quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20057: Consultório militar do José Martins (44): as medalhas que não foram entregues: o caso da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/67)





Brasão da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/67)




1. Trabalho de pesquisa do nosso camarada e colaborador permanente José Martins (ex-fur mil trms, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70; vive em Odivelas; tem já perto de 400 referências no nosso blogue):



HÁ MEDALHAS QUE NÃO ENTREGUES 


Nem todas as medalhas, que foram atribuídas a militares que estiveram nos diversos teatros de operação nas antigas províncias portuguesas, foram entregues aos galardoados.

Referi-me, em especial à Medalha da Cruz de Guerra ou outras Medalhas, ou porque não se acharam merecedores de tal condecoração ou que, por desconhecerem esse facto, nada fizeram pela sua entrega.

A atribuição de Medalhas iniciava o seu processo com a citação de acção praticada em campanha, que levava muitas vezes o comandante da companhia a promover um louvor em Ordem de Serviço da unidade. Essas Ordens de Serviço eram enviadas para o Batalhão e, muitas vezes, esse louvor era considerado como “sendo dado pelo comandante do batalhão” e assim subindo na cadeia hierárquica.

Apercebi-me, provavelmente pela leitura de algum comentário, que na Companhia de Caçadores nº 1439 [, CCAÇ 1439],  mobilizada no Regimento de Infantaria nº 15, aquartelada em Tomar, havia quem não tivesse recebido a medalha atribuída.

Pois bem, quem não recebeu a medalha, ou saiba que algum familiar seu não a tenha recebido, pode iniciar o processo da outorga da mesma, requerendo a sua entrega física, ainda que a “título póstumo”.



Companhia de Caçadores nº 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67)

Ano de 1966 


MEDALHA DE VALOR MILITAR



■ Soldado de Infantaria, de 2ª classe, nº 925/64 MAMADU JALÓ 
- Companhia de Caçadores nº 1439/Batalhão de Caçadores nº 697 - RI 15 GUINÉ
 - Grau Cobre, com palma 


Transcrição da Portaria publicada na ORDEM DO EXÉRCITO n" 31 - 3.a série, de 1966:

Por Portaria de 27 de Dezembro de 1966: Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro do Exército, condecorar com a Medalha de Cobre de Valor Militar, com palma, nos termos do artigo 7º, com referência ao parágrafo 1º do artigo 51º do Regulamento da Medalha Militar de 28 de Maio de 1946, o Soldado de 2.a classe nº 925/64, Mamadu Jaló, da Companhia de Caçadores nº 1439/Batalhão de Caçadores nº 697 - porque na operação "Avante", quando as nossas tropas se encontravam debaixo de nutrido e violento fogo inimigo, em terreno que nos era manifestamente desfavorável, fez parte de um reduzido grupo que, sob o comando do comandante da operação, executou uma arrancada heróica ao encontro do inimigo oculto, do que resultou a suspensão do seu fogo e o consequente alívio da situação das nossas tropas, tornando-se em sucesso para nós, embora com baixas, o que poderia ser um desastre.

Durante esse avanço, ao ver que o Furriel António Nunes Lopes, que fazia parte do mesmo grupo, como seu comandante de Secção, estava a ser insistentemente alvejado com tiros de pistola metralhadora, num gesto de abnegação extraordinária lançou-se sobre ele e cobriu-o com o seu corpo para o proteger, com grave risco da própria vida, demonstrando não só uma dedicação sem limites pelos seus superiores, mas ainda qualidades de desinteresse e de sacrifício exemplares e coragem moral.


Ministério do Exército, 27 de Setembro de 1966.

O Ministro do Exército, Joaquim da Luz Cunha.



MEDALHA DA CRUZ DE GUERRA

■ Caçador auxiliar NAUSER SANA 
– 4ª CLASSE 


Transcrição do Despacho publicado na ORDEM DO EXÉRCITO nº 13 – 3ª série, de 1966.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, nos termos do artigo 12º do Regulamento da Medalha Militar, aprovado pelo Decreto nº 35 667, de 28 de Maio de 1946,por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 19 de Março de 1966: O Caçador auxiliar, Nauser Sana - Batalhão de Caçadores 697.

Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS nº 81, de 01 de Outubro de 1965, do QG/CTIG):

Louvo o Caçador auxiliar Nauser Sana, do Xime, porque na operação "Avante", quando as NT se encontravam debaixo de nutrido e violento fogo Inimigo, em terreno que nos era manifestamente desfavorável, fez parte de um reduzido grupo que, sob o comando do comandante da operação, executou uma arrancada heróica ao encontro do Inimigo oculto, do que resultou a suspensão do seu fogo e o consequente alívio da situação das NT, tornando-se em sucesso para nós, embora com baixas, o que poderia ter sido um desastre.

Durante o assalto às casas do mato, sempre a par do saudoso, inesquecível e extraordinário caçador nativo Adão Canala, demonstrou a sua coragem e decisão de enfrentar o perigo, pois, nos lugares onde este fosse maior, ele lá estava avançando sempre sem medo.

Demonstrou serena energia e sangue frio debaixo de fogo, que não se alteraram, mesmo depois de saber estar morto o seu companheiro Adão. Portou-se, pois, como um valente perante o Inimigo oculto e traiçoeiro.

■ Civil contratado BRAMA LAI 
- 4ª CLASSE 

Transcrição do Despacho publicado na ORDEM DO EXÉRCITO nº 13 – 3ª série de 1966.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, nos termos do artigo 12º do Regulamento da Medalha Militar, aprovado pelo Decreto n? 35 667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 19 de Março de 1966: O Civil contratado, Brama Lai - Batalhão de Caçadores 697.

Transcrição do louvor que originou a condecoração. (publicado na OS nº 78, de 21 de Setembro de 1965, do QG/CTIG):

Por seu despacho de 17 do corrente e por proposta do Exmº Comandante do Batalhão de Caçadores nº 697, louva o nativo contratado Brama Lai, do Xime, porque, na Operação "Avante", em que esteve presente como carregador de munições, quando as Nossas Tropas se encontravam debaixo de nutrido e violento fogo Inimigo, em terreno que nos era manifestamente desfavorável, fez parte, como voluntário, do grupo que, sob o comando do comandante da operação, executou uma arrancada heróica ao encontro do Inimigo oculto, do que resultou a suspensão do seu fogo e o consequente alívio das NT, tornando-se em sucesso para nós, embora com baixas, o que poderia ter sido um desastre. 

Teve consciência do perigo, mas quis contribuir com a sua presença e com a sua arma, no lugar mais arriscado, no que demonstrou coragem e decisão de enfrentar o perigo, serena energia, sangue frio, valentia e bravura debaixo de fogo, ao continuar avançando em busca dos bandidos, mesmo depois de ter um braço esfacelado.

■ Caçador Nativo - ADÃO CANALA 
- 1ª CLASSE (Título póstumo) 


Transcrição da Portaria publicada na ORDEM DO EXÉRCITO nº 29 – 3ª série, de 1966. Por Portaria de 23 de Setembro de 1966:

Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro do Exército, condecorar com a Cruz de Guerra de 1ª classe, ao abrigo dos artigos 9º e 10º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa: O Caçador nativo, Adão Canala - Companhia de Comando e Serviços/Batalhão de Caçadores 697, a título póstumo.


Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Por Portaria da mesma data, publicada naquela ORDEM DO EXÉRCITO):

Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro do Exército, adoptar para todos os efeitos legais, o louvor conferido em Ordem de Serviço nº 84, de 12 de Outubro de 1965, do Comando Territorial Independente da Guiné, ao Caçador nativo, Adão Canala - Companhia de Comando e Serviços/Batalhão de Caçadores nº 697, com a seguinte redacção: Porque, prestando serviço no Xime e tendo já dado provas admiráveis e excepcionais, tanto na detecção de minas inimigas - a ponto de lhe ter ficado a fama de que tinha um sexto sentido apuradíssimo para este trabalho, devido ao número daqueles engenhos que detectara, com um interesse e entusiasmo invulgares - como na preparação de um grupo de caçadores nativos de que era chefe, grupo que a tropa preferia e de que não prescindia para as picagens, pela confiança que lhe inspirava, e com o qual, não só estava sempre pronto a desempenhar em todos os momentos qualquer missão que surgisse. Foi voluntário frequentes vezes para montar emboscadas durante a noite e, com grande espírito de sacrifício, confirmou nas operações "Bravura" e "Avante", o seu portuguesismo sem mácula e a sua firme vontade de vencer, revelando na primeira operação, como componente de um grupo de eliminação de sentinelas, o seu sangue-frio e audácia notáveis e na segunda, em que, encontrando-se com as nossas tropas debaixo de nutrido e violento fogo inimigo não localizado, em terreno que nos era de todo desfavorável, a um sinal do Comandante da operação, avançou, integrado num reduzido grupo, correndo em direcção às origens dos tiros, disparando uma G3 para onde vinha mais fogo inimigo, procurando sempre o objectivo oculto e traiçoeiro, sem se preocupar com as balas que sibilavam à sua volta. Com esta arrancada heróica obrigaram o Inimigo a suspender o fogo, do que resultou poderem as nossas tropas safar-se da situação crítica em que se encontravam e a transformar em sucesso para nós, embora com baixas, o que parecia ir ser um desastre. Foi mortalmente atingido ao avançar, sempre com a sua arma a disparar. Morreu como herói, com a obstinada abnegação de salvar os seus camaradas de combate, correndo para isso ao encontro dos bandidos. 

Com este feito demonstrou cabalmente, o jamais esquecido jovem caçador Adão, a sua coragem, a sua bravura, a sua decisão, o seu notável sangue-frio e sua serena energia debaixo de fogo e inscreveu o seu nome no número dos heróis da "Ditosa Pátria Que Tais Filhos Tem".
Ministério do Exército, 23 de Setembro de 1966.

O Ministro do Exército, Joaquim da Luz Cunha.


■ Furriel Miliciano de Infantaria - ANTÓNIO NUNES LOPES 
 -  Companhia de Caçadores nº 1439 - BII 19 – 3ª CLASSE 


Transcrição da Portaria publicada na ORDEM DO EXÉRCITO nº 29 - 3.a série, de 1966. Por Portaria de 20 de Setembro de 1966:

Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro do Exército, condecorar com a Cruz de Guerra de 3ª classe, ao abrigo dos artigos 9º e 10º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa: O Furriel Miliciano de Infantaria, António Nunes Lopes, da Companhia de Caçadores nº 1439/Batalhão de Caçadores nº 694 - Batalhão Independente de Infantaria n? 19.


Transcrição do louvor que originou a condecoração. Publicado na OS nº 89, de 29 de Outubro de 1965, do QG/CTIG):

Louvo o Furriel Miliciano, António Nunes Lopes, da Companhia de Caçadores nº 1439, porque, na operação "Avante", quando as NT se encontravam debaixo de nutrido e violento fogo Inimigo, em terreno que nos era manifestamente desfavorável, fez parte, com a sua Secção reforçada, do grupo que, sob o comando do Comandante da operação, executou uma arrancada heróica ao encontro do Inimigo oculto, do que resultou a suspensão do seu fogo e o consequente alívio da situação das NT, tornando-se em sucesso para nós, embora com baixas, o que podia ter sido um desastre.

Durante esta acção incutiu no seu grupo a necessidade de avançar, a fim de descobrir e aniquilar um dos grupos Inimigo que mais flagelava as Nossas Tropas, com o que demonstrou a sua coragem e decisão de enfrentar o perigo, a sua serena energia e sangue frio debaixo de fogo, bem como a sua valentia e bravura perante o Inimigo traiçoeiro, nada tendo havido que conseguisse quebrar o seu ânimo, nem mesmo a morte de um dos seus melhores elementos ou o sibilar das balas à sua volta.


■ Alferes Miliciano de Infantaria - JOÃO FRANCISCO CRISÓSTOMO
 - Companhia de Caçadores nº 1439 - BII 19 - 4ª CLASSE 


Transcrição da Portaria publicada na ORDEM DO EXÉRCITO nº 20 – 2ª série, de 1966. Por Portaria de 20 de Setembro de 1966:

Condecorado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, ao abrigo dos artigos 9º e 10º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, o Alferes Miliciano, João Francisco Crisóstomo, da Companhia de Caçadores nº 1439/Batalhão de Caçadores nº 697 - Batalhão Independente de Infantaria nº 19.

Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS nº 81, de 01 de Outubro de 1965, do QG/CTIG):

Louvo o Alferes Miliciano de Infantaria, João Francisco Crisóstomo, da Companhia de Caçadores nº 1439, porque, na Operação "Avante", durante o combate, comandando um grupo de destruição e busca, teve um comportamento exemplar, quer na atribuição de funções aos componentes desse grupo, quer dinamizando todo o seu pessoal, não permitindo, com grande sangue frio, que o facto de haver um morto e um ferido no seu Pelotão, provocasse desânimo. Esteve verdadeiramente à altura no desempenho do que lhe fora determinado. 

Mostrou-se um oficial valente que soube disciplinar e levar os seus homens ao cumprimento da missão, avançando alheio ao perigo e com a consciência de que para vencer é necessário penetrar nas posições inimigas. Durante o regresso, num acto de abnegação digno de apreço, vendo o cansaço nos seus homens, não hesitou em transportar, ele próprio, durante cerca de um quilómetro, o corpo de um dos seus, abatido naquela operação.


■ Capitão Miliciano de Infantaria - AMÂNDIO MANUEL PIRES 
- Companhia de Caçadores nº 1439 - BII 19 – 2ª CLASSE 


Transcrição da Portaria publicada na ORDEM DO EXÉRCITO nº 22 – 2ª série, de 1966. Por Portaria de 20 de Setembro de 1966:

Condecorado com a Cruz de Guerra de 2ª classe, ao abrigo dos artigos 9º e 10º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, o Capitão Miliciano de Infantaria, Amândio Manuel Pires, da Companhia de Caçadores nº 1439/Batalhão de Caçadores nº 697 - Batalhão Independente de Infantaria nº 19.


Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Por Portaria da mesma data, publicada naquela ORDEM DO EXÉRCITO):

Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro do Exército, adoptar, para todos os efeitos legais, o louvor conferido em Ordem de Serviço nº 84, de 12 de Outubro de 1965, do Comando Territorial Independente da Guiné, ao Capitão Miliciano de Infantaria, Amândio Manuel Pires, com a seguinte redacção: Porque, tendo já evidenciado extraordinárias qualidades de comando e competência na condução da operação "Bravura", de que foi comandante, conseguindo assim muito bons resultados, tanto em baixas inimigas como em material de guerra e importantes documentos capturados, bem como na destruição de instalações e meios de vida, confirmou as suas invulgares qualidades de condutor de homens na operação “Avante", que tão bem comandou, pois, ao ver que, com as suas forças, se encontrava debaixo de violento e nutrido fogo Inimigo em terreno manifestamente desfavorável às nossas tropas, e apercebendo-se do perigo que corriam em tal situação, decidiu, com excepcional sangue-frio, coragem e serena energia, numa arrancada heróica, correr, debaixo de fogo, com um pequeno grupo de homens, contra o Inimigo.

 Com esta corajosa iniciativa, que marca o valor do seu autor, fez parar o fogo adversário e safar as nossas tropas de tão crítica situação. E aquilo que podia ser um desastre resultou, finalmente, embora com baixas para as nossas tropas, na captura de material de guerra e de outros importantes materiais, bem como na destruição de instalações e meios de vida do Inimigo.
Ano de 1967


■ Alferes Miliciano de Infantaria - LUÍS MANUEL ZAGALO DE MATOS
 - Companhia de Caçadores nº 1439 - BII 19 – 4ª CLASSE 

Transcrição do Despacho publicado na ORDEM DO EXÉRCITO nº 2 – 3ª série, de 1967.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, nos termos do artigo 12º do Regulamento da Medalha Militar, promulgada pelo Decreto nº 35 667, de 28 de Maio de 1946, por despacho de 07 de Dezembro do ano findo, do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné, o Alferes Miliciano, Luís Manuel Zagalo de Matos, da Companhia de Caçadores nº 1439/Batalhão de Caçadores nº 1888 - Batalhão Independente de Infantaria nº 19.


Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS nº 40, de 06 de Outubro de 1966, do QG/CTIG):

Louvado o Alferes Mil, Luís Manuel Zagalo de Matos, porque, no dia 22Mai66, durante uma operação em que tomou parte a Companhia de Caçadores nº 1439, a que pertence, comandou o grupo de assalto com a valentia já revelada noutras acções da Companhia e entusiasmou o seu pequeno grupo que se lançou ao assalto com tal rapidez, que impediu que o inimigo tivesse tempo de refazer-se, momentaneamente, da surpresa. Embora o Inimigo se furtasse ao combate, ele mesmo comandou o grupo de perseguição, tendo revelado o maior sangue frio, valentia e conhecimento da luta de guerrilhas, atraindo o Inimigo ao combate, onde foi francamente batido, esquivando-se e dispersando. Ainda no comando do grupo de perseguição e quando este foi emboscado, mesmo assim conseguiu aproximar-se do Inimigo, o qual, apesar do violento fogo que desencadeou, mais uma vez se furtou ao combate e dispersou, sendo perseguido durante cerca de meia hora. 


Revelou as mais nobres qualidades militares de valentia e elevada percepção das técnicas de guerra de guerrilhas enfrentando o perigo com todo o desprezo, tendo como único fim o aniquilamento do Inimigo. 


■ 1º Cabo de Infantaria, n º 584/65 - JOÃO FERNANDES BARRADAS 
- Companhia de Caçadores nº 1439/Batalhão de Caçadores nº 1888 - BII 19 
- 4ª CLASSE 

Transcrição do Despacho publicado na ORDEM DO EXÉRCITO nº 5 – 3ª série, de 1967.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, nos termos do artigo 12º do Regulamento da Medalha Militar, promulgado pelo Decreto nº 35667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 30 de Dezembro de 1966: O 1º Cabo nº 584/65, João Fernandes Barradas, da Companhia de Caçadores 1439/Batalhão de Caçadores 1888- Batalhão Independente de Infantaria nº 19.

Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS nº 39, de 29 de Setembro de 1966, do QG/CTIG):

Louvado o Iº Cabo nº 184/65 (5432465), João Fernandes Barradas, da Companhia de Caçadores nº 1439, porque, durante a acção de perseguição na operação "Golo 3", se revelou um elemento corajoso e destemido, actuando debaixo de fogo Inimigo. Perseguiu um elemento Inimigo com acções de fogo, obrigando o mesmo a abandonar a sua arma semi-automática Simonov, depois de ferido.

 É um belo exemplo para os seus camaradas, tendo actuado no momento oportuno com toda a valentia e alcançado o que se pretendia.



■ Soldado de Infantaria, nº 9244165 - FERNANDO MACEDO RODRIGUES 
- Companhia de Caçadores nº 1439 - BII 19 - 4ª CLASSE 

Transcrição do Despacho publicado na ORDEM DO EXÉRCITO nº 5- 3ª série, de 1967.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, nos termos do artigo 12º do Regulamento da Medalha Militar, promulgado pelo Decreto nº 35 667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 30 de Dezembro de 1966: O Soldado nº 9244165, Fernando Macedo Rodrigues, da Companhia de Caçadores 1439/Batalhão de Caçadores 1888 - Batalhão Independente de Infantaria nº 19.

Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS n.O39, de 29 de Setembro de 1966, do QG/CTIG):

Louvado o Soldado nº 118/65 (9244165), Fernando Macedo Rodrigues, da Companhia de Caçadores nº 1439, porque, durante a perseguição feita ao Inimigo na operação "Golo 3", se revelou um elemento corajoso e com sangue frio, desprezando o perigo e obrigando o Inimigo a abandonar os fardos que transportava. Causou prováveis baixas e capturou material ao Inimigo.

■ Soldado de Infantaria, nº 7158865 - AGOSTINHO DA TRINDADE BAPTISTA
 - Companhia de Caçadores nº 1439 - BII 19 - 4ª CLASSE 


Transcrição do Despacho publicado na ORDEM DO EXÉRCITO nº 5 – 3ª série, de 1967.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, nos termos do artigo 12º do Regulamento da Medalha Militar, promulgado pelo Decreto nº 35 667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 30 de Dezembro de 1966: O Soldado nº 7158865, Agostinho da Trindade Baptista, da Companhia de Caçadores 1439/Batalhão de Caçadores 1888 - Batalhão Independente de Infantaria nº 19.


Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS n.o39, de 29 de Setembro de 1966, do QG/CTIG):

Louvado o Soldado nº 230/65 (7158865), Agostinho da Trindade Baptista, da Companhia de Caçadores nº 1439, porque à semelhança do que tem acontecido em várias operações da sua Companhia, se tem manifestado um elemento sempre pronto aos maiores esforços físicos. Durante a acção de fogo na operação "Golo 3", revelou coragem, sangue frio e desprezo pelo perigo, avançando debaixo de fogo contra as posições donde o Inimigo flagelou as NT. Causou baixas prováveis, obrigando o Inimigo a abandonar o material. 

É um militar capaz de missões arriscadas, tornando-se um bom elemento para os seus camaradas e merecendo a justa admiração dos seus superiores.


■ Soldado cozinheiro, nº 3715565 - MANUEL EUSÉBIO NASCIMENTO FERNANDES 
- Companhia de Caçadores nº 1439 - BII 19 - 4ª CLASSE 


Transcrição do Despacho publicado na ORDEM DO EXÉRCITO nº 5- 3ª série, de 1967.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, nos termos do artigo 12º do Regulamento da Medalha Militar, promulgado pelo Decreto nº 35 667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 30 de Dezembro de 1966: O Soldado nº 3715565, Manuel Eusébio Nascimento Fernandes, da Companhia de Caçadores 1439/Batalhão de Caçadores 1888 - Batalhão Independente de Infantaria nº 19.

Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS n.O39, de 29 de Setembro de 1966, do QG/CTIG):

Louvado o Soldado cozinheiro nº 3715565, Manuel Eusébio Nascimento Fernandes, da Companhia de Caçadores nº 1439, porque durante todas as operações feitas pela sua Companhia, tem sido sempre um elemento voluntário, cheio de espírito combativo e alinhado sempre nos grupos mais expostos durante as acções de fogo. 

Na operação "Golo 3", revelou coragem, valentia e sangue frio numa acção individual, investindo com desprezo da própria vida e debaixo de fogo, contra as posições do Inimigo, o qual se furtou ao combate e abandonou algum material.


■ 1º Cabo da Polícia Administrativa, nº 240/64 - SORI BALDÉ - Polícia Administrativa 
– CTIG - 4º CLASSE 



Transcrição do Despacho publicado na ORDEM DO EXÉRCITO nº 6 – 3ª série, de 1967.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, nos termos do artigo 12ª do Regulamento da Medalha Militar, promulgado pelo Decreto n? 35 667, de 28 de Maio de 1946,por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 23 de Janeiro de 1967: O 1º Cabo da Polícia Administrativa, nº 240/64, Sori Baldé - Companhia de Caçadores nº 1439/Batalhão de Caçadores nº 1888.

Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS n.o40, de 06 de Outubro de 1966, do QG/CTIG):

Louvado o 1º Cabo da Polícia Administrativa n? 240/64, Sori Baldé, porque, no dia 22Mai66, durante uma operação em que tomou parte a Companhia de Caçadores nº 1439, foi voluntário e embora com um pé ferido enfrentou o Inimigo com ardor e valentia. Desprezando o perigo, tornou-se alvo de admiração de todos quantos presenciaram a sua acção, invectivando o Inimigo com ditos guerreiros, acompanhados de fogo certeiro. Apesar do agravamento do seu ferimento não esmoreceu um instante mostrando-se sempre onde havia mais perigo. 

Este caso tornou-se notado e foi também objecto de elogiosas referências do médico. Demonstrou espírito de sacrifício, valentia e portuguesismo.



■ Caçador Nativo - QUEMÁ NANQUI - Civil 

- CTIG - 4ª CLASSE 

Transcrição do Despacho publicado na ORDEM DO EXÉRCITO nº 6 – 3ª série, de 1967.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, nos termos do artigo 12º do Regulamento da Medalha Militar, promulgado pelo Decreto nº 35 667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 23 de Janeiro de 1967: O Caçador Nativo, Quemá Nanqui, Companhia de Caçadores 1439 Comando Territorial Independente da Guiné.


Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS nº 40, de 06 de Outubro de 1966, do QG/CTIG):

Louvado o Caçador Nativo, Quemá Nanqui (Chefe da Tabanca de Enxalé), porque durante uma operação em que tomou parte a Companhia de Caçadores nº 1439, sempre voluntário em todas as operações desta zona, confirmou, mais uma vez, o seu valor incontestável. Sempre presente nos lugares mais expostos, desprezando o perigo durante o ataque, fazendo parte do grupo de assalto, temerariamente lançou-se contra as posições Inimigo, causando baixas, e actuando sempre debaixo de fogo. 

Confirmou as suas qualidades durante a reacção à emboscada, em que mais uma vez, desprezando a própria vida, alcançou as posições Inimigo debaixo de fogo. É um português e combatente dos melhores.

■ Caçador Nativo - QUEBÁ SONCO - Civil - CTIG - 4ª CLASSE 


Transcrição do Despacho publicado na ORDEM DO EXÉRCITO nº 6- 2ª série, de 1967.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, nos termos do artigo 12º do Regulamento da Medalha Militar, promulgado pelo Decreto nº 35 667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 23 de Janeiro de 1967: O Caçador Nativo, Quebá Sonco, Companhia de Caçadores 1439 - Comando Territorial Independente da Guiné.


Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS n.o40, de 06 de Outubro de 1966, do QG/CTIG):

Louvado o Caçador Nativo, Quebá Sonco, porque durante uma operação em que tomou parte a Companhia de Caçadores nº 1439, voluntário como sempre em todas as operações e filho do régulo de Cuor, elemento permanente nas horas de perigo de todas as Companhias que passaram por esta zona, mais uma vez confirmou a sua valentia, sendo o primeiro elemento a entrar no acampamento ln e causando-lhe a primeira baixa, o que desmoralizou sem dúvida o adversário, continuando a avançar sempre, alheio ao perigo iminente do fogo Inimigo. 

É um exemplo digno de ser imitado por todos os régulos da Guiné Portuguesa.


■ Soldado Telefonista nº 2652365 JÚLIO MARTINS PEREIRA 
- Companhia de Caçadores nº 1439- BII 19 – 4ª CLASSE 


Transcrição do Despacho publicado na ORDEM DO EXÉRCITO nº 11 – 3ª série, de 1967.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, nos termos do artigo 12?do Regulamento da Medalha Militar, promulgado pelo Decreto nº 35 667, de 28de Maio de 1946,por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 07 de Fevereiro de 1967: O Soldado nº 2652365, Júlio Martins Pereira, da Companhia de Caçadores nº 1439/Batalhão de Caçadores nº 1888- Batalhão Independente de Infantaria nº 19.

Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS nº 01, de 05 de Janeiro de 1967, do QG/CTIG):

Por seu despacho de 20Dez66, considerou como dado por si o louvor constante do artigo 3º da OS nº 181, de 29Nov66, do Batalhão de Caçadores nº 1888, que a seguir se transcreve: Louvo o Soldado Telefonista nº 2652365, Júlio Martins Pereira, da Companhia de Caçadores nº 1439, porque quando do rebentamento, sob um Unimog, de um engenho explosivo, na coluna em que se deslocava e em presença de tão grande catástrofe e das baixas que resultaram, se ofereceu voluntária e conscientemente para ir até à localidade mais próxima, apesar de serem cerca de 7 kms, para pedir evacuação para os feridos, o que fez sozinho e em corrida veloz. 

É de notar a abnegação e a coragem deste Soldado, que por dedicação aos seus camaradas e com perfeito conhecimento dos seus deveres, não se poupou a qualquer dificuldade e aos perigos que poderia encontrar nesse trajecto.



■ Soldado Condutor Auto nº 5406064 - ANTÓNIO DOS SANTOS CAMPOS 
– Companhia de Caçadores nº 1439 - BII 19 – 4ª CLASSE 



Transcrição do Despacho publicado na OE n.o12 - 3.a série, de 1967.

Agraciado com a Cruz de Guerra de 4ª classe, nos termos do artigo 12º do Regulamento da Medalha Militar, promulgado pelo Decreto nº 35 667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 05 de Abril de 1967: O Soldado n? 5406064, António dos Santos Campos, da Companhia de Caçadores nº 1439/Batalhão de Caçadores nº 1888 - Batalhão Independente de Infantaria n? 19.

Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS n.o 14, de 23 de Março de 1967, do QG/CTIG):

Louvado o Soldado Condutor Auto nº 5406064, António dos Santos Campos, da Companhia de Caçadores nº 1439, porque no ataque ln ao Destacamento de Missirá, quando viu que o lugar onde a sua viatura se encontrava abrigada estava a ser fortemente bombardeado e que a qualquer momento a viatura podia ser seriamente atingida, com o maior sangue frio e desprezo pelo perigo pôs a mesma a trabalhar e deslocou-a para lugar menos exposto. 

Este facto coincidiu com o abrandamento imediato do fogo Inimigo que se pôs em fuga antes das Nossas Tropas iniciarem a perseguição.


■ Alferes Miliciano Médico - FRANCISCO PINHO DA COSTA 
- Companhia de Caçadores nº 1439 - BII 19 – 3ª CLASSE 


Transcrição da Portaria publicada na OE n.o 11 - 2.a série, de 1967. Por Portaria de 09 de Maio de 1967:

Condecorado com a Cruz de Guerra de 3ª Classe, ao abrigo dos artigos 9º e 10º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, o Alferes Miliciano Médico, Francisco Pinho da Costa, da Companhia de Caçadores nº 1439/Batalhão de Caçadores nº 1888 - Regimento de Infantaria nº 1.


Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS n.o39, de 29 de Setembro de 1966, do QG/CTIG):

Louvado o Alferes Miliciano Médico, Francisco Pinho da Costa, do Batalhão de Caçadores nº 1888, prestando serviço na Companhia de Caçadores nº 1439, porque no dia 21Ag066, fazendo parte de uma coluna que seguia para Porto Gole, a fim de prestar assistência da sua especialidade à guarnição daquele Destacamento, apesar de ferido com gravidade por um engenho explosivo Inimigo que a viatura em que era transportado accionou, não deu a conhecer o seu estado, tratando os feridos no local do rebentamento e sob o fogo da emboscada Inimigo, revelando uma extraordinária coragem, sangue frio, desprezo pelo perigo e muita serenidade, só pedindo a sua evacuação após se ter certificado que estava cumprida a sua missão. 

O Alferes Miliciano Médico, Pinho da Costa, com a sua atitude deu um nobre exemplo de carácter, de abnegação e de elevada coragem, demonstrando possuir, no mais elevado grau, espírito de sacrifício e todas as virtudes militares que o distinguem como médico e militar.


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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de abril de  2019 > Guiné 61/74 - P19694: Consultório militar do José Martins (43): As Últimas Campanhas na África Portuguesa (1961-1974): De Dados Oficiais a Dados Oficiosos (Parte III)

terça-feira, 13 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20056: Manuscrito(s) (Luís Graça) (160): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte II - De 11 a 20 de 100 pictogramas)

Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde [em 100 pictogramas]


Texto (inédito): © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados.

(Continuação)



1. Domingo à tarde… Sempre detestaste os domingos à tarde: ou chovia ou fazia vento e um cão uivava na vinha vindimada do Senhor. Nada acontecia, no domingo à tarde, e até o tempo parava no relógio, sonolento, da torre da igreja da tua aldeia.[...](*)


11. Claro, havia a Semana Santa, a Páscoa, a ressurreição da carne, o supremo heroísmo de alguém que, depois do Natal, lá para março ou abril, iria morrer para te salvar. 


Morte anunciada, a de Jesus Cristo, o menino Jesus, o filho de Deus feito Homem, repetia, com candura, a tua catequista, que era linda de morrer, e tinha o mais belo sorriso do mundo, cabelos louros e olhos azuis, e o peito mais generoso das raparigas da tua aldeia, com a alvura da "Branca de Neve", um peito cintilante, com a castidade a transbordar pelas rendas de bilros, e por quem terás tido a tua primeira paixão, assolapada, paixão de um púbere, e que só podia ser de pura ternura, assexuada.



Lourinhã, c. 1950/60: traseiras da escola Conde Ferreira, para rapazes (à direita) e raparigas (à esquerda). Edifício infelizmente demolido pelo camartelo camarário, "em nome do progresso"... 

Em segundo plano, a igreja matriz da Lourinhã (séc. XVII) e a sua torrre sineira. Fazia parte do convento de Santo Anónio (fundado em finais do séc-XVI). Em primeiro plano, junto ao muro do recreio da ecola das raparigas, o urinol público... 

Foto: cortesia de Lourinhã Noutros Tempos,página do Facebook editada pela ADL Lourinhã - Associação de Desenvolvimento Local da Lourinhã




Castidade: ora cá está uma palavra que hás de pôr cedo no teu dicionário de menino. Tinhas de ser casto para fazer a tua primeira comunhão e mais tarde o crisma e receber os sete dons do Espírito Santo. Mas era difícil de explicar e perceber o que era isso de pecar por pensamentos, palavras e obras. O "Frasco do Veneno", que era teu primo, mentor e guarda-costas, sabia explicar isso, exemplificando, muito melhor que a tua catequista, a "Branca de Neve", ou  s senhora professora da 3ª classe.

12. Havia tudo isso, e não muito mais do que isso, nem sequer sabias o que era o desejo nem que o desejo era pecado, muito menos o que era o pecado, e muito menos ainda sabias operar a distinção, teológica, primordial, entre o pecado mortal e o venial, de que poderia depender a tua vida, eterna, ámen!

13. Havia, ao fim e ao cabo, tudo o que o calendário litúrgico ditava, o mesmo era dizer, no fundo, tudo o que a ordem natural das coisas te impunha, mais os cânones da santa madre igreja, católica, apostólica, romana, e as leis dos homens, desde o princípio do mundo, a ti e aos teus, aos da tua rua, aos da tua laia, da tua escola, da tua classe.

Desde o princípio do mundo, ou seja, não mais do que há cinco mil anos… Mas eras lá tu capaz de saber há quanto tempo Deus criara o mundo e o paraíso terrestre e as avezinhas do céu e os peixinhos do mar e os animais de quatro patas e os nossos pais Adão e Eva, e a maçã, e a árvore da sabedoria, e as hormonas do pecado, e os dez mandamentos!... Sabias lá tu o que eram as hormonas, mas que já as sentias, sentias!...

Cinco mil anos eram muitos números, era muita aritmética, para um menino só, mesmo para um menino aplicado como tu,  que sabia a tabuada, de cor e salteado, e repetia-a na ponta da língua, como o papagaio: "um vez um, um; dois vezes dois, quatro; três vezes três, nove; quatro vezes quatro, dezasseis"… e por aí fora até cem, que era dez vezes dez, os dez mandamentos e os cem castigos. 


Sabias tudo na ponta da língua, contar até cem, recitar os dez mandamentos, enumerar as catorze obras de misericórdia segundo são Mateus… Ah!, e os versos do Augusto Gil, batem leve, levemente como quem chama por mim [1]

14. Há dois mil anos, pobre de ti, condenado, ou ainda muito antes de ti, inocente, quando Jesus Cristo nascera e morrera para te salvar, e, com isso, sem seres tido nem achado, havias contraído uma gigantesca dívida, que terias de saldar, em vida, sob pena da danação eterna. "Mistérios", dizia-te a "Branca de Neve". "Mistérios": cá está outra palavra, ou palavrão,  que vais pôr no teu dicionário de menino.

15. Pobre de ti, minúscula criatura, obra sublime do Criador, podias lá tu entender, nas aulas da catequese da "Branca de Neve" e dos "Sete Anões", os estranhos desígnios de Deus Pai!... 

Mas Deus era Deus, e para mais Pai, e tinha um pau da lixa, que fazia doer o rabo, para te lembrar que quem dava o pão, dava também a boa educação, a disciplina e a santa religião. Ele só perdia a cabeça quando os calotes dos fregueses se acumulavam e não havia dinheiro em caixa para pagar ao viajante, o fornecedor de solas e cabedais, e aos empregados que à segunda feira não trabalhavam. Era o domingo dos sapateiros.

Um Deus Pai que era sapateiro e exímio jogador de damas, e sobretudo o teu herói, e te levava de motorizada a ver os jogos da bola nas aldeias vizinhas.


Lourinhã: princípios
dos anos 50. O poeta,
aos 3 anos, com a mana
(a mais velha de três).
Foto: © Luís Graça (2005)
Recordar-te-á, mais tarde, com enlevo, que quando nasceste tinhas uma cabeça grande, e só poderias vir a ser padre ou doutor. Falava em verso para os graúdos, que lhe achavam graça. A tua mãe, nem por isso, não lhe achava assim tanta graça, quando ele se punha a falar em verso.

16. Quando eras menino e moço, e inconscientemente feliz, e ainda vivias na casa dos teus pais, porque não podia haver ninguém conscientemente feliz, naquele tempo, no pós-guerra, a não ser talvez o Santo Padre, que estava em Roma, e que era o representante de Cristo na terra. Além da tua avó materna, Patrocínio (, Patxina, corruptela do seu nome, já que ninguém era capaz, na tua aldeia, de dizer palavras com mais de três sílabas). Na aldeia, era a Ti Patxina, ficará cega, mas sempre com o sorriso mais lindo de menina.

17. Sim, tu eras, inconscientemente, feliz, uma pobre alma sensível, que acreditava nos contos de fadas, princesas e mouras encantadas, potes de libras escondidos debaixo de terra, túneis secretos, tesouros de ouro do cu do besouro, gnomos e fadas, duendes e bruxas, lobisomens e vampiros, alminhas e almas penadas, anjinhos, amuletos, ferraduras, espanta-espíritos, santinhos e santinhas, diabos e diabretes, corujas, cavaleiros andantes, e sobretudo nas vozes dos espíritos a cochichar, por detrás das portas e armários dos casarões da tua aldeia… 


Que tremenda deceção a tua quando, mais tarde, já na idade da razão, as tuas primas te explicaram que era apenas... o bicho-carpinteiro a trabalhar!

Não, ainda não havia dinossauros nem a tua imaginação chegava a tanto! Havia só dragões a vomitar fogo. E o São Jorge, a cavalo, que os fulminava com a sua espada de aço.

18. Havia as festas, pois claro, do povo ou para o povo, mas primeiro estavam as santas obrigações e só depois é que vinham a brincadeira e as profanas devoções: primeiro as missas, o terço, as novenas, as procissões, a procissão do Domingo de Ramos e a procissão do Senhor Morto, tão morto como qualquer mortal, as opas roxas como no tempo da Santa Inquisição, as matracas que nos enchiam de terror divino, aos putos e aos crescidos, a bolsa lacrimal dos anjinhos, tão papudinhos, as c’roas de espinhos que pareciam ser mesmo a sério, cravados no coro cabeludo dos meninos e meninas...

Não sabias por que é que o pobre do Jesus Cristo tinha que morrer todos os anos, para depois ressuscitar ao terceiro dia. Nunca ninguém te explicou o mistério da vida, por que é que a vida era circadiana, um eterno retorno, e a seguir a um dia vinha outro dia, e a seguir à vida vinha a doença e a morte, o juízo final e o inferno ou o paraíso para sempre, ámen!...E ainda havia o purgatório, explicava-te a "Branca de Neve": o sítio onde se purificavam as almas antes de poderem entrar no paraíso.

19. E à frente do andor com o Senhor Morto, lá vinha a Madalena, mulher pública, púdica, arrependida, e depois santa, e a seguir a Mater Dolorosa, vestida com um manto roxo e com uma espada espetada no coração, que horror!, e o pálio com os padres, o vigário e os pregadores, o provedor e os restantes  irmãos da misericórdia, e todo os demais senhores  da tua aldeia, com caras patibulares, e, atrás o povo, nós e as nossas mães, e as lágrimas das nossas santas mães, as únicas lágrimas do mundo que eram doces e quentes, e verdadeiras, e verdadeiramente castas e santas. 


E só mais atrás é que vinham os pais dos meninos da tua rua, com os chapéus, bonés e barretes, na mão, as mãos calejadas do trabalho, e por fim o "Brutamontes", com uma chibata, a fechar o cortejo e a cantarolar.

O diabo em pessoa, esse tal de "Brutamontes". Mas a vida corria-lhe bem, por isso é que andava sempre a assobiar e a cantarolar.

20. Havia o ouro, o incenso e a mirra, os três reis magos, mais os seus camelos, e um deles era o pretinho da Guiné (, sabias lá tu onde era a terra dele!), havia o presépio, havia a água benta.

Ah!, o incenso, ligeiramente enjoativo das missas, e a pregação do pregador franciscano na Quaresma, que nunca mais acabava, e o povo a bocejar de tédio, e a fazer as contas à décima a pagar nas finanças, e à côngrua para o senhor padre vigário, e ao sulfato para sulfatar a vinha do Senhor…

Ah!, e a seca do terço mariano no mês de maio (que te perdoe a Nossa Senhora de Fátima, por invocares o seu nome em vão!)... Havia novenas na rua dos Valadas, com a santinha num nicho de madeira, a andar de casa em casa…

Havia, enfim, o sagrado e o pagão, a lavoura, os lavores, masculinos e femininos, o solstício do inverno e o solstício do verão, e tudo a isto, ou só a isto, se resumia o acanhado palco do teatro da vida que te coubera em sorte. Sorte pequena, nunca te calhou a grande. A grande só poderia ser o céu, no fim da vida, se até então vivesses na graça de Deus. 


E era a tua mãe quem,  numa velha máquina de costura, te fazia os lençóis, os lenços, as camisas e as cuecas e o resto da roupa, incluindo a domingueira, a de ir à missa. 

(Continua)
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[1] Balada da Neve, poema de Augusto Gil (1873-1929). No Livro de Leitura da 3ª classe(4ª edição, Porto Editora, 1958, p. 173, reimpressão, 2008)), o poema era amputado da segunda (e última parte)... E não era por acaso...


(...) Fico olhando esses sinais 
da pobre gente que avança, 
e noto, por entre os mais, 
os traços miniaturais 
duns pezitos de criança...

E descalcinhos, doridos... 
a neve deixa inda vê-los, 
primeiro, bem definidos, 
depois, em sulcos compridos, 
porque não podia erguê-los!...

Que quem já é pecador 
sofra tormentos, enfim! 
Mas as crianças, Senhor, 
porque lhes dais tanta dor?!... 
Porque padecem assim?!...

E uma infinita tristeza, 
uma funda turbação 
entra em mim, fica em mim presa. 
Cai neve na Natureza 
– e cai no meu coração.


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segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20055: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XXVII: Estêvão Ferreira Carvalho, alf cav (Ermesinde, 1946 - Angola, 1968)








1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos 47 Oficiais, oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar que morreram em combate no período 1961-1975, na guerra do ultramar ou guerra colonial (em África e na Ásia). (*)

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva [, foto atual à direita], instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972.

Morais da Silva foi cadete-aluno nº 45/63, do corpo de alunos da Academia Militar. É membro da nossa Tabanca Grande, com o nº 784, desde 7 do corrente.

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 7 de agosto de  2019 > Guiné 61/74 - P20040: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XXVI: Augusto Manuel Casimiro Gamboa, alf inf (S. Tomé e Príncipe, 1944 - Guiné, 1967)

Guiné 61/74 - P20054: Notas de leitura (1208): “Guiné-Bissau, das Contradições Políticas aos Desafios do Futuro”, por Luís Barbosa Vicente, Chiado Editora, 2016 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Dezembro de 2016:

Queridos amigos,
Não se pode ficar insensível à natureza das análises que Luís Barbosa Vicente faz ao seu país, é corajoso ao pôr em cima da mesa os custos da política sem regras, as intrigas institucionais, a falta de solidariedade entre os órgãos de soberania e o tremendo impasse político em que vive a Guiné-Bissau. Aponta remédios, socorre-se da sua profissão de gestor de projetos e de formador e consultor para sugerir uma reforma da Administração Pública que dê segurança e competência aos quadros e administrativos, dignidade para que a Função Pública e a vida das autarquias ganhe vivacidade; por outro lado aponta novos caminhos para a participação pública.
Observações rigorosas, contundentes, de um guineense que vive em Rio Maior, sem descurar a sua pátria.

Um abraço do
Mário


Olhares sobre a Guiné-Bissau depois das eleições de 2014, até hoje (2)

Beja Santos

A obra intitula-se “Guiné-Bissau, das Contradições Políticas aos Desafios do Futuro”, por Luís Barbosa Vicente, Chiado Editora, 2016. O autor é guineense e desenvolve ampla atividade como gestor de projetos e desenvolvimento e, igualmente, como formador e consultor da União Europeia.

No texto anterior, deu-se conta da sua análise sobre as profundas contradições existentes ao nível das instituições de soberania guineenses, e como é que elas têm sido marcantes depois das eleições de 2014, até à atualidade.

Luís Vicente entende que todos estes desencontros permanentes em que a Guiné-Bissau incorre também derivam do abandono do legado político do PAIGC, e que foi a alavanca da luta pela independência. E explana o tema da unidade, as propostas programáticas de Cabral, a dinâmica da organização política e a vontade de mobilização interna para progredir para o desenvolvimento e para novas patamares da civilização e da cultura dos homens livres, pós-colonialismo.

O autor atribui uma enorme importância a um desligamento entre a entidade política que é o PAIGC com os grupos constituintes da sociedade civil, é como se a entidade política vivesse num circuito fechado, em que cada um militante aspira a uma fatia maior para a consumação dos seus interesses.

E assim se retoma a questão da unidade. Quando o autor regressou á Guiné depois das eleições de 2014, sentiu que os seus interlocutores tinham uma preocupação comum: unidade, coesão e urgência no estabelecimento das prioridades para o arranque do país, bem como com a reorganização do aparelho de Estado. Seguidamente, analisa os constrangimentos e desafios que se põem à Administração Pública e lembra que todo o enviesamento procede do período subsequente à independência da Guiné-Bissau.

Um membro do PAIGC, logo a seguir a Outubro de 1974, deu conta da relativa indiferença por parte dos membros do governo quanto à necessidade de estabelecer procedimentos administrativos para uso da máquina do Estado. Naquele primeiro governo de Luís Cabral nada estava escrito sobre a sua estrutura e muito menos quanto aos titulares dos seus diferentes órgãos. Sabia-se apenas quem estava em determinado cargo, o resto era mistério. Extrapolando para os dias de hoje, observa o autor: “A maior parte dos serviços funcionam por autorrecriação dos seus dirigentes, funcionários e técnicos, sem quaisquer normas de procedimentos administrativas e de controlo previamente definidos, daí existirem falhas de comunicação entre as administração do mesmo serviço público e serviços diferentes incluindo a relação entre o cidadão, o Estado e a Administração Pública”. Em cada governo, quem chega altera a sua maneira a estrutura do cargo que vai desempenhar, seja assessor-conselheiro, diretor de gabinete. Vive-se a instabilidade crónica.

Todas as críticas dos cidadãos ao funcionamento da Administração acabam por ter fundamento: a justiça continuar a funcionar mal, não garante ao indivíduo o seu papel de defensor da causa pública; existem funcionários públicos a mais e sem qualificação, isto num estado que consome mais de metade da riqueza nacional com os encargos com a Administração Pública. E finaliza o autor: “Não existe um diploma que regule de forma global, sistemática e coerente, o modo de proceder da Administração Pública perante os particulares, o que se traduz na vigência de ambiguidades que prejudicam os particulares e põem em causa um bom e regular funcionamento da Administração”. Ele defende um plano de modernização administrativa e governação eletrónica da Guiné-Bissau e explana abundantemente sobre o modelo, dando como exemplo o que fez no quadro da cooperação entre o município do Rio Maior e a Câmara Municipal de Bissau – é nos termos de uma experiência uma matéria digna da maior intenção dos quadros políticos guineenses.

Por fim, o autor faz propostas para o novo paradigma do desenvolvimento assente nos pilares da ética, da responsabilização dos agentes públicos, na valorização da diplomacia económica e numa nova dinâmica da cooperação, detalhando as potencialidades do setor mineiro na Guiné-Bissau.

Olha-se para este ensaio como uma indesmentível prova de boa vontade de um guineense que pretende ver a Guiné-Bissau trilhar caminhos mais largos na boa governação, no exercício da cidadania, na ética política e na valorização dos mercados, em nome de uma riqueza melhor distribuída.
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Notas do editor

Poste anterior de 5 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20036: Notas de leitura (1206): “Guiné-Bissau, das Contradições Políticas aos Desafios do Futuro”, por Luís Barbosa Vicente, Chiado Editora, 2016 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 9 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20046: Notas de leitura (1207): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (18) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20053: Dignidade e Ignomínia (Episódios do Meu Serviço Militar) (Fernando de Sousa Ribeiro, CCAÇ 3535, Angola, 1972/74) - Parte II: O meu curso de oficiais milicianos (pp. 17-26)


Encosta sudeste da serra de Montejunto, que subi desde o sopé até ao cume nas circunstâncias descritas no texto.


Fotos (e legendas) : © Fernando de Sousa Ribeiro (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Fernando de Sousa Ribeiro:

(i) ex-alf mil at inf, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880 ( Zemba e Ponte do Zádi, Angola, 1972/74);

(ii) é membro da Tabanca Grande desde 11 de novembro de 2018, com o nº 780;

 (iii) licenciado em Engenharia Electrotécnica pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto;

(iv) está reformado;

(v) vive no Porto;

(vi) também gosta de Lisboa onde viveu e trabalhou;

(vii) tem página no Facebook.

(viii) a CCAÇ 3535 foi mobilizada pelo RI 16, partiu para Angola em 13/6/1972 e regressou em 28/8/1974. Esteve em Zemba, P. R. Zádi. Comandantes: cap mil inf José Manuel de Morais Lamas Mendonça e Silva, e cap mil inf José António Pouille Nobre Antunes. Pertencia ao BCAÇ 3880, sediado em Zemba e Maquela e comandado pelo ten cor inf Armando Duarte de Azevedo. As outras duas subunidades eram a CCAÇ 3536 (Cambamba, Fazenda Costa) e a CCAÇ 3537 (Mucondo, Béu).




Dignidade e Ignomínia (Episódios do Meu Serviço Militar)(*)

por Fernando de Sousa Ribeiro

(Continuação, pp. 17-26)


A semana de campo teve lugar na região envolvente da serra de Montejunto e incluía uma subida ao alto da serra no último dia. A cada dia da semana de campo, o alferes nomeava um soldado-cadete diferente para "comandar" o pelotão, isto é, para treinar o comando de um pelotão sob a supervisão dele. 

No primeiro dia, o alferes disse: «Hoje, quem vai "comandar" o pelotão vai ser o sr. Fulano» (não era eu). No segundo dia: «Hoje, quem vai "comandar" o pelotão vai ser o sr. Sicrano» (também
não era eu). No terceiro dia: «Hoje, quem vai "comandar" o pelotão vai ser o sr. Beltrano» (continuava a não ser eu). E assim sucessivamente, até que chegou o sétimo e último dia e o alferes disse: «Hoje, quem vai "comandar" o pelotão vai ser o sr. Ribeiro». Tinha chegado a minha vez. Esperei o pior.

Anunciava-se um dia extraordinariamente quente, como se veio a confrmar. «Até o S. Pedro está contra mim», pensei. Mas a manhã passou-se sem novidades de maior. Eu, pelo menos, não me lembro de ter acontecido algo de especial. À tarde, pelo contrário, o caso mudou completamente de fgura.

Depois de termos almoçado (ração de combate, é claro), dirigimo-nos para a encosta sudeste da serra de Montejunto, a fim de subi-la a corta-mato até ao cimo. Tínhamos que vencer um desnível de 600 metros na vertical, às duas horas da tarde, quando o calor era mais forte e o sol, bem alto no céu, era mais escaldante. Encharcados de suor, a ponto de termos as fardas molhadas e coladas ao corpo difcultando os movimentos, e bebendo sofregamente a água que levávamos nos cantis até ela se
esgotar, subimos penosamente a serra, passo a passo, quase fazendo alpinismo. 

A meio da subida, ouviu-se uma voz:
— Meu alferes, não aguento mais! Não sou capaz de subir mais. Estou completamente esgotado!

Era um soldado-cadete açoriano que pesava mais de 90 quilos que tinha falado, quase a desfalecer. Depois de ter incitado o soldado-cadete a continuar a subida, sem resultado, o Lourenço virou-se para mim e ordenou-me:
— Sr. Ribeiro, ajude o seu camarada! O sr. Ribeiro é que é o "comandante" do pelotão e um comandante não pode deixar nenhum homem para trás. Vamos! Do que é que está à espera?! Não podemos ficar aqui parados!

Tirei a arma e a mochila ao açoriano e, quando me preparava para entregá-las a outros soldados-cadetes para as levarem, o alferes interveio:
— Não, não! O sr. Ribeiro é que vai levar a arma e a mochila e vai ajudar o seu camarada a subir!

Fiz então um dos maiores esforços de toda a minha vida. Só em Angola, durante as operações em Zemba, é que fiz esforços equivalentes. Com duas armas ao ombro e duas mochilas às costas, reboquei literalmente o gordo açoriano pela encosta acima, debaixo do sol implacável daquele dia escaldante de verão. Eu, que não tinha sequer cinquenta quilos de peso, transportei pelo Montejunto acima um peso que era duplo do meu próprio. Eu via tudo vermelho e sentia tudo a andar à roda. O ar escaldante que eu inspirava às golfadas pela boca aberta parecia não ser suficiente para me encher os pulmões. O meu coração batia a um ritmo alucinante. A boca, completamente seca por já ter bebido a água toda que havia no cantil, sabia-me a papel de música. Pensei: «Se eu não morrer agora, nunca mais morro; sou eterno». 

E continuava a subir, mecanicamente, pondo um pé à frente do outro, sem ver nada, a não ser vermelho, e sem sentir nada, a não ser o peso do camarada açoriano e das mochilas e das armas que eu trazia. No preciso momento em que esgotei todas as minhas forças e me senti desfalecer, com os joelhos a dobrar-se, alguém me disse:
— Já chegamos ao cimo. Não precisas de puxar mais.

Foi então que reparei que já não sentia o peso do açoriano, que me tinha largado a mão. Parei. Voltei a ver. Recuperei a consciência de onde estava e do que fazia, isto é, recuperei totalmente os sentidos. Eu tinha acabado de atingir o limite mais extremo das minhas forças. Mas tinha conseguido! Estava no alto da serra, onde uma brisa fresca me reanimava. Se o Lourenço esperava vergar-me e obrigar-me a pedir-lhe perdão, enganou-se. Não cedi, não dobrei, não fraquejei. Mantive o meu orgulho
intacto.

Entreguei a arma e a mochila ao açoriano, que já podia deslocar-se pelos seus próprios meios, pois agora iríamos seguir por um caminho horizontal, e o Lourenço conduziu o pelotão para o interior de um pinhal, que havia um pouco mais para diante e para baixo. Mal chegámos ao pinhal, atirámo-nos logo todos para o chão, ompletamente esbaforidos. Gritou-me o alferes:
— O sr. Ribeiro não pode descansar! O sr. Ribeiro tem muito que fazer! O sr. Ribeiro vai encher os cantis dos seus camaradas numa fonte que há lá adiante, ao pé dos radares da Força Aérea. E vai a pé! Vai e vem as vezes que forem necessárias até que todos os seus camaradas tenham os cantis cheios.

A fonte fcava a cerca de 500 metros do local em que nos encontrávamos. Estava eu a recolher os primeiros cantis dos meus camaradas, para os levar à fonte, quando chegou a minha salvação, sob a forma de um major ao volante de um jipe.

Era o comandante do batalhão de instrução que chegava. Depois de ter trocado algumas palavras em voz baixa com o alferes, o major perguntou a este o que é que eu estava a fazer. O alferes disse-lhe que eu estava a recolher os cantis do pelotão para ir enchê-los à fonte.
— E vai a pé?! — perguntou o major.
— Claro — respondeu o alferes. — Vai as vezes que forem necessárias.
— Não vai nada a pé — retorquiu o major. — Vai comigo no jipe.

Virando-se para mim, disse o major:
— Nosso cadete, recolha os cantis todos e ponha-os aqui no jipe. Vamos à fonte num instante encher isso tudo.

Depois de eu ter colocado os cantis no jipe, o major mandou-me subir para a viatura e fui com ele encher os cantis na fonte. Finalmente pude descansar um bocadinho, sentado no jipe! E que bem me soube a água da fonte, tão fresca e tão saborosa!

Quando acabamos de encher os cantis, o major disse-me:
— Esta madrugada, o pessoal todo vai fazer um "golpe-de-mão", para concluir a semana de campo, e você é que vai comandá-lo.
— Eu?!!! — exclamei, espantado.
— Sim, você — confrmou o major. — O nosso alferes Lourenço propôs-me o seu nome e eu aceitei. Para mim, é completamente indiferente. Tanto me faz que seja você ou outro qualquer.

E acrescentou:
— Mas primeiro vamos levar os cantis. Depois tratamos do "golpe-de-mão".

Entregues os cantis aos seus donos, o major e eu fomos no jipe até ao local previsto para o "golpe-de-mão". À chegada, estavam à nossa espera os comandantes das duas companhias de instrução do 2.º ciclo do COM (a 2.ª e a 4.ª companhias), mais um ou dois oficiais que me eram desconhecidos e de cujos postos já não me lembro.

Diante de nós estava uma aldeia abandonada, situada num recôncavo da serra que era muito grosseiramente circular. Disse-me o major:
— Esta madrugada vamos fazer um "golpe-de-mão" a esta aldeia. Dentro dela vão estar alguns soldados da EPI [Escola Prática de Infantaria], que irão fazer de inimigo. Você vai ter à sua disposição oito pelotões, quatro de cada companhia, que irão desencadear o "golpe-de-mão". Você vai ter que reservar um pelotão para fazer o "assalto" ao objetivo, mais um pelotão que deverá fazer a "proteção" à retaguarda. Os outros seis pelotões farão o que você melhor entender. Você é que vai determinar que papel é que eles irão desempenhar. Fica ao seu critério.

Apontando para a aldeia e zona envolvente, o major acrescentou:
— O cenário em que tudo se vai desenrolar é este. Agora você vai decidir que dispositivo é que quer montar para a "operação".

Armado em Napoleão seguido pelos seus ajudantes de campo, avancei para o alto de um monte, dos vários que envolviam a aldeia, a fm de observar melhor o terreno. Como eu disse, a aldeia fcava num recôncavo vagamente circular, o qual estava rodeado por algumas cristas de montes pouco elevados. Os montes eram pouco elevados mas, mesmo assim, dominavam o recôncavo e cercavam-no. Entre dois desses montes havia uma espécie de vale, por onde passava a estrada que conduzia à aldeia.

Disse eu ao major:
— Eu proponho que se faça um cerco à aldeia.
— Porquê? — perguntou o major.
— Porque o terreno é favorável a um cerco e assim apanhamos o inimigo todo dentro do objetivo, sem lhe dar hipótese de escapar — respondi.
— Muito bem. — disse o major — Faz-se então um cerco.

E perguntou:
— Concretamente, onde é que vão ser colocadas as nossas forças e a partir de onde é que vai ser desencadeado o "assalto"?

Eu pensei em voz alta:
— O "assalto" deverá ser tão rápido quanto possível, para apanhar o inimigo de surpresa.

E decidi:
— Acho que vou lançá-lo a partir daquele vale, por onde passa a estrada. Ali, praticamente não há obstáculos à progressão das nossas tropas, que assim poderão entrar no objetivo e "apoderar-se" dele rapidamente, sem dar tempo ao "inimigo" para reagir.
— Muito bem, sim senhor! É isso mesmo. — comentou o major com evidente satisfação. — Então é ali que o grupo de "assalto" vai fcar. E quem é que vai desencadear o "assalto"?

Respondi:
— Proponho que seja o pelotão do CCC.

O pelotão do CCC  (Curso de Comandantes de Companhia) era o pelotão dos futuros capitães milicianos, onde estava o Antunes [, futuro cap mil inf José António Pouille Nobre Antunes, o último comandante da CCAÇ 3535].
— Há alguma razão especial para ser esse pelotão a fazer o "assalto" e não outro? — perguntou-me o major.

 Respondi:
— Há, sim, senhor. Como eles vão ser comandantes de companhia, e nessa qualidade vão ter responsabilidades acrescidas no futuro, precisam de ter uma preparação mais cuidada e, portanto, deverão desempenhar o papel mais importante nesta "operação".
— Muito bem, sim, senhor! É isso mesmo! — exclamou o major. — E quem é que vai
fazer a "proteção" à retaguarda?
— A "proteção" à retaguarda poderá ser feita pelo pelotão menos operacional, pois em princípio não deverá intervir no "golpe-de-mão". Proponho que seja o quarto pelotão da 4.ª Companhia.

O quarto pelotão da 4.ª Companhia era composto por soldados-cadetes que estavam destinados a ter diversas especialidades não operacionais ou pouco operacionais.
— Sim, senhor. Muito bem. E onde é que os vai colocar?

Aqui eu hesitei. Pensei em espalhar o pelotão pelas cristas dos montes, mas virado para fora. Reparei no entanto que não fazia muito sentido fazê-lo pois, se eventuais "reforços" "inimigos" vindos do exterior "atacassem" algum dos montes pela retaguarda, estariam em desvantagem logo à partida, pois estariam a "atacar" de baixo para cima. Certamente não fariam tal. O que fariam com certeza, seria "atacar" pelo ponto mais vulnerável, que era o vale por onde passava a estrada de acesso à aldeia e onde eu tinha colocado o pelotão de "assalto".

Disse isto mesmo ao major, acrescentando que colocaria o pelotão de "proteção" virado para fora e protegendo as costas do pelotão de "assalto". Assim este poderia concentrar-se na sua tarefa sem se preocupar com o que lhe viesse por trás.
— Exatamente! — exclamou o major com entusiasmo. — É isso mesmo! Muito bem! Sim, senhor!

A seguir, o major mandou-me indicar-lhe o que eu faria com os restantes pelotões. Respondi que faria com eles um cerco ao "objetivo", colocando «um pelotão neste monte, outro naquele, outro naquele monte acolá», etc.
— Há alguma razão específica para você colocar os pelotões nessas posições e não noutras? — perguntou-me o major.

Respondi:
— Eu tenho que ter o cuidado de evitar que fquem dois pelotões frente a frente, em posições diametralmente opostas relativamente ao "objetivo", para que não se alvejem mutuamente. Tenho que os distribuir de forma desencontrada. Cada pelotão não pode ter outro do lado de lá. Por isso os coloco nestas posições.

O major, ainda mais entusiasmado, repetiu:
— Muito bem! É isso mesmo! É preciso minimizar as baixas causadas pelo fogo "amigo"! Muito bem! Agora diga-me que pelotões é que vai colocar nessas posições.

Respondi-lhe que podia colocar «o pelotão de minas e armadilhas aqui, o das transmissões ali, o primeiro pelotão da 2.ª Companhia acolá, o segundo pelotão mais para o outro lado», etc.
— Está bem. Fica então assim — concordou o major. — Está definido o dispositivo para o "golpe de mão". Agora vou mandar chamar os cadetes que vão "comandar" cada um dos pelotões, para você lhes dar as instruções correspondentes aos lugares e tarefas que irão desempenhar. Eles precisam de saber onde é que vão estar e o que é que vão fazer.

Ao fim de algum tempo, os "comandantes" dos vários pelotões juntaram-se-nos e eu indiquei a cada um deles a posição que iria ocupar e o papel que teria que desempenhar no "golpe de mão". Quando acabei de dar as instruções, o major disse-nos:
— Agora vamos tratar das transmissões.

Mandou que nos entregassem rádios AVP-1, a cada um dos "comandantes" de pelotão e a mim próprio, e no fim disse-me:
— Agora você vai escolher os canais de rádio que vai utilizar. Vai escolher um canal principal e um de reserva. Pode escolher como quiser. Cada canal é tão bom como qualquer outro; isso é completamente indiferente. A seguir, vai escolher os nomes de código que vai corresponder a cada pelotão, para quando os chamar pelo rádio. Isso fica também ao seu critério. Quaisquer nomes são bons.

Eu lá indiquei uns canais escolhidos à sorte e também os nomes, do género Águia 1, Águia 2, Águia 3, etc.
— Pronto — concluiu o major. — Já está tudo decidido. Mas antes de se irem embora, quero dizer-lhes que o "golpe de mão" vai ter lugar às cinco horas da madrugada em ponto. À meia-noite, quero que comecem a ocupar já os seus lugares. Aqui o nosso cadete [eu próprio] vai estar aqui à espera, para orientar os pelotões no que for preciso. De hora a hora, o nosso cadete [outra vez eu] vai entrar em contacto com cada um dos pelotões pelo rádio, para saber se está tudo bem e pronto a entrar em
ação. Às cinco horas em ponto, ele dará a ordem de fogo e o "golpe de mão" será executado.

Procedeu-se tudo como o major determinou. Estava uma noite fantástica. Depois de um dia escaldante, a noite estava morna, mesmo apetecível para se estar ao ar livre. Uma maravilha. Nem quero imaginar como seria estar parado durante umas horas no meio daquela serra, numa noite fria de inverno e com chuva ainda por cima…

Às cinco horas em ponto, assim que dei a ordem de fogo pelo rádio, desencadeou-se um estrondo tão grande, com perto de duas centenas de G3 a disparar todas ao mesmo tempo no meio do silêncio da noite, que apanhei um valentíssimo susto. Mesmo estando à espera dos disparos, não imaginava que o barulho pudesse ser tão grande. Devemos ter acordado toda a gente num raio de 100 km ou mais… Parecia que a serra vinha abaixo.

Terminado todo aquele estardalhaço, o major veio ter comigo dar-me os parabéns, porque, disse ele, «a operação foi um êxito completo. Apanhamos o inimigo todo dentro do objetivo e capturamos x espingardas, y metralhadoras e z morteiros». E disse isto com tanta convicção, que quem o ouvisse julgaria que tinha sido a sério! Os oficiais de carreira muito gostam de manobras militares! Eles pelam-se por estas coboiadas.

E assim acabou o 2.º ciclo do Curso de Ofciais Milicianos atiradores de Infantaria da minha incorporação. Regressamos a Mafra para dormirmos e a seguir fomos para nossas casas, não sem antes nos terem dito que no dia tal deveríamos estar de volta, para sabermos as nossas notas finais, qual o teatro de guerra para onde iríamos ser mobilizados, qual a unidade em que seríamos colocados e para nos serem impostas as novas divisas de aspirantes.

Quando regressei a Mafra no dia marcado e olhei para a pauta onde as notas estavam afixadas, nem queria acreditar na nota que me tinha sido atribuída: treze valores vírgula zero zero. Era a nota máxima! A nota 13 era o limite que separava os simples oficiais atiradores, como eu, dos oficiais de Operações Especiais.

Os oficiais de Operações Especiais não podiam ter menos de 13 valores; os oficiais atiradores, em princípio, não podiam ter mais de 13, a menos que fossem verdadeiramente extraordinários, caso em que rebentariam a escala. Na minha incorporação houve mais dois ou três atiradores que tiraram 13 valores como eu e houve um que rebentou a escala, tendo recebido à volta de 15. Chamava-se Poças, era uma jóia de moço e como "prémio" foi mobilizado para a Guiné em rendição individual.

E foi assim que um (futuro) alferes comandou o seu próprio (futuro) comandante de companhia, mais uma data de outros (futuros) capitães!

[Foto à esquerda: 

Capitão miliciano José António Pouille Nobre Antunes, que comandei no fim da semana de campo do 2.º ciclo do COM, quando ambos éramos soldados-cadetes. Posteriormente, já com o posto de capitão miliciano, foi ele que me comandou, assim como toda a CCaç 3535, a partir da segunda quinzena de abril de 1973]


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Nota do editor: