terça-feira, 6 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22072: Memórias cruzadas: relembrando os 24 enfermeiros do exército condecorados com Cruz de Guerra no CTIG (Jorge Araújo) - Parte VI


Foto 1 - Região de Tombali > Evacuação de feridos durante a «Operação Gienah III» realizada em 13/14 de Dezembro de 1967, na península de Pobreza, rio Tombali, pelo DFE 12 [foto publicada em https://blogue.mlemasantos.com/Homenagem_ARebBrito.pdf], com a devida vénia.


Foto 2 - Assistência a ferido. Foto do álbum de Dálio João Gil Carvalho, retirada de https://www.facebook.com/photo?fbid=2566873993323847&set=g.338457706221055, com a devida vénia.


Foto 3 – Região do Óio > Bissorã > “Acto de enfermagem” (prestação de cuidados de saúde realizada pelo camarada Armando Pires). Foto do próprio – ex-fur mil enf da CCS/BCAÇ 2861 (Bula e Bissorã; 1969/70) – P10629, com a devida vénia.





O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494
(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, ainda no ativo.




 

MEMÓRIAS CRUZADAS

NAS "MATAS" DA GUINÉ (1963-1974):

RELEMBRANDO OS QUE, POR MISSÃO, TINHAM DE CUIDAR DAS FERIDAS CORPOREAS PROVOCADAS PELA METRALHA DA GUERRA COLONIAL: «OS ENFERMEIROS»


OS CONTEXTOS DOS "FACTOS E FEITOS" EM CAMPANHA DOS VINTE E QUATRO CONDECORADOS DO EXÉRCITO COM "CRUZ DE GUERRA", DA ESPECIALIDADE "ENFERMAGEM"

PARTE VI

 

► Continuação do P21980 (V) (07.03.21)


1.   - INTRODUÇÃO


Continuamos a partilhar no Fórum os resultados obtidos na investigação acima titulada. Procura-se valorizar, também, através deste estudo, o importante papel desempenhado pelos nossos camaradas da "saúde militar" (e igualmente no apoio a civis e população local): médicos e enfermeiros/as, na nobre missão de socorrer todos os que deles necessitassem, quer em situação de combate, quer noutras ocasiões de menor risco de vida, mas sempre a merecerem atenção e cuidados especiais.

Considerando a dimensão global da presente investigação, esta teve de ser dividida em partes, onde procuramos descrever cada um dos contextos da "missão", analisando "factos e feitos" (os encontrados na literatura) dos seus actores directos "especialistas de enfermagem", que viram ser-lhes atribuída uma condecoração com «Cruz de Guerra», maioritariamente de 3.ª e 4.ª Classe. Para esse efeito, a principal fonte de informação/ consulta utilizada foi a documentação oficial do Estado-Maior do Exército, elaborada pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974).


2.   - OS "CASOS" DO ESTUDO


De acordo com a coleta de dados da pesquisa, os "casos do estudo" totalizaram vinte e quatro militares condecorados, no CTIG (1963/1974), com a «Cruz de Guerra» pertencentes aos «Serviços de Saúde Militar», três dos quais a «Título Póstumo», distinção justificada por "actos em combate", conforme consta no quadro nominal elaborado por ordem cronológica e divulgado no primeiro fragmento – P21404.


No gráfico abaixo está representada a população do estudo agrupada pela variável "ano".

 


Gráfico 1 – Representação gráfica dos "casos do estudo" agrupada na variável "ano".

 

3. - OS CONTEXTOS DOS "FEITOS" EM CAMPANHA DOS MILITARES DO EXÉRCITO CONDECORADOS COM "CRUZ DE GUERRA", NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "ENFERMAGEM" - (n=24)


3.11 - FRANCISCO PINHO DA COSTA, ALFERES MILICIANO MÉDICO, DA CCAÇ 1439, CONDECORADO COM A CRUZ DE GUERRA DE 3.ª CLASSE


A décima primeira ocorrência a merecer a atribuição de uma condecoração a um elemento dos «Serviços de Saúde» do Exército, esta com medalha de «Cruz de Guerra» de 3.ª Classe – a quarta das distinções contabilizadas durante o ano de 1966, e a única atribuída a um (Oficial) Médico – teve origem no desempenho tido pelo militar em título, quando, em 21 de Agosto de 1966, domingo, a sua viatura, incluída numa coluna que se deslocava em direcção a Porto Gole, accionou um engenho explosivo, seguida de emboscada, tendo provocado alguns feridos com gravidade, sendo ele um destes. 


 Mesmo ferido, não deixou de prestar a assistência da sua especialidade, só pedindo a sua evacuação quando entendeu que tinha concluído a sua missão (infografia abaixo).


► Histórico



◙ Fundamentos relevantes para a atribuição da Condecoração


▬ O.S. n.º 39, de 29 de Setembro de 1966, do QG/CTIG:


"Condecorado com a Cruz de Guerra de 3.ª Classe, ao abrigo dos artigos 9.º e 10.º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, o Alferes Miliciano Médico, Francisco Pinho da Costa, da Companhia de Caçadores 1439 [CCAÇ 1439] – Batalhão de Caçadores 1888, Regimento de Infantaria n.º 1."


● Transcrição do louvor que originou a condecoração:


"Louvado o Alferes Miliciano Médico, Francisco Pinho da Costa, do BCAÇ 1888, prestando serviço na CCAÇ 1439, porque no dia 21Ago66, domingo, fazendo parte de uma coluna que seguia para Porto Gole, a fim de prestar assistência da sua especialidade à guarnição daquele Destacamento, apesar de ferido com gravidade por um engenho explosivo IN, que a viatura em que era transportado accionou, não deu a conhecer o seu estado, tratando os feridos no local de rebentamento e sob o fogo da emboscada IN, revelando uma extraordinária coragem, sangue-frio, desprezo pelo perigo e muita serenidade, só pedindo a sua evacuação após se ter certificado que estava cumprida a sua missão.


O Alferes Miliciano Médico, Francisco Pinho da Costa, com a sua atitude deu um nobre exemplo de carácter, de abnegação e de elevada coragem, demonstrando possuir, no mais elevado grau, espírito de sacrifício e todas as virtudes militares que o distinguem como médico e militar." (CECA; 5.º Vol.; Tomo IV; p 299).


CONTEXTUALIZAÇÃO DA OCORRÊNCIA


Para contextualização da ocorrência que esteve na base da condecoração do Alferes Médico, Francisco Pinho da Costa, socorremo-nos das memórias reproduzidas pelo camarada João Crisóstomo, ex-alf mil inf da mesma unidade, no P19813 (22.05.2019) – Parte III: "a vida em Missirá" – a propósito de uma foto (à civil) com um alferes médico (foto ao lado).

Acrescenta que não se lembra do nome dele. Sabe apenas que era o médico do Batalhão que estava em Bafatá (e do qual a CCAÇ 1439 fazia parte ou a que estava agregada). O médico anterior a ele tinha sido uma das vítimas duma mina com emboscada. O comandante do Batalhão de Bafatá [BCAV 757; do TCor Cav Carlos de Moura Cardoso (?)] fazia parte dessa coluna, mas não estava a comandar. O capitão Pires, cmdt da CCAÇ 1439 tinha-nos dito expressamente que ele não estava como comandante e pertencia-nos a nós "protegê-lo e entregá-lo".


Este (o médico anterior) era um indivíduo mais baixo, também com óculos, cara redonda… Partiu as pernas e foi evacuado na mesma altura para Bissau e nunca mais ouvi falar dele; também não me lembro do nome dele. Vou ver se o Figueiredo se lembra; (se me não engano o Figueiredo era o condutor do Unimog que sofreu a mina; eu ia ao lado dele, fomos os dois projectados cada um para seu lado, mas, com sorte, sem nada quebrado; recordo-me bem de ter sido projectado, e ao aterrar no solo ter encontrado ao meu lado a minha G3 de cano metido na terra; nem de propósito teria sido tão bem "enfiada" no chão…). (…)


Por outro lado, é muito provável que esta ocorrência esteja relacionada com a «Operação Gorro», realizada entre 19 e 24 de Agosto de 1966, onde participaram forças da CCAÇ 1439, CCAÇ 1551 e 1 GC da CCAV 1482. Esta actividade operacional tinha por objectivo realizar uma série de patrulhamentos e emboscadas na região de Colicunda, em exploração de uma notícia que referia que o IN cambava o rio Geba naquela região, transportando material e munições para Jugudul. Ao ser capturado 1 elemento IN, que fazia os reabastecimentos de Lasse para Chubi, foi detectado um acampamento IN, composto por 6 casas de mato, que foi destruído. Foi morto 1 elemento IN. (CECA; 6.º Vol.; p 408).



3.11.1 - SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE CAÇADORES 1439

= XIME - BAMBADINCA - ENXALÉ - MISSIRÁ - PORTO GOLE E FÁ MANDINGA



Mobilizada pelo Batalhão Independente de Infantaria 19 [BII 19], Unidade pertencente à Região Autónoma da Madeira, para cumprir a sua missão ultramarina no CTIG, a Companhia de Caçadores 1439 [CCAÇ 1439], embarcou no cais do Funchal a 02 de Agosto de 1965, 2.ª feira, a bordo do N/M «NIASSA», que havia saído de Lisboa a 31 de Julho p.p., sob o comando do Cap Mil Inf Amândio Manuel Pires, tendo chegado a Bissau a 06 do mesmo mês.


3.11.2 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CCAÇ 1439


Apóa sua chegada a Bissau, em 06Ago65, a CCAÇ 1439 seguiu imediatamente para o Xime, a fim de efectuar treino operacional com forças da CCAV 678 [18Jul64-27Abr66; do Cap Cav Juvenal Aníbal Semedo de Albuquerque] e assumiu a responsabilidade do subsector do Xime em substituição da CCAÇ 508 [20Jul63-07Ago65; do Cap Mil Inf João Henriques de Almeida (1.º) e do Cap Inf Francisco Xavier Pinheiro Torres de Meireles (1938-1965) (2.º)], ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 697 [21Jul64-27Abr66; do TCor Inf Mário Serra Dias da Costa Campos], com amissão de intervenção e reserva do sector. 

Em 10Set65, por troca com a CCAV 678 foi deslocada para Bambadinca, onde continuou com a missão de intervenção e reserva do sector e assumiu cumulativamente a responsabilidade do respectivo subsector de Bambadinca. Nestas funções, tomou parte em diversas operações de que se salientam, pelos resultados obtidos, a «Operação Bravura», de 14 a 24Ago65, na região de Galo Corubal e a «Operação Avante», em 29 e 30Ago65, na região do rio Buruntoni. Em 09Out65, por troca com a CCAÇ 556 [10Nov63-28Out65; do Cap Inf José Abílio Lomba Martins (1.º)], assumiu a responsabilidade do subsector de Enxalé, com destacamentos em Missirá e Porto Gole, mantendo-se na dependência do BCAÇ 697 e depois do BCAÇ 1888 [26Abr66-17Jan68; do TCor Inf Adriano Carlos de Aguiar]. 

No período, efectuou várias operações nas regiões de Madina Belel, Missirá e Porto Gole, em que capturou bastante armamento e material. Em 08Abr67, foi rendida no subsector de Enxalé, por troca com a CART 1661 [06Fev67-19Nov68; do Cap Mil Art Luís Vassalo Namorado Rosa (1.º)] e recolheu seguidamente a Fá Mandinga, onde se manteve, temporariamente, como subunidade de reserva do sector. Em 17Abr67, seguiu para Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso, o qual ocorreu no dia seguinte, a bordo do N/M «UÍGE» (CECA; 7.º Vol.; p 349).


3.12 - ANTÓNIO JOSÉ PAQUETE VIEGAS, SOLDADO AUXILIAR DE ENFERMEIRO, DA CCS/BCAÇ 1877, CONDECORADO COM A CRUZ DE GUERRA DE 3.ª CLASSE


A décima segunda ocorrência a merecer a atribuição de uma condecoração a um elemento dos «Serviços de Saúde» do Exército, esta com medalha de «Cruz de Guerra» de 3.ª Classe - a quinta das distinções contabilizadas no decurso do ano de 1966 - teve origem no desempenho tido pelo militar em título, durante a «Operação Abanão 5», realizada em 06 de Novembro de 1966, domingo, na Região de Teixeira Pinto (hoje Canchungo), quando tomou a iniciativa de, debaixo de fogo, chegar à frente da coluna em que seguia, procurando socorrer os feridos graves provocados por emboscada montada pelo IN (infografia abaixo).


► Histórico



 

◙ Fundamentos relevantes para a atribuição da Condecoração

▬ O.S. n.º 02, de 12 de Janeiro de 1967, do QG/CTIG:


"Manda o Governo da Republica Portuguesa, pelo Ministro do Exército, condecorar com a Cruz de Guerra de 3.ª Classe, ao abrigo dos artigos 9.º e 10.º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, o Soldado auxiliar de enfermeiro, n.º 2538064, António José Paquete Viegas, da Companhia de Comando e Serviços/Batalhão de Caçadores 1877 [BCAÇ 1877], Regimento de Infantaria n.º 15."


● Transcrição do louvor que originou a condecoração:


"Louvado o Soldado auxiliar de enfermeiro, n.º 2538064, António José Paquete Viegas, da CCS/BCAÇ 1877, porque na «Operação Abanão 5», em 06 de Novembro de 1966, domingo, durante uma emboscada feita pelo inimigo, debaixo de fogo e revelando valentia, sangue-frio e desprezo pela vida, correu prontamente do meio da coluna, onde se encontrava, para a testa da mesma, a fim de socorrer um ferido grave que se esvaía em sangue.


O Soldado Viegas, indiferente ao perigo, mostrou sempre durante a operação bastante serenidade e compreensão dos seus deveres humanitários, manifestando o maior empenho a todos auxiliar, tendo a sua pronta e rápida acção contribuído para que o ferido grave pudesse ser evacuado em boas condições.


De salientar que foi a primeira vez que tomou parte em operações e se ofereceu voluntariamente para esta operação." (CECA; 5.º Vol.; Tomo IV; p 155).


CONTEXTUALIZAÇÃO DA OCORRÊNCIA


Para além dos fundamentos acima expressos, nada mais foi encontrado na bibliografia consultada, impedindo-nos, assim, de descrever, em pormenor, o contexto que determinou o louvor ao Soldado auxiliar de enfermeiro, António José Paquete Viegas, e posterior condecoração.


3.12.1 - SUBSÍDIO HISTÓRICO DO BATALHÃO DE CAÇADORES 1877
= XIME - BAMBADINCA - ENXALÉ - MISSIRÁ - PORTO GOLE E FÁ MANDINGA


Mobilizado pelo Regimento de Infantaria 15 [RI 15], de Tomar, para cumprir a sua missão ultramarina no CTIG, o Batalhão de Caçadores 1877 [BCAÇ 1877], constituído pela CCS e pela CCAÇ 1499, a primeira das três Unidades de Quadrícula, embarcaram no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa, em 02 de Fevereiro de 1966, 4.ª feira, a bordo do N/M «UÍGE», sob o comando do TCor Inf Fernando Godofredo da Costa Nogueira de Freitas, tendo desembarcado em Bissau a 8 do mesmo mês. As outras duas Unidades de Quadrícula – a CCAÇ 1500 e a CCAÇ 1501 – haviam embarcado antes, a 20 de Janeiro de 1966, 5.ª feira, igualmente a bordo do N/M «UÍGE».


3.12.2 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DO BCAÇ 1877


O BCAÇ 1877 foi, inicialmente, colocado em Bissau na situação de reserva à ordem do Comando-Chefe, sendo as suas subunidades [CCAÇ's 1499; 1500 e 1551] destacadas em reforço de vários sectores. De 28Mai66 a 30Jun66, assumiu a responsabilidade do Sector O1-A, então criado, com sede em Teixeira Pinto e abrangendo as subunidades estacionadas em Teixeira Pinto e Cacheu e seus destacamentos, em área temporariamente retirada ao BCAV 790 [28Abr65-08Fev67; do TCor Cav Henrique Alves Calado (1920-2001)], com a finalidade primária de actuar ofensivamente na área do Churo, efectuar o controlo dos itinerários e estabelecer contactos com as populações. 


Em 15Jul66, assumiu, outra vez, a responsabilidade do Sector O1-A, então novamente activado, com sede em Teixeira Pinto e abrangendo a anterior zona de acção, e a partir de 11Out66, a área de Jolmete, então transferida do BCav 790. Desenvolveu intensa actividade operacional de patrulhamento, emboscadas e de acções ofensivas sobre o inimigo, infligindo-lhe sensíveis baixas, apreensão e destruição de diverso material e dificultando a sua consolidação no terreno. Destaca-se, pelos resultados obtidos a série de operações "Arromba", realizadas na região de Banhinda - Lecache - Peche, entre outras.

Em 07Jan67, o Comando e a CCS (reduzidos) renderam, no Sector L2, o BCAV 757 [23Abr65-20Jan67; do TCor Cav Carlos de Moura Cardoso], com a sua sede em Bafatá e abrangendo os subsectores de Contuboel, Fajonquito, Geba, Bafatá e Pirada, este retirado à zona de acção em 01Jul67; entretanto o 2.° Cmdt e o resto da CCS mantiveram-se no Sector 01-A, até serem rendidos pelo BCAV 1905 [06Fev67-19Nov68; do TCor Cav Francisco José Falcão e Silva Ramos], em 08Fev67. 

Nesta situação, continuou a desenvolver intensa actividade de patrulhamento e de reconhecimento sobre as linhas de infiltração inimigas, além de garantir a segurança e desenvolvimento socioeconómico das populações. Destacam-se, entre outras, as operações "Inquietar I" e "Inquietar II", realizadas na região de Sare Dicó. Dentre o material capturado mais significativo, no conjunto da actuação nos dois sectores, salienta-se: 1 metralhadora ligeira, 3 pistolas-metralhadoras, 6 espingardas, 1 lança-granadas foguete e 15 granadas de morteiro. Em 24Set67, foi rendido no sector de Bafatá pelo BCAV 1905 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso, o qual ocorreu em 06 de Outubro de 1967. (CECA; 7.º Vol.; pp 78-79).

Continua…

► Fontes consultadas:

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 5.º Volume; Condecorações Militares Atribuídas; Tomo IV; Cruz de Guerra, 1967; Lisboa (1992).

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª Edição; Lisboa (2014)

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição; Lisboa (2002).

Ø Outras: as referidas em cada caso.

Termino agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

09MAR2021

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Nota do editor:


Último poste da série > 7 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21980: Memórias cruzadas: relembrando os 24 enfermeiros do exército condecorados com Cruz de Guerra no CTIG (Jorge Araújo) - Parte V

Guiné 61/74 - P22071: Parabéns a você (1948): Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp da CART 3492/BART 3873, Pel Caç Nat 52 e CCAÇ 15 (Xitole, Mato Cão e Mansoa, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22065: Parabéns a você (1947): Agostinho Gaspar, ex-1.º Cabo Mec Auto da 3.ª C/BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74)

segunda-feira, 5 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22070: Os nossos seres, saberes e lazeres (445): A minha primeira viagem (de comboio) para além do Ave, Minho... Uma aventura, até Ermidas do Sado, Santiago do Cacém, Alentejo ! (Joaquim Costa)


Linha do Corgo > Comboio a vapor. Fomte:cortesia de Vivadouro


1. Mensg
em do Joaquim Costa [, natural de V. N. Famalicão, vive em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros: é engenheiro técnico reformado; foi Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)]

Date: domingo, 4/04/2021 à(s) 01:28
Subject: Os nossos  Seres, Saberes e Lazeres

Meu caro Luís

O post do colega Joaquim Ascensão sobre a sua atribulada viagem de comboio desde a sua terrinha (Leandro), muito próximo da minha (Calendário – V.N. de Famalicão), até ao "odiado" CISMI em Tavira (*), fez-me suar aos ouvidos o distante e saudoso som dos nossos comboios a vapor.

Dando seguimento às minhas memórias de Paz, que podes enquadrar nos nossos seres, saberes e lazeres, envio-te a "crónica" da minha primeira viagem de comboio para alem do Ave, deixando ao teu critério a oportunidade e interesse da sua publicação.

A minha memória está gasta mas continuam intactos, os "frames", que guardam as minhas viagens de comboio:

Fazer a viagem de Famalicão à Póvoa do Varzim, para ir à praia, no comboio a vapor em linha estreita (infelizmente encerrada em 1995 dando lugar a uma ciclovia), onde partíamos de camisa branca e chegavamos de camisa preta;

A viagem do Porto a Chaves, nas magníficas linhas do Douro e Corgo (esta, infelizmente desativada em 2'10, dando lugar, em partes do seu percurso, a uma ciclovia), aqui já contada (P21893), em que a maioria dos passageiros eram cabras;

As viagens diárias para o Porto (quando freqientava ISEP. Instituto Superior e Engenharia do Porto) utilizando a linha do Norte e muitas vezes a linha estreia até à estação da Trindade (infelizmente já desativada);

A viagem para a tropa (Caldas da Rainha – aqui também já contada - P21844), na linda linha do oeste, com o meu saco carregado com 4 "granadas" de Alvarinho;

As viagens de Famalicão até Tavira, Estremoz e Portalegre, com os comboios cheios de tropa que mais parecia o prelúdio da 2ª Guerra Mundial;

A maravilhosa e ternurenta viagem, na companhia do meu saudoso Pai, de Barrimau – V.N. de Famalicão, até Ermidas Sado, em visita ao meu irmão Manuel, ele também um ex-combatente da Guiné.

Como já referi na minha apresentação ao blogue (P21827), o meu irmão Manuel (infelizmente já falecido), fez parte dum contingente que foi mobilizado "rápido e em força" para a Guiné logo a seguir aos ataques do PAIGC, em 1963, a Tite, Buba e Fulacunda, ou mesmo antes com os ataques da FLING a Susana e Varela em 1962.

 A sua guerra acabou por ser outra numa luta entre a vida e a morte com uma pneumonia que o apanhou logo à sua chegada e o atirou para uma cama do hospital de Bissau. Passado pouco tempo regressou a casa, ainda em convalescença, com passagem à reserva por invalidez

Infelizmente não tenho dados sobre o seu batalhão, mas seria muito reconfortante encontrar algum camarada, que acompanhe o blogue, do mesmo contingente. Apenas sei que o seu batalhão todos os anos fazia a sua reunião anual, na modalidade de piquenique, na região de Viana do Castelo e/ou Braga.

Todos nós, por muito que o neguemos, já olhamos mais para o retrovisor do que para a frente de estrada das nossas vidas. Pelo que é com muita nostalgia e tristeza que vejo grande parte da nossa rede de linha férrea e ser substituída por ciclovias, assim como míticos cafés das nossas cidades, que eram muito mais que a nossa segunda casa, nos tempos de estudante, terem dado lugar a bancos nos anos 80 e a lojas dos chineses nos dias de hoje.

Conto esta história da minha primeira viagem de comboio, para além do Ave, como singela homenagem ao meu saudoso pai e irmão.

Um abraço amigo e grato pela casa que construíste há dezassete anos e que abriga toda esta família do Blogue.

Joaquim Costa

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A minha primeira viagem (de comboio) para além do Ave

por Joaquim Costa

No ano da Graça de 1964, após uma mobilização atribulada para a Guiné (onde chegou com uma grande pneumonia, tendo quase de seguida regressado a Portugal, com passagem à reserva, sem nunca ter visto Bissau) o meu irmão Manuel empregou-se na CP e foi colocado em Ermidas Sado, Santiago do Cacém,  no Alentejo. 

Era uma altura em que os funcionários públicos tinham um ordenado de miséria mas algumas regalias. No caso o próprio viajava de comboio para qualquer ponto do país gratuitamente e os familiares tinham direito a 3 viagens por ano.

Para além de duas viagens gastas na ida à praia na Póvoa do Varzim, depois de muitas reuniões familiares, lá se chegou a consenso sobre o destino a dar à terceira viagem. Tendo em conta todos os afazeres, tais como: manter aberta a mercearia/taberna, a guarda dos cães, dos gatos, dos coelhos, das galinhas, do porco, etc, desta vez aproveitava a viagem, de longo curso, o pai Zé e o puto mais novo, a casa do Manel no Alentejo.

Como seria de esperar os preparativos da viagem estavam ao nível dos preparativos da viagem de Vasco da Gama à Índia.

É impossível descrever a alegria e ansiedade pela chegada do momento: dizia a carta do Manel que,  além de comboio,  tínhamos de andar de barco... Era muito à frente !

Composta a cesta à moda do Minho com o arroz de frango, bolinhos de bacalhau, presunto, salpicão etc, etc, e, o mais importante: dois garrafões de vinho verde tinto de palhinha. Um de 5 litros para o Manel e um pequeno de 2 litros para a viagem.

E aqui vamos nós. Apanhar o comboio das 6 da manhã no apeadeiro da aldeia (Barrimau), mudar em Campanhã com destino a Lisboa. Nenhum incidente, tudo como o programado e o puto maravilhado com o desfrutar de um mundo novo que desconhecia.

Chegados a Santa Apolónia,  começamos a aperceber-mo-nos de que entravamos num mundo novo, e muito diferente da nossa querida aldeia.

Lá continuamos o nosso caminho, o pai Zé com o seu fato e gravata, eu de fato e gravata, completamente desconfortável e já com bolhas nos pés devido aos sapatos (fato e sapatos só os tinha utilizado, uma vez, no casamento do Manel), o meu pai com a cesta a cheirar a bolinhos de bacalhau numa mão e na outra o garrafão de 5 litros, eu com uma pequena mala com roupa numa mão e o garrafão de 2 litros na outra. Toda a gente a olhar para nós e muitos lançando “bocas” trocistas: "Deve ser boa a pinga! Que cheirinho sai dessa cesta!"

O meu pai pergunta como chegar ao Terreiro do Paço. Um taxista oferece os seus serviços. O meu pai negoceia, pergunta que tempo demorava e quanto custava a viagem: 

 Está decidido... vamos a pé.

Aqui vamos nós, a transpirar por todos os poros, com todo aquele aparato de cesta minhota e dois garrafões de vinho, caminhando a pé de Santa Apolónia ao Terreiro do Paço. Não estava nos nossos planos esta receção do povo de Lisboa, todos os carros que passavam apitavam e mandavam todo tipo de piropos.

Chegamos ao Terreiro do Paço,  exaustos, mas felizes por aquela receção. Aqui todos queriam ajudar-nos, levar o cesta, os garrafões … contudo o meu pai nunca largou o dele , nem eu o meu. Foi uma das advertências que o Manel nos fez: Nunca largar nada e sempre com a carteira bem guardada.

Entrado no barca senti aquela sensação de entrar num mundo encantado onde por magia sou possuído de poderes sobrenaturais, voando como uma pássaro sobre as águas. Estava com medo de acordar receando que, afinal, tudo não passasse de um sonho. Via-se ao longe, nas duas margens do rio, os estaleiros para a construção da ponta 25 de abril, com centenas de trabalhadores parecendo formigas em grande azafama.

Chegados ao Barreiro, e,  ao tomarmos conhecimento que só tínhamos o comboio ao fim da tarde, o meu pai arriscou o almoço num restaurante, guardando o produto da cesta para o Manel e para os donos da casa onde habitava, um excelente casal de alentejanos.

Entramos, creio que os dois pela primeira vez, num restaurante. Sentia-se um restaurante frequentado por trabalhadores das empresas locais, contudo, não foi uma entrada discreta, à nossa frente entrou um casal a quem ninguém ligou mas a nossa entrada, com toda a nossa trouxa, fomos logo fulminados com os olhares de todos os presentes com um sorriso irónicO visível nas suas caras.

Abeirou-se de nós o dono do restaurante, com um sorriso trocista, mas muito amigável, metendo conversa: 

 vocês entram-me assim no restaurante com estas duas bombas! 

Logo nas primeiras palavras denunciamos o nosso falar cantado à moda do Minho ao que logo fomos bombardeados com a viagem do homem a Braga e ao Gerês,  criando-se assim um ambiente mais solto para nós que nos sentíamos intimidados com todos aqueles olhares. 

Da conversa sobre o Minho e o vinho verde fomos na sugestão do prato do dia, e único: bacalhau cozido com grão, embora com algum receio de estarmos perante uma brincadeira do homem (acontece que na altura, na aldeia e em toda a região do Minho, o grão não fazia parte dos produtos utilizados na cozinha, quanto muito, por vezes, juntava-se sim, esta iguaria à (b)vianda para os porcos), mas contudo arriscamos.

Convém lembrar, também, que lá em casa, às refeições não havia rações individuais, a panela vinha para a mesa e cada um tirava uma pequena parte e só retirava a segunda vez depois de todos já se terem servido (a velha máxima de que antes de se começar a comer há sempre lugar para mais um - podia-se ficar com fome mas chegava sempre algo a todos), e quando eram batatas cozidas com bacalhau a norma era todos colocarem um pouco de azeite com alho no prato, tirava-se uma batata de cada vez, envolvia-se no azeite, comia-se, a aguardava-se que todos tirassem a sua para, se ainda houvesse, repetir o gesto. 

Como nunca tínhamos comido tal coisa, nem nos passava pela cabeça que fosse comestível, aplicamos a regra de casa: colocar o azeite no prato, tirar um grão de cada vez, tirar-lhe a pele, envolvÊ-lo no azeite e tentar colocá-lo no garfo para o levar à boca. Tarefa nada fácil. Durante toda esta atribulada batalha com o grão, reparamos a galhofa geral na sala. 

Só queríamos fugir dali, já que pensávamos que estamos mesmo a comer (tentar comer) comida para porcos. Só à saída, com grande alívio meu, verifiquei que afinal todo o pessoal comia grão, mas colocado em grande quantidade no prato e, com a ajuda preciosa de uma faca, levavam à boca (com a pele) grandes garfadas de grão. Foi a primeira vez que que constatamos que a faca tinha outras funções para além de cortar presunto e chouriço...

Chegou a hora da partida do comboio para o Alentejo. Entramos, mas já o mesmo estava cheio de trabalhadores e soldados. Tivemos que ficar na plataforma, de pé. Todos os presentes, com um ar irónico mas amável, nos procuravam ajudar na arrumação dos haveres. 

Entretanto, um homem, já para lá da meia idade (de lencinho ao pescoço e chapéu alentejanos), olhando persistentemente para o garrafão que estava à minha guarda, meteu conversa:

 − Então, compadres,  vêm do norte? 

Denunciámos as nossas origens com a pronuncia do norte adocicada com o falar cantado do Minho: 

  ... E o vinho desses garrafões é verde? É branco ou tinto? 

   É tinto  − respomdei o meu pai, − Lá na aldeia costuma-se dizer que vinho branco, pão de trigo e caldos de galinha é para os doentes. 

− Ah ! branco já bebi mas tinto nunca provei. 

Fez-se silêncio, mas o homem, com os olhos vidrados, não deixava de olhar para o meu garrafão, e volta à carga:

  − Então, para onde vão? 

− Para Ermidas d Sado para casa do meu filho que trabalha lá nos comboios: se nos fizesse o favor de avisar quando estivéssemos a chegar ficava lhe muito agradecido  − disse o meu pai. 

− Claro que sim,  compadre, podem ficar descansados que eu avisarei −  disse o homem muito solicito. 

  Agradecido − disse o meu pai. 

Passado uns minutos, o meu pai sentiu uma secura na garganta, fruto do bacalhau do almoço que estava um pouco salgado,  e levou o meu garrafão aos lábios. Ao ver o olhar embebecido do companheiro de viagem ofereceu-lhe um pouco. O mesmo não se fez rogado e lançou com sofreguidão o garrafão aos queixos. O meu pai ficou preocupado porque o homem ficou com os lábios colados ao gargalo. Passado uns segundos, largou, arrotou, e exclamou: 

 −  Mas que grande pomada!


De paragem em paragem o homem aproveitava para meter conversa: 

− Ainda falta, não se preocupem que eu aviso quando estivermos a chegar, ainda há tempo para mais uma prova, Sr. José. 

E zumba, mais uma golada, e assim foi em todas as paragens até à ultima gota do garrafão.


A viagem continuou em silêncio, já que o nosso companheiro de viagem sentou-se num banquinho, rebatível, que vagou, e adormeceu.


Passado mais umas paragens, um outro homem, que acompanhou divertido ao esvaziar do garrafão, com um sorriso nos lábios bateu no ombro do meu pai e disse: 

  Estamos em Ermidas Sado. 

 Apanhamos a cesta, os garrafões (o meu muito mais leve) e abalamos rápido para fora do comboio. O Homem que era suposto avisar-nos quando chegássemos ao nosso destino continuou num sono profundo. Provavelmente até ao fim da linha…

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Nota do editor:

Último poste da série > 3 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22063: Os nossos seres, saberes e lazeres (444): Quando vi nascer a Avenida de Roma (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22069: Notas de leitura (1350): “Guerra e Política, Em nome da verdade os anos decisivos”, por Kaúlza de Arriaga; Edições Referendo, 1987 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Julho de 2018:

Queridos amigos,
É caudaloso o número de artigos, ensaios e livros que se produziram, e continuam a produzir, para justificar as razões da guerra em África. Tudo começou com obras de pura propaganda que as instituições do Estado Novo alimentaram, logo nos primeiros anos da guerra, com reportagens, programas televisivos, obras encomendadas ou não, e muito mais. Com a descolonização, começou outra batalha ideológica passada ao papel: que a guerra era sustentável, que o colapso era iminente.
É nesse contexto que merece realçar-se as exigências que Kaúlza de Arriaga apresentou ao Governo, pedindo meios astronómicos para continuar a ser Comandante-Chefe, mas sempre dizendo que a Frelimo estava de pantanas... A História que pondere estes tiros no pé.

Um abraço do
Mário


General Kaúlza de Arriaga defende-se e critica a descolonização

Beja Santos

Tem-se procurado fazer o levantamento de tudo, sem exceção, que se escreveu sobre descolonização, sem olhar a contextos ideológicos, deixando ao leitor que sopese a argumentação avançada. A este antigo Comandante-Chefe de Moçambique já se fizera referência no livro “África – A vitória traída”, 1977, o antigo Secretário de Estado da Aeronáutica dava como taxativamente provado que a Frelimo entrara em liquefação e a luta armada estava sustada, era uma questão de tempo até que o terrorismo se extinguisse. No livro “Guerra e Política, Em nome da verdade os anos decisivos”, Edições Referendo, 1987, Kaúlza de Arriaga retoma os tópicos da guerra no ultramar português, repertoria as doutrinas de guerra existentes e dedica larga atenção à luta em Moçambique, capítulo em que não esconde o autoelogio.

Exprime-se favorável ao que ele chama a Solução Portuguesa para o Ultramar: defesa intransigente da integridade territorial, promoção do progresso económico e sociopolítico, de modo a abrir caminho a autodeterminações autênticas (conceito jamais explicitado, embora se fale em novos Brasis). As causas da guerra, diz o general, prendiam-se fundamentalmente devido à confrontação Leste/Oeste, o terrorismo era uma arma usada para essa confrontação, não era um paradigma nem uma aspiração dos povos coloniais.

Em termos doutrinais, justifica a contrassubversão e o seu sucesso, mas quando ele regressa em 1973, finda que lhe fora a sua comissão em Moçambique, descobre que a situação interna caminhava para a rutura, Marcello Caetano estava ultrapassado e havia grandes perigos: nascera o MFA, Spínola e Costa Gomes tinham passado para a oposição, a última remodelação ministerial fora um fiasco, o general encontrou-se várias vezes com o Presidente da República para que este atalhasse o caminho para o abismo e dá-nos notícia de que o regime tinha previsto um contragolpe, e escreve: “Se o Poder na metrópole falhasse e entrasse por caminhos confirmadamente indesejáveis, o Governador-Geral mais antigo de Angola ou Moçambique, em coordenação com o respetivo Comandante-Chefe, deveria, em ação de recurso extremo, substituir aquele Poder metropolitano, assumindo a direção política do Conjunto Português”. E explica o que falhou: “Na ocasião deste golpe revolucionário, talvez os Governadores-Gerais de Angola e Moçambique, se bem acompanhados e apoiados, ou mesmo impulsionados pelos Comandantes-Chefes, fossem capazes de se lançar naquela ação de recurso extremo. Contudo, o facto é que os Comandantes-Chefes, então em exercício, não tinham altura nem posição para efetivarem aquele acompanhamento de apoio e muito menos para impulsionarem os Governadores-Gerais e lançarem-se em ação de tamanha envergadura e tão carregada de consequências”.

Dá o parecer sobre as consequências dramáticas da descolonização, entende fazer uma lista das figuras que ele considera as mais responsáveis pelos “atos delituosos” da descolonização, e dedica então um capítulo às doutrinas de guerra no Ultramar Português, confessando-se devoto da ideologia salazarista, não deixa, no entanto, de referir que enviara documentação e revelara posições altamente críticas sobre a falta de estratégia militar e os fatores negativos em que se encontrava a instituição militar, não se coibindo de dizer ao próprio Salazar que, se tais fatores não fossem corrigidos, poderiam conduzir a graves desastres.

Mais adiante fala de erros que terá praticado, começa por referir que hesitou muito quanto à independência unilateral de Moçambique em 1972/1973; confessa que se devia ter empenhado num golpe de Estado em fins 1973 e escreve o seguinte: “Em Dezembro de 1973, alguns consideraram estar eu envolvido num golpe de Estado de extrema-direita contra o Governo do Presidente Marcello Caetano. Não era verdade. Olhando, porém, agora, todo esse período, sou levado a pensar que teria sido bem melhor para o país eu ter-me realmente empenhado num golpe de Estado vitorioso, não daquela suposta direita, mas sim de uma direita ponderada e moderna” (também não explicita a que direita alude, quem a compunha e com que programa); confessa que lhe ocorreu tarde de mais a celebração de um Pacto do Atlântico Sul, organização teria como dínamos a África do Sul e o Brasil, o equivalente à NATO, pensa que teria sido um sério obstáculo à expansão comunista. E lança várias culpas, uma delas dirigida à formação dos oficiais milicianos, o marxismo grassava nas universidades e passou para os quartéis, eram ideias dissolventes com grande força, aceleraram o processo de desagregação das Forças Armadas.

A sua dama de defesa é o que pensa ter feito em Moçambique para bem dos moçambicanos e para travar ou fazer cambalear a luta armada, havia sucesso na contrassubversão em Angola e Moçambique. Conta a história da sua nomeação para Comandante-Militar e Comandante-Chefe das Forças Armadas em Moçambique, fala com exaltação da Operação “Nó Górdio”, começa a vituperar Costa Gomes e Silva Cunha, diz que não houve massacres em Moçambique e em 1972 começa a ameaçar o Governo de Marcello de Caetano de que não fica em Moçambique se não lhe derem mais meios e poderes. Se tudo estava a correr tão bem e a Frelimo à beira do KO técnico, porque é que o ministro Viana Rebello lhe escreve em 18 de março de 1973 uma carta em que alude aos reforços que ele insistentemente pedia:
“Tais reforços, depois de estudos efetuados no Estado-Maior do Exército, levam à conclusão de que seriam precisos mais 220 oficiais, 700 sargentos e 4500 praças, num total anual de 350 mil contos; e sem contar com a colmatagem de faltas nas unidades existentes, que seriam 180 oficiais, 450 sargentos e 1400 praças.
O Comandante-Chefe de Moçambique merece, por todos os motivos, ser ajudado. É quem dirige aí as operações e quem sofre os embates do inimigo em primeira mão. Os números apresentados são, porém, tão vultuosos e dispendiosos que não julgo haver Ministro da Defesa no nosso País que pudesse tomar o compromisso de lhes dar integral satisfação. Faltam na Metrópole os homens e não é demasiado o dinheiro. Além de que há outros teatros de operações que também reclamam reforços e a prioridade estratégica”
.
Retenha-se que Kaúlza de Arriaga escrevera de Nampula para Sá Viana Rebello em 29 de janeiro desse ano, pedindo-lhe mais competências, 150 minas antipessoal para o obstáculo de Cabora-Bassa e um milhão de minas antipessoal para interdição da fronteira de Cabo Delgado e novos meios aéreos, como 5/6 aviões Notratlas, 20 helicópteros Alouette III e o fornecimento de helicópteros Puma. Em nenhum ponto do seu livro Kaúlza de Arriaga justifica as razões pelas quais exigia tão bastos meios e muitos mais poderes.

Obra necessariamente a considerar na argumentação durante muitos anos usada pelos próceres do Estado Novo. Não vale a pena adiantar que quanto a massacres, o que se dizia ser uma enorme mentira dos opositores do regime português se veio a revelar historicamente verídico: Wiriamu existiu, há mesmo a confissão feita pelo capitão da linha de comandos que conduziu tal operação.
Kaúlza de Arriaga na apresentação da Operação “Nó Górdio”
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22049: Notas de leitura (1349): “Trabalho forçado africano, o caminho da ida”, com coordenação do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, Edições Húmus, 2009 (Mário Beja Santos)

domingo, 4 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22068: Blogues da nossa blogosfera (157): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (66): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.


ACORDEI ESTA NOITE

ADÃO CRUZ


Acordei esta noite com o gotejar da chuva
monótono
sonolento.
Dormia comigo a saudade e comigo acordou
amargando horas sem raízes
no tecer de angústias e desânimos.
Pura fantasia a textura dos sentimentos!
Os galos cantavam ao longe no romper da madrugada
e a claridade incerta da janela
abria mansamente os meus olhos que sonhavam.
Ousei tocar a tua mão branca
sabendo que tocava o lado esquecido da vida.
Tinhas morrido
já na véspera o sabia
mas esqueceu-mo o dormir.
Fugi para a cidade
vagueei pelas ruas adormecidas
até os galos calarem o seu cantar
e por baixo de um céu de chumbo
levei meus passos para o lado do mar.
As ondas abriam-se nos rochedos negros
e eu não tive medo
deixei que as pernas me pesassem ao longo da praia
arrastando na areia os ossos do meu segredo.

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Nota do editor

Último poste da série de 28 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22046: Blogues da nossa blogosfera (156): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (65): Palavras e poesia

Guiné 61/74 - P22067: Blogpoesia (727): "Na beira da estrada"; Os sinos da minha aldeia"; "Conformação" e "Trocar as voltas", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Publicação semanal de poesia da autoria do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66):


Na beira da estrada

É bom morar à beira da estrada.
Ouvir os tamancos, batendo no chão.
Gente que vai e que vem.
E, pela madrugada, ouvir as conversas da gente que passa.

* Aqui morava o Sr José dos engaços.
* Um bom "home".
* O Senhor o tenha num lugarzinho no céu.
* Pouco viveu, depois de perder a mulher.
* Não tinha mãos a medir.

A alegria das gentes quando ia para a feira.
Açafates à cabeça, com produtos da casa.
Ovos. Galinhas poedeiras.
Couves da horta.
E, os lavradores, de varapau na mão,
Tangiam suave as costas do gado.
Havia que andar.
E, pela tardinha, era vê-los regressar com um grãozito nas asas.
Do tinto de gema, à bica da pipa.
Que saudade eu tenho,
Quando era garoto e os via passar...


Berlim, 29 de Março de 2021
18h14m
Jlmg


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Os sinos da minha aldeia

Os sinos da minha aldeia,
Sua casa é o campanário.
Clama bênçãos, saudações.
Em tons sonoros.
No amanhecer de cada dia.
À noitinha, as Trindades são a vénia de adoração
Ao Santo Espírito, ao Pai e Filho ressuscitado.
São a voz de cada aldeia perante a magnificência
Deste mundo. Quem o criou foi o Criador...


Ouvindo Schubert- Impromptus

Berlim, 2 de Abril de 2021
18h41m
Jlmg


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Conformação

Surgem sempre contrariedades na vida de cada um de nós.
Por mais cuidado, há sempre momentos bons e outros não.
Uma doença. A morte dum ente querido.
Ninguém está livre.
Temos de os saber enfrentar.
A conformação é a arma sempre à mão.
Não significa baixar as mãos e nada fazer.
Mas, conformar-nos é nossa condição.
É isto que dá gosto viver.
Se tudo corresse sempre bem,
Seria uma monotonia insuportável.


Berlim, 3 de Abril de 2021
14h21m
Jlmg


********************

Trocar as voltas

De vez em quando, na vida, é preciso trocar as voltas.
Não dar o dito por não dito.
Mas enfrentar de caras, a dureza da realidade.
Com tibieza, só os fracos existirão.
A vida exige esforço.
Tudo custa suor e, por vezes, lágrimas.
É preciso enxuga-las até à exaustão.
A obra-prima só começa a surgir,
Quando reina a perfeição...


Berlim, 30 de Março de 2021
17h23m
Jlmg

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Nota do editor

Último poste da série de 28 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22045: Blogpoesia (726): "Desânimo"; Perdoar e desculpar"; "Lembrar e esquecer" e "Permanência e realidade", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P22066: Manuscrito(s) (Luís Graça (202): A Páscoa: este ano resta-nos a saudade... e as fotografias e os vídeos de antanho. E a Covid-19 que nos confina e nos espreita.

.Páscoa: o fascínio do fogo!

Vídeo: © Luís Graça (2009). Alojado no Blogue A Nossa Quinta de Candoz










Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Quinta de Candoz > 2012 >"As nossas comidinhas: o anho assado com arroz de forno, o práto festivo por excelência, o prato que se serve à mesa na Páscoa... que aqui era sempre à segunda-feira por causa do compasso que tinha de dar a volta toda à freguesia, de povoamento disperso"...


Fotos (e legenda): © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


A Páscoa antes da era Covid-19


Dantes, na era pré-Covid-19,
não havia Páscoa sem foguetes... nem compasso.
E muito menos sem o forno aceso,
e sem o sortilégio do fogo, 
que aquecia e alumiava e assava,
enfim, sem o arroz de anho assado no forno.

Não, não havia Páscoa,
sem as cerdeiras florirem,
e sem as videiras sorrirem,
e sem os abraços efusivos.
Não, não havia Pásccoa, sem os foguetes,
nem alegria na cara e no coração das gentes 
do Minho e do Douro Litoral...

Antes da pandemia, 
antes da era Covid-19,
com a crise ou sem ela,
e até mesmo depois da proibição 
do lançamento de foguetes de cana...

Ó vai ou racha, rapazes!,
que na Quaresma engordava-se o anho
para a grande matança da Páscoa...
Tudo isto, quando o Natal tinha o seu pinhão, 
e a Páscoa o seu tição,
e a salgadeira estava cheia do porquinho 
que era o governinho da casa.

Hoje tens a triste Páscoa do "take away", e das grandes superfícies,
e a autoestrada que te leva ao Norte,  vazia e  rigorosamente vigiada.
Em 2009, cada dúzia de foguetes custava a módica quantia de 30 euros.
Mas no domingo de Páscoa,
e por ocasião da visita do compasso,
o povo perdia a cabeça e armava-se em fino e em rico
para provar à Casa do Fidalgo quem tinha cagança...

Hoje o raio da Covid não olha a senhorios e rendeiros, 
os ricos e os pobres de antigamente,
e, aliada da morte, está à espreita mas não espera.

Quando o compasso chegava a uma casa,
o fogueteiro sinalizava a sua presença...
Os vizinhos, mais à frente, preparavam-se,
com grande excitação, para a cerimónia...
Todos, mal-enjorcados nos seus fatos domingueiros, 
os camponeses do Norte,
as mãos sem jeito erguidas ao céu 
quando era  preciso rezar a um deus maior.

Já não importa se a Páscoa 
é no domingo depois da primeira Lua cheia do equinócio da primavera,
há dois anos que perdeste a conta aos dias e aos meses do calendário.
Tradição rica de significado socioantropológico,
hoje em vias de desaparecer,
a tua Páscoa nortenha que adotaste.
Cristo ressuscitou, aleluia, aleluia!,
estamos vivos e bem de vida, dizia o da casa, 
abrindo as portas aos vizinhos, parentes e amigos.

Domingo da Ressureição, 
carne no prato, farinha na mão,
que na Santa Feira Santa  comia-se o sável do rio Douro.
Acabava-se o jejum e a abstinência, 
para os pobres que não tinham bula.
Eram, afinal, dias de festa, os últimos da Semana Santa,
dias  de comes e bebes e foguetório,
tudo misturado com a religiosidade pagã e cristã,
que formatou corpos e almas.
Folgai enquanto puderdes, que noutra hora chorais,
lembrava o padre Agostinho.

À noite, do terraço da varanda de Candoz,
assistia-se, de borla, na era pré-Covid,
ao espectáculo único da largada de fogo de artifício,
quando o compasso recolhia, cansado, à noite,
depois de andar por montes e vales,
o homem da cruz à frente, 
e a seu lado o puto, de sobrepeliz, a tocar a sineta.

Depois da visita do compasso,
e bem arrotado o arroz de anho assado no forno,
era o espetáculo talvez mais aguardado do ano,
a disputa em fogo de foguetório 
entre cada uma das freguesias circunvizinhas
ali em frente, naquele cenário de presépio.
Olhai, Paredes de Viadores, olhai, Passos de Gaiolo!
E já os de Mesquinhata se adiantavam e agigantavam,
mais os de Santa Leocádia, Grilo e Ribadouro...

Todos, afinal,  a competir pelas luzes da ribalta do céu,
e a mostrarem-se mais cristãos e mais valentes do que no ano anterior.
E com um sorriso matreiro, e uma pontinha de vaidade,
mostrados aos que se sentavam na plateia 
deste vale de lágrimas que sempre foi a terra.
Deus fizera o mundo e as quatro estações de Vivaldi,
e os solstícios do inverno e do verão,
e os equinócios da primavera e do outono,
só não mandara anjos para ajudar a plantar, regar e mondar o milho.

Havia palpites, críticas, comentários, exclamações...
sobre a quantidade e a qualidade do fogo de cada freguesia.
E no final Paços de Gaiolo era o  vencedor...
Alguém tinha que ser o vencedor,
garantia o padre Agostinho, 
que no céu, meus filhos,  a seleção sempre fora, 
desde os primórdios,  muita apertada,
e nem todos poderiam ficar à direita de Deus Pai.
 
Era a vida que, afinal, na Páscoa, triunfava sobre a morte, 
naquelas terras de camponeses do vale do Sousa e do Tâmega,
que alimentaram um milhão de portugueses durante séculos
e que ajudaram a dilatar a fé e o império, sem saber ler nem escrever,
e muito menos latim.

Na era da Covid-19, 
há dois anos que não há Páscoa, nem compasso, nem fogo, nem forno.
Nem abraços nem chicorações, só quando muito abracelos...
Uma tristeza, as casas fechadas, mortos os velhos, 
cheios de mazelas os menos velhos,
cada gente das várias famílias espalhada pelas diásporas.

No passado, ao almoço,  não podia faltar o arroz de forno,
que, em cada ano que passava, 
estava sempre melhor do que o do ano anterior.
Davam-se gabadelas às cozinheiras cuja arte a idade ia apurando.
Ou então era tudo devido simplesmente  à saudade 
destes sabores da infância e da tradição.
Agora até o raio da Covid, diziam, tirava o olfacto  e o sabor às cozinheiras...

Podia chover, que em abril águas mil,
mas a água não apagava o fogo da paixão da vida,
nem estragava o gosto pelo folgar dos corpos,
o forno aceso,  
o folar para os afilhados, sua benção, padrinho!,
o pão de ló dos Lenteirões, a aletria, 
os foguetes a estalar no ar, alto e longe,  
a caneca de porcelana, que luxo!, 
por onde se bebia o vinho verde tinto,
os parentes e os amigos, alguns vindo de longe, da terra dos mouros,
o vinho verde novo que jorrava da pipa e  alegrava os corações,
a canalha numa correria para apanhar as canas dos foguetes...

E os cães a ladrar. 
Mas até os cães morreram.
Tal como o padre Agostinho.
E as velhas casas de granito se cobriram de musgo
e as janelas de teias de aranha.

O compasso era tradição minhota e duriense, diziam-te.
Tenderá a acabar, há muito profetizavam os sociólogos da desgraça.
A sua origem remontaria à época dos jacobinos, mata-frades,
à desarmotização dos bens de mão-morta que não poupou os passais,
provocando a pobreza do cura da aldeia
que, sendo filho de Deus, também tinha de comer e beber.
O compasso pascal seria a  forma expedita
de compensar a perda de rendimentos do pároco.
As esmolas que as famílias punham no saco do compasso, no final da visita,
revertiam originalmente para o pé-de-meia do padre...

Ah!, mas até os padres morriam, 
em tempo de peste e  de Covid, lia-se  na gazeta de Lisboa.
E o teu vizinho da porta da frente, que vivia na Paris dos portugueses,
coitado, também lá se foi, telefonou-te, chorosa, a viúva.
E mais o fulano e o sicrano. E mais este e aqueloutro.

Já nada é como dantes,
desde que o mundo que tu conhecias começou a soçobrar.

A visita pascal era um pretexto também para a afirmação social,
o exibicionismo dos vizinhos e parentes mais ricos,
alguns que haviam retornado de França, se não ricos, remediados, 
e que eram capazes de gastar uns bons contos de réis em foguetório...

Já não havia contos de réis, é verdade, 
nem lendas e narrativas de  brasileiros 
que fizeram fortuna no Novo Mundo.

Este ano da desgraça de 2021 resta-nos a saudade... 
e as fotografias e os vídeos de antanho.
E a Covid-19 que nos confina e nos espreita.
Mas também a esperança de que, no fim,
vamos triunfar sobre esta maldita pandemia, 
como trinfámos sobre a peste negra, a varíola, a cólera, a pneumónica...

Lourinhã, 4 de abril de 2021.

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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de março de  2021 > Guiné 61/74 - P22047: Manuscrito(s) (Luís Graça) (201): O pôr-do-sol no Atlântico, no tempo do não-tempo do confinamento (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P22065: Parabéns a você (1947): Agostinho Gaspar, ex-1.º Cabo Mec Auto da 3.ª C/BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 3 de Abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22061: Parabéns a você (1946): Álvaro Vasconcelos, ex-1.º Cabo TRMS/STM (Aldeia Formosa e Bissau, 1970/72)

sábado, 3 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22064: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte XIV: atividade operacional, fevereiro / março de 1968, destaque para a Op Boa Bisca, em Iador, Bigene


(Cortesia de João Borges, 2005)



1. Começámos a publicar, em 17/11/2020, uma versão da História da 3ª Companhia de Comandos (Lamego e Guiné, 1966/68), a primeira, de origem metropolitana, a operar no CTIG. (Hão de seguir-se lhe, até 1974, mais as seguintes: 5ª, 15ª, 16ª, 26ª, 27ª, 35ª, 38ª e 4041ª CCmds.)

O documento mimeografado, de 42 pp., que nos chegou às mãos, é da autoria de João Borges, ex-fur mil comando, infelizmente já falecido (em 2005), e que vivia em Ovar. Trata-se de um exemplar oferecido ao seu amigo José Lino Oliveira, com a seguinte dedicatória: Quanto mais falamos na guerra, mais desejamos a paz. Do amigo João Borges".

Uma cópia foi entregue pelo José Lino,  ao nosso blogue, para publicação. (*)



História da 3ª Companhia de Comandos
(1966/68)

3ª CCmds
(Guiné, 1966/68) / João Borges

Fevereiro / março de 1968

Parte XIV (pp. 33 - 35)





(Continua)


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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P22063: Os nossos seres, saberes e lazeres (444): Quando vi nascer a Avenida de Roma (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Fevereiro de 2021:

Queridos amigos,
No princípio era o Verbo, o Verbo foi a chegada à Rua António Patrício, chegar, ver e vencer. Dizem que a nossa infância tem muito de aborrecido, dei pouco por isso, com uma mãe daquelas, combativa e solícita, falando sempre verdade quanto às nossas dificuldades, ensinando-me cedo as regras da autonomia, com aquele olival em frente de casa, talvez ali plantado nos tempos do Sr. Marquês de Pombal, as brincadeiras, os amigos de todas as proveniências, a escola, a Biblioteca Municipal das Galveias, com o Mosquito, o Cavaleiro Andante e o Mundo Aventuras, a geografia em plena ebulição, ver aquelas artérias rasgadas, as alterações do comércio e os primeiros vagidos da sociedade de consumo. Assim aconteceu na minha infância e adolescência, num bairro configurado em linhas morais do Estado Novo, casas grandes para famílias grandes, até chegar ao que hoje designamos por T2, e que podiam ser casais com dois filhos. Muitos funcionários, no meu prédio havia alguém ligado ao Sindicato dos Caixeiros, outro nos serviços administrativos no Hospital Júlio de Matos, uma enfermeira-parteira, um funcionário das atividades económicas, que nos alegrava os fins de tarde a dedilhar o piano com valsas nobres e sentimentais. E tudo muito próximo, um elétrico punha-nos até á entrada do Lumiar em 18 minutos, autocarros que vinham da Encarnação até ao Cais do Sodré, seguiu-se o metropolitano que ligava Entrecampos aos Restauradores, a malha alargou-se, vimos nascer a Cidade Universitária, a Biblioteca Nacional, desapareceu uma fábrica de têxteis e apareceu um quartel, hoje edifício da Lusófona. E preparem-se, serei naturalmente excessivo nos epítomes e litanias ao frondoso Campo Grande da minha meninice. E afinal tão próximo da Avenida de Roma.

Um abraço do
Mário


Quando vi nascer a Avenida de Roma (2)

Mário Beja Santos

Cheguei às quintas do Visconde de Alvalade em 8 de março de 1952, a rua de nome António Patrício, diplomata e escritor assim-assim, praticamente esquecido, coube-nos um rés-do-chão no n.º20, neste roteiro de memória fixo a imagem do n.º 12, do rés-do-chão esquerdo saía pelas 8:10, 8:15 da manhã o Luís Filipe Salgado de Matos, recentemente falecido, estávamos na mesma turma do Colégio Moderno, eu esperava-o à porta do n.º 20, lá íamos à galhofa Campo Grande fora, às vezes fazíamos paragem no regresso numa biblioteca municipal ao ar livre num espaço onde atualmente há um amplo ginásio, perto de um lago que na nossa juventude estava pejado de cisnes e belo arvoredo envolvente. Muitas vezes fui lanchar a sua casa, a mãe do Luís Filipe, de nome Maria Luísa, gostava muito de mim, eu gostava muito da companhia do Luís Filipe, inteligente e bom conversador.

A zona residencial cheirava a fresco, tinha aquele contraste um tanto grotesco de haver uma quinta com muros ainda setecentistas encostados ao alcatrão, comércio não havia, virá mais tarde com os prédios verdes, quando nascer a Avenida dos Estados Unidos da América, Avenida de Roma abaixo até à Praça Mouzinho de Albuquerque. Descia com uma lista de compras até à Rua de Entrecampos, era a via comercial por excelência do tempo, ali se ferravam equídeos, havia drogarias, a ampla mercearia de esquina com a Praça Mouzinho de Albuquerque, cabeleireiros, um talho de carne de cavalo, um sapateiro remendão, e muito mais. A miudagem entretinha-se nas suas brincadeiras quer no olival, o remanescente da quinta ao abandono, que confinava cá em baixo, já junto da esquadra com os armazéns que irão desaparecer quando o novo projeto arquitetónico ocupar a velha quinta e plantar ali a Clínica de São João de Deus. Lá para cima, é a Avenida de Roma, tem curiosamente ainda casas do bairro, já lá iremos.

O que agora se impõe referir é que eu andava frenético, viera a meio da primeira classe, supliquei à minha mãe para irmos prontamente até à Escola Primária n.º 151, que hoje dá pelo nome de Escola Básica dos Coruchéus, situada entre a Rua Mário de Sá Carneiro, Rua Fernando Pessoa e Florbela Espanca, queria a tempo e horas retomar os estudos. Caiu-me a alma aos pés, acompanhei a minha mãe, todo ufano, tinha uma sacola feita pela minha avó, livros e cadernos, uma ardósia, lápis e giz. A diretora foi categórica, só podia voltar em outubro, ainda não tinha completado os 7 anos, fiz berraria, pedi à minha mãe para voltar para Algés para acabar o ano letivo, o que é que eu ia fazer até outubro, a minha mãe sossegou-me, não era por acaso que se diplomara no Magistério Primário, pôs-me a fazer cópias e contas, trabalhava na Maternidade Dr. Alfredo da Costa, muitas vezes levava-me e deixava-me no serviço de registo dos recém-nascidos da Maternidade. Ali ficava sentado a ouvir uma senhora de nome Natércia a convocar para o registo seres humanos que vinham com ar feliz ou infeliz, comecei a ouvir falar em mães solteiras, vi pais desgostosos, parecia que aquelas crianças em vez de ser uma fonte de alegria tinham vindo ao mundo para ser um estorvo, a Natércia depois de pedir a identificação aos pais ia preenchendo a certidão, fazia a leitura em voz alta, os presentes assinavam, saíam felizes, menos felizes e até contrafeitos. E assim foi passando o tempo e no início de outubro entrei na escola, conhecia muitos dos miúdos, um grosso era totalmente desconhecido, era a malta de Telheiras, de pé descalço, roupas remendadas ou adaptadas de gente mais crescida, calções com fundilhos, adoravam a escola porque havia uma cantina que dava as refeições sociais, uma sopa bem adubada, um bom carquejo com torresmos e uma peça de fruta, ao findar a escola um lanche, um leite com cevada e pão com talisca de marmelada. Guardei a alegria destes meus companheiros que viviam na miséria, esta comida era-lhes uma bênção.
A minha professora era a D.ª Emília Santos, sempre com o ponteiro na mão, não admitia graçolas. Com os meninos de Telheiras e a malta do bairro mal sabíamos que estávamos a aculturar-nos. Como se fosse hoje, estou a ver a D.ª Emília no estrado em frente ao quadro a garatujar uma sofisticada subtração, houve um ruído insólito, um verter de águas, virou-se de chofre e apanhou o Hermenegildo em flagrante, a parede fumegava urina. “Tu és um selvagem Hermenegildo, porque é que não pediste para ir à casa de banho?”. E o Hermenegildo, com cara de caso, respondeu-lhe com toda a inocência: “Eu estava à rasca Senhora Professora, ou mijava agora ou sujava-me nas calças!”. E D.ª Emília Santos parecia apoplética: “Meu bruto, para que é que se fizeram as casas de banho?”. E o Hermenegildo replicou com a candura e a sinceridade que o timbrava: “Lá em casa não há casa de banho, Senhora Professora!”.

Esta é a minha escola, em bairro novo a crescer no meio dos descampados, confluem filhos de operários com a pequena burguesia, os meninos de Telheiras vêm de autênticas alfurjas em quintas decrépitas e das azinhagas para lá do Campo Grande.

O discurso da D.ª Emília é para ser tomado a sério, muito do que ela verberava eu já tinha ouvido à minha mãe: a escola serve para inculcar valores, roteia-nos para os princípios, aqui iremos descobrir que pertencemos a um povo com imensa História, que os Portugueses estão espalhados pelo mundo. Aqui aprende-se que a Pátria é coisa que não se discute. Primeiro vamos aprender a língua pátria, dominar as vogais e as consoantes, descobrir os sons que envolvem as sílabas, martelar, articular, abrir e fechar, dou um exemplo: “É um dia de verão. Faz muito calor. Os ceifeiros, curvados, ceifam as cearas. Com as foices cortam os caules. Os carros levam os cereais para as eiras”.
Mal acabava a escola, íamos fazer o reconhecimento das redondezas. Naqueles primeiros anos da década de 1950 este edifício filipino era um pardieiro, aqui os varredores guardavam os seus carrinhos de mão, pás e vassouras, estava tudo decrépito. Anos mais tarde esta região dos Coruchéus embelezou-se com a construção de estúdios destinados a artistas, ainda lá estão e espero que beneficiem muitos e talentosos artistas. O bairro tinha uma curiosidade que nos facilitava a exploração: caminhos alcatroados, uma verdadeira rede arterial entre todas as ruas. Aqui há uns dias atrás, subi com a minha neta a Rua Violante do Céu, junto do antigo cinema Alvalade, passámos pela Escola Primária N.º 33, onde também a minha mãe deu aulas na Campanha Nacional de Educação de Adultos, e andámos por esses caminhos, passando por ruas transversais da Avenida da Igreja, fui-lhe mostrando jardins aprimorados ou desmazelados, outros transformados em arrecadações e até reconheci um pombal, tivemos um nas enormes traseiras da Rua António Patrício, que dava para os jardins da Escola Primário N.º 151.
A minha mãe encontrou rapidamente uma solução financeira para os seus pesados encargos em função do seu magro vencimento de segunda oficial da Maternidade Dr. Alfredo da Costa. Aceitou em horário pós-laboral entrar na Campanha Nacional da Educação de Adultos. E a primeira ocupação que lhe saiu na rifa foi na Fábrica de Borracha Monsanto, na Rua do Centro Cultural, era a artéria do Bairro vocacionada para ter edifícios de escritórios, armazéns, fábricas e até igrejas. Subia-se a Rua Acácio Paiva, transversal da Avenida da Igreja, passava-se o Clube Atlético de Alvalade (onde hoje faço ginástica de manutenção) e do lado direito havia a fábrica, guardei o cheiro da borracha e a indizível alegria de um operário, vestido de fato-macaco, todo brunido depois do seu duche, as mãos enegrecidas e gretadas a percorrer as linhas, e num dado momento formou a palavra esperança, foi silabando e quando acabou olhou para a minha mãe como se lhe tivesse sido dada a notícia do nascimento de um filho, abria-se uma janela para a sua autonomia, para voar mais livremente. No regresso a casa, a minha mãe comentou: “Habitua-te, filho, são estes momentos da vida que nos fazem esquecer todo e qualquer sofrimento”. Muitos anos mais tarde, quando viver na Avenida do Brasil, percorrerei esta rua com duas filhas pequenas e o cão de nome Golias, vamos até à Avenida Rio de Janeiro visitar um poeta octogenário, José Gomes Ferreira, um amigo do coração.
Esta imagem é recente, dá conta como tudo mudou, entaiparam-se os velhos caminhos que permitiam circular resvés os quintais, do lado direito o muro da escola, descíamos a caminho de um espaço onde jogávamos à bola ou ao berlinde, passávamos ao lado da secção feminina, a separação de sexos era obrigatória, a convivência impossível, mesmo na partilha de jogos.
Temos aqui prédios do Bairro Social de Alvalade na Avenida de Roma. Nunca entendi a organização do Bairro, o que é hoje a Praça do Santo António estava destinado a ser um grande pavilhão polivalente, outros interesses se sobrepuseram, de modo que há um lado da Avenida da Igreja dominado ainda por construções do Bairro Social, do lado de lá, em direção à Igreja de S. João de Brito já é outro tipo de construção, mas nas ruas transversais mantém-se a lógica do Bairro Social, um pouco como se irá encontrar na Avenida Rio de Janeiro.
Sempre me acicatou a curiosidade este edifício contíguo ao último prédio do Bairro Social na Avenida de Roma, em direção à Praça do Santo António. Vi-o nascer e cedo me deixei surpreender como é que aquele caixote de cimento ganhara uma outra dimensão com a estrutura posta no 1º andar, trata-se de um detalhe, seguramente económico, que deu outro caráter à construção, ainda hoje contemplo com emoção, está perto do que foi a Pastelaria Sul América, atravessando a rua resta uma relíquia dos primeiros tempos, a Pastelaria Jacaré Paguá.
Importa explicar o porquê desta imagem, não tem nada de atrativa. Mas foi neste ponto que lá de baixo, bem pertinho da estátua dedicada aos Heróis da Guerra Peninsular, vimos os caterpílares, iam começar a escavacar o olival, terraplanou-se toda a estrada até ao Campo Grande, o resto veio por acréscimo, estas quatro belíssimas torres que enquadram o cruzamento, muito mais tarde os prédios verdes do lado direito, e a construção igualmente moderna mas com outros toques de inspiração do lado esquerdo, não se vê, encostada a uma parede ergueu-se um cinema com filmes de culto, o Quarteto, quatro salas, quatro filmes, descia-se em direção ao Bairro de S. Miguel ou subia-se em direção à Avenida de Roma.
Por último, uma referência a quem, construída a Avenida dos Estados Unidos da América, veio habitar por estas paragens. Eram declaradamente quadros, gente de posição, paravam o carro e saía o general Arnaldo Schulz, parava outro carro e saía o maestro Frederico de Freitas, também nos prédios verdes vivia José Estevão Sasportes, mais tarde ministro, mas que era um estudioso da dança, frequentador das tertúlias do Vá Vá, onde se encontravam gente ligada à Poesia 61, ali pontificavam Eduardo Prado Coelho e Laura António. Vamos voltar à Rua António Patrício e passar à Avenida de Roma, vê-la nascer e crescer.
(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 27 DE MARÇO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22043: Os nossos seres, saberes e lazeres (443): Quando vi nascer a Avenida de Roma (1) (Mário Beja Santos)