sexta-feira, 25 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18676: Notas de leitura (1069): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (36) (Mário Beja Santos)

Mais uma imagem alusiva a empréstimos sobre penhores, que foi praticada pelo BNU na Guiné


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,
Temos algo de novo, há mais pequena indústria, a produção de mancarra, de arroz e de coconote segue imparável, estamos ainda muito longe de falar no caju; e percebe-se que não há um resquício de interesse na exploração dos recursos haliêuticos, parece que ninguém ainda pensava naquela importante plataforma de onde a Guiné-Bissau hoje recebe bons proventos; há cada vez mais comerciantes, a concorrência é desenfreada. E o quadro politico alterou-se em 1958, temos a Guiné Conacri e o Senegal integrou-se provisoriamente na Federação Mali.
Veremos adiante que se descobriu finalmente que a Guiné tem outras riquezas: a bauxite e provavelmente o petróleo. Disso, o relatório do BNU dará conta, como veremos no próximo texto.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (36)

Beja Santos

No tocante ao relatório de 1957, o gerente do BNU refere-se do seguinte modo à situação da praça:  
“Pode dizer-se que no ano findo não houve qualquer factor a influir sensivelmente no panorama da situação comercial. A produção de mancarra, em que quase assenta a economia da Guiné, foi ligeiramente superior; a do coconote, inferior, e a o arroz também um pouco menor, mas esta talvez compensada por uma maior colheita de milho. A exportação não atingiu o valor do ano anterior, muito embora se tivesse aproximado, mas a importação aumentou em cerca de 20 mil contos, o que consideramos normal devido às exigências do Plano de Fomento e das maiores necessidades da população. Este equilíbrio permitiu que o comércio mantivesse o grau de solvência verificado nos últimos, continuando, no entanto, a notar-se a falta de desafogo entre os comerciantes chamados pequenos, pela tendência cada vez mais acentuada de desenvolverem os seus negócios e de ampliarem e beneficiarem as suas instalações”.

Também nesse ano o gerente resolve expor com largo detalhe qual a situação das colheitas, não sem antes voltar a referir-se às instituições bancárias existentes na Guiné. Escreve ele:
“Não há nesta província outra instituição bancária além do nosso Banco. Existem no entanto três instituições – Caixa Económica Postal, Caixa de Previdência dos Funcionários Públicos da Província da Guiné e Montepio das Alfândegas da Guiné – que fazem algumas operações com características bancárias, tais como empréstimos garantidos por letras e por hipoteca, principalmente a particulares e a funcionários, mas de reduzida importância. Nos últimos anos tem sido pequeno o desenvolvimento destas três instituições, pelo que julgamos desnecessário fazer quaisquer outras referências à sua atividade”.

Como passou a ser repetitivo este tipo de considerações sobre as instituições bancárias, depreende-se que o BNU pretende estar ciente de quem pratica negócios bancários e em que quantidades. Vejamos agora como o relator dá conta da situação das colheitas:
Falando da mancarra, diz que a economia da Província assenta na agricultura do indígena e na colheita dos produtos espontâneos que ele vai buscar à floresta, a mancarra é cultivada como produto de rendimento. E adianta que ao contrário do que muitos dizem, a produção desta oleaginosa tem vindo a aumentar ao longo dos anos.
E adianta as seguintes considerações:
"É uso identificar-se a produção anual de mancarra com a tonelagem da exportação ano mesmo período, o que não corresponde à realidade, porquanto há que considerar a parte que o indígena consome em natureza, a que é guardada para sementeira no ano seguinte e ainda uma boa quantidade que é exportada clandestinamente para o vizinho território francês.
A parte que é exportada clandestinamente é susceptível de variar de ano para ano, por depender de várias circunstâncias, principalmente da diferença de preços que nos últimos anos tem sido de modo a encorajar o nosso indígena a transportar às escondidas a sua mancarra para o território francês”.

Vê-se que está perfeitamente documentado, consultou atentamente as estatísticas, e com igual profundidade vai referir-se à produção orizícola:
“O arroz, que é a base de alimentação da população indígena; que, por movimento interno, vai melhorar a alimentação das populações do interior – cuja agricultura de subsistência é à base de milho – permitindo que dediquem maior esforço à cultura da mancarra: que veio animar extraordinariamente o comércio interno; um autêntico ‘oiro branco’, como já lhe chamam na Guiné – para os indígenas e civilizados que da sua exportação clandestina e ‘mercado negro’ interno tiram sentidos lucros.
Como já foi dito em relatórios anteriores, a produção anual situa-se em 100 mil toneladas, mas cremos que em 1957 não foi atingida essa quantidade, pois muito antes do fim do ano sentiu-se falta de arroz, principalmente em Bissau, onde as bichas eram enormes, diariamente, à porta dos estabelecimentos, chegando a ser confrangedor ver o povo perder horas sem conto só para conseguir 1 ou 2 quilos do seu alimento número um, em prejuízo dos seus trabalhos domésticos e outros.
E só não chegou a verificar-se falta a ponto de haver necessidade de o importar porque o Governo da Província tomou severas medidas de fiscalização.
Vem a propósito informar que durante os primeiros meses deste ano o Governo da Província, pelos Serviços de Agricultura, executou grandes trabalhos de defesa, enxugo e recuperação de terras baixas com vista ao alargamento da cultura do arroz, trabalhos esses levados a cabo nas áreas dos postos de Tite e S. João, da circunscrição de Fulacunda”.

Espraia-se igualmente sobre o coconote e óleo de palma, o outro valor económico e com peso de realce no comércio externo. Informa que continua em vigor um programa traçado pelo Governo para a valorização da riqueza destes produtos, continuavam a ser distribuídas milhares de plantas de viveiros de palmeiras de Samatra, tinha sido ampliados os palmares do Biombo, igualmente foram implantados vários alfobres no Posto Agrícola do Pessubé assim como na delegação agrícola de Catió. E finalizava a sua exposição do seguinte modo: “Pelas informações atrás prestadas em relação a cada um dos principais produtos, e pelas que tivemos ocasião de fornecer mensalmente, pode-se dizer que o ano agrícola foi bom”. Logo de seguida o relatório introduz uma novidade, a indicação de preços de venda dos produtos importados, dá três preços: para o queijo holandês, 60$00 o quilo, a lata de sardinhas 4$50 e o toucinho 28$00.

Algo estava acontecer no desenvolvimento industrial, tudo miudinho, é certo, mas o relatório dá como em elaboração várias fábricas de descasque de arroz e de amendoim, distração de óleos vegetais, de descasque mecânico do coconote, refrigerantes, gelo e carpintarias. E pormenoriza: “Dentro das instalações industriais têm realmente interesse económico dois blocos, um pertencente à firma António Silva Gouveia e o outro à Sociedade Comercial Ultramarina. O primeiro está situado no Ilhéu do Rei e o segundo na zona industrial da cidade de Bissau. No da firma Gouveia, existem fábricas de descasque de arroz e de amendoim e um estaleiro naval e no da Sociedade Comercial Ultramarina pratica-se o descasque de arroz e de amendoim e extraiam-se óleos vegetais, projetando-se também montar uma fábrica de sabões”.
E dá o seguinte remato ao discurso:
“A indústria na Guiné, que até há pouco tempo se apresentava modesta, mostra tendência para um apreciável desenvolvimento, não só pela preocupação e interesse que se nota haver por parte dos industriais em ampliar e valorizar as suas instalações, como ainda pelos constantes pedidos de concessão de alvarás para exploração de ramos já exercidos e de novas iniciativas”.
É um relator muito esclarecido, sabe que Álvaro Boaventura Camacho pediu alvará, e fora-lhe concedido, para instalar na sua propriedade de Cufar uma nova fábrica de descasque de arroz, e fora igualmente concedido alvará à Cobornel – Companhia de Borracha da Guiné – para uma lavagem de cauchu.

Não deixa de ser curiosa a formulação que apresenta no seu relatório quanto aos comerciantes exportadores:
“Os chamados ‘grandes’, cujas instalações principais se encontram localizadas em Bissau e nalguns centros do interior, é onde são encontrados os produtos destinados à exportação. Estes comerciantes mantêm uma rede de estabelecimentos comerciais por toda a Província, disputando com os outros comerciantes a compra dos produtos ao indígena. Este tipo de comerciantes concede grandes créditos em dinheiro e mercadorias aos pequenos comerciantes intermediários, recebendo destes, em pagamentos desses financiamentos, todos os produtos comprados durante a campanha. Na maioria dos casos, os créditos concedidos em dinheiro são garantidos por meio de penhores mercantis que, aliás, não passam de penhores simbólicos, porque, em regra, quando é celebrado o contrato e feito o financiamento, normalmente não existem as garantias pignoratícias, as quais só pouco a pouco são efectivamente constituídas com os produtos que vão sendo adquiridos com o dinheiro emprestado”.

1958 é tempo de mudanças, há novas soberanias à volta da Guiné portuguesa e essa informação é descrita na situação da praça, no seguinte contexto:
“Apesar da ampliação das actividades comerciais da Província, com o aparecimento de novas firmas, melhoramento das instalações e alargamento da rede de sucursais de outras já existentes, o comércio não obteve a melhoria de situação a que esse desenvolvimento deveria conduzir. E para isso contribuíram:
a) O fraco índice do poder de compra das populações indígenas;
b) A concorrência adveniente do número exagerado de comerciantes em relação à população;
c) A importância excessiva;
d) A intromissão de caixeiros-viajantes da Metrópole, que não só vendem directamente aos comerciantes retalhistas os artigos das firmas suas representadas, como ainda importam outros em nome de qualquer comerciante amigo, que vendem ambulantemente pela Província a preços competidores, em virtude dos menores encargos a que estão sujeitos;
e) Fatores de rodem política: a independência de Guiné Francesa e o ingresso do Senegal na Federação Mali. Estes vizinhos territórios absorviam grande parte dos artigos importados por esta Província, contrabando esse que diminuiu grandemente.
f) Todas estas circunstâncias se reflectiram na liquidação dos compromissos, que se fez mediante sucessivas prorrogações e amortizações”.

Mas esse ano foi igualmente importante para a Guiné, começou a falar-se em bauxite e petróleo, como iremos ver na segunda parte do relatório de 1958.

(Continua)

Fotografia do régulo Mamadu Sissé, um dos lugares-tenentes de Teixeira Pinto
Imagem do grande fotógrafo Domingos Alvão, tirada na Exposição Colonial do Porto, 1934

Túmulo de Mamadú Sissé, Guiné Portuguesa

Um relevante acontecimento social, a chegada do avião a um aeroporto de terra batida
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Notas do editor:

Poste anterior de 18 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18649: Notas de leitura (1067): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (35) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 21 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18659: Notas de leitura (1068): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18675: Dossiê Guileje / Gadamael (31): A Retirada de Guileje foi há 45 anos (22MAI73). Poderia não ter acontecido? (Coutinho e Lima, ex-CMDT do COP 5)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > 22 de Maio de 1973 > A população e os militares abandonaram Guileje, às 5,30h, a caminho de Gadamael. Esta foto, dramática, é da presumível autoria do Fur Mil Carlos Santos, da CCAV 8350 (1972/74), segundo informação do seu e nosso camarada e amigo José Casimiro Carvalho, também ele da mesma unidade ("Os Piratas de Guileje") mas que nesse dia estava em Cacine. Faz parte do parte do acervo fotográfico do Projecto Guiledje. 


Foto: AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Direitos reservados. [ Editada por C.V.]


1. Em mensagem do dia 21 de Maio de 2018, o nosso camarada Alexandre Coutinho e Lima, Coronel de Art.ª Ref (ex-Cap Art.ª, CMDT da CART 494, Gadamael, 1963/65; Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné entre 1968 e 1970 e ex-Major Art.ª, CMDT do COP 5, Guileje, 1972/73), lembra a retirada de Guileje, ocorrida sob as suas ordens em 22 de Maio de 1973.


A Retirada de Guileje foi há 45 anos (22MAI73) > Poderia não ter acontecido?

1. Introdução

Poderia, como vou explicar a seguir.

Antes disso, devo afirmar que, nas circunstâncias que se verificavam, em Maio de 1973, em Guileje, a minha decisão de efectuar a retirada foi a única que se impunha.

Com efeito, as informações que o Comandante do COP 5, que era eu, e o conhecimento da zona, em consequência da 1.ª comissão (1963/65, em Gadamael) esperava que o PAIGC criasse dificuldades, nomeadamente através de implantação de engenhos explosivos nos itinerários Guileje/Gadamael e Guileje/Mejo e eventuais emboscadas nesses itinerários, para impedir ou tornar mais difícil os reabastecimentos e a recolha de água. A propósito desta, não posso deixar de considerar muito estranho que, tendo Guileje sido ocupado em Março de 1964, isto é, passados 9 anos, ainda não tivesse sido resolvido o problema da água no aquartelamento.

Previa também que o Inimigo, com grande probabilidade, flagelasse as Nossas Tropas e população de Guileje, com maior ou menor intensidade e periodicidade. E nada mais, o que já não era pouco.


2. Documentos do Comando-Chefe

Mas o Comando-Chefe, como não podia deixar de ser, tinha mais informações sobre o Inimigo. Quando tive acesso ao processo que me foi instaurado, tomei conhecimento do seguinte documento (página 608 do processo):

2.1- “EXTRACTO DO RELATÓRIO DE INTERROGATÓRIO N.º 108
271800DEC72

De: MÁRIO MAMADU BALDÉ – Sexo: MASCULINO – Idade: 25 ANOS Grupo Étnico: FULA – Naturalidade: CACINE – Estado: Solteiro
[...]

INTENÇÕES DO IN
[...]

a. NA FRONTEIRA: Refere que o IN pretende fazer um ataque com bastante força a GUILEJE, porque pretende obter uma maior liberdade de movimentos logísticos e de pessoal no corredor de GUILEJE. Para isso, ficaram em KANDIAFARA alguns elementos que vieram recentemente dum estágio de Art.ª na Rússia, para fazerem reconhecimentos na área de GUILEJE e preparar esta acção.
MODOS DE ACTUAÇÃO
Os chefes sabem que as flagelações aos aquartelamentos não têm obtido resultados compensadores e por isso resolveram mandar vários elementos ao estrangeiro receber uma instrução mais adiantada de Artilharia.
Esses elementos ficam a saber trabalhar com cartas topográficas, para poderem determinar com precisão as distâncias de tiro. Aprendem também a trabalhar com goniómetros-bússolas e outros aparelhos, assim como ficaram a saber através da regra do milésimo converter as correcções métricas em direcção, em correcções angulares. Estes elementos ficarão normalmente em observadores avançados durante as flagelações, ligados por telefone às bocas de fogos, dirigindo a acção e regulando o tiro.
[...]”

Este documento merece-me os seguintes comentários:

- Ao que se sabe, o Estado-Maior do Comando-Chefe (nomeadamente a Repartição de Informações – (REP/INFO), não lhe “ligou nenhuma importância”, esquecendo uma regra básica das Informações, que é não desprezar nada, por mais inverosímil que pareça. A REP/INFO tinha a obrigação de confirmar ou infirmar o seu conteúdo, tanto mais que, os “modos de actuação” faziam todo o sentido, nomeadamente para os Artilheiros (que não era o caso do Sr. Chefe da REP/INFO, que era oriundo da Arma de Infantaria, mas que poderia e deveria, se tivesse dúvidas (que não deve ter tido), consultar os seus camaradas sobre o assunto.

- O Comando-Chefe e o seu Estado Maior, nada fizeram para impedir, ou no mínimo dificultar, que o IN fizesse os reconhecimentos no sentido de preparar a acção de concretizar “um ataque com bastante força a GUILEJE”. como deveria ter sido. Seguramente se tivesse sido informado do teor desse documento, teria afirmado, junto do Sr. Comandante-Chefe, que o COP 5 não tinha meios para contrariar a intenção do In, pelo que necessitava de ser convenientemente reforçado; mesmo que não me fosse atribuído qualquer reforço, não me esqueceria do que me esperava e, com os parcos meios de que dispunha, tudo faria para contrariar o que o IN preparava, nomeadamente através de patrulhamentos adequados; e, certamente, neste caso aplicar-se-ia o ditado popular: “Homem prevenido vale por dois”.

O que é certo é que, tudo o que consta no Relatório de Interrogatório n.º 108 de 27 de Dezembro de 1972 (antes da criação do COP 5), se veio a confirmar mais tarde, pelo Comandante do PAIGC, Sr. OSVALDO LOPES DA SILVA, em artigo publicado no jornal Público em 26 de Julho de 2004, (pág. 358 a 361 do meu livro), em que descreve, com pormenor, o trabalho de reconhecimento e levantamento topográfico realizado, durante vários meses, iniciado no final de 1972 e que culminou com o ataque em força sobre Guileje, a partir de 18MAI73, com total surpresa da minha parte, por falta de informação, INEXPLICÁVEL, da parte do Comando-Chefe.

Ainda acerca do documento transcrito atrás, pode perguntar-se por que foi incluído no processo que me foi instaurado.

Durante o tempo em que estive preso preventivamente, fiz vários requerimentos.

Em 30 de Julho de 1973, enviei um requerimento dirigido ao Senhor General Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, solicitando, nos termos da Art.º 411.º do Código de Justiça Militar, o fornecimento de cópias de diversos documentos, constantes de uma grande lista, também incluída no citado requerimento. A consulta dos documentos destinava-se à organização e devida fundamentação da defesa e desde já das novas declarações que for autorizado a prestar no corpo de delito e era essencial para o exercício do direito de defesa.

O despacho de 2 de Agosto de 1973, do Sr. General Comandante-Chefe, foi do seguinte teor:
“Forneçam-se os elementos solicitados com os seguintes condicionamentos:
- Os documentos classificados devem ser entregues ao oficial de polícia judiciária militar para serem apensos ao auto de corpo de delito, devendo o Major Coutinho e Lima deles tomar conhecimento através daquele oficial.
- O relatório e elementos relativos à operação “Ametista Real”, não devem ser fornecidos por não dizerem respeito aos factos que estão na origem do auto de corpo de delito.
- A documentação solicitada que não se encontre já elaborada ou não tenha sido difundida pelas repartições, não deve ser fornecida por estar fora das atribuições das repartições a sua elaboração, mormente numa situação de manifesta carência de pessoal.
- Os documentos classificados já apensos ao corpo de delito, como é óbvio, não devem ser fornecidos.”

Em 08AGO73, o Sr. Chefe de Estado-Maior do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, através de uma guia de entrega, enviou ao Sr. Oficial da Polícia Judiciária Militar (PJM), Sr. Brigadeiro Leitão Marques, 124 documentos, para serem juntos ao auto do corpo de delito, o que aconteceu em 10AGO73.

O Sr. Oficial Da PJM – Sr. Brigadeiro Leitão Marques, nem sequer cumpriu o que o Sr. General Comandante-Chefe determinara : “...Os documentos classificados... devendo o Major Coutinho e Lima deles tomar conhecimento através daquele oficial.” Foi mais uma prepotência que o Sr. Brigadeiro entendeu tomar. De facto, não me foi dado conhecimento do documento referido (se o tivesse lido nessa altura, não deixaria de fazer mais um requerimento, em termos contundentes, como se impunha, a solicitar explicações sobre o assunto.

O Extracto do Relatório de Interrogatório n.º 108, transcrito atrás, era o n.º 105 da lista de entrega referida. Não se percebe que, tal documento, altamente comprometedor para o Comando-Chefe e seu Estado-Maior, pelas razões indicadas nos comentários que fiz sobre o seu conteúdo, tenha sido junto ao processo. Em minha opinião isso aconteceu, pela forma negligente como foi elaborado o auto o corpo de delito, pois, nem o Sr. Chefe do Estado-Maior Int.º, Sr. Tenente-Coronel do CEM do CTIG, António Hermínio de Sousa Monteny, (que autenticou a cópia daquele documento), nem o Sr. Chefe do Estado-Maior do Comando-Chefe (que assinou a guia de entrega), nem o Sr. Oficial da PJM (que ordenou a sua junção após autos), se devem ter apercebido do seu conteúdo; se alguma das entidades indicadas o tivesse feito, seguramente teria sido retirado daquela lista de 124 documentos. Ainda bem que assim aconteceu, porque, em caso contrário, tal documento não seria conhecido.

Com efeito, se eu tivesse sido julgado (e isso não aconteceu, apenas por ter sucedido o 25 de Abril de 1974), o meu Advogado, Sr. Dr. Manuel João da Palma Carlos, (que se deslocou a Bissau), requereu em 18 de Fevereiro de 1974 autorização para consultar o processo (o que foi autorizado), seguramente tomou conhecimento do já referido “Relatório de Interrogatório” e no julgamento não deixaria de exigir explicações sobre o conteúdo do mesmo, o que causaria grande desconforto ao Comando-Chefe e seu Estado-Maior, que seriam responsabilizados pelo que não fizeram (e deviam ter feito), no que ao tal documento dizia respeito.

Do mesmo modo se pode entender a amnistia, que permitiu o arquivo do um processo e poderia não ter sido, bastando por exemplo limitar a sua aplicação a crimes cuja moldura penal não excedesse 2 anos de prisão.


2.2 - Reunião de Comandos realizada em 15MAI73

Em 15MAI73, realizou-se no Quartel-General do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, uma Reunião de Comandos, presidida pelo Sr. Comandante-Chefe, Sr. General ANTÓNIO DE SPÍNOLA, estando presentes o Sr. Comandante-Adjunto Operacional, Sr. Brigadeiro LEITÃO MARQUES (viria pouco tempo depois a ser nomeado Oficial da Polícia Judiciária Militar, encarregado de me instaurar auto de corpo de delito, na sequência da Retirada de Guileje), Senhores Comandantes-Adjuntos, Comodoro ANTÓNIO HORTA GALVÃO DE ALMEIDA BRANDÃO, Comandante da Defesa Marítima da Guiné); Brigadeiro ALBERTO DA SILVA BANAZOL, Comandante Territorial Independente da Guiné; Coronel Piloto Aviador GUALDINO MOURA PINTO, Comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné. Tomaram igualmente parte na reunião, o Chefe do Estado-Maior do Comando-Chefe, Coronel do Corpo de Estado-Maior (CEM) HUGO RODRIGUES DA SILVA e os Chefes das Repartições de Informações e Operações do QG do Comando-Chefe, respectivamente, Tenente-Coronel de Infantaria ARTUR BATISTA BEIRÃO e Tenente-Coronel do CEM MÁRIO MARTINS PINTO DE ALMEIDA.

Nos trabalhos de pesquisa para escrever o meu livro A RETIRADA DE GUILEJE, encontrei, no Arquivo Histórico-Militar do Exército, a ACTA dessa Reunião de Comandos, com 62 páginas. Dessa acta, transcrevo o que considero mais significativo, no que se relaciona com Guileje.

- Da intervenção do Sr. Comandante-Adjunto Operacional, Sr. Brigadeiro LEITÃO MARQUES:

“[...]
No mínimo, e disso não restam quaisquer dúvidas, o In está a preparar as necessárias condições para conquista e destruição de guarnições menos apoiadas por dificuldade de acesso (GUIDAGE, BURUNTUMA, GUILEJE, GADAMAEL, etc), a fim de obter os êxitos indispensáveis à sua propaganda internacional e manobra psicológica – isto está já ao alcance das suas possibilidades militares. Quanto às vantagens para manobra psicológica In, não podemos esquecer que qualquer êxito pode conduzir à captura de prisioneiros em número tal que possa constituir um elemento de pressão psicológica sobre a Nação Portuguesa. A dar-se este facto e aceitando que a orientação comunista prevalecerá, tal elemento será aproveitado ao máximo para desmoralizar a retaguarda e manter-se-á até serem atingidos os objectivos finais em todas as PU. Assisti ao pressionamento psicológico do povo americano por causa dos seus prisioneiros no Vietnam.do Norte durante quatro anos; e senti em toda a sua profundidade o efeito desmoralizador desse pressionamento, o qual, em larga medida, juntamente com o elemento económico, levou à agitação interna das massas e à capitulação, apesar de todo o poderio militar americano.

O que acontecerá se tivermos de enfrentar situação semelhante? ...O In não perderá a oportunidade e tem experiência técnica para a aproveitar ao máximo. É aqui na Guiné onde o problema é mais agudo e o In sabe isso; o seu esforço será aqui realizado.
[...]”

(Nota – os sublinhados são meus).

- Da intervenção do Sr. Chefe da Repartição de Informações (REP/INFO), Sr. Ten-Cor. de Inf.ª BATISTA BEIRÃO:

“Na ZONA SUL, ...o In ameaça directamente as guarnições de GADAMAEL e GUILEJE a partir da REP GUINÉ, para o que concentrou meio sobre a fronteira dentre os quais se destacam os carros de combate referenciados em KANDIAFARA, a cuja acção aquelas guarnições se apresentam particularmente expostas.
[...]
No imediato, julga-se que o IN:
[...]
- intente uma acção de tipo convencional com carros de combate contra GADAMAEL, GUILEJE e/ou BURUNTUMA, tirando partido da vulnerabilidade destes pontos a esse tipo de acções e visando o aniquilamento ou captura das guarnições.
[...]
Num futuro próximo, prevê-se ainda que o In....
- tente a eliminação sistemática das guarnições mais expostas sobre a fronteira, em acções de tipo convencional.
[...]
Resta referir, a finalizar, que o quadro dispersivo do largo potencial referenciado e a elevada capacidade de manobra do In não permitem, como se desejaria, uma melhor objectivação do esforço do In atenta a fluidez com que se revelam e o quadro geral que se desenha; e apenas pode concluir-se por uma situação na qual todo o TO, sem qualquer exclusão, acaba por constituir uma vasta zona de preocupação, na qual dificilmente se podem, de momento, visualizar priorizações.”

(Nota – os sublinhados são meus)

Este último parágrafo é incoerente com o que consta nas transcrições anteriores. Vamos ver se nos entendemos: se não se podem visualizar priorizações, como se afirma as intenções do In , no imediato e num futuro próximo?

- Da intervenção do Sr. Chefe da Repartição de Operações (REP/OPER), Sr. Ten-Cor. do CEM – PINTO DE ALMEIDA

“...Assim, considera-se essencial:

a. reforçar os efectivos das guarnições mais isoladas ou às quais o In tem maior facilidade de impedir a chegada de reforços, em particular as situadas sob a fronteira.

Para este reforço computam-se as necessidades em:
Sector Sul... 3 Companhias
[...]

3. ...Se não forem concedidos os reforços solicitados... julga-se que será necessário remodelar o dispositivo, reforçando guarnições que sob o ponto de vista militar se consideram essenciais...”

Certamente que o Sr. Chefe da REP/OPER, de acordo com as transcrições feitas, tinha em mente, entre outras, a guarnição de Guileje.

3. - O que se esperava que o Comando-Chefe fizesse, (face ao constante na Acta da Reunião de Comandos de 15MAI73)

Considerando as intervenções:

- Do Sr. Brigadeiro Leitão Marques:
“ ... o In está a preparar as necessárias condições para conquista e destruição de ...Guileje ...Isto está já ao alcance das suas possibilidades militares...”

- Do Sr. Chefe da REP/INFO:
No imediato, julga-se que o IN:
[...]
“- intente uma acção de tipo convencional com carros de combate contra ...GUILEJE... visando o aniquilamento ou captura da guarnição...”

- Do Sr. Chefe da REP/OPER:
“a. reforçar os efectivos das guarnições mais isoladas ou às quais o In tem maior facilidade de impedir a chegada de reforços, em particular as situadas sob a fronteira.”

O Comando-Chefe, ao constatar, em 18MAI73, quando o IN iniciou as flagelações a Guileje, que se concretizava a sua intenção de um ataque em força, que conhecia desde 27DEZ72 (Relatório de Interrogatório n.º 108, referido atrás), deveria, de imediato accionar o conveniente reforço da guarnição de Guileje , conforme preconizara o Sr. Chefe da REP/OPER.E não se argumente que o Comando-Chefe não tinha meios para reforçar o COP 5, porque se assim fosse revelava uma incompetência total.

Para accionar o reforço imediato, dispunha da Companhia de Paraquedistas n.º 121, que segundo as declarações do Sr. Chefe da REP/OPER, (quando ouvido como testemunha em 27AGO73), “encontrava-se em Bissau em descanso”, desde 20ABR73. Esta Companhia podia embarcar na noite de 18MAI, chegando a Gadamael na manhã do dia 19 e a Guileje no mesmo dia. Esteve a reforçar Guidage, desde 23 a 30MAI (mesma informação do Chefe da REP/OPER); possivelmente não seguiu para Guileje, porque já estava “prometida” ao COP 3 (Guidage)!... Além disso, estavam na Península do Cantanhez, outras 2 Companhias de Paraquedistas que, com facilidade poderiam deslocar-se directamente, por terra, para Guileje; estas Companhias foram mais tarde reforçar Gadamael. Não tenho a certeza de que se o COP 5 tivesse sido reforçado, em tempo oportuno, isso resolveria o problema. Não tenho qualquer dúvida que, se esse reforço tivesse sido accionado, não teria decidido a retirada.

O não reforço só poderá entender-se, com grande esforço de boa vontade, se o Sr. Chefe da REP/OPER, estivesse à espera das 3 Companhias, vindas da Metrópole, para reforçar o Sector Sul. Se foi assim, bem podia esperar sentado...

O Sr. Comandante-Chefe decidiu deixar à sua sorte a guarnição de Guileje, demonstrando total insensibilidade, relativamente a centenas de pessoas, cujas vidas estavam em perigo e desresponsabilizou-se da sua obrigação, passando toda a responsabilidade para o Comandante do COP 5, que teve que decidir o que fazer.


3. - Conclusão

O teor do Documento de Interrogatório n.º 108 (27 de Dezembro de 1972) e da Acta da Reunião de Comandos de 15 de Maio de 1973 reforçam a justeza da minha decisão.

Oportunamente farei uma reflexão escrita do que teria acontecido, se a minha decisão tivesse sido esperar pela chegada do Sr. Coronel Paraquedista, RAFAEL DURÃO, novo Comandante do COP 5.

Quando regressei a Guileje, em 21 de Maio de 1973, de regresso de Bissau, onde expus ao Sr. Comandante-Chefe a necessidade de reforço de uma Companhia de Tropa Especial (já solicitado por mensagem) e face à situação encontrada, fiquei perante a oportunidade, mas também a grande responsabilidade de ter que decidir sobre o destino de centenas de vidas humanas (militares e civis).

Ciente das consequências que me esperavam, com incidências imediatas para minha vida militar, não hesitei decidir a retirada, de todo o pessoal que estava em Guileje. Pela minha ousadia paguei um preço bem caro, (um ano de prisão preventiva), mas VALEU A PENA.

A responsabilidade material da retirada foi minha, mas a responsabilidade moral foi do Sr. Comandante-Chefe, Sr. General Spínola (o Comandante é sempre o responsável por tudo que se faz ou deixa de fazer) e do seu Estado-Maior.

Alexandre da Costa Coutinho Lima
(Coronel de Artilharia Reformado
Único Comandante do COP 5, em Guileje)
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Nota do editor

Último poste da série de 31 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17919: Dossiê Guileje / Gadamael (30): O Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné e a Retirada de Guileje (2) (Coutinho e Lima)

Guiné 61/74 - P18674: Recortes de imprensa (95): A notícia do trágico acidente, ocorrido no Rio Corubal, no Cheche, na sequência da Op Mabecos Bravios (retirada de Madina do Boé) só é dada no "Diário de Lisboa", dois dias e meio depois, em 8 de fevereiro de 1969







Citação:
(1969), "Diário de Lisboa", nº 16573, Ano 48, Sábado, 8 de Fevereiro de 1969, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_7148 (2018-5-24)


Fonte: Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 06597.135.23237 | Título: Diário de Lisboa | Número: 16573 | Ano: 48 | Data: Sábado, 8 de Fevereiro de 1969 | Directores: Director: António Ruella Ramos | Edição: 2ª edição | Observações: Inclui supl. "Diário de Lisboa Magazine". | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: IMPRENSA.


1. A notícia chegou tarde às redações dos jornais. O vespertino "Diário de Lisboa" deu-a em caixa alta só na 2ª edição. E nesse sábado, dia 8 de fevereiro de 1969, fez uma 3ª edição.  O jornal era "visado pela censura" e a grande maioria dos portugueses (e nomeadamente os da nossa geração, nascida no Estado Novo) não sabia o que era isso de liberdade de imprensa... 

A notícia do "desastre na Guiné" (sic)  causou alarme e consternação: 47 mortos (militares, em rigor 46 militares e 1 civil guineense) era o balanço do "trágico acidente". A notícia era dada pela agência oficiosa L [usitânia], com proveniência de Bissau e data de 8... Chegava com dois e meio de atraso... Sabemos hoje que o "acidente" ocorreu na manhã de 5ª feira, dia 6 de fevereiro de 1969, no final da Op Mabecos Bravios, ou na seja, na sequência da retirada do aquartelamento de Madina do Boé. (*)

O balanço era, de facto, trágico: na lista das 47 vítimas, por afogamento, constavam: (i) 2 furriéis milicianos; (ii) 7 1ºs cabos; e (iii) 38 soldados (na realidade, um dos nomes era de um civil). Mas os termos da notícia eram lacónicos, como era habitual nos comunicados oficiais ou oficiosos em assuntos "melindrosos" como este:

 "Na passagem do rio Corubal, na estrada para Nova Lamego, afundou-se a jangada que transportava uma força militar, havendo a lamentar, em consequência deste acidente, a morte, por afogamento, de 47 militares".

Para não dar azo a especulações, o ministro do Exércitofoi nomeou (e mandou de imediato paar o CTIG) o cor cav Fernando Cavaleiro, o "herói da ilha do Como" (1964), a fim de instruir localmente o processo de averiguações. Não sabemos quanto tempo levou a instrução do processo, mas temos um resumo das conclusões preliminares do cor cav Fernando Cavaleiro, publicado no jornal "Província de Angola", em data desconhecida, conforme recorte que nos foi enviado pelo nosso camarada José Teixeira (**).

Ainda não tivemos acesso ao relatório original, mas tudo indica que há nele erros factuais graves, permitindo ytirar conclusões enviesadas que acabam por escmotear, ignorar ou branquear a responsabilidade do 2º comandante da operação, que ultrapassou o oficial de segurança, o alf mil Diniz. Na última e trágica viagem, em vez de 2 pelotões, a jangada levou o dobro, contrariamente as regras estabelecidas pelo alf mil Diniz... Mas este era o "ejo mais fraco" da cdeia hierárquica e acabou por ser o "bode expiatório" de toda esta história que ainda continua mal contada...

Daqui a menos de 9 meses,  comemora-se os 50 anos deste trágico evento... E muita água ainda há-se passar sob as pontes do rio Corubal até que se saiba a verdade ou toda a verdade sobre esta tragédia que ensombrou o primeiro ano do consulado do Spínola. (***)

Para já temos prometido um encontro com o ex-alf mil José Luís Dumas  Diniz (, da CART 2338), responsável pela segurança da jangada que fazia a travessia do rio Corubal, em Cheche, aquando  da retirada de Madina do Boé.  Tenho os seus contactos, a data do nosso encontro ainda foi maracad mas é apenas uma questão de mútua conveniência. O ex-alf mil Diniz mostrou-se interessado em contar, ao nosso blogue, a sua versão dos acontecimentos. Bem haja!... Porque, afinal, o que nos move é a procura da verdade e só da verdade...
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Notas do editor:




Vd. também 29 de março de 2010 > Guiné 63/74 - P6063: Recortes de imprensa (23): O desastre do Cheche, no Rio Corubal: excertos de artigo de Teresa Firmino, Público, 6/12/2009

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18673: Convívios (859): os cinco "piras" da Magnífica Tabanca da Linha: estrearam-se no passado dia 24... (Manuel Resende)


Vitor Manuel Alves Ferreira (Lourinhã): pertenceu  à CCAÇ 1566, os "Pilões" (Jabadá, Pelundo, Fulacunda e S. João, 1966/68) era 1º cabo mec auto e o fotógrafo da companhia)-


António Fernandes Costa  (Venda Nova, Amadora)


Luís Alegria  Barranhão (Damaia, Amadora)


Mário Santos (Faro), ex-1.º cabo especialista MMA da BA 12, 1967/69), membro nº 772 da Tabanca Grande



Carlos [Alberto de Jesus] Pinto (Reboleira, Amadora),  ex-1.º Cabo Condutor Apontador Daimler do Pel Rec Daimler 2208 (Mansabá e Mansoa, 1969/71). Faz parte da Tabanca Grande desde 12 de outubro de 2011.

Tabanca da Linha >  37º convívio > Algés, Oeiras > 24 de maio de 2018 > Restaurante "Caravela de Ouro"


Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2018) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


1. O Manuel Resende‎, régulo de  A Magnífica da Tabanca da Linha deixou hoje  na página do grupo no Facebook a seguinte notícia:
 

Mais um convívio da Magnífica Tabanca da Linha se realizou hoje no restaurante "Caravela de Ouro" em que o prato foi arroz de garoupa em quantidade suficiente para os 55 mastigantes. Algumas baixas de última hora por motivos de saúde, mas em compensação tivemos 5 "periquitos", seguindo a tradição de aumento do nosso grupo.

A seguir as fotos dos "piras" e o link para verem as 63 fotos deste 37º convívio


2. Comentário do nosso editor LG:

Dos cinco "piras",  que se estrearam na Tabanca da Linha, dois pertencem à Tabanca Grande, o Carlos Pinto e o Mário Santos; os restantes, no caso de terem sido combatentes no TO da Guiné, ficam automaticamente convidados a sentarem-se à sombra do nosso poilão.  Ao Vitor Ferreira, meu conterrâneo e amigo, já fiz em tempos, pessoalmente, esse convite. 

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Guiné 61/74 - P18672: Álbum fotográfico de António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71) - Parte II: As armas não se comem... mas, mesmo assim, apanhámos uma Kalash quando íamos à procura de galinha ou de porco...





Guiné > Região Cacheu > Bula > Capunga  > CCAV 2639 (1969/71) > A insólita história da captura de uma Kalash...

Fotos (e legendas): © António Ramalho (2018) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem omplementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)

1. Continuação da publicação do álbum fotográfico de António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), membro da Tabanca Grande, nº 757, natural de Vila Fernando, Elvas (*).

Uma história com algo de burlesco, que merece maior desenvolvimento por parte do autor... Se não for anedota, é uma
história de se lhe tirar o chapéu!

Os tipos do PAIGC eram tão "humanos" como nós, capazes de perder a cabeça por um rabo de saia... Neste caso, o "camarada" que foi a Capunga dar uma queca, ficou sem as calças e a arma que lhe estava distribuída, mas salvou a cabeça... Presume-se que tenha fugido em pelota, e sem arma, ao ser surpreendido pelos pilha-galinhas... (Sabemos, pelo Victor Garcia, que eram 7, e que pertenciam ao 3º Gr Comb, "Os Kimbas").

Pergunta de editor curioso: o que lhe tirá acontecido ao chegar à "barraca" em Choquemone, em pelota e sem a sua bela Kalash  ? (LG)

2. O Victor Garcia, nosso grã-tabanqueiro de longa data, também publica na sua página a foto da famosa Kalash apanhada por 7 elementos (menos de uma secção) do 3º Gr Com da CCAV 2639, a que ele pertencia.



Guiné > Região Cacheu > Bula > Capunga  > CCAV 2639 (1969/71) > A insólita história da captura de uma Kalash



Guiné > Região Cacheu > Bula > Capunga  > CCAV 2639 (1969/71) >  Os 7 elementos do 3º Gr Comb, "Os Kimbas",  que capturaram a Kalash: Pereira, Ferreira, Serra, Moura, Nogueira, Marco Paulo e Torcato



Guiné > Região Cacheu > Bula > CCAV 2639 (1969/71) > Emblema de "Os Kimbas", o 3º Gr Comb

Fotos (e legendas): © Victor Garcia  (2009) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem omplementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)

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Guiné 61/74 - P18671: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXV: Goa, Índia: "um adeus no entardecer dos dias, e uma lágrima, para sempre"...


Índia > Goa > Velha Goa > A basílica do Bom Jesus

[A Basílica do Bom Jesus (em concani Borea Jezuchi Bajilika) é uma Basílica Menor, situado em Goa Velha, na Índia. É uma das Sete Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo e faz parte do conjunto arquitetônico de Igrejas e Conventos de Goa, Patrimônio da Humanidade pela Unesco, sendo um dos melhores exemplos da arquitetura de origem europeia no país. Foi construída entre 1594 e 1605, uma obra considerada rápida para os padrões da época (...) Em seu interior repousa o corpo de São Francisco Xavier, considerado O Apóstolo do Oriente.] (Fonte: Wkipedia > Basílica do Bom Jesus)



Índia > Goa > 18 de novembro de 2016  > O nosso camarada Antónioo Graça de Abreu e a esposa, na piscina do hotel


Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Viagem de volta ao mundo em 100 dias > Goa, Índia, 18 de novembro de 2016 (pp. 5-6, da terceira e última Parte)


Goa, Índia


Goa, um pé em Mormugão,
todo o olhar em Vasco da Gama.

Goa, do velho Afonso de Albuquerque,
espadeirando pelas costas do Malabar,
na aventura insana de conquistar o Oriente.

Goa, dos grandes vice-reis e senhores de outrora,
hoje em lápides enegrecidas pelo tempo.

Goa, de Bardez a Salsete, o pó resplandecente da fé,
e sinuosos silêncios.

Goa, de cem mil cruzes diante de cem mil lares,
braços de Cristo abertos para o mundo,
cemitérios de cristãos unindo céu e terra.

Goa, uma Roma Oriental cintilando na basílica do Bom Jesus,
cinco séculos a acastanhar a pedra,
e São Francisco Xavier, benfazejo e amigo,
num túmulo de prata, pedrarias e cristal.

Goa, da velhíssima Sé Catedral,
maior igreja da Ásia, imaculadamente branca,
no altar-mor, dois jovens, mais uns tantos amigos,
todos humildemente descalços,
um casamento em língua portuguesa.

Goa, da igreja de S. Caetano,
semelhante à basílica de S. Pedro,
para enlevar corações, levá-los a Roma
ou talvez ao paraíso.

Goa, da orgulhosa Pangim,
do bairro colonial das Fontaínhas,
onde se baila o corridinho,
e um cônsul português sorri e dança.

Goa, de especiarias e perfumes,
na carregação das naus,
para inebriar os dias e as noites.

Goa, da doce e formosa Manteigui,
nas palavras de Bocage “puta rafada”,
cujos “meigos olhos, que a foder ensinam
até nos dedos dos pés tesões acendem”.

Goa, dos breves companheiros de jornada,
o André, o Edgar, a Maria, o Reis,
dos Gomes Market, do Faria Heaven, do Santosh Garage,
tantos ramos florescendo da cepa lusitana
entretecidos pelo perpassar dos séculos.

Goa, das últimas famílias indo-portuguesas
entrecruzando sangue e afectos,
laboriosas gentes nas confusões do presente,
com as pedras e o coração no passado, construindo o futuro.

Goa, dos fortes de Tiracol ou da Aguada,
velhos canhões, há séculos disparando pedaços de nada,
para a águas do Mandovi e do vazio,
e um velho farol, o primeiro iluminando os mares da Ásia.

Goa indiana, pois claro,
com templos hindus para venerar os deuses,
Shiva, Brama, Vishnu, Krishna,
e pequenas divindades descansando no fundo do vale,
no recato sombreado dos palmares.

Goa, das praias de infindáveis areias,
Calangute, Dona Paula, ou Benaulim,
para humedecer o corpo e respirar o sol.


Goa, um adeus no entardecer dos dias,
e uma lágrima, para sempre. 



1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias" [3 meses e oito dias], do nosso camarada António Graça de Abreu-

Escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de 200 referências, é casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.


2. Sinopse da série "Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias"

(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016; [não sabemos quanto despenderam, mas o "barco do amor" deve-lhes cobrado uma nota preta: c. 40 mil euros, no mínimo, estimanos nós];

(ii) três semanas depois de o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);

(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017); no dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano; navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;

(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;

(v) seguem-se depois as ilhas Tonga;

(vi) visita a Auckland, Nova Zelândia, em 20/10/2016;

(vii) volta pela Austrália: Sidney, a capital, e as Montanhas Azuis (24-26 de outubro de 2016);

(viii) o navio "Costa Luminosa" chega, pela manhã de 29710/2016, à cidade de Melbourne, Austrália;

(ix) visita à Austrália Ocidental, enquanto o navio segue depois para Singapura; o Graça de Abreu e esposa alugam um carro e percorrem grande parte da costa seguindo depois em 8 de novembro, de avião para Singapura, e voltando a "apanhar" o seu barco do amor...

(x) de 8 a 10 de novembro. o casal está de visita a Singapura, seguindo depois o cruzeiro para Kuala Lumpur, Malásia (11 de novembro);

(xi) Phuket, Tailândia (12-13 de novembro);

(xii) Colombo, capitão do Sri Lanka ou Ceilão ou Trapobana (segundo os "Lusíadas", de Luís de Camões. I, 1), em 15-16 de novembro. de 2016;

As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;


(xiii) na III (e última) parte da viagem, Graça de Abreu e a esposa estão, a 17 de novembro de 2016, em Cochim, na Índia, e descobrem a cada passo vestígios da presença portuguesa; a 18, estão em Goa, seguindo depois para Bombaím.

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P18670: Parabéns a você (1440): Rui G. Santos, ex-Alf Mil Inf da 4.ª CCAÇ (Guiné, 1963/65)

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Nota do editor

Último poste da série de 22 de Maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18662: Parabéns a você (1439): Luciano Jesus, ex-Fur Mil Art da CART 3494 (Guiné, 1971/74)

quarta-feira, 23 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18669: Guiné 61/74 - P18626: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 50 e 52: (i) tivemos o primerio ferido em combate, numa sexta-feira, 13 de abril de 1973, sendo evacuado por helicóptero; e (ii) o correio está a chegar atrasado depois de aparecerem os Strela...


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > 1973 > O José Claudino da Silva junto  a um bagabaga.

Foto: © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva [foto atual à esquerda] (*) 

(i) nasceu em Penafiel, em 1950, "de pai incógnito" (como se dizia na época e infelizmente se continua a dizer, nos dias de hoje), tendo sido criado pela avó materna;

(ii) trabalhou e viveu em Amarante, residindo hoje na Lixa, Felgueiras, onde é vizinho do nosso grã-tabanqueiro, o padre Mário da Lixa, ex-capelão em Mansoa (1967/68), com quem, de resto, tem colaborado em iniciativas culturais, no Barracão da Cultura;

(iii) tem orgulho na sua profissão: bate-chapas, agora reformado; completou o 12.º ano de escolaridade; foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção);

(iv) tem página no Facebook; é avô e está a animar o projeto "Bosque dos Avós", na Serra do Marão, em Amarante;

(ix) é membro n.º 756 da nossa Tabanca Grande.

2. Sinopse dos postes anteriores:

(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;

(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da dos percursos de "turismo sexual"... da Via Norte à Rua Escura;

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1.º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3.ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;

(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau, e fica lá mais uns tempos para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(vi) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM para Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos' (ou vê-cê-cês), os 'Capicuas", da CART 2772;

(vii) faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;

(viii) é "promovido" pelo 1.º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";

(ix) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda";

(x) Dino, o "cabo de reabastecimentos", o "dono da loja", tem que aprender a lidar com as "diferenças de estatuto", resultantes da hierarquia militar: todos eram clientes da "loja", e todos eram iguais, mas uns mais iguais do que outros, por causa das "divisas"... e dos "galões"...

(xi) faz contas à vida e ao "patacão", de modo a poder casar-se logo que passe à peluda; e ao fim de três meses, está a escrever 30/40 cartas e aerogram as por mês; inicialmente eram 80/100; e descobre o sentido (e a importância) da camaradagem em tempo de guerra.

(xii) como "responsável" pelo reabastecimento não quer que falte a cerveja ao pessoal: em outubro de 1972, o consumo (quinzenal) era já de 6 mil garrafas; ouve dizer, pela primeira vez, na rádio clandestina, que éramos todos colonialistas e que o governo português era fascista; sente-se chocado;

(xiii) fica revoltado por o seu camarada responsável pela cantina, e como ele 1º cabo condutor auto, ter apanhado 10 dias de detenção por uma questão de "lana caprina": é o primeiro castigo no mato...; por outro lado, apanha o paludismo, perde 7 quilos, tem 41 graus de febre, conhece a solidariedade dos camaradas e está grato à competência e desvelo do pessoal de saúde da companhia.

(xiv) em 8/11/1972 festejava-se o Ramadão em Fulacunda e no resto do mundo muçulmano; entretanto, a companhia apanha a primeira arma ao IN, uma PPSH, a famosa "costureirinha" (, o seu matraquear fazia lembrar uma máquina de costura);

(xv) começa a colaborar no jornal da unidade (dirigido pelo alf mil Jorge Pinto, nosso grã-tabanqueiro), e é incentivado a prosseguir os seus estudos; surgem as primeiras dúvidas sobre o amor da sua Mely [Maria Amélia], com quem faz, no entanto, as pazes antes do Natal; confidencia-nos, através das cartas à Mely as pequenas besteiras que ele e os seus amigos (como o Zé Leal de Vila das Aves) vão fazendo;

(xvi) chega ao fim o ano de 1972; mas antes disso houve a festa do Natal (vd. capº 34º, já publicado noutro poste); como responsável pelos reabastecimentos, a sua preocupação é ter bebidas frescas, em quantidade, para a malta que regressa do mato, mas o "patacão", ontem como hoje, era sempre pouco;

(xvii) dá a notícia à namorada da morte de Amílcar Cabral (que foi em 20 de janeiro de 1973 na Guiné-Conacri e não no Senegal); passa a haver cinema em Fulacunda: manda uma encomenda postal de 6,5 kg à namorada;

(xviii) em 24 de fevereiro de 1973, dois dias antes do Festival da Canção da RTP, a companhia faz uma operação de 16 horas, capturando três homens e duas Kalashnikov, na tabanca de Farnan.

(xix) é-lhe diagnosticada uma úlcera no estômago que, só muito mais tarde, será devidamente tratada; e escreve sobre a população local, tendo dificuldade em distinguir os balantas dos biafadas;

(xx) em 20/3/1973, escreve à namorada sobre o Fanado feminino, mas mistura este ritual de passagem com a religião muçulmana, o que é incorreto; de resto, a festa do fanado era um mistério, para a grande maioria dos "tugas" e na época as autoridades portuguesas não se metiam neste domínio da esfera privada; só hoje a Mutilação Genital Feminina passou a a ser uma "prática cultural" criminalizada.

(xxi) depois das primeiras aeronaves abatidas pelos Strela, o autor começa a constatar que as avionetas com o correio começam a ser mais espaçadas;

(ssii) o primeiro ferido em combate, um furriel que levou um tiro nas costas, e que foi helievacuado, em 13 de abril de 1973, o que prova que a nossa aviação continuou a voar depois de 25 de março de 1973, em que foi abatido o primeiro Fiat G-91 por um Strela

3. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 50 e 52


[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve, das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. E muito menos fazer autocensura 'a posterior', de acordo com o 'politicamente correto'... Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]



50º Capítulo  > O PRIMEIRO FERIDO EM COMBATE

Escrever hoje as mesmas palavras que escrevi entre os 21 e 24 anos, num contexto completamente diferente, colide um pouco com a minha actual maneira de ser. Chamar ““turras”” aos guerrilheiros do PAIGC, fora do contexto em que o fiz na época,  faz-me sentir um pouco insensível e aproveito este momento para dizer que não me identifico, passados estes anos, com o que já escrevi e que,  devido ao modo como decidi desenvolver este livro, provavelmente vou continuar a escrever.

O dia 13 de Abril de 1973 foi a uma sexta-feira. Mesmo que não acreditem em superstições, deviam ler o relato que fiz. Eis o texto na íntegra:

Hoje tive a felicidade de receber uma foto tua, contudo meu bem não posso dizer que estou alegre, pois houve algo que ofuscou um pouco este dia que noutra altura seria maravilhoso. É que meu amor, os meus camaradas os meus camaradas saíram hoje às duas da manhã e caíram numa emboscada. 

"Um furriel levou um tiro nas costas tendo que ir um helicóptero busca-lo ao mato mas só depois de vários aviões terem largado bombas sobre os 'turras', pois os meus camaradas estavam completamente cercados e durante cerca de duas horas não se puderam mexer. Logo que os aviões entraram em acção então os meus colegas puderam abrir fogo em abundância e abrir um espaço onde o hélio aterrou para levar o ferido. 

"Nós éramos 80 e eles cerca de 160. Felizmente só houve um ferido que decerto se safará, nós pelo nosso lado. Aliás os meus camaradas pois como sabes não saio daqui, pois como ia dizendo a minha malta matou um e feriram alguns. Apanharam uma metralhadora e algumas granadas o que significa que aqui não lutamos em vão. É claro querida que estas coisas nos arrasam os nervos e é lógico que me sinta um pouco triste pois não é nada agradável saber que um de nós está ferido e que muitos outros poderiam ter perecido na luta”.
Enviei nesta carta uma foto de um Bagabaga (Ninho de formigas).

Disse que, no sábado seguinte, me iria embebedar com whisky, mas não o fiz. Ainda estava doente. No dia seguinte (Domingo de Ramos), tomei o meu primeiro comprimido para dormir.

“Se eu pudesse tomar uma droga que me fizesse esquecer o período que agora atravesso acredita que tomava, embora eu seja contra o uso da droga pois gosto de enfrentar as realidades e a droga torna a vida irreal”.

No dia 16 soube que o nosso furriel estava livre de perigo. Também recebemos as peças para reparar os geradores. Provavelmente, domingo de Páscoa  já teríamos luz eléctrica. [Vd. capº 50, já publicado no poste P18475 (**).


52º Capítulo > CARTA DE AMOR

Tal como era de prever, o correio começou a demorar mais tempo a chegar. Os pilotos civis estavam com receio de voar e nós estávamos a começar a ficar esquecidos neste recôndito lugar.

Já todos nós lemos que as cartas de amor são ridículas. Que dizer, então, das cartas que em média têm entre 500 a 600 palavras e que escrevi diariamente, como já o disse mais de uma vez? Fazendo um pequeno cálculo, em Maio de 1973, só para a minha namorada eu terei escrito cerca de 170.000. Eu próprio estou tremendamente admirado com o teor da maioria das missivas escritas. Devia amar muito esta mulher. Não se riam de mim.

“Toda a minha vida será dedicada a viver para a nossa felicidade e em todos os dias da vida sorriremos juntos para assim afastarmos os dissabores que nos surjam, poderás pensar que por vezes sou um existencialista e que só procuro complicar as coisas mas nota isto que a seguir te digo e vê se não será uma boa maneira de ajudar no futuro a nossa felicidade.

"Fazemos ambos uma lista imaginária dos erros que perdoamos um ao outro e quando algum de nós errar o outro vê se o erro está na lista dos que devem ser perdoados, ora como a lista é imaginária todos os erros estão lá e por isso sempre que um de nós cometa um erro, o outro perdoa-o, se fizermos isso assim, ou seja se perdoarmos sempre os erros que um ou outro tenha de certeza que só isso evitará muitos aborrecimentos na nossa vida conjugal e ajudará muito a sermos felizes. Saber perdoar não é difícil, mas é preciso saber-se perdoar sempre, o perdão ajuda a sentirmo-nos sempre cientes de que temos uma moral cheia de bondade e capaz de compreender os erros dos outros.

"Eu não pretendo com estas palavras ensinar-te; a minha intenção é para que saibas que tenho um coração capaz de amar até à loucura, capaz de odiar intensamente mas que também é capaz de perdoar e se a oportunidade surgir tu verás que saber perdoar ajuda muito a construir a felicidade.

"Antes de terminar por hoje desejo enviar-te muito amor através das palavras que escrevo e desejo sobretudo reconfirmar que cada vez me encontro mais contigo própria, ou seja que cada momento da minha vida tu estás mais dentro de mim e eu sinto-te como se fizesses parte do meu próprio corpo.

"Eu te amo com fervor.

"Envio-te um beijo cheio de ternura, sou teu eternamente Dino.


"Fulacunda 2/5/1973”.

Um dia, talvez a minha neta divulgue na totalidade tudo o que escrevi à avó dela ou pura e simplesmente alguém deite tudo numa empresa de reciclagem. Afinal, não passam de palavras escritas em folhas que estavam em branco e que eu paulatinamente fui preenchendo e o papel pode ser reutilizado.

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 13 de maio de 2018 >  Guiné 61/74 - P18626: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 47/48/49: "Quero dizer-te que só em quinze dias os turras derrubaram cinco aviões"

(**) Vd. poste de 1 de abril de 2018>  Guiné 61/74 - P18475: Efemérides (271): A minha Páscoa no mato, há 45 anos (José Claudino da Silva, ex-1º cabo cond auto, 3ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)

Guiné 61/74 - P18668: Bibliografia de uma guerra (90): Um Barco Fardado, por Eduardo Brito Aranha; Roma Editora, 2005 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Junho de 2016:

Queridos amigos,
Ao princípio desconfia-se e estranha-se, depois entranha-se, porque o devaneio caricatural deste autor é de alta perícia. É um livro raro. Dir-se-á mais adiante que este médico começou a redigir com alma desabrida, talvez cheio de tempo para a minúcia e a argúcia. Depois cansou-se, acelerou a marcha, tentou até o erotismo sem graça nenhuma, despede-se com acusações grotescas a quem com ele diretamente conviveu.
Este livro, se acaso o autor tivesse um rebate de alma e se convencesse que começou por escrever um documento de valor incalculável, todo refeito poderia dar uma obra de estalo. Não é a primeira vez que leio livros que inicialmente fora redigidos pela porta do sublime e terminam nos esconsos perdidos. Voltas que a roda da fortuna dá...

Um abraço do
Mário


Um Barco Fardado, por Eduardo Brito Aranha (1)

Beja Santos

A razão especial por que aqui vou escrever sobre "Um Barco Fardado", por Eduardo Brito Aranha, Roma Editora, 2005, passado em Angola, é por considerar tratar-se de uma obra singularíssima, de uma arquitetura literária exemplar (há defeitos graúdos, mais adiante se explicará), empolgante, tão empolgante que a realidade se submerge perfeitamente na ficção.

Chegou-me o livro pela mão bondosa do nosso confrade Mário Vitorino Gaspar, a quem pedi que vasculhasse na Biblioteca da APOIAR os títulos que pudesse sobre literatura de guerra. Não gosto do título, sente-se que o autor andou às voltas à procura de inspiração, e serviu-se de uma imagem que está muito longe de ser feliz, classificativa para o conteúdo que nos oferece. Em barcos fardados andámos todos nós, quase um milhão, entre 1961 e 1975. Mas lançado na leitura, cedo me deixei surfar nesta esplêndida linguagem de alguém que sem imitar António Lobo Antunes ou José Martins Garcia esgrima com mestria a jocosidade, a manipulação da galhofa e as garrulices de um anti-herói.

Sabe-se que Eduardo Brito Aranha foi cumprir o serviço militar quando andava no segundo ano de Medicina e foi para a Angola onde permaneceu 26 meses. Temos a viagem sacramental depois de algumas recordações da infância e o desembarque do costume. Feitos os registos que cabem nas viagens de toda a gente, entramos na singularidade. Estamos a 6 de Novembro de 1971, alinham-se as viaturas na estrada de Catete, “Seiscentos quilómetros a engolir o asfalto preto da estrada, no chamado planalto, livre de atividades inimigas, apenas paisagem longa com rochedos de Adamastor onde todos os dias se via à mesma hora, pequenas povoações muito afastadas umas das outras, vendedeiras com cestos de bananas e abacaxis, macacos pretos a fugir dos rodados”. A viagem prossegue, desta feita de comboio: “Era uma gigantesca larva encimada de uma fantasmagórica cabeça de rebenta minas, testa de ferro com toneladas de sacos de areia, que penetraria ao longo do paralelo 12, de Nova Lisboa até ao Luso (hoje Huambo), 29 horas de vigilância dos esbugalhados olhinhos dos pequenos lusitas”. Assim se chega ao Luso, deste modo apresentado: “Essa cidade quadriculada, esse Campo de Ourique desterrado e já sem personalidade. Uma meia dúzia de cafés de militares, no intervalo entre dois tiros, a esticar as botas para as sucessivas engraxadelas dos meninos negros que reptilizavam entre as mesas, se quer graxa ou menina, e com o pano do brilho a fazer batuque as biqueiras para mais uma gorjeta”. A 11 de Novembro chegam a N’Riquinha, na planície do rio Cuando. Como se estivesse a escrever no seu diário, pode ler-se: “Não sei como hei-de pertencer a esta terra”. É aqui que começa uma das raridades deste livro, minúcias de um observador que sente a compulsividade de que as partes fazem um todo, do género: “Segue-se a pratada de batatas com ovo cozido esfarelado por cima, peles de bacalhau, espinhas, aqui e além a órbita luzidia de uma azeitona cansada. Cerveja de acompanhamento e para empurrar. Ao fim, tal como os aperitivos, de paga rotativa, o ritual do café solúvel, batido, batido, batido, até a mão doer e a colher ganir no pirex da chávena, o brandy Borges, o fumo às rodelas pelo ar, os arrotos, as anedotas repetidas, as histórias do tempo em que ainda éramos nós. Bom proveito, meus filhos, que daqui a uma hora está tudo com a mesa fome e não há segundo jantar”.

A companhia espalha-se pela quadrícula: um pelotão partiu para Rivungo, outro para Mavinga. Chegou a hora da primeira escolta, de se embrenharem pela mata, com a areia solta das picadas cheias de raízes, lá vão com os ossos a saltar. Desvela contrassensos da burocracia, enviesamentos de decisões que se sobrepõem à realidade: “O capitão fez notar ao comandante de batalhão, sediado no Cuito Cuanavale que, uma vez que o pelotão do Araújo no Rivungo e o do João em Mavinga, N’Riquinha ficaria reduzida ao meu pelotão e ao do Bernardo. Se um partisse para uma operação fora do aquartelamento, que normalmente demorava 3 a 5 dias, quem ficaria a guarnecer o aquartelamento quando se saísse para a água e para a lenha?”.

O capitão é algarvio e apresenta ao seus alferes as tarefas que te por diante: “Estamos entalados num território de área igual à do Algarve. Só que é ao alto. À direita, a Leste, fica a Zâmbia, por onde os gajos entram. A Norte fica a zona de acção de Ninda, a Oeste a de Mavinga e a Sul da nossa zona, depois do destacamento do Rivungo, começa a zona de Luiana. A partir daí já é o Sudoeste Africano que pertence à África do Sul. A nossa missão aqui é simples. Temos de policiar as entradas dos grupos de guerrilheiros, atacar-lhes alguns pontos onde estão sediados”.

São raras as obras em que se enredam perfeitamente o sarcasmo e as atividades militares, diga-se em abono da verdade que muitas vezes se caminha no fio da lâmina para não ser chocarreiro, venial ou estupidamente agressivo. E nesta trama, o autor desembaraça-se para proveito do leitor. Temos aqui o dia-a-dia de um destacamento, a apresentação dos diferentes protagonistas, o colorido do ambiente cola-se-nos, aquela África existe mesmo: “A natureza durante o dia parece esmorecida de calor para, durante a noite, acordar numa pujança de pássaros que piam como que aflitos, voos invisíveis de adejos de um lado a outro do negro do céu, roncos e uivos de animais noctívagos, restolhadas nos arbustos à nossa volta, zumbidos de mosquitos em agressivas investidas e, sempre, sempre trovoadas longínquas no horizonte para os lados da Zâmbia no seu incessante relampejo estroboscópico”.

Aqui e acolá chegam colunas, apresentam-se tropas. Há pormenores burlescos, a obsessão do comandante em que ajardina o destacamento, e daí a risota farta na descrição: “A criação de um jardim naquele deserto fez o capitão nomear um furriel das bandas de Felgueiras e com bom passado hortícola que por sua vez escolheu uns tantos miúdos negros daqueles já com experiência de ir à água de ser pagos a sopa. A essa mesma equipa também se associou um cargo, encarregando-se todos de manter uma horta em constante produção, a qual já existia e era regada por um poço com picota que, nos intervalos das chuvas, fornecia uma caldibana leitosa de argila impossível de beber mas suficientemente boa para nutrir as raízes de tudo quanto fosse legume”. É um arranque de livro em que como muito raramente somos envolvidos pela lufa-lufa centenas de homens fotografados por um autor cheio de verve de observador. A tal ponto que quando o comandante de batalhão vai visitar o destacamento dá de frente com o médico que recebe uma áspera repreensão para se ir imediatamente vestir, aparecera de cabeça descoberta, meias brancas e de calções sem cinto. A obsessão do comandante por um jardim em N’Riquinha volta a manifestar-se, quer gerânios, catos, pneus pintados e admoesta o capitão: “Nunca ouviu dizer que os olhos comem mais que a boca? Uns pretitos a quem se pague com uma sopa e um pão, que para eles já vale muito, servem para estrumar com os dejectos das fossas e estes canteiros aqui. Depois, umas sementes de umas flores mandadas comprar a um dos sargentos que vá ao Luso, enfim… Olhe, no Cuito, o nosso major Tamerlão até goiabeiras lá pôs”.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18513: Bibliografia de uma guerra (89): Entender o pan-africanismo para melhor conhecer a guerra em África (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18667: Álbum fotográfico de António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71) - Parte I: o parto de Helga Reis, em Ponta Consolação, em 6 de janeiro de 1971


Guiné > Região Cacheu > Bula > Ponta Consolação >  CCAV 2639 (1969/71) > 6 de janeiro de 1971 > O fur mil cav Antónioo Ramalho, com o 1º cabo aux enf do seu pelotão, ajudam a vir ao mundo    Helga Reis.



António Ramalho, hoje---


... e ontem

Fotos (e legendas): © António Ramalho (2018) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem omplementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


1. Mensagem, com data de 30 de abril último, de António Ramalho, ex-fur mil at cav, 
CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), membro da Tabanca Grande, nº 757, natural de Vila Fernando, Elvas (*):

Caro Luís Graça, boa noite:

Continuo a visitar o nosso blogue que considero fantástico em todos os seus aspectos desde o gráfico até aos seus conteúdos.

Não tive oportunidade de ter ido a Algés conhecer-vos, só conheço o Mário Fitas, e a Monte Real também é impossível já que nos fins de semana de 5 e 12 de Maio terei que estar no Alentejo.

Encarei os meus vinte e dois meses na Guiné com a determinação para aquilo que tínhamos sido preparados sem contudo nos armarmos em heróis, fomos 150 viemos 150, felizmente.

Além do enorme lote de operações que nos foram distribuídas, umas em conjunto outras solitárias, as coisas não correram mal!

Além disso reordenámos três zonas de Tabancas entre Bula e Binar.

As fotos que envio são da parte light da nossa missão, uma delas é a do momento mais alto da minha comissão, o nascimento da Helga [Reis], a outra não vale a pena recordar! (**)

Publicá-las será uma questão que deixo ao vosso livre critério, é a contribuição que posso oferecer.
Um forte abraço e até a um almocinho aqui para a zona de Lisboa ou arredores.

Subscrevo-me com estima​,

António Fernando Rouqueiro Ramalho

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de outubro de 2017 >  Guiné 61/74 - P17888: Tabanca Grande (450): António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), natural da Vila de Fernando, Elvas, e novo membro da Tabanca Grande, com o nº 757... Faz parte da Associação de Alunos da Universidade Sénior de Vila Franca de Xira.

(**) Vd poste de 15 de outubro de 2017 Guiné 61/74 - P17864: O nosso livro de visitas (194): António Fernando Rouqueiro Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71)....Será possível saber do paradeiro da menina Helga dos Reis que eu e o cabo enfermeiro do meu pelotão ajudámos a vir ao mundo, em 6 de janeiro de 1971, na tabanca de Ponta Consolação (Nhinte) ? A estar viva, terá hoje 46 anos 


(...) Fiz parte da CCAV 2639 (independente de qualquer Batalhão, sob o comando do Com-Chefe) desde outubro de 1969 até setembro de 1971, na zona de Bula, Binar, Bissorã (Bissum), substituída pela CCAV 3420, comandada pelo cap cav Salgueiro Maia [Bula, 1971/73].

Já fui convidado para lá voltar, o que recusei pois não quero presenciar a destruição de tudo aquilo que fizemos em prol das populações, nossos compatriotas na altura.

Além da parte operacional, fizemos o reordenamento das tabancas de Capunga, Pete e Ponta Consolação (Nhinte). Nesta última assisti ao parto, acompanhado pelo cabo enfermeiro do meu Pelotão, no dia 6 de  janeiro de 1971, de uma menina que logo a batizámos como Helga dos Reis.
A tabanca era chefiada por um cidadão chamado Eusébio. Esta menina terá hoje 46 anos, será possível saber do seu paradeiro, estará em Portugal? (...)

terça-feira, 22 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18666: Em bom português nos entendemos (16): senhores dicionaristas, grafem lá o vocábulo "grã-tabanqueiro" ou simplesmente "tabanqueiro"... O nosso pequeno contributo para a celebração do dia 5 de Maio, Dia da Língua Portuguesa e da Cultura da CPLP...



5 de Maio Dia da Língua Portuguesa e da Cultura da CPLP (com a devida vénia...)


1. O dia 5 de maio é, anualmente, o Dia da Língua Portuguesa e da Cultura da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)... Recorde-se que há 9 países com língua oficial portuguesa, incluindo a nossa querida Guiné-Bissau... E estima-se em mais de 260 milhões os falantes da língua portyguesa.

Este ano houve 180 iniciativas em 57 países, segundo notícias da Lusa, reproduzida pelo Público, de 30 de abril de 2018. Nessas iniciativas, que se prolongam até ao fim do mês de maio, incluem-se mostras de cinema, concertos, recitais de poesia, feiras do livro, espectáculos teatrais, concursos de literatura, encontros com escritores, promoção das artes plásticas, divulgação do português como língua de ciência ou celebração do ensino do português.

Por seu turno, o ministro dos Negócios Estrangeiros recordou que o português é hoje uma das cinco línguas mais faladas no mundo e a primeira no hemisfério sul. "O português já é hoje uma língua de trabalho no sistema das Nações Unidas, já é língua oficial de algumas das organizações especializadas das Nações Unidas, mas esperamos que venha a ser num futuro mais ou menos próximo uma das línguas oficiais da Organização das Nações Unidas", afirmou o chefe da diplomacia portuguesa.


2. O nosso pequeno contributo, a nível do blogue da Tabanca Grande, é também o de resgatar a memória dos que, de um lado e do outro, fizeram a guerra e a paz, na Guiné, entre 1961 e 1974... Guerra colonial, guerra do ultramar, guerra de África, guerra de libertação...

Temos ajudado a reconstruir o "puzzle" (esburacado) da memória desses tempos... E esse trabalho, de construção e reconstrução da memória, passa também pelo "resgaste" de vocáculos e expressões que usávamos, uns e outros, nesse tempo e lugar... A sua origem é duversa: há vocábulos e expressões do crioulo da Guiné, mas também da língua fula, da gíria e do calão da tropa... e da guerrilha.

No nosso blogue temos em uso cerca de 400 abreviaturas, siglas, acrónimos, expressões idiomáticas, termos da gíria, calão, crioulo, etc. Alguns destes vocábulos poderão um dia vir a ser grafados pelos nossos dicionaristas ou lexicógrafos. Acabámos, por exemplo, de propôr a inclusão do vocábulo "grã-tabanqueiro" no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa" (que, com alguma frequência, cita o nosso blogue).

Eis o texto que lhes mandámos:

No blogue, lusófono, coletivo, que eu criei em 2004 e que dirijo, com um equipa de editores e colaboradores, “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, é usado o vocábulo “grã-tabanqueiro/a” para designar os membros da rede social a que chamamos “Tabanca Grande”… Originalmente era uma tertúlia (virtual) e os seus membros tratavam-se por “tertulianos”. 

A própria Tabanca Grande (que reúne antigos combatentes da guerra colonial, em especial da Guiné) deu origem a outras “tabancas” (de Matosinhos, do Centro, da Linha, dos Melros, da Maia, de Faro, de Porto Dinheiro, etc.)… Os seus membros tratam-se por “tabanqueiros”… “Grã-tabanqueiro” ( e não “grão-tabanqueiro”) é o que  pertence “formalmente“ à Tabanca Grande… E são já 773, entre vivos e mortos…

Uma pesquisa no Google, com a expressão “grã-tabanqueiro”, dá-nos cerca de 18900 resultados. Este blogue também é fértil em “novos vocábulos”, ligados à guerra colonial e à Guiné, como por exemplo “alfabravo” (obrigado) ou “camarigo” (camarada e amigo). Temos cerca de 400 “abreviaturas,siglas, acrónimos, expressões idiomáticas, gíria, calão, crioulo”, em uso no blogue…

 O blogue, com 14 anos, tem em média um milhão de visualizações de páginas por ano, e vai a caminhos dos 19 mil “postes” publicados…

Em bom português nos entendemos. O Mundo é Pequeno e a Nossa Tabanca… é Grande. Mantenhas,

Luís Graça

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Nota do editor: