sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18277: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (54): lusitos e infantes da Mocidade Portuguesa, uns, ou da "Mocidade Tareco", outros... Lá íamos "cantando e rindo"...









Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa de São Domingos > Miúdos da Mocidade Portuguesa  (MP) local, trajando  de acordo com o figurino, com exceção dos sapatos (que deveriam ser pretos)... Mas a MP, na Guiné, não era para todos e, já nessa época, estava em franca decadência  na metrópole, desde o final da II Guerra Mundial... No meu tempo, os jovens mais politizados ou simplesmente mais contestatários  chamavam à organização, com desprezo, a "Bufa"...


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] (*)




Guiné > Região do Cacheu > Ingoré > CCAÇ 2381 > 1968 > O 1º cabo aux enf  José Teixeira no início da sua comissão," com duas crianças vestidas com a farda da Mocidade Portuguesa". Já na época, o Zé era um praticante do escutismo católico. Não sei se já era conhecido pelo seu nickname, "Esquilo Sorridente". Sobre Ingoré escreveu ele: "Foram dias, em geral, alegres e descontraídos, os dias de Ingoré, com o pessoal da CCAÇ 2381 em treino operacional antes de ser colocado no sul (Buba, Empada, região de Quínara)"

Foto (e legenda): © José Teixeira (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Guiné > Zona leste > Fajonquito > s/d [c. 1965] > O Sérgio Neves  com miúdos da localidade... Alguns deles acampavam literalmente no aquartelamento... e usavam a farda ou peças da frada da Mocidade Portuguesa. Fotos do álbum  do Sérgio Neves que foi Furriel Miliciano da CCAÇ 674 (Fajonquito, 1964/66), irmão do nosso camarada Constantino Neves.

Fotos (e legendas): © Constantino (ou Tino) Neves (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Zona leste > Fajonquito > 10 de junho de 1971 >  "O meu irmão Carlos (2 anos mais velho, hoje Farmacêutico, formado pela faculdade de Farmácia da Universidade Técnica de Lisboa), durante a alocução por ocasião do dia 10 de Junho de 1971, Dia de Portugal e de Camões, na escola primária de Fajonquito. Na imagem estão dois oficiais da companhia do cap Figueiredo (CART 2742), um dos quais, o alferes Félix encontrou a morte no mesmo dia que o seu capitão."

Foto (e legenda): © Cherno Baldé s (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Cherno Baldé, com data de 1 do corrente:

Caro amigo Luis,

Talvez não tenham dado conta, mas com alguma frequência tenho referido,  "en passant",   a Mocidade Portuguesa [MP] em diferentes textos das minhas memórias. Por exemplo, no tema "Quem roubou o nosso canhão" (**), falo do regresso de uma delegação da Mocidade Portuguesa na coluna da tropa que vinha de Bafatá, coberta de poeira.

Eu não fazia parte dos bons alunos porque era desenfiado e gostava mais de andar à solta, deambulando no quartel, ir à lenha ou à agua com os meus amigos condutores e/ou simplesmente passar o dia todo a andar no mato com um desvairado qualquer a caçar animais ou pássaros.

A minha primeira e única participação [erm actividades da MP] foi em 1973, mas já sabia de todos os pormenores dos participantes mais experimentados, pois que todos os anos acontecia a mesma coisa.

Os participantes que vinham de localidades como Fajonquito, Contuboel ou Sare-Bacar estavam sempre em desvantagem. Primeiro porque o nível de informação, as fardas e equipamentos nunca eram os mesmos dos da cidade de Bafatá, assim como o nível de preparação académica e performance desportiva que daí resultavam. Todas estas disparidades criavam um complexo de inferioridade e sentimentos de discriminação aliados a condições logisticas e de recepcão pouco agradáveis.


O "infante" Cherno Baldé
aos 14 anos
Em Bafatá o local dos acampamentos situava-se na Boma, o tal jardim (muito fresco e acolhedor) já aqui descrito por Fernando Gouveia, situado ao lado do quartel da Cavalaria. E, nestas ocasiões a cidade de Bafatá ficava repleta de jovens oriundos de todas as escolas da região e, normalmente, cada localidade tinha fardamentos com tonalidades um pouco diferentes, pois quem comprava eram os pais das criançaas e nas localidades onde residiam. A cor verde não era a mesma em todos os sítios.

A Mocidade Portuguesa destinava-se a preparar os mais jovens para os sacrifícios ligados à vida da
tropa porque no tempo do Estado Novo o serviço militar era obrigatório. Para os participantes deslocados as condições nem sempre eram as melhores e passava-se mesmo fome, mas sempre valia a pena fazer aquela deslocação até Bafatá, a cidade maravilha, para no regresso fazer o "ronco" frente aos demais colegas que não sabiam das dificuldades e da afronta por que tinham passado com aquelas fardas e equipamentos já em desuso. 

Para as crianças de Bafatá, nós éramos a "Mocidade Tareco", isto é, participantes que não preenchiam os requisitos indicados para a Mocidade Portuguesa e, às vezes, nem nos deixavam desfilar. Isto repetia-se todos os anos, só quem não tinha participado é que não sabia. No regresso às origens, transformavam-se em heróis.

Em varios textos das minhas memórias, tenho referido,  "en passant",  aspectos ligados à MP (ver por exemplo no tema "quem roubou o nosso canhão" onde faço referência ao regresso dos participantes da MP na coluna da tropa que vinha de Bafatá, cheios de poeira.


2. Mais comentários do Cherno Baldé sobre este tema e afins (*)

Com as reformas introduzidas por Adriano Moreira em 1961 (muito tardiamente), o estatuto do indigena foi substituido por uma lei que facilitava a assimilaçãoo e desta forma permitia a obtenção do BI de cidadao português. Em 1971 o meu irmão Carlos, que tinha concluido a 4ª classe, obteve em Bissau o seu BI,  como muitos outros colegas.

Caro Valdemar, a obtenção do BI nao era difícil, mas era preciso preencher certas condições. Todos os casos que conheço sao de pessoas que tinham concluido, no mínimo, a 4ª classe. A milícia (voluntarios da sua própria desgraça) não precisava na altura e, se calhar nem preenchiam as condições exigidas.

Desde 1968 ou mesmo antes, que em todas as escolas da Provincia havia a formação e preparação da Mocidade Portuguesa...  e mocidade que se preza tinha que ter o equipamento completo: camisa verde, calções, meias, sapatilhas e chapéu de cor castanho. Depois eram organizados encontros a nível de cada região para competições desportivas e confraternização e ainda um acampamento nacional para os mais destacados,  em Quinhamel.

Surpreende-me que o Luis Graça nunca tenha visto jovens da Mocidade Portuguesa em Bambadinca e Bafatá. Em Fajonquito sempre aproveitávamos a boleia da tropa para vir a Bafatá ou Contuboel.

Na foto nº 7  [do poste P18273] ((*) o elemento da mocidade do lado esquerdo parece-me que é uma menina com o par de ténis (Sancho) que não era propriamente um equipamento oficial da Mocidade portuguesa. Do lado esquerda da bandeira pode-se ver parte do edificio da escola. Nos anos 60, com o inicio da guerra, foram construidas em todas as localidades com alguma importancia demografica. Ja era tarde demais para o imperio. (Mas, pensandio bem, não p

Compreende-se que vocês que vieram fazer a Guerra não tivessem olhos para ver outras coisas, pois o esforço para a sobrevivência falava mais alto e não era por menos. Em Paunca [, onde esteve o Valdemar Queiroz], de certeza que havia uma escola a funcionar,  o que não se pode dizer de Guiro Iero Bocari que é uma aldeola perdida no mato.

O 10 de Junho era festejado em todas as escolas e com a participação da administração civil e, em alguns casos, também de oficiais das companhias em quadricula como mostra a foto que enviei mostrando o meu irmão mais velho a discursar na presença de oficiais do exército e dos professores por ocasião do 10 de Junho de 1971, em Fajonquito, fardado a rigor e com o chapéu colocado por cima do ombro esquerdo, como mandavam as regras. No local estávamos muitos, mas o fotógrafo concentrou-se no alvo principal.

Por outro lado, duvido muito que os jovens da Mocidade Portuguesa fossem Felupes, como pensa o Luis Graca, mais plausivel seria que fossem filhos de familias de comerciantes ou  assimilados originários de outros grupos e que trabalhavam em S. Domingos e arredores, pois os verdadeiros felupes ainda não teriam saído dos seus tarrafos, de qualquer modo ja se notavam algumas mudanças sociais em todos os grupos etno-linguísticos da Guin´+e. A este periodo os nossos velhos apelidaram de "a epoca dos brancos" que na linguagem moderna se convencionou chamar de globalização ou mundialização.

Caro Valdemar, há um proverbio nosso que diz assim: "O velho não é, de modo algum, amigo de Deus, simplesmente convivem os dois há muito tempo". Isto a propósito das tuas palavras de elogio (?).

3. Comentário do editor:

Obrigado, Cherno, este teu contributo é, mais uma vez, importante para o nosso blogue e enriquece a tua série, "Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé)" (**)...

Tentei fazer um apanhado do essencial  que escreveste sobre a MP na Guiné... Tens aqui uma entrada, na Wikipédia, com informação relevante sobre a MP (sobre a qual, confesso, que sei pouco...).-

Criada em 1936 e obrigatória para os jovens até aos 14, a MP pelo Decreto n.º 29453, de 17 de fevereiro de 1939, a organização foi alargada «à Mocidade Portuguesa das colónias, de origem europeia, e à juventude indígena assimilada» (sic) a quem é «dada (....) uma organização nacional e pré-militar que estimule a sua devoção à Pátria, o desenvolvimento integral da sua capacidade física e a formação de carácter, e que, incutindo-lhes o sentimento da ordem, o gosto pela disciplina e o culto do dever militar, as coloque em condições de concorrer eficazmente para a defesa da Nação.»

Tens razão, os felupes em S. Domingos, em 1968/69, não deviam ser "elegíveis"...

Porque é de antologia, volto a reproduzir aqui, na íntegra, o teu fabuloso texto  "Quem roubou o nosso canhão?". Como eu não sei russo, diz-me o querem dizer estes caracteres do alfabeto cirílico (?), que aparecem no penúltimo parágrafo... Deve ser um palavrão... ȹɎψ₳

Tens aqui a letra e a música do Hino da Mocidade Portuguesa. Não sei se algum dia o chegaste a aprender a cantar... A letra é do poeta Mário Beirão (1890-1965) e a música do Rui Correia Leite.
_________________

QUEM ROUBOU O NOSSO CANHÃO?

por Cherno Baldé (***)

No período da guerra colonial, pouco antes ou durante a permanência da CÇAC 3549,  “Deixós-poisar” (1972-74), em Fajonquito, pequeno povoado com um aquartelamento militar, rodeado de arame farpado e torres de vigia construídos com troncos de palmeira, certo dia, no regresso da coluna que regularmente ia à cidade de Bafatá, sede do batalhão [e sede de circunscrição administrativa], trouxeram em reboque dois canhões muito grandes. Normalmente, tudo que a coluna trazia era suposto ficar na localidade.

Atrelados aos veículos, os canos largos, ameaçadores, olhavam para trás, virados na direcção contrária do sentido da marcha, o que, nas nossas cabeças de crianças, parecia ser, sem dúvida nenhuma, uma tolice dos nossos militares brancos, tão insensata como a ideia descabida de obrigar as nossas milícias a carregar,  na cabeça, granadas pesadas de morteiro ou bazooka, nas saídas ao mato, com as armas nas costas, sabendo de antemão que em caso de uma emboscada traiçoeira, a vida e a morte se jogavam em milésimos de segundos.

No caso dos canhões, se de repente, numa emboscada do inimigo, tivessem que ripostar rapidamente, iam fazer o quê?
– Ficávamos a imaginar a reacção dos artilheiros. Primeiro iriam parar, virar o engenho, apontar ao alvo e depois disparar. Mas, havia uma questão importante, no entanto, sem resposta. Será que teriam tanto tempo?... 

Perguntas de crianças que tinham nascido e crescido no teatro de uma guerra que se teimava em eternizar e onde viviam como se de uma grande escola se tratasse, caldeirão efervescente que, de certeza absoluta, haveria de consumir gerações inteiras, caso não a tivessem posto fim, em boa hora. 

Mas, voltando à nossa coluna, nesse dia, a nossa atenção não foi para os militares, cobertos de pó vermelho da estrada, à cata de novos amigos nem para os extravagantes jovens da Mocidade Portuguesa que regressavam dos festejos de 10 de Junho, nas suas novas fardas, camisas verdes, calções castanhos, o emblema das quinas ao peito, cor de ouro brilhando ao sol e, nem sequer nos lembramos de fazer o nosso trabalho de rotina que era recolher por baixo dos bancos de conduzir as armas e o cinto pesado de cartucheiras dos nossos patrões condutores. 

Os nossos olhos ficaram presos naquelas máquinas, engenhos escuros de metal, montados sobre gigantescas rodas, "caterpillars" de pólvora, fogo e de morte que, finalmente, tinham chegado. Doravante a barraca de Samba-Ulencunda estava ao alcance das nossas mãos. Desde a porta d’armas, acompanhámo-los, cuidadosamente, parando quando paravam, correndo atrás quando andavam, até ao centro do quartel onde foram estacionados. Deixando os apressados condutores partir, aproximámo-nos ligeiros, abraçando os canos enormes, encostando os nossos corpinhos franzinos à frieza metálica daqueles monstros impassíveis que nos pareciam velhos conhecidos.

Mesmo ali ao lado e rodeado de tanques repletos de areia, estava instalado o morteiro 81 que, em vista das novas e imponentes armas, fazia uma figura pálida, quase inútil na sua pequenez, boca ao ar, pedindo chumbo para cuspir ao céu. Tantos anos a viver com ele, estávamos por demais familiarizados com o “poc” da saída das suas granadas que caíam algures, perto das nossas bolanhas de arroz, quando batiam a zona para afastar o medo que crescia nas noites de chuva, calor e humidade.

Nessa noite, demorámos algum tempo a pegar no sono, devido à curiosidade que nos consumia antecipando o gozo de ouvir os estampidos da nova artilharia, mas dormimos melhor, embalados pela segurança que as máquinas de guerra nos proporcionavam. Ter canhões de guarda, nessa época, mais que segurança e prestígio, era uma questão de honra. Os mais velhos contavam que em terras de Gabú, mesmo as localidades mais insignificantes tinham canhões para aterrorizar as povoações fronteiriças do Senegal onde habitavam os bandidos, lançando suas granadas compridas e grandes, um pouco maiores que o pénis de um jumento.

Mas, para nossa desilusão, e da mesma forma como tinham vindo, atrelados aos veículos, os canos largos, ameaçadores, insensatamente virados para trás, na direcção contrária do sentido da marcha, as máquinas de guerra tinham retomado sua marcha tenebrosa mais ao norte, para Cambaju, aldeia situada a menos de 500 metros da fronteira, o que, nas nossas cabeças de crianças, parecia ser, sem sombra de dúvida, mais uma tolice dos nossos militares, tão insensata como a ideia descabida de entregar armas repetitivas “Mauser” às populações civis para enfrentar guerrilheiros armados com Akas e metralhadoras automáticas, assim diziam os mais velhos.

No dia seguinte, voltando ao quartel para o habitual café com leite, as crianças constataram com grande tristeza que os seus canhões não só não estavam no local do dia anterior como tinham sumido do pequeno aquartelamento, rodeado de arame farpado e torres de vigia construídos com troncos de palmeira. Estupefactas e inconformadas,  as crianças interrogavam-se entre si:
- Quem foi o …ȹɎψ₳… que roubou os nossos canhões?

Ao menos deixassem ficar um para salvar a honra da aldeia, afastar o espectro do medo que crescia nas noites de chuva e conquistar o respeito dos nossos vizinhos, Samba-Ulencunda ali tão perto de nós.

Bissau, 7 de Dezembro 2012
Cherno Baldé (Chico de Fajonquito)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 31 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18273: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XIII: uma mudança (histórica) sob o spinolismo: em 1 de janeiro de 1969, o administrador de São Domingos, cabo-verdiano, é substituído por um guineense

(**) Último poste da série >A 3 de janeiro 2018 > Guiné 61/74 - P18170: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (53): três balas de kalash para uma missão suicida: o trágico fim do ex-soldado 'comando', Cissé Candé, em abril de 1978

(***) Vd. poste de 13 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10796: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (42): Quem roubou o nosso canhão?

Guiné 61/74 - P18276: Parabéns a você (1385): Germano Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 3305 (Guiné, 1970/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 29 de Janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18264: Parabéns a você (1384): Luís Graça, Fundador deste Blogue, ex-Fur Mil Aarmas Pesadas Inf.ª da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71) e Virgílio Teixeira, ex-Alf Mil SAM do BCAÇ 1933 (Guiné, 1967/69)

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18275: Manuscrito(s) (Luís Graça) (137): aprendiz de ornitólogo ao km 71 da autoestrada da vida... Obrigado, amigos e camaradas, pelos "vivas" que me deram no passado dia 29...


Alcácer do Sal > Rio Sado > 28 de janeiro de 2018 > Pôr do sol

Alcácer do Sal > 28 de janeiro de 2018 > A  frente ribeirinha, ao pôr do sol, vista da moderna ponte pedonal que faz a "cambança" do rio Sado... 



Alcácer do Sal > 28 de janeiro de 2018 > A icónica igreja de Santiago, ao pôr do sol, vista da moderna ponte pedonal que faz a "cambança" do rio Sado...



Alcácer do Sal > Barragem  de Vale de Gaio > 28 de janeiro de 2018 > A barragem de Vale do Gaio é uma obra do Estado Novo, tendo entrado em funcionamento em 1949. Localizada próxima do Torrão, na linha de água do rio Xarrama, ocupa uma área de mais de 500 km2. Está em seca severíssima... mas pode receber água do Alqueva... Fui lá encontrar, ao fim da tarde, uma colónia de corvos marinhos de faces brancas  (Phalacrocorax carbo).


Alcácer do Sal > Arrozais nos arredores > 28 de janeiro de 2018 > Cegonhas brancas (Ciconia ciconia)


Alcácer do Sal > 28 de janeiro de 2018 > O ornitólogo amador, num só dia, pode observar, em certos locais da reserva natural do estuário do Sado, 80 ou até 100 espécies diferentes de aves,  dizem os ornitólogos profissionais...O aprendiz de ornitólogo terá que se contentar com muito menos...e começar por aprender que não há flamingos... vermelhos, contrariamente ao seu nome científico (Phoenicopterus ruber,  ave com asas vernelhas).





Alcácer do Sal > 29 de janeiro de 2018 > Vista interior da pousada Dom Afonso II e vista panorâmica da zona ribeirinha de Alcácer.


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Manuscrito(s):

Aprendiz de ornitólogo

por Luís Graça


Fiz 71 anos
e vim até Alcácer do Sal
ver os flamingos,
vermelhos.

Fiz 71 anos
e não vi em Alcácer os flamingos,
muito menos vermelhos.

Pensava que os flamingos
vinham retemperar forças, como eu,
nas bolanhas do Sado,
na sua rota a caminho do sul,
da África dos últimos grandes lagos.

Pensava que os flamingos eram vermelhos,

e por isso reservei um quarto
no castelo de Alcácer do Sal
para os ver desfilar,
em barroca parada celestial.

Mas não vi o céu tingido da cor do sangue,

como o estuário do Geba ao pôr do sol,
vi outras aves pernaltas,
vi as garças brancas,
vi as cegonhas brancas e pretas,
vi os mergulhões pretos,

... vi até algumas mulatas da Ribeira do Sado,
sobreviventes do esclavagismo e do sezonismo,
só não vi os flamingos, vermelhos.

Fiquei prisioneiro no meu quarto,
aos 71 anos,
com vista para as traseiras da vida,

os bastidores da história,
as muralhas,
o casario branco,

a cripta das memórias doridas dos nossos antepassados;
e no Torrão entrevi, em porta manuelina,
a menina e moça do Bernardim Ribeiro
que cedo foi levada da casa de seus pais.

Parti mantenhas com o Pedro Nunes,
que, por ser segunda-feira, estava de mau humor
e não me explicou a relação entre o nónio
e o voo dos flamingos, vermelhos.

Aprendiz de ornitólogo,
ou nem sequer isso,
aos 71 anos.
Não é bom dia, a segunda-feira,

meus amigos,
para se fazer anos

e muito menos ver os flamingos, vermelhos,
que afinal já tinham partido
ou que talvez nunca aqui tenham chegado.
(... Ou então fui que cheguei tarde,
mais uma vez, 
à festa da vida!).

Luís Graça

Alcácer do Sal, 29 de janeiro de 2018


2. A
qui vai uma seleção, de A a Z, de comentários de amigos e camaradas que  se dignaram tirar um minutinho das suas vidas  para me escrever uma "gracinha", em dia de aniversário natalício: nasci, na Lourinhã, no dia 29 de janeiro de 1947, às 10h30 (*).


Seria fastidioso, se não mesmo pretensioso e até deselegante,  listá-los a todos, mas também seria uma prova de ingratidão (e de insensibilidade), da minha parte, não lhes agradecer,  a todos,  e não destacar aqui alguns desses comentários que, eu sei, foram ditados por genuíno apreço pelo trabalho realizado por mim, pelo Carlos Vinhal e demais editores, colaboradores, autores e leitores que fazem este blogue desde há 14 anos...

Eu sou eu e o blogue é muito mais do que eu. E esse é o melhor elogio que eu poderia ouvir em dia de anos, neste blogue (ou no facebook da Tabanca Grande). O blogue é nosso e eu sou apenas um dos seus editores.

Os nossos amigos e camaradas são sempre generosos porque têm corações grandes e naturalmente exageram quando homenageiam alguém de entre eles, como foi  o meu caso, em dia de anos. Felizmente que não exageram tanto como.... na morte! Aí temos a certeza que eles fazem tábua rasa de todos os nossos defeitos e hipervalorizam as nossas virtudes... Mas, nessa altura, já não estaremos cá para lhes puxar as orelhas...ou protestar a nossa modéstia!

Em suma, aceito de bom grado  os votos de parabéns natalícios que vocês (e muitos mais)  tiveram a gentileza de me dar, no blogue, no Facebook, por email, por telemóvel e até ao vivo, interpretando-os como um desejo, um desafios e sobretudo um incentivo, qualquer coisa parecida como  uma "luz verde" para continuar,  até que o dedo me/nos doa... a teclar!... (Não digo um "desígnio", porque não sou nem quero ser um homem "providencial").

Enfim, recusando qualquer "culto da personalidade", acrescento apenas que selecionei alguns comentários "mais originais", valorizando o sentido de humor, a hipérbole, a caricatura, a ternura, a ingenuidade, a poesia, a melancolia, a cumplicidade, a espontaneidade, a originalidade... Os demais, muitos mais, que ficam "de fora", não me levam a mal...

Antero Santos > O Homem Grande da Tabanca Nacional, o Special One, o Luís Graça, celebra hoje o seu aniversário. Parabéns, Luís Graça,  e longa vida. E, na tua pessoa, parabéns a todos os combatentes e familiares, especialmente aos que estiveram na nossa Guiné.

António Murta > Em especial ao comandante Luís Graça recomendo que se agarre bem ao leme porque vão continuar a chegar novos embarcadiços e esta nau magnífica não pode parar...

 Cherno Baldé > Caro amigo Luis, de nós dois, não sei quem será o mais privilegiado. Tu conheces o dia e o ano certo do teu nascimento, mas não sabes ou não tens a grande sorte de saber de antemão o ano em que vais fazer a "cambanca" para o outro lado. Eu, ao contrário, festejo aniversarios fictícios, mas sei de antemão que a minha "cambanpça" está marcada (provisoriamente) para o ano de 2037. O Marabú de Sumbundo assim o ditou na sua consulta aos astros, desde 1974, portanto vai fazer 44 anos. Disse provisoriamente,  porque se a minha reforma for muito má, vou tentar renegociar e antecipar a minha partida. Não serei como o Jorge Cabral, o Alfero de Missirá, que todos os anos adia a sua partida para mais tarde.

Fernando Chapouto > Agora para o meu, nosso,  comandante,  pelo extraordinário trabalho em prol dos ex-combatentes.. sim, eu continuava com um enorme stresse do qual não era capaz de dar a volta. Bem hajas, Luís, muitas felicidades pela tua vida fora e que este dia se repita por muitos anos.

Joaquim Peixoto > Amigo Luís: Quis o destino, que num convívio de ex-combarentes da Guiné, te tivesse conhecido. Empenhado em reunir e unir os camarigos, recordando as vivências em cenários de guerra, estreitando laços de amizade e fraternidade, és, sem sombra de duvida, o protagonista deste cenário. Um grande abraço de parabéns e que continues a desfrutar de toda essa energia e empenho que faz de ti uma pessoa especial.

José Teixeira > Meu bom e grande amigo Luís Graça. O tempo perde-se na estrada que tens vindo a construir. Espero que o projeto se concretize com todos os teus sonhos, com muita saúde e bem estar.

A estrada do tempo

Céleres, vão morrendo
Os dias, à sombra delicada do poente,
E, lentamente, eu caminho subindo pela tarde,
Seguindo pela estrada do tempo.
Levo comigo um corpo já cansado,
E deixo para trás o caminho do passado,
Perdido no campo árido da saudade.

A estrada do tempo caminha
A passo largo à minha frente,
Marcando-me na face a vida
Que me resta em forma de rugas,
E empurra-me para a grelha de partida
Que me levará a outra vida,
E não me permite quaisquer fugas.

E assim me foge o tempo de viver,
Esse regaço de ditosos dias,
Que Deus me concedeu ao nascer
Do ventre de minha mãe,
Alegremente.
São dias que vão morrendo,
Um a um, e velozmente,
À frágil sombra do poente.

 José Paradela > Parabéns, grande Luis. Não desanimes que ainda me alcanças! A minha pedalada torna-se mais lenta… e já cá cantam oitenta. Com flamingos e tudo!

Manuel Luís Lomba > Parabéns, Luís Graça, com votos de muitos e felizes. Graças por teres nascido e por teres criado e ascendido a "Jarga" da Tabanca Grande e deste blogue - qual "Guiné Monumenta Histórica".

Manuel Resende / Magnífica Tabanca da Linha > Hoje, 29 de Janeiro, está de parabéns o nosso Magnífico Luis Graça. Em nome de todos os Magníficos desejamos-te felicidades e um dia bem passado. Amigo, muita saúde. Um grande abraço e até ao próximo convívio.

Mario Beja Santos > Meu estimado Luís, Saúde e fraternidade. Desejo-te do coração mil alegrias no dia de hoje, com a Alice e os filhos. Os anos são os que sentimos e, se bem interpreto tudo quanto fizeste por este blogue e continuarás a fazer, és um longevo com plena realização. E devo-te esta satisfação de estar em permanência a teu lado nesta sala de conversa,

Valdemar Queiroz > Parabéns Luís Graça. Desejo-te muitos anos de vida para manteres a chama bem acesa desta nossa nova 'comissão de serviço'.

Virgílio Teixeira > Meu caríssimo Luís Graça, Como te disse, é a primeira vez que envio parabéns a alguém neste dia. Já tenho este compromisso de agora para diante, espero mantê-lo por mais 25 anos pelo menos. Desejo um dia feliz cheio de saúde e até está um dia de sol neste Janeiro tão frio.
Mais logo vou telefonar-te lá para meio da tarde, e falamos um pouco. E os meus Parabéns também, para ti e para mim.

Zé Manuel Cancela >  Para o nosso timoneiro Luis, pai do nosso blogue, um abração com o tamanho do Geba.E mais uma vez obrigado,pelos amigos que granjeei,através da Tabanca Grande...
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Vd. também:

Guiné 61/74 - P18274: Memória dos lugares (374): Gadamael, c.1967/68, ao tempo da CART 1659, 'Zorba' (Manuel Cibrão Guimarães, ex-fur mil, CCAÇ 1620, Bissau, Cameconde, Cacine, Sangonhá, Cacoca, Cachil e Bolama, 1966/68)


Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Gadamael   > CCAÇ 1620 > c. 1967/68 > Passeio de "sintex". (Ao tempo ainda não havia o "cais de Gadamael" onde, em 1973, descarregava o batelão BM3, que abastecia Gadamaele  Guileje... Recorde-se que o rio que banhava Gadamael Porto era o Sapo, afluente do Rio Cacine


Foto nº 1 A > Guiné > Região de Tombali > Gadamael  > CCAÇ 1620 > c. 1967/68 > Passeio de sintex. Pormenor. da esquerda para a direita, "eu, o fur at inf da minha companhia, de apelido Viegas,  que está a remar, mais dois militares da minha companhia, de que não me lembro o nome, e  sentado à popa, de bigode, o   2º sargento que respondia pela CART 1659, que estava em Gadamael. Íamos de Sangonhá a Gamadael, em coluna auto. Eu era furriel mecânico auto. Este é um momento de descontração, no rio [Sapo} que  banhava Gadamael... A estrada na altura era transitável de Cacine a Guileje, passando por Cameconde, Cacoca e Sangonhá. De Mejo para Buba é que não... A minha companhia esteve de agosto de 1967 a março de 1968 em Sangonhá, com um pelotão destacado em Cacoca, e que era rendido ao fim de um mês. Em Cacoca ocupávamos as instalações de um comerciante branco, oriundo da região de Aveiro, que se chamava Tonecas. Com a guerra, ele  abandonou Cacoca, e ficou só com o estabelecimento de Cacine. Conheci-o em Cacine. Negociava produtos (frutas, coconote, etc.) com tipos da Guiné-Conacri que iam lá de barco, e tinham salvo-condutos passados pela NT, eram também 'agentes duplos' que davam informações sobre o que se passava do lá da fronteira. Em Cacoca também havia intercâmbios deste género , os tipos da Guiné-Conacri iam lá visitar os parentes e vender e comprar produtos".

Foto (e legenda): © Manuel Cibrão Guimarães (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Tombali > Mapa de Cacoca (1960) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Sangonhá, nas proximidades da fronteira com a Guiné-Conacri, tendo a norte Gadamael e Ganturé, e a sul Cacoca e Cameconde  (e a sudoeste Cacine, vd. mapa de Cacine e mapa geral da província)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)




[Foto à direita: Manuel Cibrão Guimarães:
natural de Avintes, V. N. Gaia, vive em Rio Tinto, Gondomar]

1. Continuação da publicação de uma seleção de fotos do
álbum do nosso grã-tabanqueiro nº 766, Manuel Cibrão Guimarães, ex-fur mil, mec auto, da CCAÇ 1620 (Bissau, Cameconde, Cacine, Sangonhá, Cacoca, Cachil e Bolama, 1966/68). (*)

Antes de ir para o Cachil (em março de 1968, e onde esteve até 1/7/1968), a CCAÇ 1620 tinha assumido, em 5 de janeiro de 1967, a responsabilidade do subsetor de Cameconde, rendendo, por troca, a CCAÇ 799 (Cacine e Cameconde, 1965/67), e passando a integrar o dispositivo e manobra do BCAÇ 1861 e depois do BART 1896. É nessa altura que a CCAÇ 1620 tem um pelotão destacado em Cacine.

Em 1 de agosto de 1967, por rotação com a CART 1692, assumiu a responsabilidade do subsector de Sangonhá, com um pelotão destacado em Cacoca, mantendo-se no mesmo sector do BART 1896.

A foto que publicamos hoje, tirada em Gadamael, é do tempo em que a CCAÇ 1620 esteve em Sagonhá (agosto de  1967 / março de 1968). O Manuel Cibrão Guimarães passou, portanto,  sensivelmente o mesmo tempo (7 meses) erm dois sítios do regulado de Cacine: em Cacine e em Sangonhá.


22 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18238: Tabanca Grande (457): Manuel Cibrão Guimarães, ex-fur mil, CCAÇ 1620 (Cameconde, Sangonhá, Cachil, Cacine, Cacoca, Gadamael, 1966/68)... Senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 766.

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18273: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XIII: uma mudança (histórica) sob o spinolismo: em 1 de janeiro de 1969, o administrador de São Domingos, cabo-verdiano, é substituído por um guineense


Foto nº 7 A > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa de São Domingos > Miúdos da Mocidade Portuguesa local, trajando a rigor e usando ténis...


Foto nº 7 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa de São Domingos  > Miúdos da Mocidade Portuguesa local


Foto nº 6 A > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa de São Domingos > "Djubis" da população local,  imitando os jovens da Mocidade Portuguesa...


Foto nº 6 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa de São Domingos > Aspeto da povoação, com um grupo de miúdos à direita.


Foto nº 1 A > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa de São Domingos > Em primeiro plano, o cmdt do BCAÇ 1933 e o administrador cessante, cabo-verdiano.


Foto nº 1Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa de São Domingos > O cmdt do BCAÇ 1933, o administrador cessante, cabo-verdiano, a população local e os militares da guarnição local (onde se realizou a cerimónia de boas vindas).


Foto nº 8 A > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa de São Domingos  > Em primeiro plano, o  novo administrador, guineense, e o administrador cessante, cabo-verdiano. Ao fundo,  uma representação da Mocidade Portuguesa local.


Foto nº 8 >  Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa de São Domingos > Os dois administradores, em primeiro plano, cumprimentados por uma criança.


Foto nº 5 A > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa de São Domingos > Mocidade Portuguesa e população local (1)


Foto nº 5 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa de São Domingos > Mocidade Portuguesa e população local (2)


Foto nº 4 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa de São Domingos > Assistência frente à sede da circunscrição administrativa.


Foto nº 3 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa de São Domingos > Os dois  administradores, o cessante, em primeiro plano.


Foto nº 2 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição administrativa (equivalente da concelho) de São Domingos (na província, havia mais as seguintes sedes de circunscrição administrativa: Teixeira Pinto, Bissorã, Mansoa, Farim, Bafatá, Nova Lamego, Bolama, Bubaque, Fulacunda e Catió) > Na foto, os dois administradores, o cessante, à direita, e o novo (aqui a falar comum régulo local), à esquerda.

Os administradores de circunscrição eram funcionários com vastos poderes, de acordo com a reforma administrativa ultramarina de 1933: para além das competências de administração p.d., as suas atribuições eram também nos domínios da  autoridade civil, da autoridade judiciária, da política indígena, da fiscalização, da defesa económica e da informação (artº 47 do decreto-lei 23229, de 15 de novembro de 1933).

Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69).


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69), e que vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado [, foto atual à direita; economista reformado, vive em Vila do Conde].

Mensagem de 18 do corrente:

Boa tarde Luís e Vinhal:

Achei,  dentro dos meus álbuns, um acontecimento algo inesquecível, e que pode ser útil a alguém. Gostaria de o ver publicado e com o texto de anotações e legendagem

Um Ab
VT


II. Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira   > A mudança do Administrador de São Domingos, em janeiro de 1969 

Legendas e Anotações:

1 – Em 1 de Janeiro de 1969 deu-se a cerimónia de mudança do administrador local [, da circunscrição administrativa de São Domingos]. Sai um cabo-verdiano, o homem de bigode, e entra um homem preto, local,  guinéu de raça.

Há um conjunto de cerimónias de vários dias, com a participação da população local, em grande festa de ronco – estas fotos estão noutro lote – bem como as entidades militares oficiais.

No dia 31 de Dezembro de 1968 foi feita uma recepção nas instalações da administração, com convite do comandante do BCAÇ 1933 e restantes oficiais, onde eu lá estive também, e nunca me esquecerei da monumental ‘bebedeira’ com direito a ‘coma’,  e levado para a minha cama pelos furriéis da CART 1744, a quem devo e agradeço.

2 – Temos a chegada do novo administrador em avião civil, a recepção no ‘aeroporto’ de S. Domingos, e aquelas coisas todas que já se imaginam. O fotógrafo também estava lá.

3 – Há movimentos de crianças da Mocidade Portuguesa, e agora vejo pela primeira vez na foto com 2 rapazes, que eles já tinham ténis como agora todos usam [foto nº 7]. Não sei se esta foto é assim tão antiga – 49 anos.

Para não pesar muito seleccionei estas poucas fotos e o amigo Luís edita as que quiser e achar melhores.

Foi um acontecimento marcado por grandes festas durante muitos dias. Diz-se que finalmente um administrador [, que era mais do que chefe de posto,] passou a ser negro, mas não sei bem.

Tenho esperanças que gostem destes postes.

Em, 18-01-2018 - Virgílio Teixeira
_____________

Guiné 61/74 - P18272: Memória dos lugares (373): Cacine, 1967 (Manuel Cibrão Guimarães, ex-fur mil, CCAÇ 1620, Bissau, Cameconde, Cacine, Sangonhá, Cacoca, Cachil e Bolama, 1966/68)


Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Cacine > CCAÇ 1620 > 1967>  O fur mil Manuel Cibrão Guimarães, frente à "capela militar de N: sra. de Fátima", construída ao tempo da CART 496, em 13/5/1964 e provavelmente completada pela CCAÇ 799, um anjo depois (10/6/1965)... O Cibrão Guimarães está vestida com uma "sabadora" (peça principal do traje masculino dos muçulmanos) e um gorro, fula, na cabeça... A peça do vestuário tem a particularidade de ser feita com sacos de farinha de panificação (, "ofício" a que sempre esteve ligado: o pai era industrial de panificação; e ele daria continuidade ao negócio até se reformar; natural de Avintes, Vila Nova de Gaia, mora em Rio Tinto, Gondomar; é pai de duas filhas, a esposa, licenciada em farmácia e professsora do ensino secundário, também está reformada).


Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > Cacine > CCAÇ 1620 > 1967>  Da esquerda para a direita, o Cibrão Guimarães, um furriel do BENG 447 e o vagomestre da CCAÇ 1620, o António Santos,


 Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Cacine > CCAÇ 1620 > 1967>   Em primeiro plano,  um furriel da "psico" (de óculos), e no lado direito,  de barbas, sem óculos, mais outro furriel, seguido do sargento Moreira (de costas), o Manuel Cibrão Guimarães (em terceiro lugar) e,por fim, o furriel Valente... Do lado esquerdo da mesa, estão outros sargentos e furriéis, incluindo o António Santos, vagomestre, de barbas.



 Foto nº 3 A > Guiné > Região de Tombali > Cacine > CCAÇ 1620 > 1967>    Mesa de furriéis milicianos e sargentos QP... O Manuel Cibrão Guimarães, de bigode,  é o segundo a contar do fim, do lado direito da foto...


 Foto nº 4 > Guiné > Região de Tombali > Cacine > CCAÇ 1620 > 1967> Cerimónia religiosa, com homens grandes e população. Ao centro, em primeiro plano, o "mauro", de turbante e vestes pretas.



 Foto nº 4A>  Guiné > Região de Tombali > Cacine > CCAÇ 1620 > 1967> Cerimónia religiosa, com homens grandes e população. O Manuel Cibrão Guimarães está por detrás do "mauro", de camuflado, e bigode.

Fotos (e legendas): © Manuel Cibrão Guimarães (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Manuel Cibrão Guimarães:
natural de Avintes, V. N. Gaia,
 vive em Rio Tinto, Gondomar
1. Continuação da publicação de uma seleção de fotos do
 álbum do nosso grã-tabanqueiro nº 766, Manuel Cibrão Guimarães, ex-fur mil, da CCAÇ 1620 (Bissau, Cameconde, Cacine, Sangonhá, Cacoca, Cachil e Bolama, 1966/68). (*)


Antes de ir para o Cachil (em março de 1968), a CCAÇ 1620 tinha assumido, em 5 de janeiro de 1967, a responsabilidade do subsetor de Cameconde, rendendo, por troca, a CCAÇ 799 (Cacine e Cameconde, 1965/67), e passando a integrar o dispositivo  e manobra do BCAÇ 1861 e depois do BART 1896.

É nessa altura que a CCAÇ 1620 tem um pelotão destacado em Cacine. E o Manuel Cibrão Guimarães estevelá, como as fotos documentam...

Em 1 de agosto de 1967, por rotação com a CART 1692,  a CCAÇ 1620,assumiu a responsabilidade do subsector de Sangonhá, com um pelotão destacado em Cacoca, mantendo-se no mesmo sector do BART 1896.

Guiné 61/74 - P18271: Bibliografia de uma guerra (85): “O céu não pode esperar”, por António Brito; Sextante Editora, 2009 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Novembro de 2017:

Queridos amigos,
António Brito, autor de uma obra-prima incontornável da literatura da guerra, "Olhos de Caçador", é um autor prolífico em obras de aventura e ação, criou mesmo um justiceiro, de nome Sagal.
Neste seu segundo romance concatenou uma série de factos que vão desde um Fiat abatido, a descoberta de uma mensagem dirigida a D. João IV, que o mesmo piloto encontrou numa gruta na região do Rovuma, um espetacular afundamento de um galeão espanhol perto de Peniche, as experiências assombrosas que um frade desenvolve no Mosteiro de Alcobaça, e as peças do puzzle são tremendas, chegam ao Vaticano e tudo desagua numa estrepitosa cavalgada no espaço e num amor tão profundo que alguém anuncia dos céus o seu amor eterno.
Um excelente produto do realismo fantástico.

Um abraço do
Mário


O céu não pode esperar, por António Brito

Beja Santos

De António Brito já aqui se fez com detalhe a exaltação do seu livro "Olhos de Caçador"[1], seguramente um dos livros cimeiros da literatura da guerra colonial, romance baseado nas suas vivências africanas, em jovem alistou-se nas tropas paraquedistas e foi mobilizado para a guerra em Moçambique. O seu segundo romance aponta noutra direção, cimenta-se no realismo fantástico, organiza-se em repetidas viagens entre um determinado presente e um determinado passado, dispõe de um ritmo trepidante, empurra o leitor para acompanhar sem pausa esta aventura que não dá pausas, tal o seu empolgamento: “O céu não pode esperar”, por António Brito, Sextante Editora, 2009.

De que trata este romance? Façamos fé ao constante na contracapa:
“A história do Tenente Romão, o aviador que enfrenta a morte nos céus de Moçambique durante a guerra, quando o seu avião é atingido por um míssil terra-ar. Na costa Oriental de África tropeça no rasto de outro português, agente do rei de Portugal, que por ali passou séculos atrás. A descoberta arrasta-o do passado para o futuro, seguindo uma enigmática pista, anteriormente perseguida pela Inquisição. Envolve-se numa perigosa cruzada onde se entrelaçam o insólito e o inexplicável, a política de estado e as intrigas das organizações clandestinas, a procura do sagrado e o conhecimento profano. Descobre que o mesmo céu que percorreu de avião foi durante séculos alvo da curiosidade de outros homens com outros propósitos. Homens que, movidos pela força da fé e a curiosidade da razão, afrontam o fanatismo dos dogmas e a ordem estabelecida. Em "O céu não pode esperar", cruzam-se a ciência divina do Novo Mundo e o obscurantismo religioso, a Restauração da Independência de Portugal e a herança judaica, os inimigos da Revolução de Abril e a política da Santa Sé. Quando a admirável verdade irrompe, tudo faz sentido, tudo se harmoniza, até o censurável amor, coisa admirável de acontecer”.

Logo na abertura, António Brito dá-nos conta dos factos com que vai manipular este edifício da escrita: um Fiat atingido por um míssil Strela, em Outubro de 1972; o afundamento do galeão San Pedro de Alcantara, perto de Peniche, em 2 de Fevereiro de 1786, seguiam a bordo índios ligados à rebelião inca de Tupac Amaru; a ocupação espanhola de Portugal e a Guerra da Restauração; as perseguições da Inquisição que levaram à extinção dos judeus em Portugal e à perseguição de cientistas como Bartolomeu de Gusmão, construtor da Passarola; os crânios de cristal descobertos na América Central e na América do Sul, no interior destes cristais foram descobertas imagens holográficas a três dimensões; a construção, em 1993, pelo físico russo Eugene Podkletnov de um mecanismo antigravitacional que conseguia anular parcialmente a lei da gravidade e diminuir o peso dos corpos, enquanto um cientista francês desenvolvia um projeto de uma aeronave experimental com propulsão eletrocinética. Abreviadamente se dá conta desta trama avassaladora: o abate do avião do Tenente Romão, o afundamento do galeão espanhol e o auxílio prestado pelos monges do Mosteiro de Alcobaça; a cicatrização das feridas do Tenente Romão, que estava prisioneiro dos guerrilheiros, e que descobre numa gruta a seguinte inscrição: “Aqui chegou Fagundes Dias no ano de 1643 vindo de Jerusalém a cidade de Nosso Senhor, entrou na gruta e encontrou um pequeno cofre; no Mosteiro de Alcobaça fazem-se experiências e o índio Yupanki é envolvido numa intrigante construção; o documento guardado naquele cofre são umas folhas acastanhadas que falham de um naufrágio… Assim vamos saltando no tempo e no espaço, e é uma deslealdade tamanha usar o poder quase discricionário de esmiuçar minuciosamente a essência da trama da obra em análise, descurando que não se deve defraudar o leitor na vivência desse empolgamento, como é o caso.

Falou-se acima em realismo fantástico, tudo a propósito de uma narrativa que tem foros de plausibilidade com a especulação de hipóteses não demonstradas. O escritor elenca factos históricos ou possibilidades de ocorrência e dá-lhes um tratamento próximo do fantástico ou mesmo da ficção científica. António Brito revela-se um mestre nesta arte combinatória, urde uma história de bom entretenimento que merece a melhor atenção do leitor, vale a pena citá-lo numa prosa em que se vive uma odisseia no espaço:
“Estava a viver uma experiência extrema.
Ao alcançar os duzentos quilómetros acima da Terra, Romão sentiu-se astronauta lançada para o espaço sem plano de viagem. Não fazia ideia de onde estava nem do que viria a seguir. Sabia apenas que estava longe, muito longe de Alcobaça. Naquele momento, nas traseiras do Mosteiro, estariam a interrogar-se pela demora, por onde andaria com a borboleta-monarca. Pela vigia, perscrutava um infindável vazio. O negrume do espaço profundo contrastava com o azul que abraçava a Terra. Continuava a afastar-se dela, cada vez mais longe de casa. Tocava nos losangos de cristal que o fariam perder a altitude, mas a nave deixara de lhe obedecer. Movia-se apenas num sentido: para cima, sempre para cima.
Passou a marca dos quinhentos quilómetros, depois dos setecentos. Uma qualquer programação da borboleta de cristal não cessava de enviar instruções à máquina, levando-o para fora da Terra. A nave tinha vida própria, deixara de lhe obedecer. Na sua arrogância de piloto experiente, pensava conhecê-la, controlar o seu previsível comportamento, mas ela escapava-lhe das mãos. Nada do que aprendera na Academia da Força Aérea se aplicava aqui. Não era Romão que levava a nave, era a nave que o levava a ele. Para onde? Não sabia.
Por volta dos mil quilómetros, a subida cessou. A vertigem do voo transformou-se em quietude. Respirou fundo. Olhou preocupado o nível de oxigénio. Devia estar no mínimo, mas deixara de receber essa informação. Os instrumentos, exaustos pela louca corrida, tinham-se amotinado, cessado de dialogar com ele, mantinham-se imóveis, olhando sem reação para o piloto. Subitamente, sentiu-se inquieto e só. Enfiado no casulo de posto de pilotagem, sem espaço para se mover, passara a orbitar em redor da Terra, envolvido por um silêncio aterrador. Nada podia fazer. A realidade explodiu-lhe na cabeça. Ampliou-lhe a compreensão do momento.
Nunca mais voltaria a casa.
Olhou para fora, espantou-se com a soberba visão do Planeta Azul. Emocionado, compreendeu, por fim, porque incas, frades e navegadores quiseram ascender ao céu. Porque quiseram contemplar a criação de Deus”.

Nunca há bom romance se a história não for bem contada. Em O céu não pode esperar cumprem-se os melhores cânones: trepidação e uma grande história de aventura e amor. Não se pode pedir mais.
____________

Notas do editor:

{1] - Vd. postes: P14713; P14737; P14747 e 14766

Último poste da série de 24 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18246: Bibliografia de uma guerra (84): “Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017 (3) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18270: Memórias de Gabú (José Saúde) (69): Na cozinha da messe de sargentos, em Nova Lamego, num ataque de "fair play.": o “Sermão aos peixes” em tempo de guerra (José Saúde)



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.



As minhas memórias de Gabu



Na cozinha da messe de sargentos, em Nova Lamego, num ataque de "fair play":

O “Sermão aos peixes” em tempo de guerra


Revejo, amiudadamente, imagens sobre a nossa comissão militar na Guiné que me provocam intensos calafrios. Não sendo este o caso, pois a pose para o clique que máquina fotográfica registou, visa o recordar de velhos camaradas que conviveram comigo por terras de Gabu. Vamos, pois, dissertar sobre um ataque noturno mas de… fair play.

A noite era de festa. Comemorava-se o nascimento de Jesus, ou seja, festejava-se a quadra natalícia de 1973. Lá fora o breu da noitada reclamava cuidado. No interior do arame farpado o pessoal convivia. Uns, não recusavam disfarçar o vício do tabaco; outros, riam pelas “traquinices” provocadas pela minha pose que mais parecia o reeditar do proclamado “Sermão de Santo António aos Peixes”. É óbvio que o desígnio que ficou célebre é da autoria do padre António Vieira que a 13 de junho de 1654, na sequência da encruzilhada de litígios entre colonos brasileiros e os Jesuítas, ordem a que Vieira pertencia, contestavam a escravidão dos povos indígenas. Numa observação ao acontecimento litúrgico, o sermão terá sido declarado em São Luís do Maranhão, Brasil. 

A história diz-nos, também, que três dias depois, António Vieira embarcou para Lisboa onde debateu com o rei D. João IV leis que garantissem direitos básicos para os índios brasileiros protegerem as explorações dos colonos brancos. Esse objetivo visava, simultaneamente, a perda da mão-de-obra barata por parte dos colonos que exploravam impiedosamente os escravos.

O sermão constitui um surpreendente imaginário onde o padre António Vieira toma os peixes como símbolos de virtudes humanas que colidem em vícios de colonos então severamente censurados. Aliás, todo o sermão é uma alegoria, tendo em conta que os peixes são simplesmente uma metáfora dos homens.

A metáfora dos homens embebecidos por tamanha homilia não foi, em particular, a guerra com a qual convivemos. Não somos conhecedores de sermões aos peixes, nem enxergámos indícios de trabalho tipicamente escravo. Conhecemos, e essa foi a realidade, fazendas exploradas por feitores brancos, sabendo-se, historicamente, que a anulação da escravatura na Guiné teve lugar em finais do século XIX. Logo, escravos fomos nós de um regime totalitário que impunha regras de obrigatoriedade a jovens soldados.

Assim sendo, em meu entender, não houve ao longo da guerra pactos de reconciliação com o poder central instalado em Lisboa, nem metamorfoses que carecessem o erigir de novas leis do Estado Novo para protegerem os escravos inocentes atirados para as frentes de combate. Davam o seu corpo às balas e lá vinha a já gasta retórica que o audaz combatente morreu ao serviço da Pátria. Ponto final.

Nesta panóplia de combatentes nos campos da guerrilha, pormenorizo caras jovens de antigos camaradas que o tempo ousou imensuravelmente separar. Com a marcha da vida em rodagem moderada, embora o “contrarrelógio” visione sexagenários que se aproximam vertiginosamente para uma viragem de direção para um escalão superior, isto é, para categoria de septuagenários, eis-me, uma vez mais, ao encontro do precioso intento de rever companheiros que comigo partilharam inolvidáveis momentos.

Sei que a quase totalidade dos camaradas pertencentes ao BART 6523 que se fixou em Nova Lamego, Madina Madinga e Cabuca, são originários de terras nortenhas. Recordo que o Batalhão foi formado em Penafiel, não obstante de nunca por lá ter passado, uma vez que fiquei em Lamego a ministrar o 2º curso de 1973, precisamente ao 1º grupo de cadetes – Operações Especiais/Ranger -, seguindo-se a minha incorporação no respetivo corpo operacional na região de Gabu, um mês depois das nossas tropas por lá se terem instalarem.

Porém, a distância do tempo levou-me a citar o “sermão aos peixes” do padre António Vieira, embora ao de leve, dado que a narrativa tem como objetivo prioritário uma aproximação a esses célebres camaradas que foram meus fiéis companheiros enquanto da nossa estadia em chão fula.

Sabe-se que no Norte, presumivelmente ao invés da rapaziada do Sul, existe uma esmerada afeição pelos militares da guerra de África. As Tabancas de ex-combatentes que prestaram serviço na Guiné que por lá existem, são a prova reconhecida desse inequívoco querer. Os convívios predominam. Ainda bem que assim é. Bem-haja a vossa voluntariedade!

Fica este meu suposto “sermão aos peixes” em tempo de guerra, tendo em conta que esses outrora jovens, com caras joviais, são hoje gentes com rostos já rogados e vergados ao peso de uma idade que teima em não dar tréguas num trilho ultrapassado com alguma segurança. Aqui não há minas, nem tão-pouco fornilhos da desgraça. Vivamos a vida enquanto esta não derrapar para a fatídica emboscada final. 

Camaradas, espero, e teria muito prazer, um dia reencontrar-vos! Ficam os sinais de esperança. Facultem-me, pelo menos, um grito de alerta. O Zé Saúde, que vós conhecestes vive, desde criança, na cidade de Beja.

A vida, não obstante ter-me sido madrasta, contínuo a usufruir da minha plena liberdade e pronto a desafiar quilómetros de estrada. Aqui não há AVC que me derrube, por enquanto.


Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

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