terça-feira, 7 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17942: In Memoriam (308): Nelson Batalha (1948-2017), um dos 15 "ilustres TSF" do meu curso, meu padrinho de casamento, meu grande amigo e camarada... Natural de Setúbal, ferido em Catió, e depois de 10 anos a lutar contra o Alzheimer, acaba de cambar o Rio Caronte... A título póstumo, passa a integrar a nossa Tabanca Grande, sob o lugar nº 759 (Hélder Sousa, régulo da Tabanca de Setúbal)



Foto nº 1 > Setúbal > Encontro dos "Ilustres TSF" > 2009 > Nelson Batalha (à direita) , com José Fanha (, à esquerda)


Foto nº 2 > Nelson Batalha (à direita): em Bissau, no Pelicano, provavelmente em finais de 1971, em que estou com ele e com o Fernando Roque (ao centro)...


Foto nº 3 > Nelson Batalha: no Hospital de Setúbal, num dos últimos internamentos. [Registe-se o gesto de grande ternura da  esposa  Maria José.  O casal tem dois filhos, um rapaz e uma rapariga.]

Fotos (e legendas): © Hélder Sousa (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do nosso colaborador permanente, amigo e camarada Hélder Valério de Sousa (ex-fur mil trms TSF, Piche e Bissau, 1970/72; régulo da Tabanca de Setúbal):


Data: 6 de novembro de 2017 às 18:38

Assunto: Falecimento do nosso "camarada da Guiné" Nelson Batalha


Caros amigos e camaradas:

Caso entendam que este mail 'tem cabimento', façam o favor de o utilizar.

Sei que o "nosso Blogue" não pode, nem deve, ser um repositório de aniversários e obituários. Também não sou um "datista", daqueles que vivem obsecados pelas datas das efemérides e dos seus acontecimentos pessoais.

Mas, e há sempre um "mas", por estas alturas "elas", as datas, vêm ter comigo e nessa ocasião vêm as recordações.

Em 26 de Outubro passado ocorreu a data "oficial" da minha partida para a Guiné. Por razões que já por aqui contei, o barco, o cargueiro Ambrizete, nesse dia dos 'adeuses' às famílias,  fez-se ao largo da baía de Cascais para, segundo a terminologia que ouvi e recordo, "fazer agulhas" e regressou a Lisboa para reparações.

Por tal motivo a real data da partida foi a 3 de Novembro, depois das 22:00. A chegada a Bissau foi no dia 9 de Novembro, manhã cedo. A partida definitiva da Guiné foi a 10 de Novembro, dois anos depois.

Mesmo que não queira, estas datas estão tão próximas que quando uma delas surge as outras vêm por arrasto.

Mas este ano há um novo elemento a registar. Exactamente uma semana antes, a 19 de Outubro, faleceu um dos meus camaradas de Curso de TSF, a cujo conjunto de elementos costumamos auto-designarmos por "Ilustres TSF".

Trata-se do Fur Mil TSF Nelson Batalha, meu companheiro, conjuntamente com o Manuel Martinho, dessa viagem que costumamos também por designar "o cruzeiro das nossas vidas".

O Batalha, portanto também "nosso camarada da Guiné",  esteve em Catió, para onde foi depois de jogar às moedas comigo para ver quem ia para Catió ou para Piche. Em Catió foi ferido [, com um estilhaço de canhão s/r] num ataque que ocorreu em 14 de Abril de 1971 e evacuado para o HM de Bissau. Depois disso foi para a "Escuta" para onde também fui um mês mais tarde, conjuntamente com outros "Ilustres" e onde desempenhámos as nossas funções até ao final da comissão.

O Batalha é meu padrinho de casamento [e a esposa, Maria José, a madrinha].

Desde já há bastante tempo que a sua saúde e o 'discernimento' se vinham a deteriorar.

Ainda o levei a um dos nosso primeiros Encontros [Pombal, 28 de abril de 2007]a ver se o animava e se o "estar com malta daquele tempo" o ajudava, mas a verdade é que o seu estado se foi agravando,  sendo que nos últimos dois anos já os passou internado num Lar da Santa Casa da Misericórdia, em Setúbal, com intermitentes passagens pelo Hospital.

Finalmente encontrou descanso.

Cada vez que o ia visitar ao Lar vinha de lá cada vez mais constrangido.  Em grande parte pela impotência para poder fazer o que quer que fosse para tentar reverter aquela situação e também por verificar a inevitabilidade dum desfecho que acabou por ocorrer em sofrimento.

Dos 15 jovens que em finais de Setembro, depois das respectivas recrutas na 3ª incorporação no 1º Ciclo do CSM, se apresentaram no então BT em Lisboa para fazer o 2º Ciclo do CSM na especialidade de TSF, 3 deles já 'fizeram a travessia de Caronte': 

(i) foi o Luís Dutra, na sequência de problemas pulmonares, ao que parece motivado pelo tabaco;

(ii) foi o António Calmeiro (*), após várias 'batalhas' com uns bichinhos que às vezes lhes chamam de metástases;

(iii) foi agora o Nelson Batalha na sequência de um processo degenerativo e de "Alhzeimer".


O curioso é que todos eles estiveram na Guiné. E tendo em conta que dos tais 15 do Curso ficaram por cá 2 e foram mobilizados 13, sendo que 7, portanto mais de 50%, foram para a Guiné, isso dá que pensar.... 

Meus amigos, façam o favor de viver com alegria os tempos que nos restam pois bem sabemos que a 'nossa vez' está para chegar.e cada vez mais próxima.

Hélder Sousa

PS - Envio três fotos de grupo com o Nelson Batalha: (i)  no Encontro em Setúbal, em 2009, com José Fanha; (ii) em Bissau, no Pelicano, provavelmente em finais de 1971, em que estou com ele e com Fernando Roque;  (iii) no Hospital de Setúbal, num dos últimos internamentos.


Pombal > Restaurante "O Manjar do Marquês" > 28 de abril de 2007 > II Encontro Nacional da Tabanca Grande > Nesta foto (parcial, do Grupo), o nosso camarada Nelson Batalha está assinalado com a elipse encarnada. (A amarelo e a verde, respetivamente, aparecem dois representantes da CCAÇ 2402/ BCAÇ 2851 (1968/70), o Raul Albino e o Maurício Esparteiro)... Outros grã-tabanqueiros são facilmente reconhecidos. Fo o único encontro da Tabanca Grande em que compareceu o Nelson Batalha (1948-2017), e já com os primeiros indícios da doença que o há-de vitimar.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2007). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Viseu > VII Encontro dos "Ilustres TSF" > 20 de abril de 2016 (**) > O Nelson Batalha terá ido aos dois primeiros encontros da... Tabanca de Setúbal.


Viseu  > VII Encontro dos "Ilustres TSF" >  20 de Abril de 2016 > No "Bar de Gelo", por ser talvez mais difícil reconhecer as personagens, temos, da esquerda para a direita. M. Martins, E. Pinto, J. Reis, H. Sousa, M. Rodrigues, C. Lã, F. Cruz, J. Fanha e F. Marques. (O Nelson Batalha também já não pôde comparecer, por razões de saúde). (**)

 

Porto > Ribeira > 27 de maio de 2015 > VI Encontro dos "Ilustres TAF" > Em baixo o C. Lã. De pé, da esquerda para a direita: A. Calmeiro (já entretanto falecido), M. Rodrigues, E. Pinto, J. Reis, H. Sousa, M. Martins, F. Cruz, e F. Marques. (O Nelson Batalha  já não compareceu por razões de saúde...). (**)


Foto (e legenda): © Hélder Sousa (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

2. Comentário do editor:

Meu caro Hélder, a estatística da morte é (e sempre foi) para nós muito pesada, ontem, no teatro de operações da Guiné, e hoje, já  aos km 60/70/80 da picada da vida...

No caso dos 15 "ilustres TSF" do teu curso do 2º Ciclo do CSM, três "baixas mortais" representam 20% do total... Depois do Dutra e do Calmeiro, chega agora a triste notícia da morte do Nelson Batalha, depois de mais de uma dezena de anos de doença crónica degenerativa (*).

Vejo a tua impotência, a tua desolação, a tua dor que, desde há muito, partilhavas connosco, sempre que falavas do Nelson Batalha(*)... Finalmemnte, ele fez a cambança do Rio Caronte... que os vivos não podem atravessar nos dois sentidos (para a mitologia grega, só os heróis, "mais do que homens, menos que deuses", tinham o privilégio de poder "cambar", para lá e para cá...)-

Estamos contigo, com a família (, a esposa Maria José, os dois filhos, um dos quais, o rapaz, a viver na Holanda) , os amigos e os camaradas do Nelson. E o Nelson  não vai ficar na "vala comum do esquecimento", vai ficar connosco, sob o simbólico e sagrado poilão da nossa Tabanca Grande. Temos um lugar para ele,o nº 759.

Ele e tu e os "ilustres TSF" que ainda estão vivos bem o mereceis. E o Nelson, que foi ferido na Guiné, em Catió. e lutou na fase final  da sua vida contra o Alzheimer, bem o merece: não é o Panteão Nacional, bem sabes, é bem melhor, muito melhor, é a nossa Tabanca Grande, acolhedora, quente e fraterna, onde estão os amigos e camaradas da Guiné e o repositório das suas memórias. (***)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 5 de agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3112: História de vida (13): O meu amigo Nelson Batalha (Helder Sousa)

(...) Acontece que este meu amigo não tem passado muito bem (acho que é vulgar dizer-se isso sobre quem esteve em teatro de guerra...), tem problemas de alzheimer (ainda não muito desenvolvidos) e nunca recuperou bem depois de ter acabado a sua profissão (era Despachante Alfandegário), sendo que da guerra da Guiné ainda guarda no corpo alguns estilhaços que foram absorvidos pela massa muscular, estilhaços esses adquiridos em Catió aquando do ataque a esse aquartelamento/povoação em Abril de 1971 (salvo erro a 13 ou 14).

Isto vem a propósito do seu aniversário, que foi no passado dia 15 de Junho, e que mais uma vez me deixou um pouco deprimido pela impotência que sinto em não o poder ajudar mais. (...)


(**) Vd. poste de 7 de maio de  2016 > Guiné 63/74 - P16062: Convívios (740): VII Encontro de Os Ilustres TSF, ocorrido no passado dia 20 de Abril em Viseu (Hélder V. Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF)

(...) Não sei dizer como, quando e quem começou a chamar "Ilustres TSF" aos jovens a quem,  depois de fazerem o 1.º Ciclo do CSM no 3.º Turno de incorporação em 1969, lhes calhou em sorte essa especialidade (TSF), tirada a partir do final de Setembro desse ano no então BT à Graça/Sapadores, em Lisboa.

Isso agora não importa, o que para o caso deve ser notado é que esse grupo foi constituído por 15 'jovens mancebos', de locais muito dispersos do País e que hoje ainda persistem em manter os laços, fortes e indestrutíveis, que então os uniu e que os motiva a procurar materializar estes Encontros.

Acontece que os problemas de saúde também vêm atormentando os seus membros. Dos 15, tanto no 6.º Encontro no ano passado, no Porto, como no 7.º Encontro, este ano recentemente ocorrido em Viseu, foram 9 os presentes.

Um já faleceu (vítima de doença 'incurável'...), um outro anda travando batalhas sucessivas com uns 'bichinhos' desse tipo, outro (meu padrinho) está incapaz de se juntar a nós com problemas originados pelo "senhor alemão", outros têm outros tipos de problemas, pelo que a consciência que temos vindo a tomar de que é imprescindível manter esta chama (da amizade, do convívio) viva tem conseguido vencer obstáculos.

No Porto, o ano passado em 27 de Maio, conseguiu-se com que, ao fim de décadas, nos reencontrássemos nessa cidade. Foi bastante bom, o dia estava quente, o 'Porto turístico' lá estava para nos mostrar o que evoluiu (com os ganhos e perdas que isso acarreta).  (...)

Como tudo correu bem e como nos apercebemos de que este tipo de Encontros nos fazem bem, nos 'rejuvenescem', decidimos logo ali não deixar passar muito tempo para que novo Encontro ocorresse e desse modo ficou aprazado que este ano de 2016 seria em Viseu.

E assim foi. Lá estivemos novamente 9, sendo que esta ano o A. Calmeiro não teve possibilidade de participar por motivo dos tratamentos que anda a fazer mas no lugar da sua falta apareceu o J. Fanha, o que muito nos alegrou. (...)


(***) Último poste da série > 24 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17899: In Memoriam (307): Ivo da Silva Correia (Fajonquito, c. 1974 - Bissau, 21/10/2017)... Era filho de um camarada nosso, da CCAÇ 3549 (Fajonquito, 1972/74). Morreu sem conhecer o pai português... É tarde, mas ainda vamos a tempo de lançar uma petição pública para que estes pobres "filhos do vento" vejam reconhecido o seu direito a serem também portugueses, além de guineenses... O "Ibu" passa a ser, a título póstumo, o membro nº 758 da nossa Tabanca Grande!

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17941: Convívios (830): Os "últimos moicanos", o pessoal da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), fizeram prova de vida em 4 do corrente, em Sapataria, Sobral de Monte Agraço (José Colaço / Francisco Santos)

 Foto nº 1

 Foto nº 2


Foro nº 3

Sobral de Monte Agraço > Sapataria  > Restaurante  O Ferrador > 4 de novembro de 2017 > Convívio anual do pessoal da CCAÇ 557 (1963/65)

Fotos (e legendas): © José Colaço (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Versinhos do Francisco Santos, poeta popular.



1. Mensagem, de 4 do corrente, do José Colaço:

[Foto à esquerda: José Botelho Colaço ex-soldado trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), membro da nossa Tabanca Grande desde 2 de junho de 2008: tem 70 referência no nosso blogue.]


Caríssimo amigo Luís e editores,  como tinha sido anunciado (*) realizou-se hoje,  04-11-2017 , o almoço anual de convívio dos veteraníssimos ex-militares da CCaç 557 e,  como vem sendo hábito,  com a honrosa e agradável presença do nosso comandante da Tabanca da Linha,  Jorge Rosales,  pois ele é já uma peça insubstituível na família da CCaç 557.

Segue em anexo, e em  formato jpg,  o poema do nosso tabanqueiro,  o poeta popular Francisco dos Santos, e mais as seguintes fotos:

(i) Foto nº 1 > ao centro e na fila de trás o comandante da Tabanca da Linha Jorge Rosales, na fila da frente o primeiro da segunda linha à esquerda o nosso poeta popular Francisco dos Santos, a segurar um saco de papel o Sr. Coronel reformado João Luís da Costa Martins Ares, comandante da CCaç 557;

(ii) Forio nº 2 > O Sr. coronel Ares,  comandante da CCaç 557 no discurso directo a saudar todos os presentes e com o improvisado fotocine Z´w Colaço à frente a tentar gravar as palavras do comandante;

(iii) Forto nº 3 > À esquerda,  Jorge Rosales, ao centro o ex-1º-cabo João Casimiro Coelho , organizador do almoço e à direita o Sr. Coronel Ares,  Comandante da CCaç 557

  Nota: neste dia, e como é habitual,  o Sr. coronel Ares leva uma grande "porrada", é despromovido e passa de Coronel a nosso Capitão. (**)

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Notas do editor:



Guiné 61/74 - P17940: Notas de leitura (1011): “A PIDE no Xadrez Africano, Conversas com o Inspetor Fragoso Allas”, por María José Tíscar; Edições Colibri, 2017 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Outubro de 2017:

Queridos amigos,

A investigação de María José Tíscar sobre as redes de informações da PIDA/DGS em África abre com um importante capítulo que nos dá em grande ecrã os serviços de informação na guerra colonial, nesse contexto aparece um jovem alferes na Guiné, António Fragoso Allas, que vive fundamentalmente na região de Bedanda, Tombali.

No regresso, tendo-lhe sido obstada a carreira militar, ingressa na PIDE e o seu trabalho ganhará notoriedade quando vai participar na restruturação das informações da PIDE em Angola. Spínola pretende os seus serviços logo em 1968, só depois do que aconteceu na operação Mar Verde é que recebeu assentimento da PIDE em Lisboa.

Neste texto abordar-se-á o assassinato de Cabral, Fragoso Allas montara uma rede de informação que conta com os djilas e atingia o PAIGC em pontos nevrálgicos, houve contactos com figuras guineenses, com destaque para Nino Vieira. E esclarece-se, creio que corretamente, que nem Spínola nem a PIDE tiveram algo a ver com o assassinato do fundador e líder máximo do PAIGC.

Um abraço do
Mário


De leitura obrigatória: o diretor da PIDE/DGS na Guiné, no tempo de Spínola, na primeira pessoa (2)[1]

Beja Santos

O livro intitula-se “A PIDE no Xadrez Africano, Conversas com o Inspetor Fragoso Allas”, por María José Tíscar, Edições Colibri, 201.

Já aqui se escreveu como Allas chega à Guiné para chefiar a delegação da PIDE/DGS em meados de 1971, depois de muita insistência de Spínola. Do seu depoimento, fica bem claro que o seu trabalho parecia praticamente ignorado pelos serviços centrais da polícia política, não se percebe muito bem se por azedume quando Spínola pretendeu prender o seu antecessor, Matos Rodrigues, de algum modo responsabilizado por deficientes informações que conduziram aos péssimos resultados da Operação Mar Verde. Por que teria sido Allas tão insistentemente solicitado por Spínola? O entrevistado responde:

“O objetivo do general era ter alguma sensibilidade para perceber melhor o que se passava no interior do PAIGC, sem provocar mal-estar. Eu sentia que ele tinha esse interesse em encetar conversações com o PAIGC, mas isso não pode ser feito sem tempo. O mais importante para ele era melhor a pesquisa de informação porque a queria aproveitar para as suas operações. Penso que ele queria chegar a contacto com Amílcar Cabral e, por outro lado, controlar a rede interna do PAIGC na própria província da Guiné, que existia e era importante”.

A conversa centra-se no assassinato de Amílcar Cabral. Spínola terá reagido com desalento à notícia de morte de Cabral: “bem, estamos tramados”. Revela que nunca teve instruções para preparar e mandar executar o assassinato de quem quer que seja: “Matar não tem interesse porque isso complica o problema. Mas nós fizemos muito para levá-los a negociar connosco. Isso é que tinha interesse”.

Nunca a PIDE/DGS em Bissau participou num plano secreto para matar Amílcar Cabral. Não deixa de ser ambígua a resposta que dá à pergunta de um qualquer envolvimento da PIDE em Lisboa: “Eu não sei o que se passava em Lisboa”.

Ambígua e seguramente sujeita a ressentimentos, Fragoso Allas sabia o suficiente para saber que era totalmente impensável montar-se uma operação em Lisboa até Conacri sem ele dispor de informações. Ambígua é também a resposta quanto ao facto dos assassinos de Amílcar Cabral se terem ido apresentar a Sékou Touré, é evidente que os sediciosos, todos guineenses, após terem prendido os quadros cabo-verdianos, teriam que ter um apoio, sem a bênção de Touré estariam perdidos, como ficaram, Touré tinha que dar prova de firmeza e não interferir no conflito entre guineenses e cabo-verdianos, colaborou na cortina de fumo da intervenção da Guiné Portuguesa e até se ficcionou que uma esquadra portuguesa aguardava no limite das águas territoriais a chegada dos sediciosos com os altos dirigentes do PAIGC.




O General Costa Gomes visita a Guiné em Julho de 1973, vive-se uma situação muito crítica. O general pede a Allas para procurar contactar os guerrilheiros guineenses.

“Respondi que depois da morte de Amílcar não tinha contactos válidos no órgão político para esse fim. Poderia contactar o Nino Vieira mas levaria tempo; não tinha peso político na cúpula, mas tinha influência numa parte grande dos guerrilheiros guinéus que já não queriam combater. Este era o nosso melhor trunfo e poderia ter sido aproveitado por nós no palco político internacional”.

Faz reparos críticos a não se ter aproveitado devidamente o contacto com Senghor nem a vontade dos guerrilheiros guineenses se entregarem. Informa que lançou um alerta a Lisboa acerca da possibilidade do PAIGC, em curto prazo de tempo, poder aniquilar algumas guarnições e estabelecer novas áreas libertadas. E mais: “Disse que tínhamos de contemplar a hipótese de se vir a abater um avião, mesmo a hipótese de ser atacado um avião da TAP”.

Como responsável pela PIDE em Bissau, propôs a Lisboa a Operação Safira, destinada a desestabilizar Conacri, isto em fins de 1972 ou princípios de 1973, era uma proposta para se criar uma rede para fazer distúrbios na Guiné Conacri, não obteve resposta, e a operação não chegou a funcionar. Acerca dos aspetos organizativos desta operação, Allas é interpelado sobre a participação de elementos do PAIGC:

“Eles já trabalhavam connosco. Havia um lá dentro que nos vinha dar informações e houve gente dessa que levou explosivos para colocar na Guiné Conacri, em Boké, em Kandiafara, naquelas povoações que mais nos complicavam a vida e onde o PAIGC tinha bases. Um dia punham explosivos numa bomba de gasolina, outro dia num posto de autoridade administrativa… desta maneira, as autoridades de Conacri tinham de tentar controlar a situação”.

O entrevistado deixa a Guiné em Setembro de 1973. “O Governador Bettencourt Rodrigues pediu-me para ficar na Guiné, mas eu já estava muito cansado de tantos anos, seis anos de serviço consecutivos, sem uns dias de férias, e de não ter apoio de Lisboa". 

Perguntado se na altura em que saiu havia alguma inércia nos militares portugueses ou se se continuava a combater como dantes, responde: “Notava-se inércia nos militares portugueses, mas também cansaço da guerra do lado do PAIGC”.

É agora altura de discorrer sobre a obra do princípio ao fim. María José Tíscar dedica o primeiro capítulo aos serviços de informação na guerra colonial, isto para introduzir Fragoso Allas que dedicou a quase totalidade dos seus serviços às informações em África. Este futuro estratega de informações nascido em 1934, que chegou a matricular-se na Faculdade de Medicina de Lisboa, depois de cursar Mafra, embarcou em Agosto de 1957 para Bissau, onde chegou nos primeiros dias de Setembro. Foi colocado em Bolama e mais tarde escolhido para comandar um pelotão que ia ser destacado para Bedanda, na península de Cubucaré, Tombali.

A questão da soberania portuguesa no Sul da Guiné surge em 1959, indicia-se subversão das populações. “Os cipaios diziam que as populações já não estavam tranquilas e que isso era consequência do trabalho dos doutrinadores. Fragoso Allas, não sei baseado em que elementos diz que Amílcar Cabral fez a politização das populações em 1956 e 1957, isto depois de Julião Soares Sousa já ter comprovado que Amílcar Cabral estava a trabalhar em Angola, fez curtas passagens por Bissau para visitar familiares próximos, nunca nesta época e até 1960 Amílcar Cabral fala na existência do PAIGC, certo e seguro esteve em Bissau em Setembro de 1959 onde o rudimentar PAI esboça uma estratégia subversiva para o interior da Guiné e para a sensibilização internacional".

Fragoso Allas escreve o seu trabalho em Bedanda, passou quatro anos nos matos da Guiné. É no seu regresso a Portugal que a sua vida muda, tendo reprovado a entrada na Academia Militar, aceitou o convite do Coronel Homero de Matos, então dirigente da PIDE, para entrar na corporação. Começa trabalhar em cifra e em 1963 vai ter um papel fundamental na reestruturação das informações da PIDE em Angola.

Continua
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Notas do editor

[1] - Poste anterior de 30 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17917: Notas de leitura (1009): “A PIDE no Xadrez Africano, Conversas com o Inspetor Fragoso Allas”, por María José Tíscar; Edições Colibri, 2017 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 3 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17928: Notas de leitura (1010): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (7) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17939: Manuscrito(s) (Luís Graça) (127): O Dia de Fiéis Defuntos na Tabanca de Candoz: aqui a tradição ainda é o que era...


Marco de Canaveses > União das Freguesias de Paredes de Viadores e Manhuncelos > Candoz > Quinta de Candoz > 1 de novembro de 2017 > "Antiga casa de caseiro", fechada há mais de 30 anos... Como outras tantas casas cujos "inquilos" morreram...E as enormes teias de aranha ganham o estatuto de marcas do tempo... É sempre estranho e intimidante entrar numa casa fechada...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Manuscrito(s) (Luís Graça) > A comunhão dos vivos e dos mortos > Paredes de Viadores, 1 de novembro de 2017: aqui a tradição ainda é o que era


Dia de Todos os Santos. Na minha terra, na Estremadura, era o dia do "pão por Deus"… Lembro-me, de puto, de andar também de sacola às costas, em bando, de casa em casa, a "pedir o pão por Deus"...Ia-se sobretudo àquelas casas, dos ricos e remediados, que sempre tinham um pão doce, uma broa, uma guloseima ou um tostão para dar às crianças...que, de certo modo, representavam as almas dos fiéis defuntos, em errância pelo mundo.


Aqui, em Paredes de Viadores, Marco de Canaveses, não há essa tradição, mas é o Dia de Finados (que o calendário litúrgico celebra só amanhã). Estou no recinto da capela de Nossa Senhora do Socorro, no alto da antiga freguesia de Paredes de Viadores, velha ermida cuja origem se perde nos tempos. Terá sido reconstruída por volta de 1877. O cemitério, ao lado, esse, data de 1894.


Como os cristãos se recusavam a ser enterrados fora do "solo sagrado" (ou seja, no interior das igrejas ou do seu adro), por razões de saúde pública, foram criados os primeiros cemitérios públicos em Lisboa, nos primórdios do liberalismo (1835). Mas a medida é ferozmente combatida por grande parte do clero e demais apoiantes da "sociedade senhorial", ou seja, do absolutismo...


A revolta minhota da Maria da Fonte, em 1846, tem a ver também com a proibição, do governo de Costa Cabral, de enterrar os mortos nos recintos religiosos e com o protagonismo dos médicos que passam a certificar o óbito... A sublevação popular que se estende a grande parte do país, leva a soluções de compromisso: a maior parte dos cemitérios públicos, sobretudo no Norte, surgem muito tardiamente, já nos finais do séc. XIX, e são construídos com muros, restos de muralhas e ruínas, e como extensão do "recinto sagrado" (a igreja ou capela e o seu adro) ...É o caso deste cemitério paroquial, rural...


Em 1890, Paredes de Viadores tinha pouco mais de um milhar de habitantes, hoje não chega aos 1300 (censo de 2011).Século e meio de depois, a vida e a morte, o profano e o sagrado juntam-se, mais uma vez, no sítio da antiga ermida de Nª. Sra. do Socorro.





Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Capela de Nossa Senhora do Socorro (restaurada em 1877) e Cemitério da freguesia (1894) > 1 de Novembro de 2008 > O recinto de festas da N. Sra. do Socorro, na freguesia de Paredes de Viadores, enche-se de viaturas e pessoas que, aproveitando o feriado de Todos os Santos, vêm celebrar o Dia dos Fiéis Defuntos, ou Dia de Finados, ou simplesmente Dia dos Mortos, que no calendário religioso é a 2 de Novembro. Hoje há missa às 2 horas da tarde. Depois o padre segue para o cemitério para uma breve cerimónia religiosa, aspergindo com água benta as sepulturas. É um acto de comunhão entre vivos e mortos. Antigamente, creio que antes do Vaticano II, havia três missas, seguidas... Mas mesmo hoje a capela, que data de 1877, torna-se pequena para a multidão que aqui se junta. A fé já não é (nem pode ser) a mesma, mas o ritual mantém-se. Como há séculos. (Comparando com a  foto que tirei em 1 de novembro de 2017, mas que não tenho aqui disponível, a única diferença que se pode notar é no parque automóvel, que melhorou, e nas árvores, agora maiores e mais frondosas, à volta do recinto...). (*).

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Há largas dezenas de viaturas, talvez mais do que uma centena, espalhadas em redor do recinto (capela, cemitério, parque das merendas). São duas da tarde. As pessoas da freguesia (que agora faz parte da união das freguesias de Paredes de Viadores e de Manhuncelos) comem à pressa (ou mais cedo) para chegar a tempo e horas da missa e bênção das campas.

A capela está a rebentar pelas costuras e cá fora há outro tanto "povo" (como aqui se diz). Ninguém quer perder este momento único do ano que é a celebração do Dia de Finados no feriado de Todos os Santos. Há muito que o povo aqui substituiu os santos pelos seus queridos mortos. É, em resumo, o dia em que os vivos falam, em voz alta, com os mortos. Ou melhor: comungam...

É muito povo junto para uma pacata freguesia do Marco de Canaveses, de povoamento disperso, que vai de Mondim a Candoz, e que é servida, no Juncal, pelo comboio da belíssima Linha do Douro. "Cheiram" a fumo e a anho assado no forno com arroz, que é a especialidade gastronómica da região (Marco de Canaveses e Baião). Hoje é dia de comer arroz de forno. Como na Páscoa e na festa de Nª Sra. do Socorro, festa rija com muito fogo de artifício, que se realiza nos finais de julho (*). Mas já não vêm a pé, agora é um "povo motorizado". 


Além disso, a capela fica num alto, com um estradão de acesso, empedrado, muito íngreme. As mulheres, antes de sair dos carros, besuntam-se à pressa com o perfume dos frasquinhos que vão rebuscar nas malas. Porque depois da missa e da procissão até ao cemitério, vão-se beijar todos uns aos outros, os primos, os parentes, os vizinhos, os amigos, alguns os quais vieram de longe, de Ermesinde, da Maia, de Matosinhos, do Porto, de Gaia e até de Lisboa, como eu e a Alice...

Sento-me no muro, enegrecido, do recinto da capela. É já centenário como a capela cujas obras de refundação remontam a  1877, perdendo-se a sua origem no tempo. À volta há sete ou oito oliveiras, bem cuidadas, carregadas de azeitonas, umas já pretas, outras ainda verdes. Lá dentro há um coro de vozes femininas, estridentes. Ouço o “Aleluia”, mas já não sei dizer em que parte vai a missa...


É uma religiosidade ancestral, com profundas raízes socioantropológicas que remontam porventura à época pré-romana e pré-cristã. Quem é vivo e pode deslocar-se, não perde as cerimónias, os gestos, as palavras e as emoções deste Dia de Finados. Pena é que o sol aqui se ponha cedo, por detrás da serra (ou planalto) de Montedeiras. É um catolicismo de raiz pagã, está no ADN desta gente, homem, mulher, criança, velho… “Sou mouro, não há dúvida!”, penso eu com os meus botões.

As campas foram, de véspera, energicamente lavadas e polidas. Com aquele esmero e compulsão que as mulheres do Norte põem nas tarefas de limpeza da casa. Estão cobertas de vistosos ramos de flores e raras são as sepulturas que não têm visitas. Cada família deixa dois, três ou mais círios de 7 dias, acesos. Brancos ou vermelhos, porventura “made in China”. São como as pilhas Duracell que a publicidade diz que duram e duram... À noite, o cemitério é um campo feérico, cheio de mistério, de magia e de interditos. Os vivos e os mortos só se cruzam de dia, e em especial neste dia, o Dia dos Fiéis Defuntos...

Do meu posto de observação, entre uma oliveira e um nicho onde as mulheres vão “queimar” velas de cera, vejo em frente o belo parque de merendas com árvores que mostram a folhagem, de vivas cores outonais. A igreja e a nobreza enquadraram durante séculos esta gente, procurando dar-lhes um sentido para uma vida de "bestas de carga": camponeses, rendeiros, cabaneiros, criados... 


Acendo duas velas por todos os mortos, em todas as guerras do passado deste país que começou aqui, nos vales do Sousa e do Tâmega, e de quem porventura ninguém se vai lembrar neste dia. Na última guerra, a do Ultramar, este concelho perdeu 45 dos seus filhos, mas não encontro, na lista, nenhum combatente aqui de Paredes de Viadores. (Há no concelho, pelo menos, três memoriais ou monumentos aos combatentes da guerra do ultramar, na sede do concelho, em Paços de Gaiolo e em Vila Boa de Quires.)

A fila dos que assistem à missa chega até à grade do portão exterior do recinto da capela. Há carros que continuam a chegar, atrasados ou com gente mais idosa que precisa de apoio de braço para se deslocar até aqui. É já difícil estacionar. Com os lucros da festa de Nª Sra do Socorro, os mordomos vão comprando terras à volta, fazendo muros altos e alindando o sítio.

Reza-se o Padre Nosso com devoção, uns, maquinalmente, outros, mesmo as duas jovens manas, de nariz arrebitado e ar suburbano, que estão aqui ao meu lado, sentadas num banco de pedra. Quem é que não sabe ainda recitar o "Padre Nosso que Estais no Céu", que todos nós, "cristãos, judeus e mouros", aprendemos na escola e na catequese ?

O sino bate, com um som grave, à meia hora das duas da tarde. É espantoso como o sino das nossas igrejas e capelas ainda mexe connosco e as nossas memórias de infância. Estou aqui, a um canto, escrevinhando o meu bloco de notas. E pergunto-me: “Será que eu também sou daqui ?”… 


Venho aqui há 40 anos e ainda há  coisas da idiossincrasia deste povo que me escapam... A Tabanca de Candoz, além da Alice Carneiro, madrinha de guerra de muitos combatentes,  está bem representada, entre amigos e camradas: dos antigos combatentes encontro o Manuel Carneiro (CCP 121 / BCP 12,  BA 12, Bissalanca,1972/74)(**), o José Ferreira, o Zé do Alto,  (que também esteve na Guiné, no início da década de 1970,  antigo presidente da junta de freguesia local, primo da Alice,  empresário); os meus cunhados José Ferreira Carneiro, que esteve em Angola, em Camabatela, 1969/71, e o António Ferreira Carneiro, que foi ferido em Moçambique, Tete, 1964/66)... (O Manuel Carneiro, reformado da CP, residente no Juncal, não tem qualquer ligação de parentesco com a família Carneiro, de Candoz). Falta aqui o Júlio Vieira Marques, exímio tocador de violino, e que a malta da Tabanca de Matosinhos já conhece: também esteve na Guiné em meados dos anos 60 e também faz parte da Tabanca de Candoz.

As pessoas estão há mais de meia hora de pé. Quem está cá fora, a acompanhar a missa, também observa quem chega e como se comporta. Quem chega, abraça, beija ou cumprimenta com aperto de mão quem está ao lado. Todos se conhecem, contrariamente ao pessoal da grande cidade donde eu venho. Todos aqui são primos, parentes, vizinhos ou amigos uns dos outros. Ou foram namorados/as, colegas de escola, companheiros/as da catequese e da comunhão…

Sai, por fim,  a procissão com a cruz à frente e o padre com a caldeirinha de água benta, a caminho do cemitério que fica ao lado, são escassas dezenas de metros de percurso. O sol mal rompe a cortina de nuvens que o estrangula. Dizem que hoje vai chover. O dia está triste, adequado à cerimónia. Continua a rezar-se maquinalmente, eles e elas. Quem está sentado, levanta-se, e toma então lugar na procissão a caminho do cemitério.

Feita a bênção das campas, cada família recolhe-se por uns largos minutos junto da campa dos seus, ajeita os ramos flores, beija os retratos esmaltados dos seus queridos mortos, dá os últimos retoques, faz as suas orações, conta histórias, recorda memórias, mata saudades… Da casa de Candoz, repousam aqui os restos mortais dos nossos dois "mais velhos": Maria Ferreira (1912-1995) e José Carneiro (1911-1996).


Há lágrimas furtivas nalguns rostos...E depois acontece, a seguir, uma descompressão geral. O ambiente torna-se ruidoso e quase festivo e até galhofeiro. A alegria de viver e o forte sentido gregário deste povo não são incompatíveis com o milenar cultos dos mortos. O resto da tarde é passado a beijarem-se e a abraçarem-se, mostrando uns aos outros que estão vivos e bem de vida e de saúde… As mulheres foram ao cabeleireiro, vestiram roupa domingueira, enfim, estão "todas produzidas”, como aqui se diz, com graça.

Chega-se por fim a casa, já noite, com a consciência do dever cumprido, o de velar pelos mortos sem deixar de cuidar dos vivos, duas das 14 obras de misericórdia que fazem parte do legado da nossa ancestral cultura não apenas judaico-cristã como helénica
… “Dei um abraço àquela malta da minha infância, do tempo de escola, que já não via há cinquenta ou sessenta anos… E foi como se fora o último!”, diz alguém de volta ao carro...

Confesso que nunca tinha visto, como aqui, no cemitério da freguesia de Paredes de Viadores, do antigo concelho de Bem Viver, um lugar tão especial, singelo e até ternurento, de socialização. O único dia do ano em que os vivos falam, tu-cá-tu-lá, com os seus queridos mortos. E se juntam, em pé de igualdade, no mesmo espaço,  a antiga nobreza (os "fidalgos" e seus descendentes), o novo clero e o (e)terno povo… 

A um "mouro", como eu, que vem do sul, observador participante, apraz-me registar, com respeito,  no meu bloco,  uma última observação: Aqui a tradição ainda é o que era...(***)


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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

30 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14947: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (12): Há festa na aldeia!...O Grupo de Bombos do Grilo, Baião, na Tabanca de Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses

21 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10702: Tabanca de Candoz: Há a bazuca e a... mazurca; ou aqui não há festa sem música, sem dança no terreiro, sem contradança, valsa, fado, baile mandado..., ou seja, sem as velhas, novas, tunas rurais de Entre Douro e Minho...

2 de novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3394: Blogoterapia (68): Amnésia, vergonha, denegação ou ocultação dos próprios nossos mortos (Luís Graça)

(**) Vd. poste de 7 de outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2163: História de vida (7): Manuel Carneiro, 55 anos, director de rancho folclórico, ex-pára-quedista da CCP 121 / BCP 12 (Luís Graça)

(***) Último poste da série > 30 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17916: Manuscrito(s) (Luís Graça) (126): O fogo que nos redime


Guiné 61/74 - P17938: Parabéns a você (1336): Jorge Cabral, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 63 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 3 de Novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17927: Parabéns a você (1335): Tenente General Pilav António Martins de Matos, ex-Tenente Pilav da BA 12 (Guiné, 1972/74)

domingo, 5 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17937: Blogpoesia (536): "A Terra e o Sol...", "Aquela força..." e "Cantos e recantos...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Foto: © Dina Vinhal


1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


A Terra e o Sol…

Preocupam-me a Terra e o Sol.
Milénios de milénios, brilharam no mundo.
Semeando a vida. No silêncio astral.
Acabada a aventura, temo o escuro das trevas e a morte geral.
Renasça o nada das cinzas.
Acabe-se o tempo. Este vagão carregado. Parado para sempre, sem sopro.
Cessem as dores e as penas.
Se rasguem as vestes e vença a nudez.
De resto, a verdade total.
Tudo ao começo. Mais vale que o estertor da imundície a que a humanidade chegou.
Um deserto do bem. O reino do mal…

Berlim, 2 de Novembro de 2017
7h29m
Jlmg

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Aquela força…

Aquela força que irradia do rosto,
Brilhando nos olhos,
Num sorriso sem fim,
Fez um milagre,
Bem dentro de mim.
Iluminou meu passado,
Carregado de escuro,
Névoas do céu,
Pedaço do mundo,
Me impedindo de ver.
Escondeu-me o caminho,
Talhado no berço.
Feito para amar,
Com corpo e com alma.
Cobriu-me de luto.
Viúvo da vida,
Com sol e luar.
Seara de fruto,
Raiado de cor,
Para comer e para dar.
Afastou-me do mundo,
Encerrou-me num souto.
Pleno de sombras.
Nem vivo nem morto.
Claustros de pedra,
Fria e inerte.
Rochedo do mar,
Batido das ondas,
Coberto de limos.
Cercado de algas,
Enterrado na areia.
Para sempre e para nada…

Berlim, 31 de Outubro de 2017
8h25m
Jlmg


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Cantos e recantos...

Procurei em todos os cantos e recantos desse mundo um lugar de paz.
Onde o sorrir fosse a saudação
E o abraço a despedida.
Conviver e partilhar fosse a bandeira ao alto, desfraldada.
As portas todas pudessem ficar abertas a toda a hora.
Se respirasse confiança pura e verdadeira.
A constituição fosse a consciência.
Onde cada um pudesse ser tudo em plenitude.
O bom, o bem e o belo fossem o lema de cada dia.
Cansado e desiludido, regressei mais pobre.
Afinal, ao pé de mim, eu tenho o mar, o céu e viceja a terra.
Meu refúgio firme é ser quem sou com Deus na minha casa e um bom vizinho...

Berlim, 5 de Novembro de 2017
7h25m
amanheceu com sol
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17914: Blogpoesia (535): "Ao ritmo das marés...", "O lobo-pastor..." e "Nunca arrefeça...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P17936: Fotos à procura de uma... legenda (95): Algures, no CTIG, 29 de dezembro de 1967: uma guarita improvisada... Quem será este camarada ? Onde é que foi tirada a foto ? .. . Uma imagem carregada de simbolismo: criatividade, desenrascanço, abandono, solidão... (Jorge Araújo)


Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo de Mário Soares > Pasta: 06916.004.031 > Título: Guerra da Guiné: exército português em operações.> Assunto: Exército português em operações de guerra na Guiné. Uma guarita improvisada. > Data: Sexta, 29 de Dezembro de 1967 > Fundo: AMS - Arquivo Mário Soares -> Fotografias Exposição Permanente

Citação:
(1967), "Guerra da Guiné: exército português em operações.", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_114442(2017-10-24)


1. Mensagem, de 24 de outubro, do Jorge Araújo, nosso colaborador permanente :

Caro Camarada Luís.

Das muitas visitas que tenho feito ao espólio de Amílcar Cabral, existente na Casa Comum / Fundação Mário Soares encontrei a foto, que anexo, para a qual olhei demoradamente.

Da sua observação mais atenta, fui formulando algumas perguntas para as quais não tive resposta... naturalmente.

- Considerando tratar-se de uma imagem de um camarada nosso (NT), como terá ela chegado às mãos de Amílcar Cabral ?

- De quem se trata?

- Qual a sua Unidade e Local?

Diz a legenda de que é de 1967 (29 de dezembro), ou seja, vai fazer 50 anos.

Será que a poderemos editar com o objectivo de encontrar respostas às questões acima formuladas?

Boa semana.

Com um forte abraço, Jorge Araújo.

PS - Ao rever a foto acima, reparei que ela faz parte do Arquivo de Mário Soares (fotografias da Exposição Permanente) e não do Arquivo de Amílcar Cabral.
As minhas desculpas. Daí, deixo ao critério dos editores a sua publicação... ainda que considere o seu enquadramento de grande valor, pois está carregada de simbolismos: criatividade, desenrascanço, abandono ou solidão, entre outros. É a tal imagem que fala por si... "valendo mais que mil palavras" no dizer popular.

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Nota do editor:

Último poste da série >29 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17915: Fotos à procura de... uma legenda (94): O emboscador emboscado... Ou então: que pena eu não ter sido antes repórter de guerra...

sábado, 4 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17935: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (53): Os "comerciantes" e os "outros"... Lá, em Angola, Guiné e Moçambique, muitas vezes mais valia um ano de tarimba do que dez de Coimbra...



Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (1967/69) > Álbum fotográfico do Victor Condeço > Quartel > Foto 32 A > Pormenor; quatro funcionários dos correios (à esquerda), seguidos de quatro comerciantes, o libanês José Saad (e filha), o Mota, o Dantas (e filha) e o Barros.


 Foto (e legenda) do nosso saudoso Victor Condeço (1943/2010) / Edição e legendagem complementar:  © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Todos os direitos reservados.



I. Três comentários do nosso amigo e camarada António Rosinha, ao poste P17920 (*):


1. No início da Guerra do Ultramar houve sempre uma enorme falta de diálogo entre quem chegava ("tropa") e quem residia ("brancos").

Nunca houve diálogo entre os "brancos" e "tropa", antes pelo contrário. A mentalidade de quem chegava para combater os "turras", diziam os oficiais milicianos, e não só, que estavam ali por culpa dos "brancos" que trataram mal os "pretos" e estes revoltaram-se.

Testemunhei isto em Angola, ao vivo e a cores.

E insistia-se,  e ainda hoje se ilude muita gente, que os comerciantes ("brancos") roubavam os "pretos", quando na realidade, para quem viu por dentro,os comerciantes eram os únicos brancos que se entendiam em várias línguas com o povo.

O comerciante que não tivesse uma afinidade e confiança total com o povo, (várias etnias) podia fazer as malas e mudar de vida,  pois falia muito rapidamente

Nem os missionários nem chefes de posto, (metropolitanos, indianos ou cabo-verdianos) tinham o conhecimento e o relacionamento com os povos, igual ao dos comerciantes.

Foi esta gente o grosso dos "brancos", colonialistas, exploradores e futuros retornados,  que nem Spínola, nem Lobo Antunes, nem os alferes-de-coimbra, chegaram a compreender.

E gente como os estudantes do império, Pedro Pires, Amílcar Cabral, Lúcio Lara,  etc. souberam explorar maravilhosamente esse desentendimento, "tropa"  versus "brancos".

Se em Angola, não na Guiné, a "vitória era certa" contra os "turras", u ma das razões que ninguém menciona, era um entendimento mútuo dos comerciantes,  e mesmo capatazes de fazendas, poliglotas, e sua prole, com os povos, que formavam uma barreira onde o adversário era naturalmente repelido.

Claro que muitos comerciantes ficaram reféns, como este Rendeiro, pois tinham família para cuidar.
Só falo do que vi.

2. A maioria dos comerciantes oriundos de Trás-os-Montes e Alto Douro, Minho e gradualmente por aí abaixo, com dezenas de anos de trópicos, com famílias constituidas lá, brancas ou mestiças, tinham opinião bem mais formada do que qualquer Governador, com comissões de 4 anos, ou Generais e Intendentes de passagem como cão por vinha vindimada ?

E que «antiguidade" devia ser um posto?

É que aquela gente sabia bem mais que qualquer PIDE, que mais que evidente, tiveram pouco sucesso, deviam ser aproveitados inteligentemente, como em muitos casos aconteceu em Angola, para na língua materna dos povos se fazer em directo, a tal luta da psico-social.

Falar os idiomas nativos era sucesso garantido para aquela guerra, comprovadíssimo em Angola.

Só eles mesmo é que tinham esse trunfo nas colónias africanas, a tropa nunca entendeu completamente esse pormenor, e em Angola, só a partir de certa altura (1966 mais ou menos)é que aproveitou os imensos poliglotas que eram esses comerciantes e sua prole.

Atenção que, se olharmos para o PAIGC, MPLA e FRELIMO, tinham na sua direcção, filhos ou netos dessa estirpe de gente, (brancos ou mestiços)e vejam quem ficou no "poleiro" em todas as colónias.

No entanto, havia muitos movimentos que ficaram todos a ver navios, eram os tribais.

O  "pau de dois bicos" dos comerciantes não era propriamente dar informações militares aos "turras", até porque a maioria pouco saberiam do que se passava nos quarteis mais do que qualquer garoto que vivia à volta dos quarteis.

O pau de dois bicos constava em simplesmente em fazer aviados de mantimentos aos "turras" sem os denunciar, caso não pudessem evitar. Eram casos conhecidos publicamente, caso de madeireiros em Angola.

E pelo que se deduzia na Guiné em conversas entre velhos comerciantes, após a luta, com Luís Cabral a mandar, aconteceria esse "fenómeno", era o desenrascanço.

Os únicos que já não eram periquitos, eram esses velhos comerciantes do mato, porque até os da cidade nunca chegaram a saber bem o que se passava no cabeça dos indígenas e dos brancos.

Ao fim de 30 anos nos trópicos, sou um periquito, porque nunca falei com um indígena na sua língua.

3. É natural que da maioria dos militares que passaram pelas colónias, mesmo aqueles que tinham papéis de comando, a nível quer de pelotão ou companhia  ou quer a nível de  batalhão, só poucos se teriam debruçado sobre o que era o "comércio de permuta", que se praticava no interior, não nas cidades, no caso da Guiné, Bissau apenas.

Mesmo em Gabu e Bafatá, quer comerciantes fulas ou caboverdeanos que ficaram com as lojas dos europeus, retornados, alugadas ou usurpadas a estes, ainda praticavam em alguns casos , o comércio de permuta.

Isto em 1987, residi um ano em Gabu onde fui inquilino numa casa de um desses antigos portugueses.

Por exemplo uma simples bola de cera de mel de Canjadude, para ser negociada entre a família vendedora e o comerciante, requeria um diálogo em que se discutia o que podia valer de coisas das prateleiras que podiam interessar aos elementos da família.

Desde óleo, sal, panos, chinelos chineses, arroz...e isto tudo usando argumentos em que na colheita anterior bola de cera idêntica ainda estava na memória de todos, o que tinha rendido.

Quem diz uma bola de cera, diz um carneiro, uma vaca, ou o  mesmo saco ou bacia ou balaio de arroz ou mancarra após cada safra.

Quando se diz que o comerciante "roubava na balança", ou no rol, isso era conversa de merceeiro das nossas velhas aldeias, ali essa da balança podia contar para o controle do próprio comerciante, mas não contava nada para o cliente, aliás, na permuta, eram clientes quem estava do lado de dentro ou de fora do balcão.

Quero com isto dizer que para ganhar dinheiro naquele tipo de negócio, era preciso uma especialização para quem saía das nossas terrinhas, algumas destas que arderam agora, nem com coimbra-e-tarimba se chegava lá.

Nem com comissões de dois ou quatro anos de função pública, e canudo universitário se chegava a entender o que era aquele trabalho.

Quando se fala em «periquitos», esta gente seriam aqueles que na realidade não eram periquitos.

E alguns desses comerciantes tinham uma particularidade. é  que chegavam a dominar dois e mais idiomas tribais, porque era-lhes necessário, o que lhe granjeava o respeito muito particular entre os populares.

No caso da Guiné, todos os comerciantes que quiseram ficar, continuavam, após o 25 de Abril, e até com protecção mais ou menos garantida, embora fossem sapos que alguns dirigentes tiveram que engolir.

Só que com o regime comunista/cabralista instalado, já nada compensava insistir em tanta incongruência e desordem económica e a maioria foi saindo de vez.

Além de Spínola, eram os comerciantes aquilo que os guinenses tinham mais lembranças nos primórdios da libertação.

A independência tinha que ser, e o que tem que ser...!

Mas tenhamos mais respeito pela inteligência daqueles povos, já que os vencedores, alguns "Estudantes do Império", se esqueceram tanto desse mesmo povo.  (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 31 de outubro de 017 > Guiné 61/74 - P17920: (D)o outro lado do combate (14): a odisseia do português, da Murtosa, Rodrigo Rendeiro: uma viagem atribulada, de cerca de mil km, de 3 a 26 de setembro de 1963, de Porto Gole, onde tínha um estabelecimento comercial e era casado com uma senhora mandinga, de linhagem nobre, Auá Seidi, e tinha cinco filhos,até ao Senegal (Samine, Ziguinchor e Dacar), unindo ocasionalmente o seu detino ao do PAIGC... Relatório, assinado por ele, mas de autenticidade duvidosa...

(**) Último poste da série > 15 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17862: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (52): Das pequenas recordações dos vários quartéis a mais artística que ficou lá a "apodrecer", foi o memorial na ponte de Caium

Guiné 61/74 - P17934: (De)Caras (98): Canquelifá, 16 de abril de 1972: quem diria que eu escaparia desta? !... Ninguém, nem eu nem o meu burrinho do mato... (Francisco Palma, Sold Cond Auto da CCAV 2748, Canquelifá, 1970/72)


Foto nº 1 A


Foto nº 1 
O Unimog 411 ("burrinho do mato"), depois da explosão da mina A/C, em 16 de abril de 1972

Foto (e legenda): © Francisco Palma (2017) Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, de 29 de outubro último do nosso amigo e camarada Francisco Palma (ex-sold cond auto rodas, CCAV 2748 / BCAV 2922, Canquelifá, 1970/72)

Caros Luís Graça e Carlos Vinhal

Junto anexo foto do Unimog 411 (Burrinho do Mato,) com o qual, acionei a mina anticarro, do lado esquerdo, e que só hoje me conseguiu chegar obter, cedida por  de um camarada de armas .

Se entenderem juntar ao meu curriculum, agradeço, com a seguinte legenda:


"Quem diria que, no dia 16 de abril de 1972, eu conseguisse escapar daqui, com vida?...

"Somente (!) fraturei os dois pés, e ficando com uns estilhaços no corpo

"Ninguém diria, nem eu... nem o meu burrinho do mato!..."

Um grande abraço aos dois .
Francisco Palma


2. Comentário do editor:

Só dois pezinhos fraturados?!... Que "sortudo",  Francisco!... E já lá vão 45 anos!,,,

Pois é, o Francisco está  aqui, de pedra e cal, na nossa Tabanca Grande, desde 5 de novembro de 2007. Quando se apresentou ao pessoal, escreveu:

(...) Há a registar ainda o rebentamento de uma mina anticarro, onde eu fui o único ferido. Sofri fracturas múltiplas em ambos os pés, quando conduzia um Unimog 411 (Burro do Mato) que transportava mais 11 Camaradas. Faltavam só 3 semanas para o regresso. Hoje sou DFA com 30,58% de deficiência. Com a idade as sequelas agravam-se, mas estou vivo. (...) .

Guiné 61/74 - P17933: Agenda cultural (601): Hoje, na Casa do Alentejo, em Lisboa, às 15h00: O poeta Silvais (Évora) e seus convidados, confrades da poesia popular + Grupo Coral Fora D'Oras (Montemor-o-Novo)


“Alentejanos a tocar, a cantar e a versar na Casa Mãe” – 4 Novembro 2017 – 15h – Salão Agostinho Fortes

É este sábado, dia 4 de Novembro, pelas 15h, a Casa do Alentejo recebe uma Tarde Cultural Alentejana com o “Poeta Silvais” e seus convidados.

Venha participar nesta tarde cheia de cultura, poesia, música e convívio à boa maneira alentejana.


Programa:

· Manuel Carvalhal - Poeta Silvais (Évora)

· Catarina Rosmaninho - Poetisa Rosabela

· Inácio Teixeira - Poeta

· António Casqueiro - Poeta Zeca

· Mira Serrano - Fadista

· Maria de Fátima Mendonça - Poetisa

· Isidro Lobo - Acordeonista

· José Mendes - Músico

· Grupo Coral Fora D’Oras (Montemor-o-Novo)


ENTRADA LIVRE!

Casa do Alentejo

Rua das Portas de Santo Antão, 58

1150-268 Lisboa


CANTE ALENTEJANO
É PATRIMÓNIO
DO ALENTEJO PARA O MUNDO




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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17904: Agenda cultural (600): lançamento do livro "Aristides de Sousa Mendes: memórias de um neto", de António Moncada S. Mendes. Lisboa, 31 do corrente, 3ª feira, às 18h30, no Salão Nobre do Palácio da Independência. Apresentação a cargo da historiadora Irene Pimentel.

Guiné 61/74 - P17932: Convívios (829): No próximo dia 16 de Novembro de 2017, em Algés, vai-se realizar mais um Encontro dos Magníficos da Tabanca da Linha


Vai realizar-se no próximo dia 16 de Novembro, quinta-feira, às 13 horas, mais um convívio da Magnífica Tabanca da Linha, no Restaurante "CARAVELA DE OURO" em Algés

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Nota do editor

Último poste da série de 21 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17890: Convívios (828): os esquálidos, esgrouviados, a companhia do Como, os bravos do Cachil... os 'últimos moicanos' da CCAÇ 557 (1963/65), mais de meio século depois do seu regresso, voltam a encontrar-se, pela 29ª vez, no próximo dia 4 de novembro, agora em Sapataria, Sobral de Monte Agraço (José Colaço)

Guiné 61/74 - P17931: Recortes de imprensa (90): A Guiné na revista Panorama (1946, 1954) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 16 de Outubro de 2017:

Queridos amigos,
Atenda-se à prosa de exultação sobre a colonização da Guiné, há um cuidado imenso em brandir algumas datas bem convenientes, eram uma fórmula segura para abafar silêncios, nesta prosopopeia nunca se diz que foi preciso esperar pelo século XX para ter uma presença efetiva, mas mesmo assim deixando muitas regiões sem conhecer branco.
A convenção Luso-francesa de 1886 foi bem generosa com os portugueses, deu-lhes uns bons palmos de terra onde nunca tinham posto os pés e os franceses, com astúcia e blandícia, subtraíram a Portugal a região de Casamansa, onde se estava presente, numa boa atmosfera de negócios.
A história da Guiné está carregada de silêncio, só agora é que começa a ganhar linearidade e a ser confrontada com as civilizações africanas envolventes. Mas mais vale tarde do que nunca...

Um abraço do
Mário


A Guiné na revista Panorama (1946, 1954)

Beja Santos

Não é a primeira vez que aqui se faz referência à revista Panorama. A partir de 1941, apareceu como a principal publicação do Secretariado da Propaganda Nacional, fazia eco dos eventos do regime, das belezas regionais, incluindo as imperiais, publicava contos e não se cansava de exaltar o património natural e construído. Foi obra de António Ferro, rodeou-se de um conjunto significativo de artistas plásticos e fotógrafos de primeira plana, tinha um grafismo bem modernista, era uma linha avançada da revolução cultural segundo o Estado Novo.


A Guiné merece um conjunto de referências na Panorama. Circunscrevemo-nos a duas. Em 1946, temos as comemorações do V Centenário do Descobrimento da Guiné. O artigo é de Carlos Parreira, dá-nos um conjunto de notas que nos permite perceber como se visualizava a Guiné e a sua história:

“Nuno Tristão descobre em 1446 o rio Geba, a que Cadamosto, o Veneziano Célebre, chama, mais tarde, rio Grande. Surpreendem-no os Nalus, e massacram-no, com mais 20 dos seus companheiros. É pouco mais ou menos nessa época que Lançarote, escudeiro do mesmo Príncipe, funda a primeira companhia colonial. Começa, então, o tráfico de escravos. Decorrem dois anos. O dito escudeiro envia os seus navios à Guiné, e em 1461 as ilhas de Cabo Verde são colonizadas com os indígenas dos nossos domínios do continente africano. A primeira cidade portuguesa que se instala no Rio Grande de Buba, em Guinala, fundam-na um punhado de monges, em 1584. Em 1588 constroem-se as fortificações de Cacheu, o Forte e a Igreja de Buba, as aldeias de Bolola e de Geba. Mais três anos ainda, e surge Farim. Só muito mais tarde, em fins do século XVII, é que são construídas a Fortaleza e a Feitoria de Bissau. É a Companhia de Cacheu e Cabo Verde que as torna possíveis. Estamos no século XIX. Nessa época procura a Grã-Bretanha, por todos os meios, apoderar-se de Bolama. Resolve o conflito, a favor de Portugal, a arbitragem do Presidente Grant.

Em 1879, subtrai-se a Guiné aos laços administrativos, que até então a prendiam a Cabo Verde, e passa a ser uma Província.

Em 1910, ainda é necessário manter na colónia um regime misto, da administração civil e militar. Tribos guerreiras povoam a Guiné, dispostas a não abdicarem da sua atrabiliária independência… Em 1910 toda a Guiné é um acervo de ódios, fermentando contagiantes rebeliões, entre a matula indígena que a povoa. Nenhuma sorte de segurança podem esperar, para as suas vidas, de obreiros pertinazes, os núcleos europeus, que lá se instalaram. Perspetivas de assaltos, de ataques sem quartel, ululando todas as imaginativas de crueldade. Ora é neste preciso instante que o Destino criou a figura enorme de Teixeira Pinto. Foi com este homem que a pacificação da Guiné passou a constituir para Portugal, uma das mais ardorosas gestas de heroísmo".

Sabe-se hoje que as coisas não se passaram rigorosamente assim, logo Nuno Tristão não chegou ao rio Geba, para começar. E nas entrelinhas dizia-se que a presença portuguesa era pouco menos que uma quimera. Artigo profusamente ilustrado por belas fotografias de Mário Novais. Estamos em 1954, Salazar discursa em 6 de Dezembro na Assembleia Nacional sobre o tratado luso-brasileiro, a Panorama dedica um volumoso número a tudo quanto é Portugal e Brasil e todas as nossas parcelas do império. O texto apologético é minguado, mais fantasioso do que histórico:
“Outrora, a esta terra cortada de canais, olhavam-na como um inferno de vida e de morte - sobretudo de morte. O emigrante de raça branca tinha de enfrentar a hostilidade do clima, as doenças e a animosidade voluntariosa dos naturais. No decorrer dos anos porém, pacificou-se o indígena, procedeu-se a obras de saneamento, criou-se uma estrutura sanitária eficaz e completa.

Lenta e seguramente, no lugar da legenda de abandono e de mágoa, surgiu uma nova e mais verdadeira imagem da Guiné: a imagem de uma terra acolhedora e fértil, progressiva e civilizada. A benéfica mudança respeitou, contudo, a caraterística fisionomia guineense. Como outrora, ainda hoje tumultuam, nas ruas das cidades, os representantes de 12 diversíssimas raças negras; idiomas bárbaros ressoam à nossa volta. A paisagem humana não mudou; como não mudaram também, as longas planícies matizadas, a humidade quente, as plantações de milho e de mancarra. As longas filas de bambu. Apenas, com a civilização, nasceram aglomerados urbanos, cimentou-se uma cultura; rasgaram-se mais de três mil quilómetros de estradas, que substituindo vantajosamente os tortuosos e incómodos caminhos do mato, permitiram a ocupação efetiva da província”.

Artigo profusamente ilustrado, como se verá.

A beleza do tarrafo



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Nota do editor

Último poste da série de 28 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17912: Recortes de imprensa (89): A Guiné na revista Panorama, pelo escritor Castro Soromenho, 1941 (Mário Beja Santos)