, castiga-se o gentio Balanta de Nhacra e finalmente procede-se ao ataque do Oio, com o governador no comando, o autor dá-nos uma elucidativa exposição. Ganha forma a cobrança do imposto de capitação. Em 1903 o novo governador é o 1.º Tenente de Armanda Alfredo Cardoso Soveral Martins, temos agora pela frente a resolução da “questão indígena”.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de Julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17554: Notas de leitura (975): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (3) (Mário Beja Santos)

domingo, 9 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17562: In Memoriam (300): Virgínio António Gaspar José, ex-1.º Cabo Comando da 2.ª Equipa do Grupo Centuriões, Guiné, 1964/66 (Júlio Costa Abreu)



I N  M E M O R I A M

1. Mensagem do nosso camarada Júlio Costa Abreu, ex-1.º Cabo Comando, Chefe da 2.ª Equipa do Grupo Centuriões, com data de ontem, 7 de Julho de 2017:

Caro Amigo Vinhal, 
Acabo de saber do falecimento de um colega da equipa que eu comandava do Grupo de Comandos Centuriões. 

Trata-se de Virgínio António GASPAR José. 
Aproximadamente há 10/12 anos, quando estava a tentar encontrar os homens do meu Grupo, telefonei para ele e foi a esposa que me atendeu, quando eu lhe disse quem era, pediu-me imediatamente para não telefonar mais pois o marido não estava em condições psicológicas para falar de recordações da guerra. Assim fiz e nunca mais telefonei. 

Por acaso ontem no Facebook tive conhecimento da sua morte. 

Que descanse em paz. Era o segundo homem da minha equipa que era a segunda do Grupo.

Agradecia que mencionasses no nosso Site este acontecimento de mais um Combatente da Guerra do Ultramar que partiu para onde de nunca mais se volta. 

Júlio Abreu 
Chefe da 2.ª Equipa do Grupo de Comandos Centuriões 
Ex-Guiné Portuguesa

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2. Comentário do editor

Ao camarada Júlio deixamos o nosso abraço solidário pela perda deste seu camarada de armas.

À família do camarada Virgíno Gaspar endereçamos os nossos mais sentidos pêsames pela perda do seu ente querido.
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17511: In Memoriam (299): Dr. Alfredo Roque Gameiro Martins Barata (1938-2017), ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 675, Binta e Guidaje, 1964/66 (José Eduardo R. Oliveira)

Guiné 61/74 - P17561: Blogpoesia (518): "Terra queimada..."; "Milhões de folhas" e "No meu paquete...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Lousã, 2002
Foto: © Carlos Vinhal


1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Terra queimada...

Crestada do fogo,
tições do inferno,
clamou por socorro,
ninguém lhe atendeu.

Casas, currais,
e hortas de fruta,
tudo morreu,
para nada serviu.

Negligência inaudita.
Ócios bem pagos.
Fizeram de conta
quando o fogo eclodiu.

Caíram no charco
as lições do passado.
Semearam o chão
com sementes malditas.
Na mira do lucro,
À custa das vidas.
Tanta gente morreu,
devorada pelas chamas,
sonhando viver.

Porque quem manda
não sabe mandar.
E, quantos mais outros virão
sobre esta terra queimada?...

Bar do Reichelt, 3 de Julho de 2017
10h0m
Jlmg

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Milhões de folhas

Milhões de folhas verdes
Tem aquela árvore alta.
Tão serena nesta manhã que nasce.
Nenhuma delas bole.

Garbosa se eleva
Rumo ao infinito
Beijando o sol
Que lhe dá a cor.

Abriga os pássaros.
Até um esquilo lá mora.
A todos serve
Com ares de mãe.

Aqui me olha.
Seu olhar é lindo.

Que frescura doce
Me adoça o rosto.
Como é bom sair.
É tão bom viver.

Faz tão bem à alma.
Põe nosso corpo a rir.

Berlim, 9 de Julho de 2017
8h33m
Jlmg

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No meu paquete...

A bordo do meu paquete
enxergo o mar verde de Berlim.
Ondas mansas. Casas brancas
e telhados negros.
Muitas sombras
de grandes árvores.

Pelas avenidas largas,
em passadas livres,
vagueiam as multidões
no seu afã.

Uma rede tenticular de comboios e autocarros,
trespassa a urbe ao largo,
em pendular horário.

Circular de carro não é um dever.

Nas muitas escolas,
em variados tons,
fervilham os alunos
que vão ser gente.

Pelos mercados múltiplos,
onde a abundância impera,
em cadência serena,
as gerações mais velhas
passam nas caixas,
de carrinhos cheios,
sem contar tostões...

Berlim, 6 de Julho de 2017
17h39m
(Na minha varanda)
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17534: Blogpoesia (517): "Fugaz e passageiro..."; "Os boicotes..." e "Armazém da boa disposição...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P17560: Parabéns a você (1285): Arménio Estorninho, ex-1.º Cabo Mecânico Auto da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70); Adriano Moreira, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 2412 (Guiné, 1968/70) e Joaquim Carlos Peixoto, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3414 (Guiné, 1971/73)



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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17556: Parabéns a você (1284): José Zeferino, ex-Alf Mil Inf do BCAÇ 4616 (Guiné, 1973/74)

sábado, 8 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17559: Consultório militar do José Martins (24): D. Cecília de Freitas, Dama Enfermeira, equiparada a Alferes

Grupo de “Enfermeiras Militares 


1. Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70),  com data de 4 de Julho de 2017:

Caros amigos
Em época de "Centenário" junto texto sobre uma Dama Enfermeira que esteve na Grande Guerra e teve a sua última morada no Talhão dos Combatentes, em Loures.

Abraço
Zé Martins
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17459: Consultório militar do José Martins (23): Sacavém na Grande Guerra - Os mobilizados e os tombados

Guiné 61/74 - P17558: Inquérito 'on line' (119): num total (provisório) de 35 respostas, até às 21h00 de hoje, menos de metade (17) entende que "em geral, o aerograma era seguro e rápido"... Comentários de: José Martins, Manuel Amaro e Carlos Vinhal

I. INQUÉRITO 
DE OPINIÃO: 

"EM GERAL, O AEROGRAMA 
ERA SEGURO 
E RÁPIDO" (*)


[Seguro=em geral,  não se extraviava, não se perdia, era devolvido em caso de erro no endereço, não era facilmente violável, não havia censura, a pessoa sentia-se à vontade para escrever o que lhe apetecesse ...]

[Rápido = em geral, demorava poucos dias a chegar ao destinatário]

Assinalar, diretamente, no canto superior esquerdo do blogue, uma das cinco hipóteses de resposta, de acordo com a perceção e e experiência de cada um, no TO da Guiné,

Em 35 respostas preliminares, temos os seguintes resultados;


1. Era seguro e rápido 17 (48,6%) 

2. Era seguro mas não rápido 3 (8,6%) 

3. Era rápido mas não seguro 9 (25,7%)

4. Não era nem seguro nem rápido 3 (8,6%) 

.5 Não sei / já não me lembro 3 (8,6%)

Total > 35 (100,0%)

O prazo de resposta termina na 5ª feira, dia 13, às 16h59.


2. Comentários dos nossos leitores

(i) José Marcelino Martins: 

Escolhi, no leque de respostas a hipótese dois: Era seguro, mas não rápido.

Pelo que sei, os "responsáveis pelos SPM", a nível de terreno, eram requisitados aos CTT e graduados em 1º Sargento. Alguns eram, na realidade, carteiros de profissão.

A velocidade com que faziam o trajeto variava, em função:
- Da quantidade de voos semanais, da TAP, que era quem os transportava;
- Da EPM [Estação Postal Militar] em Bissau, seguiam para os Batalhões;
- Dos Batalhões seguiam para as unidades, nível de companhia, que a distribuía ou enviava para os destacamentos que tinha, e de acordo com o ritmo de "transporte".

Portanto tudo variava. Até o esquecimento daquilo que era o que animava a malta

(ii) Manuel Amaro
Um aerograma entregue nos CTT do Aeroporto de Lisboa, até às 19.00 horas, era distribuído em Aldeia Formosa (Quebo), por volta das 16.00 horas do dia seguinte.

(iii) Carlos Vinhal;

Não é líquido um aerograma ser mais rápido que uma carta ou vice-versa porque a distribuição do correio no mato dependia das condições logísticas.
 
José Martins, o que expões,  não acontecia nas cartas?  Iriam as cartas de barco e chegavam mais depressa a Bissau? Os aerogramas não percorriam o mesmo calvário que as cartas? Ou tinham tratamento diferente chegados a Bissau?

Guiné 61/74 - P17557: Lembrete (23): Hoje, sábado, na Tabanca dos Melros (Fânzeres, Gondomar), apresentação do II volume do livro do José Ferreira, "Memórias Boas da Minha Guerra"... Daqui a um bocado, às 10h30, que de manhã é que se começa o dia... E como prenda o autor deixa aqui, em reedição, mais um dos seus microcontos, e que, não é por acaso, tem a ver com o tema da atualidade (do nosso blogue...), o Serviço Postal Militar (SPM), e as suas pequenas misérias e grandezas, já depois do 25 de Abril, no rescaldo da guerra colonial

Capa do II Volume do livro "Memórias
Boas da Minha Guerra", de José Ferreira
(Lisboa: Chiado Editora, 2017)
1. O Zé Ferreira teve a gentileza de convidar o nosso editor Luís Graça para apresentar o segundo volume do seu livro, justamente na Tabanca dos Melros... 

Desta vez conseguiu-se "compaginar" as agendas, como dizem os políticos da nossa praça, e o nosso editor Luís Graça está neste momento à espera que o Zé, vindo de Crestuma onde vive, passe pela Madalena (, localidades do mesmo concelho, Vila Nova de Gaia), para o levar até à Quinta dos Choupos - Choupal dos Melros (que fica em Fânzeres, Gondomar, e onde está sediada a Tabanca dos Melros).

Às 9h45 o Zé Ferreira vem-me buscar e eu estou ansioso por dar um abraço fraterno aos meus bons amigos e camaradas do Norte que vão estar presentes (há 70 inscrições para o almoço), incluindo o meu querido coeditor Carlos Vinhal (e a Dina), o Carlos Silva (um dos régulos da Tabanca dos Melros), o Jorge Teixeira (conhecido como o "bandalho-mor", chefe do Bando do Café Progresso), a par dos penafialenses Joaquim Peixoto, José Cancela e respetivas esposas ("sempre, sempre ao lado dos seus homens"!)...

Estarão, por certo, outros camaradas, incluindo tabanqueiros da grande Tabanca Pequena de Matosinhos. Não tenho aqui a lista dos convivas. Não tenho, por exemplo,  a certeza se o Gil Moutinho, o anfitrião, poderá estar presente, De qualquer modo, estou também ansioso por conhecer a sua "casa", de que tenho ouvido as melhores referências. Espero ainda encontrar outros "melros" como o David  Guimarães (que é aqui da Madalena, mas fez de Espinho a sua terra adotiva), os manos Carvalho (o António e o Manuel), ambos a jogar em casa,  e muitos outros mais... 

O "grande melro", cofundador e coeditor da Tabanca dos Melros, o saudoso  Jorge Portojo (1948-2017) estará seguramente connosco, em espírito: acabou de ser muito  condignamemte homenageado pela Tabanca dos Melros (e pela  tertúlia do Bando do Café Progresso) nó último convívio dos "melros", em 13 de maio passado.
A título de consolo, para quem não puder estar hoje na Tabanca dos  Melros, tomei a liberdade de escolher um dos "microcontos" do nosso escritor, José Ferreira  (que é de Fiães, concelho da Feira, mas que escolheu Crestuma, Vila Nova de Gaia, para amar, orar, viver, trabalhar, escrever e fazer campeões de canoagem!...). Como o tema está na ordem dia do nosso blogue (, aqui nunca se fala diretamente da atualidade do país...), vem a propósito repescar uma história que tem a ver com o SPM e o rescaldo da guerra colonial, já no pós-25 de Abril.

[Com a devia vénia ao autor e ao editor (Chiado Editora, que não vai estar presente porque não faz a mínima ideia onde fica Fânzeres, e só se digna fazer promoções dos seus livros e autores em Lisboa, Porto e Coimbra)...Em boa verdade, o primeiro editor do José Ferreira foi o nosso blogue...]


2. Memórias Boas da Minha Guerra

VÍCIOS ESTRANHOS OU FRUTOS DA ÉPOCA

por José Ferreira

[in "Memórias Boas da  Minha Guerra", vol. II. Lisboa: Chiado Editora, 2017, pp. 184-187] (**)

Regressei de Angola, onde estive a trabalhar, logo após o 25 de Abril de 74. Vim de férias (“licença graciosa”, 4 a 5 meses  com prolongamento). Como funcionário camarário [, da Câmara Municipal de Cabinda], beneficiava de todas as regalias da função pública, às quais se juntavam ainda os benefícios de compensação pelo isolamento e/ou perigosidade. Para receber os vencimentos tinha que me deslocar a Lisboa, ao Ministério do Ultramar (ou Defesa Nacional), ali para os lados de Belém [, ou melhor, na avenida da ilha da Madeira, no Restelo].

Naquele dia, como cheguei mais tarde a Lisboa, aproveitei para almoçar na zona ribeirinha e esperar pelas 14h30 para ir receber o vencimento. Após o almoço, abeirei-me do Tejo, onde me chamou a atenção um jovem cabo miliciano, que olhava o horizonte, lá para o Farol do Bugio.
 – Então, como vai essa peluda? – perguntei-lhe.
 – Peluda, não. Direi mesmo que estou aqui fodido com a puta da tropa. 
– Não me digas? Agora que se deu o 25 de Abril, em que andais por aí à balda, de cabelo à Beatle e livres de ir para a guerra! – interpelei. 
– Pois, pois, mas isto ainda está muito confuso – respondeu o jovem, que continuou: 
– Ainda estão militares a ir lá para fora e o filho da puta do meu sargento quer mandar-me para lá. 
– Mas o sargento tem assim tanta força para isso? – perguntei.
– Este tem. É que eu há dias, no comboio, entusiasmei-me com esta coisa do 25 de Abri, e contei a um furriel a marosca em que o sargento andava envolvido. Pensei que o furriel era miliciano e, afinal, era outro chico e amigo do sargento – confessou o militar preocupado. 

E continuou: 
– Estava a contar sair por estes dias, tenho a namorada já grávida, lá na terra, perto de Amarante, e o capitão, que também deve mamar, já me avisou: "Ganha juízo, se não ainda levas com uma guia de marcha especial"– E continuou: – Os chicos protegem-se uns aos outros. 
– Também nunca gramei esses gajos – disse eu e acrescentei: – Estive na Guiné e passei por muitas merdas, mas procurei afastar-me sempre dessa cambada. Embora tenha de confessar que também havia alguns a merecer alguma consideração. Mas, afinal, como é possível essa preocupação? 
– Trabalho no SPM, Serviço Postal Militar. É por ali que passa toda a correspondência militar, incluindo as encomendas. Aquilo presta-se a muita vigarice. Há cartas em que o dinheiro sai com facilidade e, nas encomendas, há uma percentagem grande que fica por ali. Por outro lado, há encomendas de contrabando que não entram nos registos. E, como eu não queria nada, deixaram-me em roda livre, sem serviço e sempre desenfiado. Só que agora, meti o pé na poça e eles não perdoam. 

E continuou: 
– Há lá um grupo de sargentos e furriéis com o vício de jogar. E jogam forte. Este sargento, quando mete a mão ao bolso, até diamantes lhe aparecem nas mãos. Ele tem um colega que está nos Adidos, ali na Travessa da Calçada, atrás da Ajuda, junto de Lanceiros 2, que, muitas vezes, vai lá jogar. Ainda é mais viciado do que o meu sargento. Mas, agora, anda como uma barata, devido à diminuição de mortes no Ultramar. 
– O que é que isso tem a ver com o assunto? – perguntei. Ele logo respondeu: 
– O gajo deve ser o responsável pelo armazém onde passam os militares mortos. Já estava muito habituado ao rendimento das madeiras caras, que vêm a servir de caixões. Ele deve vender bem essas madeiras exóticas.

Uns seis anos depois, por altura das festas do S. Gonçalo [, em Amarante], participámos [, o meu clube,] numa prova de canoagem no Rio Tâmega. A largada, acima de Fridão, lançava-nos, em pequenas pirogas, para os vários perigos, bem patentes em quedas, rápidos, correntes e redemoinhos. Vencê-los era um prazer incrível. A nossa chegada junto da ponte era um espectáculo. Logo que cortávamos a meta, deleitávamo-nos a olhar para o público ruidoso que ocupava todos os espaços envolventes. Grandes momentos da minha canoagem! Enquanto aguardava a distribuição dos prémios, sinto uma mão no ombro esquerdo: 
– Não se lembra de mim?
– Não, não estou e ver… como – respondi.  Ele continuou: 
– Há uns anos estivemos a conversar em Belém, junto ao rio, estava eu fodido que não sabia que fazer à puta da vida. 
– Sim, sim, já me lembro – respondi e aproveitei logo para perguntar:
– E então, como é que te safaste? 
– Olha, tenho a agradecer muito o teu conselho. Acabei por contar tudo a um oficial de confiança e bem identificado com a revolução. Não o fiz como acusação, mas sim como defesa do que me poderia vir a acontecer. 
– E depois? – perguntei, bastante curioso. E ele continuou: 
– Foi porreiro! Deixaram-me em paz, tratavam-me como um lorde e mandaram-me logo embora. As coisas correram de tal maneira bem, que ainda hoje estou convencido de que foi milagre. Todos os anos aqui venho, ao S. Gonçalo, para agradecer essa graça, juntamente com a mulher e este rapazola que já quer ir para a canoagem. “Nasceu antes do tempo”, mas vai ser um grande campeão.

[Revisão e fixação de texto: LG]
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(**) Vd. também poste de 28 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9411: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (13): Vícios ou frutos da época

Guiné 61/74 - P17556: Parabéns a você (1284): José Zeferino, ex-Alf Mil Inf do BCAÇ 4616 (Guiné, 1973/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 4 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17541: Parabéns a você (1283): Jorge Ferreira, ex-Alf Mil Inf da 3.ª CCAÇ (Guiné, 1961/63)

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17555: Serviço Postal Militar (SPM): o aerograma... multiusos: da simples correspondência postal ao marketing político, comercial, religioso e... artístico... Continuo a guardar quase todos os aerogramas e cartas que enviei aos meus pais... Talvez a pensar nos meus netos... (Belarmino Sardinha, ex-1º cabo radiotelegrafista STM, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74)






Um exemplo de como o famoso aerograma, nascido em 1961 no seio do Movimento Nacional Feminino, podia ter (ainda tem...) múltiplos usos, para além da sua função principal que era facilitar a correspondência postal entre os militares mobilizados para o ultramar e as suas famílias e amigos.

Fotos: © Belarmino Sardinha (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de 4 do corrente, de  Belarmino Sardinha  (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74),

Boa tarde Luís e Carlos,

Lembrei-me de escrever isto e enviar-vos. Como estamos a falar de SPM (*), aproveito para vos lembrar de um anterior texto que enviei e foi publicado. Tratava-se de um aerograma que recebi na Guiné, enviado por alguém de uma religião, sem que eu soubesse quem, com palavras de conforto ao mesmo tempo que procurava catequizar-me para a causa (**).

Além dos aerogramas de familiares e amigos havia estes e eventualmente outros.

E como de aerogramas se fala, aproveito para vos apresentar um trabalho cujo catálogo foi inspirado no correio aéreo (aerograma) dos militares em serviço, à data, nas províncias ultramarinas, que me foi entregue num almoço da Tabanca do Centro e que eu guardei por achar interessante. Trata-se de uma escultura levada a efeito por Nuno Sousa Vieira e Rita Gaspar em Novembro de 2004, a convite da Câmara Municipal de Leiria, cujo presidente da Câmara foi também militar na Guiné, trabalho esse que pretende homenagear o papel da mulher no contexto da guerra.

Falo agora dos aerogramas por mim enviados. O conteúdo nunca manifestou qualquer interesse, ao contrário de alguns camaradas que já aqui publicaram, eu nunca falei sobre as condições que tinha ou aquilo que fazia ou o que se passava, limitava-me a perguntar como era o estado de saúde dos meus pais e referindo que a minha saúde ia bem como sempre, lamentava a falta de assunto e lembrava que o mais importante era a passagem do tempo.

Desconheço se a censura era apertada ou não sobre este tipo de correio. Já com o correio pago, carta, posso dizer que uma vez dei por haver algo estranho, umas fotos que enviei nunca chegaram, mas foram caso único e desconheço a razão, suspeito, mas nunca consegui apurar a verdadeira causa. Quanto à circulação do correio, em termos de tempo, aerogramas ou cartas, sempre me pareceram normais, havia alguma demora apenas quando mudava de SPM.

Continuo a guardar quase todos os aerogramas e cartas que enviei aos meus pais. Por mais que uma vez estive tentado a deitá-los fora, mas depois dá-me um remoque e acabam por ficar, talvez a pensar que os netos poderão interessar-se e gostar de saber o que se passou, não com o avô, mas sobre a história do País, aquela que parece quererem apagar ou esquecer. Mas mesmo mantendo tudo interrogo-me, valerá a pena?

Enfim, quem cá ficar que decida o que fazer com estes papéis.

Belarmino Sardinha
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Leiria > O projeto SPM, dos artistas plásticos Nuno Sousa Vieira e Rita Gaspar Veira, com apoio da Liga dos Combatentes .- Núcleo de Leiria e Junta de Freguesia de Leiria
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Prezado Jovem

Que neste momento, quando receber este aero, esteja de boa saúde junto dos seus amigos, são os nossos votos. 

Somos como já deve saber, pelo carimbo que está na parte de fora, “O Correio Áureo”.
O Correio Áureo é um departamento das Assembleias de Deus, formado por dezenas de jovens que pretendem que os militares possam receber através do serviço de correspondência, apoio moral, revistas “Novas de Alegria” e “Caminhos”, literatura, Bíblias, Novos Testamentos etc.
A criação deste departamento foi ideia de um furriel miliciano, membro da Assembleia de Deus de Lisboa, quando prestava a sua comissão na província da Guiné. 

A missão do “Correio Áureo” é além de tudo, a de edificar espiritualmente os militares incrédulos. Isto é, aqueles que ainda não andam neste maravilhoso caminho. 

Talvez o jovem esteja agora a pensar a que caminho eu me estou a referir. (...)

Guiné 61/74 - P17554: Notas de leitura (975): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Junho de 2017:

Queridos amigos,
O que aqui se regista corresponde a um período de grande instabilidade na administração e nas atividades militares. É de um número impressionante as rebeliões, o rasgar de tratados, a presença da régulos poderosos que vêm até do exterior devassar a província. Momento há em que parece que Bissau vai colapsar, o Geba parece intransitável, a ocupação de Cacine é difícil, em Lisboa os políticos não sabem que destino hão de dar à Guiné, é bem provável que este estado de desorientação esteja associado às sequelas do Ultimato e da gravíssima crise financeira que atravessou a vida do país, neste período.
Vão aparecer ideias para criar companhias do tipo majestático, cairá tudo por água. Ainda irá aparecer um distinto general, Dias de Carvalho, que a pedido de um marquês italiano estudará as potencialidades económicas da província, o general produzirá um documento importantíssimo, nem sempre apreciado pelos investigadores, paciência.

Um abraço do
Mário


A presença portuguesa na Guiné: história política e militar 1878-1926, 
Por Armando Tavares da Silva (3)

Beja Santos

Dentre os mais importantes trabalhos historiográficos referentes à Guiné, é da mais elementar justiça pedir a atenção de todos os interessados para uma investigação de grande fôlego: “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016.

Continuo a insistir que o leitor se previna: são mais de 960 páginas, uma belíssima apresentação gráfica, poder-se-á mesmo adjetivar que é inexcedível, um bom acervo fotográfico e um conjunto de mapas que facilitam a leitura de tão avultado miolo. O investigador escolheu aquele período peculiar que vai das primícias da autonomização da Guiné face a Cabo Verde até à chegada da Ditadura Nacional, correspondente na colónia a uma fase que prometia arranque económico, num quadro de uma certa pacificação, em que a administração colonial se estava a disseminar por pontos importantes no território.

O governo de Gonçalves dos Santos é contemporâneo do ultimato inglês e de uma crise monetária que assola o país. Vai melhorar ligeiramente o efetivo de meios navais e prosseguem incidentes um pouco por toda a parte: Mamede-Paté é um régulo que escraviza gente; morre Mamadi-Paté-Bolola, um sério responsável por parte do despovoamento do Forreá, segue-se um período de inquietação na região Sul; Mussá Moló continua a agir como um salteador; no presídio de Geba, o Tenente Sebastião Casqueiro vive rodeado de régulos hostis. O governador pergunta a Lisboa se não se devia abandonar o presídio, transferi-lo para S. Belchior, na margem direita do Geba, vive-se a inquietação permanente receando os ataques de Mussá Moló.

Chega a Geba um oficial experiente, Zacharias de Souza Lage, comunica ao governador o perigo que se corre com Mali Boiá que tinha adquirido grandes forças de Mussá Moló e de Mamadi-Paté-Coiada, prevê-se um grande ataque, o governador reage: suspende as garantias no território de Geba; determina que as forças militares destacadas em Geba e Sambel Nhantá se juntem às operações, concentram-se forças que embarcam com destino a Geba. Souza Lage começa a atacar tabancas rebeldes, irão prolongar-se; também os balantas de Nhacra e Cumeré se manifestam sublevados. No ano de 1891 Bissau entra novamente em tormenta, o autor descreve-os com largueza. Gonçalves dos Santos escreve para Lisboa e deixa claro de que não há domínio algum fora as muralhas da praça, a justiça é inoperante e deixa o seguinte alerta:

“O gentio branco e mulato estão mancomunados com os gentios e grumetes para nos desrespeitarem e desacatarem a autoridade: e os estrangeiros colaboram neste vil procedimento".

E conclui ser forçoso acabar com este estado em Bissau, reduzindo a ilha à obediência. Bissau vive uma insubordinação prolongada, teme-se mesmo um desastre, sai uma coluna em direção aos revoltosos, é atacada. O governador telegrafa ao ministro informando a perda de quatro oficiais e de que o inimigo é calculado em 6 mil combatentes e está bem armado.

O governador é exonerado, é um período tremendo em que também há insubordinação entre as forças dentro de Bissau, depois de várias conversações com os revoltosos de Intim e Antula chega-se à paz. O novo governador é o Tenente-Coronel Luiz Vasconcelos e Sá, vem à procura de paz em Bissau onde está interrompida a atividade comercial. É nesta altura que os Papéis e Grumetes de Bissau procedem a uma petição em que confessam publicamente a fidelidade e obediência ao governo, requerendo um pedido formal de perdão. Vale a pena ler este texto:

“Senhor! 
Os povos Papéis e Grumetes de Bissau, que em Fevereiro do ano corrente foram considerados rebeldes, com suspensão de garantias, por haverem ousado pegarem armas contra a Mãe-Pátria, compenetrados hoje da sua impotência, conhecendo o poder das mãos de Vossa Majestade, e reconhecendo o erro em que haviam caído, vêm com o devido respeito, implorar a Vossa Majestade o perdão de suas culpas. 
Real senhor! 

Os suplicantes, confinados no amor paternal que a clemência, abraçada com a justiça de Vossa Majestade, sempre prodigalizou aos povos da Guiné Portuguesa, principalmente aos Papéis e Grumetes de Bissau, vêm hoje depor aos pés do mui digno delegado de Vossa Majestade nesta província as duas peças Krupp que ficaram no campo, no último ataque, pedindo ao mesmo Excelentíssimo Senhor se digna recebê-las como garantia da obediência e submissão dos suplicantes às leis de Portugal, a fim de ele conseguir que Vossa Majestade, usando da faculdade que confere a Carta Constitucional, concede aos suplicantes a amnistia de que carecem, para seu sossego, para honra e glória de Portugal, e para o completo restabelecimento da Ordem em Bissau”.

Há insubordinação militar em Geba; Musá Moló continua irrequieto em Farim, atacando os povos daquela circunscrição, o coordenador está indeciso em fazer guerra, a turbulência em Geba parece não ter fim. Souza Lage passa a Comandante-Militar e Administrador de Bissau, é o tempo em que se procede a obras de fortificação, o que não impede a continuação de incidentes à volta, este governador bem não queria mas está por resolver a instabilidade em Geba, as tropelias de Mussá Moló. É nesta altura que a Guiné passa a ser distrito militar autónomo.

Em 1893 põe-se de novo a questão da ocupação de Cacine e Bissau está novamente sobre aliança. O assunto de Bissau é de extrema, esboça-se uma nova operação mas é notória a falta de meios, era preciso pôr cobro ao estado insustentável de Bissau, o que vai dar origem a uma nova operação na ilha de Bissau em 1894. Em Lisboa, os políticos não sabem que destino dar para haver algum desenvolvimento na província. É uma fase em que se idealiza a concessão do território a uma possível companhia majestática. Um ministro faz publicar um decreto concedendo a Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio e ao Conde Valle Flor terrenos incultos e desocupados para explorações agrícola, mineiras, comerciais e industriais. Exigia-se a constituição legal de uma companhia, havia uma disposição que permitiria que os territórios da Guiné voltassem a fazer parte integrante de Cabo Verde. A conceção nunca virá a efetivar-se.

Aproveitando transporte marítimo, Vasconcelos e Sá segue para Geba, é bem acolhido pelos régulos, irá escrever para Lisboa informando como veio aquela área sempre em rebelião, sujeita a razias e a guerras étnicas. Estamos em 1895, temos novo governador, é o Capitão-Tenente Eduardo João da Costa Oliveira. O seu primeiro ofício enviado ao governo traça um quadro absolutamente desolador do estado da província, as coisas correm mal no Forreá, em operação ir-se-á ocupar Contabane e é neste período que regressa Pedro Ignacio de Gouveia como governador.

(Continua)
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Nota do editor

Vd. postes anteriores:

3 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17536: Notas de leitura (974): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (2) (Mário Beja Santos)

30 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17526: Notas de leitura (973): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17553: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (3): Págs. 17 a 24

Capa da brochura "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra"

Gabriel Moura


1. Continuação da publicação do trabalho em PDF do nosso camarada Gabriel Moura, "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", enviado ao Blogue por Francisco Gamelas (ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 3089, Teixeira Pinto, 1971/73).
 


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17542: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (2): Págs. 09 a 16