quarta-feira, 9 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18618: Consultório militar do José Martins (36): Registo Militar de Henrique Pedro Daniel de Duarte Silva Y Aranda

1. Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 13 de Abril de 2018 com um trabalho sobre o Major Aranda:

Boa tarde
Oportunamente o nosso camarada de Engenharia Fernando Conde Vitorino escreveu-me, questionando-me se tinha elementos que o habilitassem a prestar uma homenagem ao seu Major Aranda, com quem conviveu no seu tempo da Escola Prática de Engenharia.
Consultei o processo do "nosso Major", que já não se encontra entre nós, e enviei-lhe os dados que recolhi no seu processo militar, junto do Arquivo Geral do Exército.
Como pode ter interesse, junto o referido texto que já se encontra publicado no facebook da Engenharia, juntando foto do TCor Aranda e foto da Medalha de Mérito Militar.

Bom fim de semana.
José Martins

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Tenente-Coronel Aranda

Mérito Militar

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Nota do editor

Último poste da série de 15 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18420: Consultório militar do José Martins (35): elementos para a história da CAÇ 727 (Nova Lamego, Canquelifá, Piche, 1964/66), que teve 18 mortos em campanha, incluindo o alf mil inf António Angelino Teixeira Xavier, natural de Carrazeda de Montenegro, Valpaços

Guiné 61/74 - P18617: Historiografia da presença portuguesa em África (114): Uma rivalidade bancária que ajuda a compreender a História da Guiné (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Janeiro de 2018::

Queridos amigos,
Convém situar este texto. No trabalho que levo em curso sobre a história do BNU na Guiné, cedo fui confrontando com a inexistência de documentação entre 1903 e 1917, praticamente nada existe no arquivo histórico do BNU. A documentação das duas agências é uma realidade a partir de 1917, ano em que a agência de Bissau se vê obrigada a pedir a Lisboa que dirima o contencioso que logo se levantou, em toda a linha das operações bancárias. Este documento solto tem a utilidade de deixar transparecer o que estava a mudar no processo socioeconómico da colónia: Bolama já não podia resistir aos ventos da história, os comerciantes do continente sentiam que as campanhas de pacificação de Teixeira Pinto lhes permitiam agora uma grande liberdade de circulação, os negócios ganhavam fluência e Bolama passara a ser um empecilho. É esse o valor, o significado que atribuo a este documento, o dar-nos um novo olhar sobre a história.

Um abraço do
Mário


Uma rivalidade bancária que ajuda a compreender a História da Guiné

Beja Santos

Em 1917, o BNU que instalara uma filial na capital da Província, em Bolama, criou uma agência na cidade de Bissau. Estamos em plena guerra, a documentação comprova sucessivas más escolhas para a governação e administração. Inúmeras são as carências, e vai avultar neste período a dura realidade que o desenvolvimento económico a partir de Bolama não tinha o mesmo dinamismo que estava a ocorrer em Bissau e as suas ligações comerciais no continente. Houvera guerras intensas e sangrentas na região do Forreá, com verdadeiras migrações e mudanças de peso no mosaico étnico. O Sul incrementava a orizicultura mas os empreendimentos em torno da mancarra e de outras produções encontrara maus gestores. Recorde-se que poucos anos depois, o empresário Vítor Gomes Pereira verá todos os seus bens hipotecados e transferidos para o BNU. Na investigação que levo a curso sobre o BNU na história da Guiné (1917-1974) encontrei um documento datado de 21 de Agosto de 1917, do gerente da agência de Bissau para a gerência do BNU em Lisboa que é revelador do que se estava a passar e indicia a decadência da capital, a sua transferência para Bissau começa a ser assunto corrente no final dos anos 1920, embora só se vá concretizar em 1941.

O título do documento reservado que vai de Bissau para Lisboa tem como assunto relação entre as duas agências, mas vai suficientemente mais longe para permitir perceber que tudo mudara depois das campanhas de Teixeira Pinto, os negócios na Guiné continental eram prometedores e já havia queixas dos comerciantes quanto à necessidade de terem de viajar até Bolama podendo fazer as suas operações financeiras em Bissau. É também um documento esclarecedor que estava aberta uma rivalidade que irá crescendo ao longo dos anos 1930 até atingir o clímax de relações verdadeiramente intempestivas entre os dois gerentes. Enfim, um documento elucidativo do que estava em mudança, o que definhava e o que se expandia. Enquanto lia este documento ia folheando os volumes escritos por Carvalho Viegas, um governador que deixou marcas na Guiné, sobretudo nas obras públicas, isto no exato momento em que ele próprio procura acelerar a mudança da capital de Bolama para Bissau, acarretando discussões enormes entre os grupos económicos na cena, o que é bem visível nos relatórios de execução de Bolama e Bissau neste período, em que Bolama defende encarniçadamente a posição estratégica que aparentemente detém.

O documento reservado que sai de Bissau em 21 de Agosto de 1917 diz o seguinte:
“Tem havido entre esta agência e a de Bolama troca de correspondência a propósito dos clientes que devem fazer as suas operações nesta ou naquela agência, sem que tenhamos chegado a acordo e por isso vimos submeter o assunto à apreciação de V. Exas. para que, resolvendo-o como for de justiça, cada uma das agências saiba depois o que lhe cumpre fazer.

Primeiro, clientes de Bafatá. Pretende aquela agência que os fregueses de Bafatá façam ali os seus negócios contrariamente ao que a clientela deseja. Bissau fica em caminho para Bolama; quem de Bafatá vai para Bolama tem que forçosamente tocar em Bissau, de forma que o cliente chega aqui e nós temos de lhe dizer que vá a Bolama fazer as suas operações! Sucede que todo o negócio de Bafatá se faz exclusivamente com Bissau não indo a menor quantidade de produtos de Bafatá para Bolama, visto que os clientes, tendo aqui os seus correspondentes, preferem aqui fazer as suas operações. As letras que V. Exas. remetem para Bafatá vêm sempre pagáveis em Bissau por a clientela ter quase que diariamente aqui portadores; finalmente, o cliente podendo servir-se desta agência de Bissau e regressar sem demora a sua casa, indo a Bolama perde pelo menos mais 3 dias se tiver transporte imediato, de contrário tem que esperar em Bissau 8 e mais dias, fazendo despesas desnecessárias. Já expusemos isto para Bolama, mas sem resultado. Nas mesmas condições fica Farim e Cacheu, cujas transacções são somente feitas com Bissau que igualmente fica em caminho.

Segundo letras descontadas. Parece que tendo sido aberta esta agência para ela deveriam ter sido enviadas todas as letras que descontadas em Bolama os sacados residissem em Bissau. Pelo facto, porém, das letras terem sido descontadas – pagável em Bolama, por não existir esta agência – recusa-se a agência de Bolama com este fundamento a enviá-las para aqui, sucedendo por este motivo que os clientes têm de ir a Bolama tratar da regularização das suas letras e, se as reformam, de continuar a fazer em Bolama as suas operações. A clientela com isto sente-se prejudicada porque em nada foi beneficiada com a abertura desta agência e traz para nós o inconveniente de privar-nos de fazermos descontos por ignorarmos qual seja em dado momento a responsabilidade das firmas que figuram nas letras a desconto, pois na dúvida de podermos ser logrados preferimos a recusa a descontos, que talvez pudéssemos fazer sem risco algum.
Mas dado o caso do mesmo cliente ter letras em Bolama e em Bissau, não poderá dar lugar a que o cliente venha a ter a sua responsabilidade duplicada? Não poderá algum freguês aproveitar-se desta circunstância e no mesmo dia em que aqui faz um desconto ir a Bolama que dista daqui 3 horas em motor e fazer novo desconto, aumentado responsabilidades que não comporte? Parece-nos que para evitar este inconveniente a melhor maneira seria a agência de Bolama enviar para esta agência todas as letras ali descontadas cujos sacados residam em Bissau e cada uma das agências limitar os seus descontos aos clientes da localidade, dividindo em duas zonas as restantes povoações da Guiné. Assim, a agência de Bissau ficaria com Cacheu, Farim, Bafatá e Bambadinca que lhe fica em caminho e mais próximas de Bissau; e à agência de Bolama pertenceria Bolama, Buba, Cacine e Bijagós.
Para que se pudesse fazer uma rigorosa fiscalização, também entendemos que uma das agências fornecesse à outra, semanalmente, ou que permutasse uma relação de letras descontadas para conhecimento da responsabilidade da clientela, pois pode suceder que um cliente de Bissau se aproveite de um de Bolama para sacado ou sacador, ou vice-versa, e pela relação vínhamos a saber qual era a sua responsabilidade.

Terceiro, contas correntes. Foi com dificuldade que obtivemos a transferência para esta agência dos saldos das contas correntes referentes a clientes de Bissau. Tendo esta agência aberto em 14 de Junho, só em 24 de Julho nos foram enviados de Bolama os saldos das contas, apesar dos nossos reiterados pedidos e igualmente da clientela. Quando, em 8 de Junho, saímos de Bolama, ficava fechada a escrita de Maio, mas a agência de Bolama para poder contar juros nas contas até fim de Junho demorou a transferência das contas, dando lugar a que estivéssemos trabalhando durante todo este tempo apenas com as reminiscências que tínhamos das referidas contas. Ficou ainda na agência de Bolama a conta do Visconde de Thiene pelo facto deste cliente ter ali uma pequena casa comercial que a maior parte das vezes conserva fechada durante meses. Ora sendo a sede da casa em Bissau é aqui, em nosso entender, que deve estar a conta para boa fiscalização.

Quarto, contas hipotecárias. A agência de Bolama pretende ficar ali com a conta hipotecária de Joaquim de Pinheiro Figueiredo que tendo aqui a residência deseja a conta em Bissau. Alega a agência de Bolama que foi ela a procuradora na escritura, mas tendo sido o banco quem fez o contrato e havendo agora em Bissau uma sua dependência, cremos que deveria passar para Bissau a conta, visto o cliente aqui residir e ter aqui outras suas operações.
Tudo isto gira em redor dos lucros que cada uma das agências deseja apresentar no final do exercício, mas nós dentro desses lucros temos em mira principalmente a fiscalização que aqui podemos exercer na defesa dos interesses e dos capitais do nosso banco, fiscalização que, ficando as coisas no pé em que estão, nem nós nem aquela agência pode fazer.

Pelos factos apontados, V. Exas. resolverão como julgarem conveniente, dando-nos as suas instruções”.

Começara a competição, só findará com o encerramento da agência de Bolama, que durante um tempo ainda funcionará como uma correspondência. Quem em Lisboa procede a análise da carta do gerente de Bissau faz anotações a lápis, parece que foram feitas ontem, diz que o Gouveia confirma ou que está certo, seguramente que houve concordância e a clara perceção de que os negócios no continente iam de vento em pompa, terão dado depois crédito às petições de Bissau.

Uma amostra singela mas concludente de que questiúnculas interbancárias podem ajudar a entender as mudanças que a Guiné estava a viver, em plena I Guerra Mundial.

Vista sobre a praia da ilha de Bubaque, fotografia de Francisco Nogueira, reproduzida, com a devida vénia, no livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016

Vista do porto de Bissau, década de 1910, imagem do nosso blogue inserida em 8 de Setembro de 2012
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18534: Historiografia da presença portuguesa em África (112): Imagens e relatórios dos actos de vandalismo praticados pelo MLG, na Praia de Varela, em Julho de 1961, encontrados no acervo documental do Banco Nacional Ultramarino (Mário Beja Santos)

terça-feira, 8 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18616: Convívios (855): XXXI Almoço de Confraternização, e comemoração do 46.º aniversário da chegada, dos Oficiais, Sargentos e Praças, e familiares, do BCAÇ 2879, dia 26 de Maio de 2018, em Folgosinho (Carlos Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 2548)


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Nota do editor:

Último poste da série de 2 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18595: Convívios (854): Encontro dos "Ilustres TSF" em Campanhã - Porto (Hélder Valério Sousa, ex-Fur Mil TSF)

Guiné 61/74 - P18615: XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (24): Monte Real, 5 de maio de 2018: o olhar do fotógrafo 'strelado' Miguel Pessoa - Parte I


O ex-ten pilav António Martins de Matos, hoje ten gen pilav reformado


Isabel e Tó Zé Pereira da Costa... "Fregueses de longa data" dos encontros nacionais da Tabanca Grande


Xico Allen e Agostinho Gaspar


Três "bandalhos" de o "Bando": ao centro o bandalho-mor, Jorge Teixeira; à sua esquerda, o Ricardo Figueiredo; à direita, o António Tavares.


Margarida Peixoto e Giselda Pessoa


O fotógrafo, Miguel Pessoa, com ar cansado... Há dias e dias que não sabe o que é dormir numa cama...


O régulo da Tabanca de Setúbal, Hélder Sousa


Mais dois históricos: o Idálio Reis e o Francisco Silva


Dina Vinhal, Germana e Carlos Silva


Manuel Augusto Reis: se houvesse uma tabanca em Aveiro, ele seria o régulo...


O casal Caseiro, à direita (Maria Celeste e Vítor Caseiro) e  a Irene, à esquerda, esposa do Luís R. Moreira


José Ferreira, António Tavares e Carlos Silva (um dos régulos da Tabanca dos Melros, em Gondomar)
                                                                        

Manuel Joaquim, António Graça de Abreu e António Joaquim Alves


Vítor e Maria Celeste Caseiro... O Vítor é o presidente da Junta de União de Freguesias de Santa Eufémia e Boa Vista, concelho de Leiria.


Da esquerda para a direita: Hélder Sousa, Alice Carneiro, Manuel José Ribeiro Agostinho e Elisabete

Monte Real > XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > 5 de maio de 2018 >

Foto (e legenda): © Miguel Pessoa (2018). Todos os direitos reservados [Edição; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mesmo combalido, na sequência de um "acidente doméstico", o nosso Miguel Pessoa não quis deixar de vir a Monte Real, e fazer a sua cobertura fotográfica do evento...  

Obrigado, Miguel, pelas 52 fotos que nos mandaste. Aqui vai uma primeira seleção. Todos os amigos e camaradas da Guiné te desejam rápidas melhoras. E vê se finalmente consegues dormir na tua cama!... (LG)
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segunda-feira, 7 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18614: Notas de leitura (1064): Retrato do colonizado e retrato do colonizador, por Albert Memmi; editado por Gallimard (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Maio de 2016:

Queridos amigos,
Este documento de Albert Memmi não pode ser lido como um panfleto político de um dirigente revolucionário. É uma prosa lúcida, a articulação é perfeita, a análise deslumbra o leitor mais reticente, mesmo o mais incrédulo de que as relações entre colonizador e colonizado são assim tão poderosas como aqui se descrevem, do princípio ao fim. Aqui se desmonta mistificações, sonhos do colonizado em imitar o colonizador, até se chegar ao ponto fulcral em que nos apercebemos que quando se procura suprimir o colonizado, pela força das circunstâncias iria desaparecer a colonização e inclusivamente o colonizador. Trata-se de um ensaio impressionante, obviamente que datado e bastante circunscrito aos países do Norte de África, como a evolução dos acontecimentos veio comprovar.
Leitura que se recomenda a todos o que se interessam por procurar conhecer a essência do que foi o colonialismo e o que separava o colono do assimilado, o que separava o assimilado do nativo e as suas diferentes categorias intercalares. Jamais se perceberá a questão de fundo dos antagonismos e constrangimentos entre guineenses e cabo-verdianos sem entender a dimensão destas categorias.

Um abraço do
Mário


Reler um clássico do colonialismo: 
Retrato do colonizado e retrato do colonizador, por Albert Memmi (2)

Beja Santos

Albert Memmi partiu cedo da Tunísia e fez uma promissora carreira universitária em França, é autor de romances, poesia, entrevistas, ensaios, entre outros. Em meados da década de 1950, ainda antes de se ter desencadeado a guerra da Argélia entendeu escrever dois retratos para dimensionar o colonizado e colonizador. Obra de escândalo e aplauso. Acrescia o facto de o autor ter sido detido pelos alemães num campo de trabalho e a sua imagem política era de resistente de esquerda. Deu celeuma as suas considerações sobre o nacionalismo e a esquerda. Os próprios funcionários coloniais se sentiram visados pelas suas considerações no contexto da vida colonial.

A sua escrita é calma, um verdadeiro incentivo ao diálogo. Quando ele diz que o colonialista é a vocação natural do colonizador, não usa palavras de ordem, trabalha com argumentos. Quando ele diz que é corrente opor-se o imigrante ao colonialista que nasceu na colónia, ele desvela como se trata de uma falácia. O imigrante acabará por adotar a doutrina colonialista. Quem nasceu na colónia tem o ambiente familiar, os interesses constituídos, os privilégios recebidos, por natureza o colonialismo restringe a sua liberdade. Quem chega à colónia, forçosamente nela se vai inserir, mas há uma larga franja do grupo colonizador que a tudo se adaptará, ao sistema policial, ao desrespeito pelas culturas nativas: são uns medíocres, aqueles que não têm saída fora daquele contexto colonial e que acabarão por se resignar aos tiques e comportamentos do grupo colonizador, resignam-se ao ramerrão, constituíram a falange da maioria dos homens da colonização.

E chegamos a um dos pontos mais polémicos da obra, em que ele refere abertamente: a situação colonial fabrica colonialistas do mesmo modo como fabrica os colonizados. E di-lo serenamente, a propósito das comparações, inevitáveis a que o colonista procede quando fala da sua pátria: “O colonialista parece ter esquecido a realidade viva do seu país de origem. Ao longo dos anos, ele esculpiu, por oposição à colónia, um monumento da metrópole tal que a colónia lhe aparece necessariamente vulgar”. O colonialista nunca esquece de referir o calor, a humidade, as cobras, o verde interminável, tem sempre argumentos de contraposição em que a metrópole reúne tudo quanto há de positivo, a própria harmonia dos sítios, o melhor clima, a beleza, etc. O nacionalismo do colonialista tem as suas especificidades. A pátria tolera e protege a sua existência enquanto colonialista. Mas há também a tentação fascista, a máquina administrativa e política da colónia está ao serviço da exploração, funda-se na desigualdade e é garantida pelo autoritarismo das forças policiais, nas cidades e nos lugares mais remotos.

Não menos polémico é o que Memmi diz sobre o ressentimento que o colono guarda da metrópole. Diz sem ambiguidade que ao nível da mesma classe o colonialista está mais à direita que o metropolitano. Não tendo os mesmos interesses que o metropolitano, sente-se preterido na colónia. E temos depois o racismo que resume e simboliza a relação fundamental que une o colonialista e o colonizado. O racismo do colonialista é sustentado pela intensidade nas relações coloniais. E diz Memmi que a análise da atitude racista revela-se em três elementos importantes: descobrir e evidenciar as diferenças entre o colonizador e colonizado; valorizar essas diferenças a favor do colonizador e em detrimento do colonizado; e elevar estas diferenças a um nível absoluto. O colonizador encara esta relação com o colonizado como uma categoria definitiva. É neste ponto que Memmi introduz um elemento perturbador: as más relações entre a Igreja e os colonialistas; estes, quando percebem que o religioso (ou o missionário) apela à libertação espiritual do colonizado, tudo fazem para que a religião do colonizador seja encarada como a etapa indispensável da via da assimilação, o que pode levar à contestação, o religioso pode também entrar em confronto com o colonizador pela recusa do paternalismo, propondo direitos humanos, sindicais, sociais e o fim da discriminação.

Vejamos agora o retrato do colonizado. A imagem apresentada pelo colonizador é de que o colonizado é preguiçoso, é ladrão, despido de valores, esbanjador, sanguinário, acriançado. Assim sendo, há que o vigiar, segui-lo de perto, dar-lhe os valores metropolitanos, os mesmos feriados que há na metrópole, fazê-lo estudar a história da metrópole, sujeitá-lo a muitas provas antes de lhe dar o estatuto assimilado. Perante esta couraça de imposições, só resta ao colonizado encontrar refúgio num conjunto de valores que são os da família, os princípios do clã, assim se impede a amnésia cultural imposta pelo colonizador que pretende demolir a memória do colonizado.

O autor questiona se nos apercebemos porque é que o colonizado possui uma literatura viva rudimentar. Há a língua oficial em que escreve o escritor assimilado e há a realidade dos outros idiomas em que os colonizados sem entendem. O escritor assimilado, por muito que goste da língua que recebeu do colonizador, tem quase sempre a impressão que escreve para um auditório de surdos. E sobre este assunto Memmi profere um juízo radical: a literatura colonizada de língua europeia parece destinada a morrer cedo. O colonizado procura mudar de condição mudando de pele, isto é casando com a branca ou com a mestiça, aderindo aos costumes, à indumentária, à alimentação, ao tipo de arquitetura do colonizador, procura captar-lhe os princípios e valores. É nesse contexto de inclusão, que passa por desfrisar o cabelo, descolorir a pele, o uso de bijuteria, rejeitando o artesanato secular, que o colonizado julga que encontrou a porta aberta para a assimilação. É um quadro idílico em que se esquece que a condição colonial só pode mudar com a supressão da relação colonial.

E assim chegamos a alguns dos postulados mais polémicos do trabalho de Memmi: a verificação de que só resta ao colonizado revoltar-se, que a libertação do colonizado se deve fazer pela reconquista de si e de uma dignidade autónoma. Mas há ambiguidades desta afirmação de si: devido ao processo de exclusão, o colonizado aceita-se como diferente, a sua originalidade é definida pelo colonizador. Na conclusão da obra, Memmi dá como demonstrado que o colonizador é uma doença do europeu, que o papel de colonizador de esquerda é insustentável, que a negação dos direitos do colonizado preparam a revolta e o quadro revolucionário, neste se operará a liquidação da colonização. É na reconquista das suas dimensões que o ex-colonizado se irá tornar num homem como os outros, assim se tornará num homem livre com as ditas e desditas de todos os homens de todos os continentes.

Libertação colonial: assim como não há colonizadores de esquerda, a esquerda europeia passa a desconfiar daquele nacionalismo que em caso algum tem a ver com a sua prática ideológica, tal como ele a conhece no seu país de origem.
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Nota do editor

Poste anterior de 30 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18582: Notas de leitura (1062): Retrato do colonizado e retrato do colonizador, por Albert Memmi; editado por Gallimard (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 4 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18602: Notas de leitura (1063): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (33) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18613: XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (23): um paraquedista, uma enfermeira paraquedista e um maluquinho das máquinas voadoras... O que faziam em Monte Real, no sábado, dia 5 de maio ?







Monte Real > XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > 5 de maio de 2018 >  Jaime Bonifácio Marques da Silva, Giselda Antunes Pessoa e Mário Leão

Foto (e legenda): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados [Edição; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. O que é que têm em comum estes três camaradas nossos ?  

Bom, a Giselda era a única camarada presente em Monte Real, no sábado. Como se sabe, foi enfermeira paraquedista no TO da Guiné, entre 1972 e 1974... É casada com o coronel piloto aviador reformado, Miguel Pessoa... Costumamos chamar-lhes o casal mais 'strelado' do mundo... O Miguel apanhou com um e teve de ejectar-se, em 25 de março de 1973... A Giselda teve mais sorte, apanhou com dois, de raspão, mais tarde...

O Jaime foi alf mil paraquedista, no BCP 21, em Angola, entre 1970 e 1972. Era (e é) muito amigo da Rosa Serra, também enfermeira paraquedista. Estiveram os dois juntos em Angola. A Rosa Serra e as restantes enfermeiras paraquedistas foram homenageadas há dois anos, em Fafe, segunda terra, por casamento, do Jaime.  Foi na edição de 2016 do "Terra Justa - Encontro Internacional de Causas e Valores da Humanidade". A ideia partiu do Jaime.

Em Fafe, o nosso grã-tabanqueiro lourinhanense casou, teve dosi filhos, trabalhou como professor de educação física, foi autarca, com o pelouro da educação e cultura. Por doença da esposa, fixou-se definitivamente na sua terra natal, Seixa, Lourinhã, onde o casal, reformado, vive agora.

Desinquietei-o para vir a Monte Real. Nunca tinha vindo, mas costuma estar atento ao que se passa com os ex-combatentes, quer da FAP, quer do Exército, quer da Marinha. É sócio, inclusive, da AVECO . Associação dos Veteranos Combatebentes do Oeste, com sede na Lourinhã.

O Jaime veio, comigo e com a Alice, e gostou. E era o único paraquedista presente, além da Giselda. Trouxe inclusive 2 garrafas de aguardente vínica da Região Demaracada da Lourinhã. Foi com imensa alegria e sentido de partilha que ele abriu as duas garrafas e deu-a a  provar a mais de  três dezenas de camaradas presentes, no fim da refeição, depois do almoço. Foi um sucesso e um momento alto do nosso encontro: a maior parte dos camaradas desconhecia este produto da nossa terra, que é único no mundo, a par do Cognac e do Armagnac...

O Mário Leitão, hoje farmacêutico reformado, foi por sua vez  professor na Escola Superior de Enfermagem de Viana do Castelo. E é piloto civil  (com 300 e tal horas de voo)... Não sei se ainda é, depois de um grave acidente sofrido há uns anos. Tem, enfim, o "bichinho" dos aviões. Tal como o Jaime, que foi para os paraquedistas, porque lhe garantiram que saltar de paraquedas podia ser um dos melhores prazeres da vida... Andou muito a penantes no Norte e no Leste de Angola.  E tem guerra que chegue para contar aos filhos e netos....

E a Guiné? Tem quase meia centena de referências no nosso blogue, o que dá uma ideia do que temos em comum. É membro da nossa Tabanca Grande, vai a caminho da meia centena de referências no nosso blogue.

Não sei do que estavam a falar o Jaime e a Giselda quando lhes tirei estas "chapas"... Mas é fácil de adivinhar. O Mário, por sua vez, estava a preparar-se para oferecer dois dos seus livros ao casal Miguel & Giselda.

Aqui fica as fotos, para memória futura.

LG.
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Guiné 61/74 - P18612: XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (22): bem hajam, camaradas e amigos/as, que não puderam vir, e tiveram a gentileza de nos mandar uma mensagem de saudações ou uma simples palavrinha de explicação...


Monte Real > XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > 5 de maio de 2018 > Aspeto parcial do grupo de cerca de 130 que este ano marcou presença...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados [Edição; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Vários camaradas e amigos que não puderam estar presentes (, uma boa parte por razões de saúde, outros por compromissos de agenda, outros ainda por imprevistos de última hora) telefonaram ou mandaram mensagens a desejar um bom encontro em Monte Real, uns no próprio dia, outros na véspera, ou até uns largos dias antes. 

Correndo o risco de não me lembrar de todos, foi o caso do Joaquim da Silva Jorge e Esmeralda (Ferrel / Peniche), Sousa de Castro e Conceição (Viana do Castelo), C. Caria (Penamacor),  António Fernando Marques e Gina (Cascais), João Crisóstomo (Nova Iorque), Rui Chamusco (Timor), Eduardo Jorge Ferreira (Vimeiro / Lourinhã), Diana Andringa (Lisboa), João Martins (Lisboa), João Sacôto (Lisboa), Manuel dos Santos Gonçalves e Maria de Fátima (Tucha) (Carcavelos / Cascais),  Alcides Silva (Oliveira de Azeméis), Humberto Reis (Alfragide / Amadora), António Estácio (Sintra), Raúl Albino (Setúbal), José Cancela (Penafiel), Carlos Mota Ribeiro (Maia), António Rosinha (Alverca e Torres Vedras), Jorge Ferreira (Paço de Arcos / Oeiras), Virgílio Teixeira (Vila do Conde)...

Destaco estes três últimos:

(i) António Rosinha (Alverca):

Luís, almoços prolongados já não combinam com indicações médicas há uns anitos para cá, uma das razões de não comparecer em Monte Real.

Habito temporariamente entre Alverca hoje, Torres Vedras amanhã, 50/50.

Um abraço, Antº Rosinha

(ii) Jorge Ferreira (Oeiras);

Luís, tabanqueiro mor, votos de que o nosso Encontro esteja a decorrer como desejavas. Eu também estou aí em espírito,

Não te esqueças de apelar a todos os que têm fotos da sua passagem pela Guiné para que as disponibilizem para que as possamos divulhgra através do FOTOBOX, o programa de fotografia do Luís Carvalho, na RTP 3.

Aquele abraço para todos os nossos camaradas. JF

(iii) Virgílio Teixeira (Vila do Conde):

Caro amigo Luís:

Obrigado pela tua mensagem de ontem [, 4 de maio], não prometo que para o ano aí estou, em Monte Real, onde espero e desejo que passem um bom sábado,  de confraternização e camaradagem, com os nossos camaradas da Guiné, que tudo merecem.

Com certeza será mais certo eu ir ao encontro da Tabanca da Linha, pois resolvo o meu problema de transportes. Temos o Alfa, vou com a minha mulher calmamente no dia anterior, fico num hotel até o dia seguinte, posso comer e beber à vontade, e depois vou ficar no hotel até ao dia seguinte, e faço no Alfa a viagem de regresso, sem stress, sem problemas do condução, que já não aguento tantos quilómetros e com os problemas de dormir.

Está na hora da vossa convivência, por isso se receberes esta mensagem, manda aí um Alfa Bravo para todos, incluindo o Antº Rosinha se estiver também em Monte Real, (parece-me que ele não alinha muito com os meus postes, está sempre a lançar piadas, pois, tal como eu, também não é politicamente correcto, por isso o aceito tal como ele escreve, além disso merece o meu respeito pela sua mais longa idade, mas não é caso de estar sempre a lançar piadas sobre 'a minha guerra', os meus postes de Bissau, é preciso colocar mais uns, de São Domingos, Nova Lamego, Susana, Cacheu e outros sítios, tipo guerreiro, para merecer mais consideração, afinal todos andamos por lá, não tenho culpa de me darem uma função no Comando do Batalhão, que não era para todos, como é óbvio, eu sei).

Um bom regresso, e até a próxima,

Abraço do
Virgílio
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P18611: XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (21): Monte Real, sábado, 5 de maio de 2018: uma "caixinha de surpresas"... E tivemos saudades tuas, C. Martins.


Da esquerda para a direita: Manuel Oliveira Pereira,  Acílio Azevedo e Mário Leitão... Ao fundo, a igreja paroquial de Monte Real. O Mário Leitão, que tinha o "complexo do infiltrado" na Tabanca Grande por ser um "angolano" e não um "guineense"..., acabou por se desinibir e tornar-se uma das vedetas do nosso XIII Encontro Nacional...


O Rogé Guerreira, membro da Tabanca da Linha, mais um camarada que está de perfil e que não conseguimos identificar


Da esquerda para a direita, o Miguel Pessoa, o Jorge Rosales e o Virgínio Briote (em segundo plano)


O Miguel Pessoa, membro da comissão organizadora, desta vez combalido, devido a queda recente que lhe afetou a coluna e o não deixa dormir. Contrariamente aos anos anteriores, desta feita não ficou no hotel, voltando para sua casa em Lisboa.


Joaquim Mexia Alves, membro da comissão organizadora, a "jogar em casa"


O José Saúde (que veio de de Beja a conduzir o seu carro, adaptado, recorde-se que ele teve uma ACV isquémico aos 57 anos, com sequelas graves, de que recuperou com grande tenacidade e vontade de viver...). A seu lado, o Manuel Oliveira Pereira, amigos e longa data.


Juvenal Amado, António Tavares (de "O Bando") e Fernando Ponte, o único representante da Marinha


Manuel Joaquim e Mário Leitão


O António Mendes (Carapinheira / Montemor-o-Velho)... Veio ter que comigo: "Sou pai da sua colega da Escola Nacional de Saúde Pública, a professora Sílvia Lopes"... Uma agradável surpresa!... O António é conterrâneo do António Bonito, foi este que o desinquietou a vir a Monte Real...


A Maria Antónia e o Vasco Ferreira


O José Almeida e a Maria Antónia, o casal que representou e muito bem Viana do Castelo... O Sousa de Castro, um histórico do blogue (o tertuliano nº 2) era para vir com este casal, ele e a esposa, Conceição... Telefonou-nos ontem, às 7 da manhã, a cancelar a inscrição: a sogra, de 94 anos, acabava de morrer durante a noite. Tanto o Sousa de Castro e o José Almeida trabalharam no Estaleiro Naval de Viana do Castelo (ENVC). O José Almeida trouxe uma lembrança: uma coleção ce gravuras com navios construídos no seu "estaleiro" de que ele fala com emoção... 


Marta Rosa Pinto e Teresa Maria, ambas da Reboleira, Amadora. A primeira é esposa do Carlos Alberto Pinto e a segunda, do Fernando Oliveira.

Monte Real > XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > 5 de maio de 2018 > As primeiras imagens >

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O C. Martins, de Penamacor, teve a gentileza de nos mandar, ontem por volta das 22h00,  a seguinte mensagem a justificar a sua ausência, que foi notada, em Monte Real:

Caro Carlos

Devido a um imprevisto de última hora,  não me foi possível ir ao convívio nem avisar que não podia ir.

Tive que ser internado no hospital,felizmente não se confirmou que o motivo fosse grave. Se eventualmente a organização foi prejudicada financeiramente, envia-me o teu número de conta para eu fazer a transferência.

Antecipadamente grato.

Um alfa bravo,
C. Martins

2. O nosso coeditor Carlos Vinhal respondeu-lhe nestes termos:

Caro C. Martins

Problema da tua falta resolvido na hora. Pena teres faltado por motivo de saúde.  Ainda bem que não é nada de grave. Rápido e definitivo restabelecimento.

Abraço,
Carlos
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Vd. postes anteriores da série: