sábado, 11 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17959: Bibliografia (40): "Um Legado de Espiões", por John le Carré, Publicações Dom Quixote, 2017 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Outubro de 2017:

Queridos amigos,
Este prodigioso escritor, de 86 anos de idade, continua a publicar obra assombrosas.
Para gente da nossa idade, é um estímulo, um incentivo a manter os neurónios em movimento.
John le Carré é consensualmente reconhecido como um grão-mestre da literatura sobre a Guerra Fria e a espionagem que lhe foi inerente. Com a queda do muro de Berlim, reconverteu-se admiravelmente e todas as suas obras posteriores passaram a espelhar a nossa contemporaneidade: o crime financeiro na globalização; o tráfico de armas e de droga; os escândalos da indústria farmacêutica; as manipulações à volta do terror provocado pelo fundamentalismo islâmico, etc.
Temos agora este admirável retorno à Guerra Fria, urge recuperar todo quanto se passou durante a operação Bambúrrio, curiosamente a trama central do prodigioso romance "O Espião que Saiu do Frio".
Não percam esta obra-prima absoluta.

Um abraço do
Mário


Um Legado de Espiões, obra-prima absoluta de John le Carré

Beja Santos

Para usufruir os melhore sabores deste incontornável romance, sugiro ao leitor que leia ou releia três livros importantíssimos de John le Carré: "O Espião que Saiu do Frio", "A Toupeira" e "A Gente de Smiley". Com estes três romances de qualidade excecional encena-se a atmosfera envolvente deste (novamente) indispensável "Um Legado de Espiões", por John le Carré, Publicações Dom Quixote, 2017. Não basta dizer que é John le Carré no seu melhor, é um portentoso regresso às experiências da Guerra Fria, ao ilusionismo das informações muitas vezes cozinhadas por agentes duplos ou traidores, é um ressuscitar de um mundo onde os ingleses já não são jogadores no plano mundial, estão hoje transformados numa potência secundária, é esta a amarga mensagem que sela um encontro entre velhos espiões possuidores de segredos tenebrosos, no termo de uma viagem labiríntica, alucinante.

A escrita possui esse dom de nos agarrar no primeiro parágrafo e de nos retirar o fôlego, entramos no tufão de uma narrativa obsidiante, deste modo: “O que se segue é o relato verídico, tanto quanto me é possível fazê-lo, do meu papel na operação de embuste britânica que teve o nome de código Bambúrrio, montada contra o Serviço de Informações da Alemanha de Leste (Stasi) em finais da década de 1950 e princípios da de 1960 e da qual resultou a morte do melhor agente secreto britânico com que alguma vez trabalhei e da mulher inocente pela qual deu a vida”. E para se perceber a dureza do interrogatório a que um velho espião vai ser submetido por uns garotos da nova escola, quem faz um relato tem um importante esclarecimento prévio a fazer: “Um oficial de informações profissional não é mais imune aos sentimentos humanos do que o resto da humanidade. O que lhe importa é a medida em que é capaz de os reprimir, que era em tempo real, quer, no meu caso, cinquenta anos a fio”. O agente chama-se Peter Guillam, foi discípulo dileto de George Smiley, nos Serviços Secretos britânicos, também conhecidos por Circus. Goza num total anonimato a sua reforma na costa Sul da Bretanha quando é discretamente convocado pelo seu antigo serviço a Londres. Vamos regressar à Guerra Fria, em grande tormenta.

O autor desvela com alguma antecedência a jigajoga e os elementos constitutivos de um interrogatório: “Em qualquer interrogatório a negação é o ponto de viragem. Pouco importam as delicadezas que tenham havido antes. A partir do momento da negação, as coisas nunca mais voltam a ser iguais. Ao nível do polícia secreto, a negação é suscetível de provocar uma imediata retaliação, tanto mais que o polícia secreto mediano é mais estúpido do que o seu sujeito. O interrogador sofisticado, em contrapartida, ao levar com a porta na cara, não tenta imediatamente forçá-la a pontapé. Prefere reorganizar-se e avançar sobre o alvo a partir de um ângulo diferente”. Voltamos ao mundo do Circus, recorda-se a “toupeira”, Bill Haydon, o homem que mandou para a morte muitos espiões ocidentais. Ressuscita-se a atividade de Alec Leamas, a personagem principal de "O Espião que Saiu do Frio". Aquele interrogatório é uma teia de aranha que se monta e desmonta, reaparecem velhas operações, havia desconfiança de que existia uma toupeira num posto elevado de decisão do Circus, George Smiley cria um mecanismo protetor onde ele só conversa com os seus fiéis. Vêm à baila as razões de fundo deste interrogatório: os filhos das principais vítimas da operação Bambúrrio reclamam uma reparação pesada, os serviços secretos querem apurar responsabilidades, daí este assombroso regresso ao passado. Peter Guillam percorre esconderijos, conversa com gente da velha guarda, quer ter acesso a documentos, o leitor emaranha-se nesses antiquíssimos relatórios, há um agente alemão oriental de nome Karl Riemeck que tem acesso a informações secretíssimas de todo o bloco comunista, são-lhe entregues através de Tulipa, nome de código da secretária de um manda-chuva da Stasi, em dado momento é necessário tirar Tulipa da Alemanha Oriental, Peter Guillam conduz operação, é um dos momentos mais primorosos do romance esta deserção e exfiltração da subfonte Tulipa.

Tulipa não irá acabar bem, um espião de alto coturno, Mundt provocará a sua morte, descoberto aceitará transformar-se num estranhíssimo agente duplo, um dia será chamado a Moscovo e desaparece. A operação Bambúrrio foi um somatório de equívocos, para cada um a sua versão.

Entrámos num fase superior do ilusionismo, Peter Guillam já conversou com o filho de Alec Leamas, desapareceram relatórios, ninguém sabe quem fala verdade e diz mentiras, ressuscita-se o processo do julgamento de Alec Leamas na RDA e como Mundt ganhou poder. Peter Guillam interroga-se permanentemente porque estes novatos não ouviram em primeiro lugar o chefe de operação, George Smiley, não obtém respostas conclusivas.

Peter Guillam viera da Bretanha já com um esquema montado para desaparecer, em caso de necessidade. E desaparece sub-repticiamente, com passaporte falso, procura um velho agente, Jim Prideaux, que lhe dá o contacto de Smiley, na Suíça. Haverá um frente a frente pacato, antes uma penosa reflexão: “Bem, agora vamos ao ajuste de contas, por fim. Agora vamos a respostas diretas a perguntas difíceis como: você, George, propôs-se conscientemente suprimir a humanidade que há em mim, ou também eu fui um dano colateral? Como: e quanto à sua humanidade e por que razão é que ela teve sempre de estar em segundo plano em relação a uma causa mais elevada e mais abstrata que eu já não consigo identificar? Ou, dito de outra maneira: de quanto do nosso sentimento humano podemos prescindir em nome da liberdade antes de deixarmos de nos sentir humanos ou livres?”.

Nesse encontro sereno de velhos espiões, George Smiley compromete-se a divulgar os papéis da operação Bambúrrio. Um final de desilusão, em que se questiona o que os espiões fizeram por Inglaterra: “Mas a Inglaterra de quem? Qual Inglaterra? Eu sou europeu Peter. Se eu tinha uma missão, se alguma vez tive consciência de alguma para além da nossa questão com o inimigo, era para com a Europa. Se eu era desumano, era desumano pela Europa. Se tinha um ideal inatingível, era o de conduzir a Europa das suas trevas a uma nova era da razão. Ainda tenho”.

Vale a pena enfatizar: uma obra-prima absoluta.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12686: Bibliografia (39): Um pouco mais do meu livro "Bissaulónia" (Mario Serra de Oliveira)

Guiné 61/74 - P17958: Tabanca Grande (451): António Joaquim de Castro Oliveira, ex-1.º Cabo Quarteleiro da CART 1742 (Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), 760.º Tabanqueiro

1.  Por iniciativa do nosso camarada e tertuliano Abel Santos, vamos inscrever na Tertúlia o seu companheiro de luta na CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), o 1.º Cabo Quarteleiro, António Joaquim de Castro Oliveira.

Pensamos que este novo amigo não terá possibilidade de comunicar connosco através de meios informáticos pelo que o elo será o Abel.

Como é timbre, ficaremos ao dispor para receber, para publicação, as suas memórias escritas e/ou fotografadas.

Emblema dos Panteras da CART 1742


O António Joaquim Oliveira passa a ser o 760.º elemento da nossa tertúlia. Pode-se sentar sob o nosso poilão, já agora, junto ao Abel, seu camarada dos tempos de Nova Lamego e Buruntuma, lá em cima, mesmo junto à fronteira norte da Guiné.

Bissau, 1967 - À esquerda o Abel Santos e o António Oliveira à direita
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17888: Tabanca Grande (450): António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), natural da Vila de Fernando, Elvas, e novo membro da Tabanca Grande, com o nº 757... Faz parte da Associação de Alunos da Universidade Sénior de Vila Franca de Xira

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17957: Louvores e condecorações (12): Atribuição da Medalha da Defesa Nacional de 1.ª Classe ao Programa Fim do Império, em cerimónia que se vai realizar amanhã, sábado, 11 de Novembro, às 10h15, no Forte do Bom Sucesso

Oeiras, 2010.11.18, General Ramalho Eanes entrega um exemplar do 2.º livro, da coleção Fim do Império, em lançamento, ao combatente Manuel Dá Mesquita, que também participa nesse livro e que viria a falecer pouco depois; reconhecendo-se, também, editor Daniel Gouveia e autor e coordenador M. Barão da Cunha.


A propósito da cerimónia da atribuição da Medalha da Defesa Nacional de 1.ª Classe ao Programa Fim do Império, que se vai realizar amanhã, sábado, 11 de Novembro, às 10h15, no Forte do Bom Sucesso, aqui se deixa um texto e algumas fotos que resumem a actividade deste Programa, criado em 2009, iniciativa da Liga dos Combatentes (LC), Comissão Portuguesa de História Militar (CPHM) e Câmara Municipal de Oeiras (CMO), com coordenação do Coronel Manuel Barão da Cunha


O Programa Fim do Império foi criado em 2009.01.19, com o fim de promover a divulgação e publicação de obras literárias relacionadas com o período histórico do final do nosso 4.º Império, considerando o 1.º, do Norte de África; o 2.º, do Oriente; o 3.º, do Brasil…

Foi uma iniciativa da Liga dos Combatentes, da Comissão Portuguesa de História Militar e da Câmara Municipal de Oeiras (CMO), tendo como coordenador, em regime de voluntariado, o coronel e dr. Manuel Barão Cunha (sócio da Liga dos Combatentes, assessor principal reformado da CMO).

O Programa integra duas vertentes, a das tertúlias e a da coleção literária.

A das tertúlias iniciou-se na Livraria Galeria Municipal de Oeiras/Verney, em 2009.01.19, onde continua a decorrer, normalmente, à 3.ª terça-feira, 15h00 («333»); em 2010 começou em Lisboa, no Palácio da Independência, onde se desenvolve, em princípio, na 4.ª segunda-feira, às 15h00 («423»), com apoio da Sociedade Histórica da Independência de Portugal; a 3.ª tertúlia iniciou-se, no Porto, na Messe Militar situada na Praça da Batalha, em 2011, na 2.ª quinta-feira, 15h00 («253»); a 4.ª tertúlia começou em 2017.04, no Centro de Apoio Social das Forças Armadas, em Oeiras, desenvolvendo-se na 1.ª quarta-feira; e esperamos começar a 5.ª no Clube do Alto da Barra, em Oeiras, na 4.ª sexta-feira.

Nestes quase nove anos do Programa realizaram-se, até à data de 2017.11.08, 185 sessões em tertúlias regulares, já referidas, e pontuais, nomeadamente, em Abrantes, Coimbra, Estremoz, Évora, Lagoa, Leiria, Linda-a-Velha, Lisboa, Pinhal-Novo, Porto e Setúbal...

Na vertente da coleção literária, publicaram-se 30 títulos até à data, incluindo seis reedições, quatro edições geminadas e cadernos sobre bibliografia temática e o próprio Programa, em articulação com DG Edições, Caminhos Romanos, Esfera Poética e Âncora Editora. Prevêem-se mais edições, nomeadamente:
em 2017.11.27, 2.ª edição de 23.º livro, Luvuéi, de sargento comando Antero Pires (Angola);
em 2017.12.12, 31.º título, África, quatro ases e uma dama, de fotógrafos Fernando Farinha, Daniel Gouveia, Conde Falcão e Pedro Cunha e escultora moçambicana Maria Morais (Angola, Guiné, Moçambique e Cabo Verde).

Como autores existem oficiais do Exército, Marinha e Força Aérea, mas também sargentos e militares não profissionais e, ainda, civis, homens e mulheres. A maioria escreve como testemunho, mas também há trabalhos de investigação.

Em reconhecimento do trabalho desenvolvido até hoje, vai ser agraciado no próximo dia 11 de Novembro, pelas 10h15, no Forte do Bom Sucesso, pelo Presidente da República, Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, com a Medalha da Defesa Nacional de 1.ª classe (ver Diário da República em anexo).

E será referido no programa Mar de Letras. da RTP África, emitido no dia 06 de dezembro com o seguinte horário:
Praia: 20h30;
Lisboa, São Tomé e Príncipe e Bissau: 21h30;
Luanda: 22h30;
Maputo: 23h30.


Oeiras, 2012.04.17, na mesa: Coronel Ataíde Montez; Dr. Vieira Pinto, autor; Ten-General Chito Rodrigues; Prof. Doutor Adriano Moreira e coordenador, Coronel Manuel Barão da Cunha.

2014.11.05, Fundação Marquês de Pombal: Mestre Georgina de Mello, Diretora-Geral da CPLP; editor Daniel Gouveia; Superintendente Isaías Teles; coordenador, Coronel Manuel Barão da Cunha; Almirante Castanho Paes e Dra Paula Saraiva.

2016.05.28, na Livraria Municipal de Oeiras, comemoração de Dia de África, com lançamento de 5.ª edição de 2.º livro, "Tempo Africano". Na mesa: Superintendente Isaías Teles; Embaixadora de Cabo Verde, Dra Madalena Neves; Vereadora da CMO, Doutora Marlene Rodrigues; Vice-Presidente da CMO, Carlos Morgado; na assistência, Vice-Presidente de Associação Cabo-Verdiana de Lisboa, Dr. Offner Almada…

Oeiras, 2016.10.18, Capitão Comando Mamudo Seidi e Mesa, com: Ten-Generais, Figueiredo Valente e Chito Rodrigues; Coronel Ataíde Banazol; Dr. Dias Antunes e coordenador, Manuel Barão da Cunha.

Livraria Municipal, 2016.11.15, lançamento de 25.º livro: coordenador, Manuel Barão da Cunha; Vice-Presidente da CMO; Generais, Ramalho Eanes e Rocha Vieira; Dra Manuela Eanes e Vereadora, Doutora Marlene Rodrigues.


Com a devida vénia, publica-se parte da página 14234 do Diário da República, 2.ª Série - N.º 131 - 10 de Julho de 2017 com um louvor conferido ao Coronel Manuel Barão da Cunha pelo seu trabalho de coordenador do Programa Fim do Império: 

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Nota do editor

Último poste da série de 22 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17385 Louvores e condecorações (11): CCAV 252 (Bafatá, Bula, Mansabá e S. Domingos, 1961/63) (Mário Magalhães, grã-tabanqueiro nº 742, um dos nossos "veteraníssimos")

Guiné 61/74 - P17956: Notas de leitura (1013): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (8) (Mário Beja Santos)

BNU em Bolama, em toda a sua pompa


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Setembro de 2017:

Queridos amigos,
Caminhamos para os últimos anos da I República, na Guiné, a despeito de inúmeras dificuldades económicas e financeiras, aparece um surto empresarial, praticamente tudo cairá na água.
Velez Caroço é uma figura invulgar na governação, terá os seus incondicionais e detratores, as desavenças entre Republicanos a tal obriga. Mas os relatórios que saem de Bolama, não escondendo que existe um grane apreço pelo trabalho do governador, que pugna por rasgar estradas e pôr ordem na administração, revelam inúmeras mazelas, uma delas passa pela agricultura.
É neste contexto, quando todos falam que já se vive em pacificação que eclode uma revolta na ilha de Canhambaque, como veremos no próximo texto.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (8)[1]

Beja Santos

Em 1923, a Companhia de Fomento Nacional dá os seus primeiros passos em Aldeia do Cuor, a informação é prestada num longo ofício dirigido ao gerente do BNU em Bissau. Vejamos como o administrador da firma localiza o empreendimento:
“O rio Geba banha numa extensão de 18.436 metros, devido às suas sinuosidades, a frente dos terrenos de exploração, sendo os mesmos atravessados na sua maior largura pelo rio Gambiel e o seu afluente Mansomine, constituindo estes cursos de água uma grande riqueza, mais o primeiro é navegável como é sabido e o segundo é suscetível de ser em parte por em embarcações de menor calado, concorrendo para facilitar a exploração podendo ao mesmo tempo, como já sucede, fornecer-lhes água para irrigação. São ainda os mesmos terrenos atravessados numa extensão aproximadamente de 20 quilómetros por uma estrada aberta pela circunscrição a qual está ligada à sede de Aldeia do Cuor por um ramal de 7. Os terrenos da conceção são na maioria constituídos pelas chamadas ‘terras altas’ cobertas de vegetação arbórea e arbustivas, entre as quais encontramos árvores produtoras de excelentes madeiras, como o mogno, o pau de sangue, a manconia e o pau conta, etc, e um quinto aproximadamente da sua extensão por planícies extensas, bordejando os cursos de água, designados pelo nome de ‘lalas’ cobertas quase que exclusivamente por vegetação herbácea. Estas planícies põem-se pois facilmente em cultura, sendo nelas que se cultiva o arroz e a cana-sacarina e possivelmente outros produtos como a mancarra, procedendo-se a obras de defesa e drenagem”. 
Descreve as instalações da empresa em Aldeia do Cuor, bem como o importantíssimo material agrícola, daí a necessidade de serralheiros, ferreiros, carpinteiros e pedreiros. Fica-se igualmente a saber que em 1922 a parte cultivada atingira mais de 115 hectares. A propósito das construções, escrevia com a ponta de orgulho que estavam ali muitas centenas de metros quadrados de alvenaria, muitos metros cúbicos de madeiramentos e milhares de telhas, estavam ali muitas centenas de contos. Havia igualmente duas pontes lançadas sobre o rio Gambiel que permitiam a sua travessia por todos os mecanismos de lavoura e transporte.
Multiplicavam-se empreendimentos como este. Noutros relatórios de Bolama para Lisboa far-se-ão apreciações negativas da generalidade destas empresas, caíam na insolvência, por gestão errática, por desinvestimento e algo mais.


O Governador Velez Caroço vai procurar pôr ordem na administração e na orgânica do governo. Pretende que se abram estradas que sejam mais do que caminhos de pé posto, apela aos administradores para que se desenvolvam estradas macadamizadas, pontões e pontos de alvenaria; reorganiza a força militar na Guiné, estendem-se pelo território as comunicações radiotelegráficas e o serviço postal; recebe e visita autoridades gentílicas, não hesitará numa campanha militar nas ilhas Bijagós, enfim, é um governador a vários título modelar.

Os relatórios do BNU neste período não deixam de espelhar, de algum modo, a nova realidade. Ocorrem aumentos nos vencimentos dos funcionários públicos, o gerente refere que o governo lutava com falta de fundos e contraiu um empréstimo em cerca de mil contos, previa-se uma melhoria da situação depois de cobrar o imposto de palhota. As recriminações continuam:
“Ainda sobre aumentos de vencimentos, vamos relatar sucintamente um incidente que define bem o caráter da maioria do funcionalismo público desta Província, muito especialmente dos de Bolama: 
Em 4 de Setembro (de 1923), poucos dias depois da posse do novo diretor dos serviços de Fazenda Alfredo de Rosário Rodrigues, foi este suspenso por não querer, ou não poder, cumprir uma ordem do Encarregado do Governo, transmitida por intermédio do seu factótum, José Luís da Luz, Secretário Interino, respeitante ao abono de 15% sobre os ordenados poucos antes aumentados dos funcionários, que aquele garantia, e garante, ser ilegal, enquanto não for sancionado pelo governo central, ou autorizado pela auditoria fiscal.
A tal ponto chegou o procedimento daqueles senhores que apuparam-no, já depois de suspenso! A nosso ver isto constitui uma violência escusada por quanto bastaria aguardar a solução de Lisboa, ou o parecer da referida auditoria. O governo adquiriu por 500 contos a propriedade urbana e rústica da Empresa Comercial de Bijagós, destinada a instalação das oficinas navais, tribunal civil e residência de funcionários.
É nossa opinião que esta compra foi desastrosa porque, até à data, só tem servido para habitação de poucos funcionários, e para isso foram necessárias importantes reparações, e quanto à instalação das oficinas só muito mais tarde ela será posta em execução ou talvez nunca. Acerca de conduta de certos funcionários públicos, continuamos mantendo o que dele dissemos no nosso anterior relatório”. 
No relatório de 1924 também não se escondem algumas críticas à governação de Velez Caroço: 
“O governo da província, com o pretexto de organizar o regulamento para as Caixas de Crédito Agrícola até hoje nada fez em favor da agricultura. A colheita da mancarra, feita pelo gentio, foi neste ano bastante desenvolvida, mas a sua qualidade vai piorando de ano para ano devido à falta de cuidado e insuficiência de meios técnicos com que essa cultura é feita. Por espírito de ganância e por ignorância, toda a mancarra que este ano daqui foi exportada ia misturando com enorme quantidade de terra e outras impurezas, o que produziu um péssimo efeito nos mercados onde foi vendida”.

É neste período que se tomam medidas para que o BNU em Bissau tenha casa própria. Em Maio de 1922 adquirira-se um prédio cujo rés-do-chão estava destinado a escritórios e o primeiro andar à habitação do gerente. Dizia-se que o estado de conservação era mau. Em 1925, de acordo com uma certidão da Repartição de Fazenda do Concelho de Bissau fica-se a saber que no novo bairro da cidade há uma casa em alvenaria e três pequenas dependências isoladas, bem como dois barracões de madeira. Nesse mesmo ano surge o primeiro Anuário da Província da Guiné, devido em três partes: na primeira, faz-se uma síntese do que é a província, as suas vias de comunicação, como se viaja pelo território, o que é a administração e os serviços públicos; na segunda parte, apresenta-se a agricultura e a pecuária, o comércio e as indústrias, a fauna e a flora; na terceira parte aborda-se o clima, faz-se uma súmula da história militar, o ensino e as religiões, indicam-se as circunscrições civis bem como usos e costumes indígenas. Sobre esta última questão, vale a pena mencionar a descrição do anuário acerca das etnias existentes na Guiné.


Pelo que ali se escreve, o tipo de raça dominante é o negro e o negroide e o hamita cruzado. Quase todos praticam a tatuagem, as mulheres nos lábios e os homens no rosto. Devido a esta prática absurda vêm-se mulheres verdadeiramente cativantes prejudicadas pela deformação dos beiços. O Fula usa lavar-se, mas nem todos empregam o sabão, por ser crença entre eles que tal emprego faz diminuir a virilidade. Os Mandingas têm boa índole, são atraídos pelo comércio e pela agricultura. Têm duas castas: a dos ferreiros e a dos sapateiros. A autoridade religiosa dos Mandingas denomina-se almarne (presume tratar-se de uma confusão, a palavra própria é almani), ele é ao mesmo tempo conselheiro político e goza de muito prestígio. É curioso como se transmitem entre eles as heranças: por morte do pai herdam os irmãos, começando pelo mais novo que tenha família. Os filhos e as mulheres fazem parte do legado e neste caso elas ficam sendo pertença do herdeiro. Os Felupes são bem constituídos, sadios e resistentes. Quando novos e solteiros, usam várias contas nas pernas e diversas penas na cabeça. Quanto a trabalhar, não se matam muito, apenas produzem o suficiente para comer e pagar o seu imposto. Os Papéis são muito vivos e espertos. Têm um costume interessante: deformar os dentes, tornando-os pontiagudos. Apreciam o álcool e o vinho de palma. Os Manjacos são considerados como uma divisão dos Papéis. Náuticos por temperamento, são os que mais contingente fornecem para o pessoal de embarcações. Os Banhuns (Brames ou Mancanhas) não creem na alma mas acreditam na transmigração. Alguns deles disfarçam-se pelas horas mortas da noite em hienas e onças para exercerem pequenas vinganças. E referindo-se aos Balantas diz que quando nascem gémeos um é abandonado junto qualquer montículo de bagabaga e lá morre, tomando a mãe conta do outro. A mulher Balanta é, em geral, infiel ao marido, o que não admira, visto este ser normalmente muito mais velho do que ela. Os Beafadas são entusiastas pelos batuques. É a mulher que trabalha. Os Cassangas são considerados uma espécie de Beafadas. Os Nalus quando atingem a idade de 18 anos podem casar e terão tantas mulheres quantas forem as irmãs que tiverem. Os Bijagós são os únicos indígenas que não praticam a circuncisão. São bons nadadores. Alimentam-se de macacos, ratos, jiboias, cães ou outros bichos domésticos. As suas casas, em regra, são caiadas com barro branco, algumas delas têm vários desenhos informes, feitos com barro vermelho e amarelo.


Era neste arremedo de antropologia e etnologia que se apresentava para o grande público o mosaico étnico guineense.

(Continua)
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Notas do editor:

[1] - Poste anterior de 3 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17928: Notas de leitura (1010): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (7) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 8 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17949: Notas de leitura (1012): "A Antepenúltima Caravela", de Emanuel Filipe, inserido na obra “Os Anos da Guerra, 1961/1975, Os portugueses em África, Crónica, Ficção e História”, organização de João de Melo, colaboração de Joaquim Vieira, Círculo de Leitores e Publicações Dom Quixote, 1988 (Abel Santos)

Guiné 61/74 - P17955: Em busca de... (282): Camaradas do meu pai, Joaquim Ferreira da Siva... Pertenceu à CCAÇ 1589 (Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Beli e Madina do Boé, 1966/68), era conhecido como cabo Ferreira e teve um louvor... Morreu quando eu tinha 18 anos (Hélder Ferreira da Silva)


Foto nº 1

Guiné > Zona leste >  CCAÇ 1589 (1966/68) > 1º cabo at inf Joaquim Ferreira da Silva. A CCAÇ 1589 esteve em Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Beli e Madina do Boé, entre 1966 e 1968.


Fotro nº 2


Foto nº 2 A


Foto nº 2 B

Guiné > Zona leste >  CCAÇ 1589 (1966/68) > Foto de grupo, em que aparece 1º cabo at inf Joaquim Ferreira da Silva. Temos dificuldade em, identificá-lo. Há, no grupo, pelo menos dois cabos:  (i) o segundo, a contar da esquerda, na fila de pé, fardo, de calção, camisa e boina)  (foto nº 2 A); e (ii) o primeiro da primeira fila, a contar da esquerda, de calção e camisa mas sem boina (foto nº 2B). É mais provável que seja o da foto nº 2A.

Fotos: © Hélder Ferreira da Silva  (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem  do Manuel Caldeira Coelho,  ex-fur mil trms da CCAÇ 1589, que vive em Reguengos de Monsaraz, com data de ontem, às 16:04, e em resposta ao pedido do Hélder Ferreira da Silva (*):


Olá, Luís Graça e Helder,, pessoalmente não estou recordado do camarada Joaquim Ferreira da Silva, mas através da listagem de pessoal que temos vejo que era 1º cabo atirador.

Já pedi a quem tem memória de nomes e visual para descobrirmos a que secção pertencia
pois o comandante de secção e de pelotão terão com certeza algo a dizer.

O Helder não tem quaisquer fotos ou outros elementos?



2. Resposta do Hélder Ferreira da Silva, com data de ontem, às 21h47:

Boa noite caros Luis Graça e Manuel Coelho,

Antes de mais, quero-vos dizer que estou muito grato por estarem a responder ao meu pedido e a tentarem ajudar-me.

Junto envio algumas fotos. Desculpem a resolução mas foram tiradas por telemóvel.

Já vos envio mais, pois tenho um álbum inteiro dele na Guine.

Fiquem livres de comentar.

abraço
Hélder Ferreira

PS - Estive a ler na caderneta militar dele, e num louvor que tem, foi tratado por Cabo Ferreira.


3. Comentário do nosso editor:

Hélder, não haja dúvida, o seu pai (e nosso camarada) pertenceu  à CCAÇ 1589, e era 1º cabo at inf, logo um graduado: em cada pelotão (30 homens), comandado por um alferes, havia 3 secções (10 homens), comandadas por um furriel e em princípio com 3 cabos (, na prática, um)... Vamos ver a que pelotão (grupo de combate) e secção pertencia o seu pai...

Obrigado pelas fotos que enviou, das quais aproveitámos duas (fotos nº 1 e 2). Na foto de grupo temos dificuldade em identificá-lo. Vamos ver se mais camaradas desta companhia nos podem ajudar. Mande mais fotos e um cópia do louvor, exarado na caderneta militar.

Recorde-se aqui que Madina do Boé e Beli são lugares míticos da guerra da Guiné... Foram abandonados pelas NT, por razões estratégicas (retração do dispositivo), logo nos primeiros meses do consulado de Spínola... Beli logo em finais de 68, e Madina do Boé em 6/2/1969 (, retirada que originou o desastre de Che-Che, no rio Corubal, com 47 mortos).
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P17954: Parabéns a você (1338): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil Inf MA da CCAÇ 2790 (Guiné, 1970/72) e Jorge Araújo, ex-Fur Mil Op Esp da CART 3494 (Guiné, 1971/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 9 de Novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17950: Parabéns a você (1337): António da Costa Maria, ex-Fur Mil Cav do Esq Rec Fox 2640 (Guiné, 1969/71); António João Sampaio, Ex-Alf Mil da CCAÇ 15 e ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 4942/72 (Guiné, 1973/74); Ernesto Ribeiro, ex-1.º Cabo At Art da CART 2339 (Guiné, 1968/69) e João José A. Martins, ex-Alf Mil Art do BAC 1 (Guiné, 1967/70)

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17953: Em busca de... (281): Camaradas do meu pai, Joaquim Ferreira da Siva, nascido em 1944 , em Póvoa do Varzim, e que eu conheci mal... Pertenceu à CCAÇ 1589 (Beli e Madina do Boé, 1966/68) (Hélder Ferreira da Silva)


Guião da CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, "Os Tufas" (Bissau,  Fá Mandinga, Nova Lamego, Beli e Madina do Boé, 11966-68)


Foto do Caderneta Militar: Joaquim Ferreira da Silva, nº mec. 2135/65, com 1,60 de altura. 
Nascido em Póvoa de Varzim (1944).


1. Mensagem de Hélder Ferreira da Silva:

Data: 23 de outubro de 2017 às 13:39

Assunto: Pedido de informação

Boa tarde,  caro Luís Graça,

Queira desculpar o meu contacto, mas o meu falecido pai, caso não esteja em erro.  esteve no CCAC 1589 em Madina do Boé.

O facto é que, apesar de ter sofrido com a doença que o apanhou  (paramiloidose),  também sempre sofreu com os pesadelos da guerra.

Nunca o cheguei a conhecer verdadeiramente, pois faleceu tinha eu 18 anos. Nunca que lhe conheci amigos, a não ser a minha própria família.

O nome do meu pai era Joaquim Ferreira da Silva, nascido a 4/4/1944 na Povoa de Varzim. Gostava de um dia poder ter a oportunidade de ouvir falar dele sem ser por quem já me conhece. Que tipo de camarada era ele, o que fazia,  o que gostava etc.

Nunca fui militar, pois preenchi muitos papéis para ser dado como amparo de família, mas tenho ideia que nunca se faz uma amizade como se faz na guerra.

Muito obrigado pela sua atenção,

Melhores Cumprimentos / Best Regards

Hélder Ferreira da Silva

Sales & Air Freight Manager

M. +351 966 052 525

PS - Aproveito para enviar também uma foto que tenho da caderneta militar dele. Talvez possa ajudar.


2. Resposta do editor LG:

Hélder, obrigado pela sua mensagem. Filho dos nossos camaradas, nosso filho é. Fico sensibilizado pela sua ternura para com o seu pai e a maneira como quer honrar a sua memória,  procurando  saber algo mais sobre a sua história de vida, e em particular no teatro de operações da Guiné.

Partindo do princípio que o seu pai pertenceu à CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894 (, que esteve sobretudo em Beli e Madina  do Boé, em 1966/68), devo-lhe dizer que temos sobre esta unidade quatro  dezenas de referências no nosso blogue... E, em particular, muitas e belíssimas fotos do álbum do Manuel Caldeira Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68). 

O Manuel Coelho, que era o furriel miliciano de transmissões dessa companhia, é também o seu elemento mais ativo no nosso blogue. E é o grande fotógrafo de Madina do Boé. Pode ser que ele inclusive tenha alguma foto do (ou com o) seu pai. É além isso um dos elementos da companhia que vai, com regularidade, aos encontros anuais de convívio.

Ainda o ano passado, em Oliveira de Azeméis, se celebou os 50 anos da formação do batalhão, a que pertencia a CCAÇ 1589, o BCAÇ 1894. e os 48 anos do regresso da Guiné.

Vou pôr o Hélder em contacto, por email, com o Manuel Coelho, que é de Reguengos de Monsaraz. O que eu sugeria é  que pudesse participar num dos próximos encontros anuais da companhia. Era a melhor maneira de poder obter impressões e informações sobre o seu pai. Originalmente, a companhia devia ter 150/160 homens. Mas no máximo, há um ou dois a escrever nas redes sociais e os que aparecem nos convívios anuais são da ordem dos 20% a 25%.

Havia, na nossa Tabanca Grande, outro camarada da CCAÇ 1589, infelizmente já falecido, o  Armandino Marcílio Vilas Alves (1944-2014), ex-1.º cabo aux enf. O Armandino  deixou-nos aqui diversas histórias do seu tempo, não sei se há alguma referência ao seu pai, que tanto podia ser conhecido pelo apelido, Silva, como pelo nome da terra onde nasceu, Póvoa do Varzim, ou ter outra alcunha.

Infelizmente não tenho a lista com os nomes do pessoal que compunha a CCAÇ 1589. O antigo comandante agora coronel reformado, Henrique Victor Guimarães Perez Brandão, ainda estava vivo em 2016, mas eu não tenho o seu contacto. Terá que falar com o Manuel Coelho.

Outro camarada do seu pai é o António Marques Alves, organizador do convívio de 2016 em Oliveira de Azemeis e também director do Núcleo da Liga dos Combatentes de Oliveira de Azeméis.

Boa sorte para os seus contactos. E disponha sempre. Se assim o entender, mande-nos  fotos. digitalizadas, do seu pai para os seus antigos camaradas o reconhecerem,  do tempo da Guiné.

Um alfabravo (ABraço) do editor, Luís Graça
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Nota do editor:

Último poste da série > 27 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17907: Em busca de... (280): pai de Elisa Gomes, nascida em Geba, em 2/12/1968, filha da lavadeira Maria Assunção Sábado Teixeira, já falecida (em Bafatá, em 1990). O progenitor pode ser um militar da CART 1690 (Geba, 1967/69). A Elisa vive e trabalha em Albufeira (Fernando Chapouto, ex-fur mil op esp, CCAÇ 1426, Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, 1965/67)

Guiné 61/74 - P17952: Agenda cultural (604): Hoje, às 18h30, na Fundação Calouste Gulbenkian, no Auditório 2, sessão de lançamento da obra "Médicos e Sociedade: Para uma História da Medicina em Portugal no século XX" (Lisboa: By the Book, 2017, 863 pp.)....A obra foi superiormente coordenada por A. L. Barros Veloso, e tem cerca de 4 dezenas de autores, um dos quais o nosso editor Luís Graça (capítulo 04: "Ricardo Jorge e a modernização da Saúde Pública" , pp. 18-33)



1. Será apresentada hoje, na Fundação Calouste Gulbenkian, no Auditório 2,  às 18h30, a obra "Médicos e Sociedade: Para uma História da Medicina em Portugal no século XX" (Lisboa: By the Book, 2017, 863 pp.).

By the Book, Edições Especiais
Rua das Pedreiras, 16-4º
1400-271 Lisboa
Portugal


www.bythebook.pt
http://issuu.com/bythebook
www.facebook.com/bythebook

Ficha técnica do livro:

A. J. Barros Veloso (coord.), A. J. Barros Veloso, Luiz Damas Mora, Henrique Leitão (eds.),

Médicos e Sociedade. Para uma História da Medicina em Portugal no século XX

Lisboa: By the Book, 2017.

863 pp. 

ISBN: 978-989-8614-56-8

Preço de capa: c. 35 €


2. O nosso editor Luís Graça (, sociólogo da Saúde, professor jubilado da Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade NOVA de Lisboa) é autor do capítulo 04: "Ricardo Jorge e a modernização da Saúde Pública" (pp. 18-33).  

São cerca de 4 dezenas os autores representados nesta obra monumental,  superiormente coordenada por A. J. Barros Veloso, e editada por A. J. Barros Veloso, Luiz Damas Mora e Henrique Leitão.

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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17948: Agenda cultural (603): Tertúlia de antigos Combatentes, subordinada ao tema "Histórias Com Rosto", a realizar no dia 17 de Novembro próximo, às 21,30 horas, no Auditório Municipal de Esposende (Fernando Cepa, ex-Fur Mil Art da CART 1689)

Guiné 61/74 - P17951: Os nossos passatempos de verão (21): Cantigas de escárnio e mal-dizer, à desgarrada... Parte VI: Glosando o mote "Sois os últimos moicanos, / Os do Como e do Cachil, / Se a guerra vos tirou anos, / O bom irã dá-vos mil! (Luís Graça / Francisco Santos / José Colaço)


Ponte de Sor > 5 de novembro de 2016 > Convívio anual do pessoal da CCAÇ 557 (1963/65) > O  Zé Colaço, à esquerda; o Chico Santos, à direita.

Foto (e legenda): © José Colaço (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Troca de 'mimos poéticos' entre o nosso editor, Luís Graça, e o poeta popular Chico Santos, o bardo do Como e do Cachil, ao tempo da CCAÇ 557 (1963/65)... Como o Chico, mesmo sendo nosso grã-tabanqueiro com todo o mérito, não tem email, é o Zé Colaço que serve de pombo correio...





Mote (Luís Graça)



Sois os últimos moicanos,
Os do Como e do Cachil,
Se a guerra vos tirou anos,
O bom irã dá-vos mil!



Glosa(Chico Santos)

Fomos os últimos moicanos,
No Como cheios de sebo,
O bom irã dá-nos mil anos,
De seres do além não percebo.

Errar resposta não quero,
Por isso à box me encosto,
A minha educação é zero
E, como nada sei, até gosto.

A escola para mim foi pouca,
Só respondo à m'nha maneira,
É que ás vezes eu abro a boca,
Entra mosca ou sai asneira.




Mote (Chico Santos)




A escola p’ra mim foi pouca,
Só respondo à m’nha maneira, 
É que ás vezes eu abro a boca,
Entra mosca ou sai asneira.



Glosa(Luís Graça)



A escola p’ra ti foi pouca,
Mas és poeta popular,
Fizeste uma guerra louca,
E estás cá para a contar.

Só respondes à tua maneira,
És forte na desgarrada,
Tens sempre uma na algibeira,
E outra melhor artilhada.

Ainda bem que abres a boca,
P’ra fazeres prova de vida,
Não és dos de orelha mouca,
Dás a resposta devida.

Entra mosca e sai asneira
Na boca de alguns senhores,
Que até falam de cadeira,
Armados em professores!

... Com um alfabravo fraterno para os dois bravos da CCAÇ 557, o Francisco Santos e o José Colaço. (**)



Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como > Cachil > Março de 1964 > CCAÇ 557 (1963/65) Construção do aquartelamento de Cachil na sequência Op Tridente (de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964) > À boa maneira do faroeste americano...  uma paliçada, neste caso feita de troncos de cibe!

Foto: © José Colaço (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do editor:

Guiné 61/74 - P17950: Parabéns a você (1337): António da Costa Maria, ex-Fur Mil Cav do Esq Rec Fox 2640 (Guiné, 1969/71); António João Sampaio, Ex-Alf Mil da CCAÇ 15 e ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 4942/72 (Guiné, 1973/74); Ernesto Ribeiro, ex-1.º Cabo At Art da CART 2339 (Guiné, 1968/69) e João José A. Martins, ex-Alf Mil Art do BAC 1 (Guiné, 1967/70)



 João José Alves Martins


Nota do editor:

ÚLtimo poste da série >  6 de novembro de 2017 >  Guiné 61/74 - P17938: Parabéns a você (1336): Jorge Cabral, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 63 (Guiné, 1969/71)

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17949: Notas de leitura (1012): "A Antepenúltima Caravela", de Emanuel Filipe, inserido na obra “Os Anos da Guerra, 1961/1975, Os portugueses em África, Crónica, Ficção e História”, organização de João de Melo, colaboração de Joaquim Vieira, Círculo de Leitores e Publicações Dom Quixote, 1988 (Abel Santos)



1. Em mensagem do dia 2 de Novembro de 2017, o nosso camarada Abel Santos, (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), enviou-nos o texto, que se publica com a devida vénia, da autoria de Emanuel Filipe, que faz parte da obra “Os Anos da Guerra, 1961/1975, Os portugueses em África, Crónica, Ficção e História”, organização de João de Melo, colaboração de Joaquim Vieira, Círculo de Leitores e Publicações Dom Quixote, 1988.[1]


A ANTEPENÚLTIMA CARAVELA 

pp. 205-212) (excerto)

por Emanuel Filipe

Há treze anos de guerra, e ainda se julgam inocentes, limpos, sem nódoas de sangue na roupa, nem indícios de pólvora nos poros minúsculos das mãos. Deixara apenas de poder suportá-los, tanto quanto ao homenzinho que, lá dentro aos microfones de bordo, entre uma música e a seguinte, aproveitava para contar uma anedota sem graça. Esgotara-se há muito o reportório das suas mulheres maliciosas e cínicas. Não havia pachorra para ouvi-lo imitar os improvisos do general Spínola. E a ninguém ocorria que o general Kaúlza pudesse ser comparado a um treinador de futebol.

Quem poderá compreendê-los, a esses homens, quando daqui a algum tempo, estando nós longe deles, pudermos acusá-los de tudo o que nos aconteceu em África? Vê-los-emos baixar os olhos e cerrar os punhos, apenas. Seremos infinitamente piores do que eles. Somos a geração do ódio, da vingança desnecessária e do discurso fácil. Cometeremos não os seus crimes sórdidos, mas crimes de palavra, delitos ociosos. Quem poderá então compreender-nos também a nós?


Homens geralmente brunidos, em cujas fisionomias avançavam já os primeiros sinais de velhice, mas os subalternos jamais perdoariam o toucinho dos seus ventres, o princípio da calvície, as suíças ruivas ou malhadas e sobretudo os dentes postiços. Começavam a cheirar a treze anos de guerra, em comissões sucessivas, e ao sacerdócio político das armas. Não poderia haver compaixão para esses homens proscritos?


Passaram os anos, mas nunca mais seremos os mesmos. Vivos e mortos por dentro, e não mais aqueles rapazinhos especializados à pressa, para fazer uma guerrazinha menor, onde nunca nada de importante aconteceria. Passaram os anos, e o país continua heroicamente de cócaras, mas se o puserem a falar do seu remorso de guerra, só um arrepio conseguirá atravessar-lhe a voz. (...)


Vd. aqui o índice da obra, na qual colaboraram alguns escritores consagrados.
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Notas do editor

[1] - Vd postes de:

23 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16124: Nota de leitura (841): “Os Anos da Guerra, 1961/1975, Os portugueses em África, Crónica, Ficção e História”, organização de João de Melo, colaboração de Joaquim Vieira, Círculo de Leitores e Publicações Dom Quixote, 1988 (1) (Mário Beja Santos)
e
27 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16140: Nota de leitura (842): “Os Anos da Guerra, 1961/1975, Os portugueses em África, Crónica, Ficção e História”, organização de João de Melo, colaboração de Joaquim Vieira, Círculo de Leitores e Publicações Dom Quixote, 1988 (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 6 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17940: Notas de leitura (1011): “A PIDE no Xadrez Africano, Conversas com o Inspetor Fragoso Allas”, por María José Tíscar; Edições Colibri, 2017 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17948: Agenda cultural (603): Tertúlia de antigos Combatentes, subordinada ao tema "Histórias Com Rosto", a realizar no dia 17 de Novembro próximo, às 21,30 horas, no Auditório Municipal de Esposende (Fernando Cepa, ex-Fur Mil Art da CART 1689)



Mensagem do nosso camarada Fernando Cepa, (ex-Fur Mil Art da CART 1689/BART 1913, Catió, Cabedú, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), dando-nos notícia de uma tertúlia de antigos Combatentes, subordinada ao tema "Histórias Com Rosto", a levar a efeito no próximo dia 17, às 21,30 horas, no Auditório Municipal de Esposende.

Caro Amigo Carlos Vinhal. 
Logo que possível, agradeço que estudes a possibilidade de inserir no nosso blogue, TABANCA GRANDE, o cartaz anexo, referente a uma tertúlia sobre Ex-Combatentes que se realizará no dia 17 de Novembro de 2017 no Auditório Municipal de Esposende. 

Grato pela atenção. 
Um grande abraço 
Fernando Cepa 
Ex-Furriel Miliciano 
Cart 1689 - Bart 1913 
Guiné
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17946: Agenda cultural (602): Hoje, às 18h30, no Porto, FNAC Santa Catarina: lançamento do último livro do escritor Carlos Vale Ferraz (e nosso camarada de armas, Carlos Matos Gomes),"A Última Viúva de África". Apresentação por David Martelo

Guiné 61/74 - P17947: Os nossos seres, saberes e lazeres (239): Lesmahagow, adeus a Moffat, primeiro dia em Manchester (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 9 de Agosto de 2017:

Queridos amigos,
Já estamos no fim da festa, o viandante parte no dia seguinte de Moffat para Manchester. Vibrou com a campanha eleitoral e há muitos anos que não passava a noite acordado, a ver o resultado e os comentários das eleições britânicas. Apanhou a campanha eleitoral do princípio ao fim, por pura coincidência, via diariamente os noticiários e estava atento à reação dos eleitores, aos apontamentos da propaganda, ao teor das mensagens. O fenómeno mais surpreendente a partir da segunda semana da campanha foi a ascensão meteórica de Jeremy Corbyn, enchia estádios e grandes espaços, trazia ideias novas, prometia um Brexit diferente, o aprofundamento do diálogo europeu.
Quanto à Escócia, ela é inesquecível, propositadamente não se foi a Glasgow nem Edimburgo, o viandante agora anda a cismar num passeio até ao Norte e apanhar um barco até à Islândia, ou escolher um porto da costa ocidental e passar para a Irlanda. A seu tempo se verá, por ora saboreiam-se gratas recordações.

Um abraço do
Mário


Lesmahagow, adeus a Moffat, primeiro dia em Manchester (8)[1]

Beja Santos

Acreditem que o viandante viveu aqui, na noite das eleições legislativas da Grã-Bretanha, tempos emocionantes. Acompanhou diariamente a evolução da campanha, deu para perceber que a senhora primeira-ministra da Escócia estava a meter-se em trabalhos escusados quando propunha um segundo referendo para a independência do país, como é evidente tratava-se de assunto subalterno num período crucial em que era preciso dizer em que tipo de Brexit se pretendia votar, o partido nacionalista escocês perdeu para os conservadores e trabalhistas. Theresa May pedia tudo: maioria absoluta com esmagamento dos trabalhistas, um governo credível para negociar em força o Brexit, passou a ser visível nos ecrãs que tudo era enfadonho, as passeatas não tinham povo e as que tinha era com gente com pouco ânimo; os liberais democratas ainda não estavam refeitos da queda depois da governação conjunta com David Cameron, exigiam um novo referendo, continuam europeístas, ganharam alguns deputados. E desde os primeiros dias da campanha que se notava um fôlego crescente nas movimentações dos trabalhistas, Jeremey Corbyn, o seu dirigente, fazia passar mensagens substantivas, eloquentes e acessíveis, mostrava-se motivado e ardoroso, enchendo estádios e praças. Naquela noite, pelas 22 horas prefixas, anunciaram-se as previsões: os conservadores ganhariam sem maioria, haveria uma subida espetacular dos trabalhistas e um afundamento total da extrema-direita, o partido de Nigel Farage pulverizava-se. Tudo isso se viu e comentou numa noite fervilhante, inesquecível. No dia seguinte apanhei este desenho de humor que para o viandante só comprova que é a dimensão do desenho onde o génio é mais rasgado, para captar as ironias do quotidiano: as farroncas de Theresa May engoliram-na à dimensão microscópica. E o Reino Unido ficou ainda mais dividido, mais confuso e com um Brexit mais conflituoso.



O viandante acordou tardíssimo, já a companha andava agitada a discutir os resultados das eleições. Tinha-se acordado que era dia de folga, cada um amanhava-se, depois de comido o viandante foi para as estações dos autocarros, era muito tarde para ir até Glasgow, pediu um bilhete para a estação seguinte, Lesmahagow, acabou por não se arrepender, viu colinas verdejantes, ribeiros serpentantes, florestas densas, muito verde e rochas. Desembarcou, apeteceu-lhe um café e ainda hoje tem remorsos de não ter pedido licença para tirar uma fotografia a um canto cheio de dvd’s, cd’s e livros, tudo a uma libra, para as crianças de um hospital. São coisas que embevecem, este tipo de solidariedade de entregar o que já não nos faz falta e neste caso dar algumas alegrias a crianças hospitalizadas. Tomou-se o café e começou a deambulação.


É frequente ver-se edifícios exclusivamente dedicados ao culto maçónico, na Grã-Bretanha. O viandante impressionou-se com a sobriedade do templo e tomou nota. Mais tarde, procurou explicação para a premência do culto maçónico, alguém justificou que os maçons intervêm em muita filantropia local, o que lhes dá credibilidade, ninguém lhes atribui conotações sinistras.


Esta digressão não tem história, é turismo à carta e de proximidade, nada havia de retumbante mas o viandante entrega-se a pormenores, realça-os e argumenta consigo próprio que mesmo em sensaboria urbanística há sempre um dado que se impõe, peculiar, se não original. É o caso desta fonte, uma boa peça da arquitetura do ferro, felizmente que não há razão a pretexto de por ali qualquer outro equipamento urbano. Feliz da vida, regressa-se à base, está um dia chocho, nada como andar a bisbilhotar pelas ruas de Moffat, a fazer horas. Amanhã começa o regresso, é preciso registar as últimas impressões, Moffat é um local inesquecível.


A próxima etapa é Manchester, para fazer economias é melhor ir dormir num quase arrabalde, escolheu-se Chorley, pelo bom preço e por estar a 20 minutos da grande cidade. Chorley não tem 40 mil habitantes foi até aos anos 1970 um dos muitos polos algodoeiros do país, não se via à vista desarmada monumentos significativos. O viandante encontrou um templo anglicano em horário de ofício, aproveitou para fazer as suas orações. E depois lançou-se à procura de espaços verdes, entardecia. Pois foi precisamente aqui que se encontrou um monumento tocante. Vejam com atenção. É tudo simples, feito de madeira, uma veneração àqueles que tombaram na guerra, em cada um dos capacetes uma papoila, símbolo das gotas do sangue derramado sobretudo na Flandres. O que mais impressionou o viandante é dar-se a dignidade ao dever de memória com materiais tão simples, tão diretos à reflexão.


Manchester é a segunda cidade da Grã-Bretanha, é uma típica cidade do Norte da Europa, sente-se a pujança dos negócios, há a lembrança do que foi nos tempos do império. Tudo compacto, mas não deixa de ser chocante o contraste entre uma certa sumptuosidade da arquitetura e o caos das lojas, cada cor o seu paladar, a visão da sumptuosidade sai sempre menorizada.


Ao atravessar a rua, viandante e companha são confrontados com uma manif em Piccadilly Gardens Manchester, unidos contra o racismo e o ódio, uma constelação de grupos vem protestar contra organizações da direita radical, havia bancas dos comunistas, dos trotskistas, dos LGBT. O viandante entrou certamente no momento aceso de discursos, os manifestantes contra o racismo e o ódio procuravam cercar a área onde estavam os manifestantes da direita radical. Uma chuva de ovos passou rente, viandante e companha, por prudência, mudaram de local, mas com a excitação de terem participado numa manif em direto.


O principal museu de Manchester é Manchester Art Gallery, riquíssima em arte ocidental, o peso da coleção começa com os mestres holandeses, segue para o século XVIII e os românticos, os britânicos novecentistas estão ali praticamente todos, a começar pelos pré-rafaelitas, os grandes pintores do século XX têm ali acento, é o caso de Francis Bacon e Lucian Freud.


O viandante sempre venerou este senhor Bacon que torce e retorce até tornar nítido a vertigem dos movimentos. Há ali algo de animalesco, a fúria do que se torce e contorce, o sombreado das cores e o vórtice do sangue, tudo em espaços fechados. Podem supor-se inúmeras metáforas, para o viandante o impacto é a construção do homem, o que o acompanha toda a vida entre quedas e levantamentos. Não sei como lhe agradecer, meu caro Bacon, estes momentos tão felizes na sua companhia!


Freud é outra representação, o predomínio dos tons cerúleos e acinzentados, a preocupação pelos enquadramentos onde só cabem certos volumes, é uma fuga ao retrato convencional. Trata-se de um quadro seguramente da juventude, Freud irá evoluindo para a exibição carnal, nunca perdendo o sentido figurativo, a sua genialidade nunca foi contestada, o seu retrato de Isabel II já faz parte da lenda da pintura.


Está a chegar ao fim o primeiro dia em Manchester, estes casarões vitorianos, eduardianos, estas réplicas muito tardias de um medievalismo que ainda excita as imaginações, espalham-se por esta cidade onde houve um grande orgulho cívico, aqui foi um centro irradiante do dinheiro das minas, de grandes fábricas, do capitalismo próspero dos séculos XIX e XX. Só para olhar toda esta monumentalidade vale a pena calcorrear Manchester.



Em caso algum o viandante fica indiferente ao reconhecimento que se faz a quem deu a vida pela pátria. Num jardim, encontraram-se estas duas modestas lápidas, têm um profundo significado, lembrar os outros que combaterem ao nosso lado e que as gerações seguintes puramente ignoram e lembrar os filhos da terra que se associaram ao mais sublime dos deveres cívicos. Eu sei que é assim por todo o Reino Unido, e aqui já se deixaram imagens eloquentes, lápides em colégios de Oxford e Cambridge, monumentos singelos em aldeias, vilas e cidades, testemunhos de um desmedido compromisso para assegurar a independência do país e dos aliados. E o que mais assombra é que este orgulho no testemunho está embebido na cultura, faz parte do entendimento humano, é um aporte histórico irrecusável. O que nos faz pensar quanto ao nosso desmazelo e indiferença.

(Continua)
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Notas do editor

[1] - Poste anterior de 1 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17922: Os nossos seres, saberes e lazeres (237): Em Drumlanrig Castle, o esplendor dos jardins escoceses (7) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 2 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17924: Os nossos seres, saberes e lazeres (238): Mais uma vez os velhinhos (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547)