quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22835: Os nossos seres, saberes e lazeres (483): Guerra e Desporto, mais um artigo de Alexandre Silveira publicado no Jornal Fayal Spor Club, enviado a partir da Mata dos Madeiros (José Câmara, ex-Fur Mil Inf)

1. Em mensagem de 17 de Dezembro de 2021, o nosso camarada José Câmara (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), enviou-nos mais um recorte da sua colaboração no Jornal Fayal Sport Club, a partir da Mata dos Madeiros, Guiné.

Mano Carlos,
Junto mais um dos meus escritos publicados no Jornal “Fayal Sport Club”, em 1971. Infelizmente não consigo saber exactamente o mês da publicação.
Ao tempo, ainda eu estava em Bissau, numa das minhas noites livres fui ao Estádio “Sarmento Rodrigues” para assistir a um jogo de futebol. Independentemente dos objectivos das minhas observações ao jogo e ao recinto, hoje isso pouco interessa, espero que o escrito traga memórias e recordações a alguns dos nossos companheiros.

Abraço fraterno do mano,
José


Recorte do Jornal Fayal Sport Club, com artigo publicado em 1971 pelo nosso camarada José "Alexandre da Silveira" Câmara, hoje radicado nos EUA.
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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22818: Os nossos seres, saberes e lazeres (482): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (22): As surpresas que o Museu de Lisboa nos reserva (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22834: O meu sapatinho de Natal (17): O meu Natal no mato em 1966 (José António Viegas, ex-Fur Mil)

1. Mensagem do nosso camarada José António Viegas, (ex-fur mil do Pel Caç Nat 54 (Enxalé e Ilha das Galinhas, 1966/68), com data de 22 de Dezembro de 2021:

Caro Luís:

Recordando os Natais no mato.

Faz esta noite 55 anos que fomos atacados em Missirá, com grande destruição do destacamento, ainda me lembro dos pessoal de Bambadinca dizer que parecia Roma a arder. Alguns de nós ficaram com a roupa que levaram para o abrigo, o resto ardeu tudo.

Como não chegavam, nem do Enxalé nem de Bambadinca, mantimentos, o meu cabo Ananias disponibilizou-se para tentar caçar alguma peça de caça.

Na véspera de Natal o repasto seria cabrito, que ele confeccionou e muito bem com arroz de chabéu e de sobremesa pudim que tinha escapado, uma lata de pó.
Depois do repasto o Ananias apresentou a cabeça de cabrito que era não só a de macaco cão, tirando o Furriel Costa, que depois de elogiar o repasto, ficou mal disposto, o resto da malta ficou de repetir. Essa caveira guardada como amuleto seguiu-me para todo o lado levando sumiço quando regressei da África do Sul.

Termino desejando um Santo Natal à malta do blogue e que este maldito inimigo termine de vez.

Um abraço
Zé Viegas


Nesta foto o Alferes Marchã do Pel Caç Nat 54 junto ao depósito de géneros destruído
A palhota onde dormiam os três furriéis
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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22829: O meu sapatinho de Natal (16): Mensagens natalícias dos nossos camaradas e/ou amigos: Luís Fonseca; José Carlos Mussá Biai, Valdemar Queiros; Coronel Tirocinado Carlos Cação Silva; Associação Afectos com Letras, ONGD; José Teixeira; casal Giselda e Miguel Pessoa; Joaquim Fernandes Alves

Guiné 61/74 - P22833: Blogues da nossa blogosfera (167): "Os pães e os peixes", conto de Joaquim Mexia Alves no Blogue da Tabanca do Centro



OS PÃES E OS PEIXES

Ali estava na sua sala, sentado, completamente só na noite de Natal, pois os filhos estavam longe e desinteressados da sua vida, a mulher já tinha falecido e a vida madrasta tinha-o deixado apenas nos níveis de sobrevivência, sendo aquela casa o único bem que ainda possuía, não sabia por quanto tempo. Levantou-se e foi à cozinha ver o que haveria para comer na Ceia de Natal. Riu-se interiormente ao pensar em Ceia de Natal, ele que não tinha nada, ter uma qualquer refeição que se assemelhasse sequer a uma ceia, quanto mais a uma Ceia de Natal!

Abriu a caixa do pão e viu que tinha dois pãezitos (já um pouco duros) e numa caixa no frigorifico vazio, um carapau frito que já nem sabia de quando era.

Riu-se novamente, mas agora ruidosamente e disse alto, sabendo que ninguém o ouviria: Agora o que me fazia falta era Jesus Cristo para abençoar estes pães e este peixe e, assim, com certeza não faltaria abundância para uma verdadeira Ceia de Natal.

Pegou nos pães e no peixe, num copo de água e foi sentar-se na sala para comer então a sua paupérrima Ceia de Natal.

Apesar da escassez e de tudo o que estava a passar, a tristeza profunda que lhe causava esta Natal sozinho e sem nada, benzeu-se e agradeceu a Deus pelo pouco que tinha porque, apesar de tudo, haveria outros que nem isso teriam com certeza.

Pegou num pão, partiu-o e, quando se preparava para o começar a comer, bateram à porta.
Pôs o pão de lado, levantou-se e foi abrir a porta.

Era um casal seu vizinho com uma caixa grande nas mãos e que lhe disseram: Ó vizinho, sabemos que está sozinho e com dificuldades. Nós também estamos sozinhos, mas graças a Deus ainda temos que nos chegue e assim lembramo-nos de nos fazermos convidados para passar o Natal em sua casa, pois sabíamos que se o convidássemos o vizinho não iria a nossa casa. Deixa-nos entrar?

Embora envergonhado, abriu a porta e deixou-os entrar dizendo: Mas eu não tenho nada para comer! Tenho apenas uns pãezitos e um peixe!

Eles responderam: Não se preocupe. Trazemos aqui nesta caixa um bom peru assado e recheado, com os seus acompanhamentos, que irá servir de Ceia de Natal a todos nós.
Sem palavras, com a voz embargada, agradeceu e sentaram-se à mesa.

Mas, mais uma vez, bateram à porta e ele lá se levantou para ir abrir.

Desta vez era um casal bem mais jovem, com o seu filho ainda criança, seus vizinhos também, e que lhe disseram: Sabíamos que estava sozinho, que se o convidássemos para nossa casa não iria, por isso viemos fazer-lhe companhia nesta noite de Natal. Espero que não leve a mal e nos deixe entrar.

Bem, pensou ele, se já cá estão uns porque não deixar entrar estes também.

Foram entrando e entregando umas caixas dizendo que eram bolos para adoçar a noite.

E, novamente, lá se sentaram todos à mesa. Ele, já bem mais disposto, perguntou alto se mais alguém bateria à porta.
Ainda não tinha acabado de falar e novamente tocam à porta.

Desta vez era um vizinho, só como ele, mas que vivia bem, e lhe disse: Pensei para mim que estando sozinho e o vizinho também, faria mais sentido vir bater à sua porta, fazer-me convidado e assim fazermos companhia um ao outro. Trago aqui umas garrafas de vinho para acompanhar o que houver para comer.

Espantado, admirado, deixou-o entrar e finalmente sentaram-se à mesa, que agora se apresentava bem guarnecida com o peru e os seus acompanhamentos, diversos bolos e vinho que chegava à vontade para todos.
De repente lembrou-se do que tinha dito alto na cozinha quando estava sozinho, de que o que precisava era de Jesus Cristo para abençoar a comida e assim haver abundância na sua mesa.

Soltou uma gargalhada e contou a todos os outros o que tinha acontecido, o que tinha dito e como via ali a multiplicação dos “pães e dos peixes” e também dos amigos.

Riram-se todos com alegria, rezaram um Pai Nosso em acção de graças e a criança disse toda contente: Hoje é mesmo Natal!!! O Menino Jesus está mesmo aqui connosco!!!

Monte Real, 22 de Dezembro de 2021
Joaquim Mexia Alves
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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22758: Blogues da nossa blogosfera (166): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (73): Palavras e poesia

Guiné 61/74 - P22832: Parabéns a você (2017): Albano Costa, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 4150/73 (Bigene e Guidaje, 1973/74); Carlos Pinheiro, ex-1.º Cabo TRMS do STM/QG/CTIG (Bissau, 1968/70) e Felismina Costa, Amiga Grã-Tabanqueira



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Nota do editor

Último poste da série de 20 de Dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22822: Parabéns a você (2016): José Botelho Colaço, ex-Soldado TRMS da CCAÇ 557 (Cachil e Bafatá, 1963/65) e José Casimiro Carvalho, ex-Fur Mil Op Esp da CART 8350/72 e CCAÇ 11 (Gulieje, Gadamael e Paunca, 1972/74)

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22831: Fotos à procura de...uma legenda (159): Cais de Alcântara ou Cais da Rocha Conde de Óbidos ? (Lucinda Aranha, escritora)

Lisboa > Agosto de 1960 > O Sene Sané, o meu pai, Manuel Joaquim Prazeres, na ponta direita e aminha mãe, ao maio. Vieram, com outras senhoras, depedir-se do Elísio (o segundo a contar da esquerda) que ia partir para Cabo Verde, por via marítima...

Foto (e legenda): © Lucinda Aranha (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Três mensagens da Lucinda Aranha, com datas de 15 e 16 do corrente;

Lucinda Aranha, foto à esquerda: (i) escritora, filha do Manuel Joaquim dos Prazeres, o homem do cinema ambulante no nosso tempo, na Guiné, (ii) professora de história, nio ensino secundário, reformada; (iii( autora de uma biografia ficcionada do pai, a que chamou "romance": "O homem do cinema: a la Manel Djoquim i na bim", Alcochete, Alfarroba, 2018, 165 pp.; (iv) autora também dos livros "Melhor do que Cão é ser Cavaleiro" (Colibri, 2009) e "No Reino das Orelhas de Burro" (Colilibri, 2012), este último recheado de histórias e memórias dos tempos em que o seu pai viveu, em Cabo Verde e na Guiné, desde os anos 30 até 1972; (v) tem cerca de 3 dezenas de referências no nosso blogue; (vi) é membro da nossa Tabanca Grande desde 15/4/2014; (vii) tem página no Facebook, Lucinda Aranha - Andanças na Escrita; e (viii) vive em Santa Cruz, Torres Vedras.


(i) Segue foto do régulo Sene Sané com os meus pais e umas senhoras. Tu verás se vale a pena pô-la. São pessoas da Guiné, mas como te disse não sei quem são e só sei que a foto foi tirada em Lisboa durante as Comemorações Henriquinas.

(ii) O meu amigo cabo-verdiano que me ajudou a datar as fotografias é o rapaz que está na foto. Não o estva a reconhecer- Enviei-lhe a foto e espero qu ele tenha alguma ideia do que se passa. O Aranha diz que a foto foi tirada na Praça do Império ao pe da Doca do Bom Sucesso. Vamos a ver o que o Elísio Branco Vicente diz.

(iii) Afinal, Luís, mais uma vez me precipitei. Creio que que a fotografia não interessa. Além do Sene Sané, dos meus pais, da Maria Rosa, irmã do Elísio, que está ao lado da minha mãe, as outras semhoras são cabo-verdianas, e foram todas despedir-se ao Cais de Alcântara, do Elísio, que partia nesse dia para Cabo Verde. De certeza o Sene Sané foi levado em passeio pelos meus pais até porque conheceu o Elísio em nossa casa.

2. Comentário de Luís Graça:

Lucinda, adoro fotos antigas e das pequenas histórias da gente da nossa geração e da geração dos nossos pais. Não vai mal ao mundo se publicarmos a foto, até porque eu tenho outra pista para precisar o local em que foi tirada. Para mim, não se trata da Praça do Império, e Doca do Bom Sucesso, em Belém, nem sequer do Cais de Alcântara... Mas sim do Cais da Rocha Conde de Óbidos...

De facto, era de lá, do Cais da Rocha Conde de Óbidos, que partiam os navios da marinha mercante para as ilhas adjacentes, e para os territórios ultramarinos, incluindo Cabo Verde e Guiné... E os navios de transporte de tropas para a guerra do ultramar (Angola., Guiné, Moçambique)
...

A prova (insofismável) é o edício do palácio das Janelas Verdes (Museu Nacional de Arte Antiga que se vê em parte, ao fundo, do lado esquerdo (corpo principal), seguido do jardim (interior) e da fachada sul do palácio...O primeiro está está sinalizado com uma cercadura a amarelo, enquanto a fachada sul e o jardim estão sinalizados com cercadura a verde (Foto acima).

O Museu Nacional de Arte Antiga fica sobranceiro ao Cais da Rocha Conde de Óbidos. Do lado poente (entrada primcipal), há um jardim adjcente conhecido como o Jardim 9 de Abril, o Jardim das Albertas ou o Jardim da Rocha do Conde de Óbidos). Logo a seguir, a esse jardim, também do lado poente encontra-se o Palácio dos Condes de Óbidos onde está instalada a sede nacional da Cruz Vermelha. Mas esta parte na aparece na foto em questão...

Mas cabe aos nossos leitores decidir, sobretudo aos lisboetas, que conhecem bem a cidade... Veja-se isto como um simples passatempo natalício (**)...



Lisboa > Gare Marítima de Alcântara (arq. Pardal Monteiro), inaugurada em 1943 > 10 de maio de 2015 > O cais e a gare, vistos do navio-escola "Sagres".



Foto (e legenda): © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Lisboa > Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos > Arquiteto Pardal Monteiro, foi inaugurada em 1948... Foi daqui que partimos, muitos de nós, para a Guiné... Muitos confundem com o Cais de Alcântara, Nos últimos anos da guerra, a partir de 1972, o transporte já se fazia por via aérea, através dos TAM - Transportes Aéreos Militares. (LG)

Foto do domínio público. Cortesia de Wikipedia.

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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22821: Fotos à procura de... uma legenda (158): Tão meninos que nós éramos!... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)

Guiné 61/74 - P22830: Historiografia da presença portuguesa em África (295): Memória dos Felupes, artigo de José Joaquim Lopes de Lima, 1839 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Abril de 2021:

Queridos amigos,
Não é novidade para ninguém que os Felupes sempre atraíram a literatura de viagens, quem percorria a costa que hoje corresponde ao Senegal, até para comerciar o rio Casamansa, debandava estas paragens atraído por alguns elementos exóticos e seguramente pela lenda de que este povo tinha costumes antropófagos. O relato de José Joaquim Lopes de Lima tem notas muito curiosas, começa logo por uma extensa exposição das práticas imateriais de cariz religioso, como bom aprendiz de antropólogo e etnólogo revela-se muito atento aos casamentos e funerais e envereda pela observação dos usos e costumes, indo direito às atividades económicas, aos recursos, às formas de habitar. Nunca refere antropofagia nem as relações interétnicas, os Felupes pertencem ao vasto mosaico dos Djolas que existem no Sul do Casamansa e até ao Rio de São Domingos. Não esquecer igualmente os mercadores e viajantes que se dirigiam para o presídio de Cacheu e comerciavam na região de Farim, seguramente que lhes atiçava a curiosidade esta etnia animista e ciosa da sua identidade.

Um abraço do
Mário



Memória dos Felupes, artigo de José Joaquim Lopes de Lima, 1839 (2)

Mário Beja Santos

O nome José Joaquim Lopes de Lima não nos é estranho, pode aparecer associado às principais narrativas referentes à Senegâmbia na primeira metade do século XIX, podemos juntá-lo aos trabalhos de Conrado de Chelmicki, Senna Barcelos, Travassos Valdez e Honório Pereira Barreto.

De todos os seus escritos, o mais útil e continuadamente estudado pelos investigadores são os Ensaios sobre a estatística das possessões portuguesas na África Ocidental e Oriental, tomos publicados em 1840 e 1846. É no livro I – parte II que descreve a Guiné de Cabo Verde (páginas 80 a 119). Despede-se deste seu trabalho frente à Guiné com a seguinte observação: “Em mais de um lugar nesta obra eu fiz ver os imensos lucros que daria o comércio de Bissau e Cacheu a uma companhia mercantil portuguesa a quem se concedesse o exclusivo da navegação e resgates de compra e venda dentro nos rios de Geba e Farim (e muito mais se ela tentasse explorar de novo o Rio Grande e o Rio Nuno), com a única condição de ela compreender no seu grémio portugueses que se resolvessem, como os nossos antepassados, a ir afrontar por uma vez somente uma febre aguda, para depois gozarem por anos dilatados de todas as vantagens do homem rico e poderoso, sem mais receio pela sua existência, de que se vivessem na Europa”. Esta memória sobre os Felupes foi publicada em O Archivo Popular, Semanário Pintoresco, N.º40, em 5 de outubro de 1839 e no N.º41 de 10 do mesmo mês e ano. Já se fez referência a tudo quanto ele menciona sobre a religião dos Felupes, vejamos agora os casamentos e funerais.

“Os Felupes adotam a poligamia e mudam de mulher quando lhes apraz. No dia do consórcio envia o noivo um pote de vinho de palma a cada uma das chinas (balobeiras) do lugar, para ser derramado e bebido. Em chegando a noite, o noivo e a noiva se dirigem em companhia dos parentes ao covil de jambacós (feiticeiro), e lhe ofertam uma galinha para que ele se digne tirar uma manilha delgada de ferro que tanto o noivo como a noiva trazem no pulso direito; tirada esta pela mão do impostor, a cerimónia está concluída”. E escreve acerca dos funerais: “É uso logo que alguém morrer darem uma salva fúnebre de tiros de espingarda: imediatamente se lhe arma defronte da porta uma espécie de eça feita de paus cruzados à maneira dos tronos antigos: sobre esta se deposita o cadáver amortalhado. Se o morto é mancebo, ou homem na flor da idade, todo o povo se cobre de lama, e se repetem amiudadamente as salvas de espingardaria; se é mulher, não se dão sinais de alegria nem de tristeza; se é velho ou velha todo o mundo se regozija durante o tempo das exéquias: estas duram 24 horas, no fim das quais, tendo aberto a cova no lugar que o defunto tinha indicado em vida, a ela se conduz o corpo em umas andas. A cova não é aberta como as nossas: começam por cavar um poço redondo de 8 ou 10 pés de profundidade e alguns 15 de diâmetro: em um dos lados dele abrem uma pequena mina em que o corpo possa caber e forram-na de tábuas de cibe; trazido ali o corpo descem-no ao poço com muita honra, é introduzido na mina, tapada a entrada com uma tábua, e novamente atulhado o poço”.

E o autor explica que é interdito sepultar pessoas em terrenos de lavoura e que em casa do morto as mulheres cantam e choram três vezes no dia. Falando agora dos usos e costumes, depois de nos dizer que os Felupes são ágeis, robustos em geral, que têm fisionomias interessantes, que não têm beiços grossos nem nariz chato, trata-se de um povo afável, amigo dos brancos (sobretudo dos portugueses), são hospitaleiros. Mas há o reverso: “Uma vez ofendidos, são iracundos, bravos e mais de aplacar, resolutos e firmes no momento da cólera ou no combate; de caráter franco, mas desconfiado e a desconfiança torna-os dissimulados: são teimosos, traiçoeiros, imitadores, imitam mesmo os nomes portugueses, das pessoas e coisas. São muito laboriosos; mas também sabem mal repartir o tempo, e qualquer conversação insignificante é bastante para distraí-los. São incansáveis na agricultura do seu arroz, aferrados a más rotinas e possuidores de um terreno demasiadamente alagadiço.

Os mancebos Felupes enquanto não casam, andam de ordinário nus com um pequeno avental nas partes que a natureza ensina a cobrir, em cuja pele pregam botões que o enfeitam e embaraçam que flutue este avental que é preso em roda das virilhas; na cabeça usam os mais ricos um capacete de cauris furados, enfiados em fio de vela. Os homens casados apenas conservam nos braços uma manilha delgada e um fio de contas no pescoço, com algum anel de cobre no dedo. Tanto rapazes como raparigas, em chegando à idade de casar, aguçam os dentes da maneira mais bárbara: vão a casa do ferreiro, que habituado já a esta operação, com talhadeira e martelo afeiçoa ao uso da moda os dentes do malfadado. De resto, os costumes deste povo são extraordinários para uma nação selvagem: vêm-se entre eles mui raros aleijões, pelo cuidado que têm as mães de abafar ao nascer as crianças que vêm defeituosas. Ignoram os conhecimentos humanos até o que muitas nações bárbaras conhecem: o aspeto do seu nada lhes ensina, apenas conhecem as lunações e dessas só as conjunções; não têm meio algum de figurar tradicionalmente os seus pensamentos nem de memorar as suas épocas; não contam nem nomeiam os meses; e mesmo o dia primeiro de cada ano (que festejam) é amovível à vontade dos grandes, contanto que entre na Lua Nova de Novembro. A sua semana é de 6 dias, 5 dos quais empregam no trabalho, e o 6º em dormir, beber e lutar, tais são os seus divertimentos. Usam também de uma dança modelada ao som do tambor, muito semelhante à de todos os povos africanos. Nas Artes apenas conhecem imperfeitamente a cultura do arroz, a ferraria e a olaria: os seus ferreiros sabem igualmente trabalhar o ferro, o cobre, o latão e a até sabem fundir e caldear estes dois últimos.
As casas felupes são construídas de um barro que em secando é tão rijo como o adobe; são quase todas de forma circular, têm todas uma sala espaçosa que abre comunicação com vários quartos laterais; se não cozinhassem dentro seriam sofríveis. A mobília de um Felupe é um coiro em que se deita, um búzio de mar que lhe serve de candeeiro, uma escudela de pau em que come, as panelas de barro em que faz a comida (que consiste em arroz cozido em água e sal e algumas vezes peixe e marisco)
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Falando da sua economia o autor diz que os Felupes possuem um terreno parte lodoso parte arenoso; mas em toda a parte alagadiço e cortado de rios. A única produção valiosa dos terrenos Felupes é uma imensa quantidade de arroz ordinário, cuja cultura seria suscetível de melhoramento se os cultivadores o fossem de instrução rural: este é semeado em alfobres ou viveiros, e dali transplantado às terras em que produz, como se usa na Europa para com as hortaliças: conservam-no na palha de uns anos para os outros nos sótãos das casas em que todo o ano dura um fumo insofrível, podem muito bem ser estas as causas da cor escura que apresenta, pois ele de seu natural é claro.

As árvores que mais trivialmente se encontram nestes países são o poilão, de que se fazem as canoas; o mangue, bom para lenha; o cibe, excelente para emadeiramento das casas; e a palmeira, de cujo fruto se faz o azeite; é muito raro encontrar árvores frutíferas. Os Felupes vendem muito arroz no presídio português de Cacheu e ao gentio Papel em troca de vacas pequenas. Quando algum branco chega a Bolor para fazer negócio, é do uso mandar ao rei um ou dois frascos de aguardente e algum tabaco, rogando-lhe que venha a casa do seu hóspede para pôr as medidas.

Os Felupes negoceiam pouco em escravos, pois que eles não escravizam pessoa alguma, e apenas servem de corredores dos escravos que lhes remetem do Interior para serem vendidos aos brancos. Os Felupes não cultivam legumes nem hortaliças, mas o seu terreno é muito próprio para uma e outra coisa. Em geral, esta costa não é tão doentia como se supõe. As frutas do país são a banana, a papaia, a laranja e o ananás.

Eis aqui o que pude colher dos costumes felupes, que diversificam algum tanto na forma do governo, mas em tudo o mais se assemelham aos dos outros gentios que povoam as costas da Guiné Portuguesa.


Gravura antiga de Felupe
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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22810: Historiografia da presença portuguesa em África (294): Memória dos Felupes, artigo de José Joaquim Lopes de Lima, 1839 (1) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22829: O meu sapatinho de Natal (16): Mensagens natalícias dos nossos camaradas e/ou amigos: Luís Fonseca; José Carlos Mussá Biai, Valdemar Queiros; Coronel Tirocinado Carlos Cação Silva; Associação Afectos com Letras, ONGD; José Teixeira; casal Giselda e Miguel Pessoa; Joaquim Fernandes Alves



1. Mensagem natalícia do nosso camarada Luís Fonseca, ex-Fur Mil TRMS da CCAV 3366/BCAV 3846, Suzana e Varela, 1971/73, com data de 20 de Dezembro de 2021:


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2. Mensagem natalícia do nosso Grã-Tabanqueiro Eng.º José Carlos Mussá Biai, natural do Xime, a viver em Portugal, que exerce funções na Direcção-Geral do Território, em Lisboa:

Caros Camaradas e Amigos
Os meus votos de Festas Felizes e um excelente Ano Novo.
Que Deus nos dê muita saúde.

Um abração a todos,
José Carlos Mussá Biai


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3. Mensagem natalícia do nosso camarada Valdemar Queiroz, ex-Fur Mil da CART 2479/CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70:

Luís
Desejo a todos os camaradas, amigos e suas famílias um Feliz Natal e um Ano Novo 2022 com saúde.


Abraço
Valdemar Queiroz


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4. Mensagem natalícia do Coronel Tirocinado Carlos E. M. Cação da Silva:

Meu caro Carlos Vinhal,
Estamos em época festiva e mais uma vez afectada pelas circunstâncias conhecidas que nos condicionam as normais condições de vida.
Não quero deixar passar a oportunidade para vos enviar a todos vós, Prof Luis Graça, Carlos Vinhal e Camaradas da Guiné, os meus votos de um Feliz Natal passado em Paz, Saúde e Alegria com as vossas Famílias, e os desejos e a esperança de que o Novo Ano seja melhor que este e satisfaça os nossos anseios de uma normalidade de vida.
Não esquecerei a vossa disponibilidade e forte empenho na tentativa de satisfazerem o meu pedido sobre a Guiné. Com dados tão vagos e nada concretos que nos foram fornecidos não haverá grande possibilidade de sucesso.
Continuo ainda a aguardar o resultado da pesquisa do Arquivo Geral e Exército focada nas CCaç 4143 e 3477.

Para todos o meu abraço amigo,
Cação da Silva


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5. Mensagem natalícia da Associação Afectos com Letras, ONGD

Querid@s Amig@s,
Neste período natalício queremos deixar em nome das meninas, dos meninos e das mulheres que convosco apoiamos na Guiné-Bissau, os nossos mais sinceros votos de Boas Festas e que 2022 vos chegue cheio de saúde, sucessos e muitos Afectos.
Estamos juntos!

Associação Afectos com Letras, ONGD
Rua Engº Guilherme Santos, 2
Escoural , 3100-336 Pombal
NIF 509301878
tel - 91 87 86 792
venha estar connosco no www.facebook.com/afectoscomletras


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6. Mensagem natalícia do nosso camarada José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70:

Caríssimos amigos e camaradas
Estamos em tempo de Natal.
Seria bom para todos nós se conseguíssemos que o Natal acontecesse todos os dias do ano.
É verdade que entre os membros da Tabanca Grande há quem acredite que é possível e quem o tente fazer.
No entanto, este tempo do ano é reservado para todos nós pensarmos Natal.
Tempo de ir ao encontro dos velhos amigos.
Tempo de recordar outros tempos.
Tempo de SER pessoa. Sentir-se pessoa
Tempo de ser presente na vida uns dos outros, que nós trocamos em tempo para dar presentes aos outros
...e deixamos que o Natal se vá embora.
...E também é tempo de um bom bacalhau.
Com festa e alegria junto das nossas famílias

Eu gostava que todos os camaradas e amigos tivessem um Natal Feliz.


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7. Mensagem natalícia do casal  Giselda Pessoa (ex-2.º Sargento Enfermeira Paraquedista) e Miguel Pessoa (Coronel Piloto Aviador Reformado):

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8. Mensagem natalícia do nosso camarada Joaquim Fernandes Alves, ex-Fur Mil da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68:

Camarada e Amigo, Carlos Vinhal
Boa noite
Não esquecendo o Homem Grande, Luís Graça, assim como todos os colaboradores do nosso blogue e todos os camaradas que dele fazem parte, votos de um Bom Natal e um ano 2022 com saúde.

Cumprimentos para todos
Um grande abraço
Joaquim F. Alves (ZORBA Cart 1659)

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Nota do editor

Último poste da série de 20 de Dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22826: O meu sapatinho de Natal (15): Boletim nº. 073 de “Olhar do Mocho” – Órgão Informativo e Cultural da Associação Cultural e Social dos Seniores de Lisboa (Academia de Seniores de Lisboa), dedicado ao Natal (Mário Vitorino Gaspar)

Guiné 61/74 - P22828: Notas de leitura (1401): "Adeus... até ao meu regresso": livro de memórias fotográficas de 56 antigos combatentes, naturais de Vila Real, incluindo o Miguel Rocha, ex-alf mil inf, CCAÇ 2367/BCAÇ 2845, "Os Vampiros" (Olossato, Teixeira Pinto e Cacheu, 1968/70) - Parte I

 

Feliz capa do livro "Memórias fotográficas da guerra colonial: Angola, Guiné, Moçambique, 1961-1974". editado pelo Grupo Vila-Realense de Ex-Combatentes do Ex-Ultramar. Coordenação: Carlos Almeida e Duarte Carvalho. Vila Real, 2021, 191 pp. Foto da capa: Guiné, 1966, coleção de José Ferreira Barros.


1. Chegou-nos, pelo correio, um exemplar desta obra, com dedicatória, oferta do nosso camarada Miguel Rocha, membro da Tabanca Grande desde 21/11/2019, natural de Vila Real, a residir em Oeiras: 

"Para o amigo Luís Graça com um abraço do transmontano Miguel Rocha, 12/12/20212". (Às vezes, ele brinca com a região da sua naturalidade, dizendo-me: "Olha, é o Rocha, o transmontano, não o alentejano"!... Na Tabcanca da Linha, onde o conheci, eu achava que ele era alentejano,  por ser amigo, vizinho e companheiro de mesa do Manuel Macias, que, esse, sim, é da Aldeia Nova de São Bento, Serpa...)


O Miguel é um dos 56 ex-combatentes, naturais de Vila Real, que passaram pelos teatros de operações de Angola, Guiné e Moçambqiue, entre 1961 e 1974, e quiseram agora partilhar as fotos dos seus álbuns, numa bonita iniciativa que, se não é inédita, tem  grande mérito e pode até servir de exemplo (contagiante) para outros grupos.

O pretexto são os 60 anos do início da guerra do ultramar / guerra colonial e o objetivo desta obra é singelo, mas nem por isso digno de realce: dar a conhecer "retalhos do nosso dia-a-dia" destes homens, uma valiosa contribuição, afinal, para a"pequena história" que tem de (ou deve...) ir a par da "grande história" com a H... 

É uma homenagem também aos 15 vila-realenses que perderam a vida neste conflito, e cuja memória é lembrada, todos os anos, a 1 de dezembro, por este grupo de ex-combatentes.

Grato ao Miguel e demais camaradas que congregaram esforços para a materialização deste projeto, deixo aqui alguns excertos da obra, numa primeira nota de leitura.

Mandei há dias ao Duarte Carvalho a seguninte mensagem:

 "Duarte, parabéns pelo vosso trabalho (e em especial pelo teu). O Miguel Rocha já teve a gentileza de oferecer ao blogue um exemplar do vosso livro e vamos dar-lhe o devido destaque, com menção da lista de autores, e ficha técnica, e reprodução de algumas fotos (uma de cada TO).

Peço desculpa por não ter publicado, em tempo oportuno, o teu convite . Houve um lapso na gestão do correio. Mas farei referência à cerimónia. Vejo que fazes falta aqui no nosso blogue e na nossa Tabanca Grande. Aceita o convite para te juntares a esta comunidade virtual, dos amigos e camaradas da Guiné, e onde já estão camaradas transmontanos como o MIguel e outros,


Em 24 de novembro passado, o Duarte Carvalho mandara-nos a notícia (e o convite) do lançamento da obra:

"Dia 1 de Dezembro de 2021 pelas 15h30 nos claustros do antigo Governo Civil de Vila Real. Apresentação do álbum de fotografias “ADEUS…ATÉ AO MEU REGRESSO”. Memórias fotográficas de 56 Vila-Realenses que participaram na Guerra Colonial (1961/1974). Apresentador: Eduardo Varandas."

Sublinhe-se, com apreço, o apoio a esta obra (ou o patrocínio), dado por diversas instutuições e empresas locais: Câmara Municipal de Vila Real, Junta de Freguesia de Vila Real, Liga dos Combatentes - Núcleo de Vila Real, CIMAGOM, realcópia, CA - Crédito Agrícola e Adega Vila Real.

Reprodução do preâmbulo:






Guiné- Bissau > 1968-70 > Coleção Miguel Rocha:  Dois irmãos na Guiné, Carlos Jorge Ribeiro Rocha, e Miguel José Ribeiro Rocha. Foto Iris (Bissau), outubro de 1969.


Guiné> 1968-70 > Coleção Miguel Rocha: s/d, s/l >  O Miguel 


Guiné > 1968-70 > Coleção Miguel Rocha: s/d, s/l >  O Miguel é o primeiro da esquerda  

O Miguel Rocha foi alf mil inf, CCAÇ 2367/BCAÇ 2845, "Os Vampiros" (Olossato, Teixeira Pinto e Cacheu, 1968/70).  O irmão Carlos esteve no sul, na região de Tombali, em Aldeia Formosa (1969/71), segundo informação (telefónica) do mano. Vive em Vila Real.

(Pág. 87)


segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22827: In Memoriam (420): Jaime Brandão, ex-Fur Mil Pil da FAP, falecido em 18 de Dezembro de 2021 - Adeus e até já, Jaime. Partiu hoje um dos maiores amigos que tive na minha vida! (Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp)

1. Com a devida vénia ao nosso camarigo Joaquim Mexia Alves (ex-Alf Mil Op Especiais da CART 3492/BART 3873, Xitole/Ponte dos Fulas; Pel Caç Nat 52, Ponte Rio Udunduma, Mato Cão e CCAÇ 15, Mansoa, 1971/73) e ao Blogue da Tabanca do Centro, reproduzimos o Poste 1321 de 19 de Dezembro onde o Joaquim se despede do seu velho amigo Jaime Brandão, ex-Fur Mil Piloto da FAP, recentemente falecido por doença.


ADEUS E ATÉ JÁ, JAIME!

Partiu hoje um dos maiores amigos que tive na minha vida!

As histórias com o Jaime Brandão são inúmeras desde garotos, passando pela Guiné, pela dita revolução e até aos dias de hoje.

Por causa da nossa amizade passei fins de tarde quase contínuos na BA5, mormente na Esquadra dos Falcões, e por isso mesmo me foi concedido algo único na minha vida: um voo de A7.

Claro que, embora houvesse outros “candidatos” amigos que me queriam levar, não poderia deixar de ser o Jaime a dar-me esse raro prazer, quase impossível a civis.

Foi um dia memorável.

Tal como o dia em que, envolvido na primeira Operação Militar na Guiné, no segundo mês da minha chegada, com o camuflado ainda a “cheirar a goma”, desembarco no quartel de Porto Gole e quando estou a subir a rampa para as instalações vejo o Jaime vir direito a mim a sorrir e abraçando-me com toda força.

Perguntei-lhe como era possível ao que ele me respondeu a sorrir que sabia que eu estava envolvido naquela Operação e que ia desembarcar em Porto Gole para passar a noite e como vinha de regresso a Bissau, declarou que tinha a porta aberta do DO27 e que tinha de aterrar em Porto Gole.

As histórias são inúmeras, (de dia ou de noite), e todas elas são memórias fantásticas que me trazem agora lágrimas aos olhos

O Jaime era um homem franco, honesto, sério, que não pedia licença para dizer o que pensava e sentia, mesmo que isso lhe acarretasse incompreensões ou mesmo problemas.

Amigo do seu amigo, levava a amizade muito a sério, tão a sério que não se coibia de me dizer algo que eu fizesse mal, como eu lhe dizia também a ele.

É assim a amizade verdadeira!

Mas tinha também um humor muito especial e vivemos momentos hilariantes ao longo de todo este tempo que Deus nos deu de amizade verdadeira e vivida.

Muitas vezes as nossas conversas eram quase um monólogo tal a identidade de pensamento e opinião que tínhamos os dois.

Em bom e antigo português era quase um: “se um diz mata o outro diz esfola”!

Espero, (fazendo humor), que no Céu haja cerveja, porque ele tem que ter uma esplanada onde a beber esperando por mim e por muitos mais que nos faziam companhia.

Pouco apreciador do cozido que habitualmente nos era servido nos nossos convívios, isso limitou a sua presença à mesa connosco. Mas não deixou de estar presente por várias vezes, satisfazendo-se com a sopinha do cozido ou, numa situação pontual, com uma feijoada vegetariana trazida de propósito de Lisboa pela sua camarada e amiga Giselda.

Há homens que nunca fizeram nada por Portugal e são recordados como se o tivessem feito.

O Jaime foi voluntário para a Força Aérea, serviu o seu país na Guiné e em Portugal, serviu o seu país na sua profissão como civil, lutou por um país melhor do que o “politicamente correcto”, e ninguém, com certeza desta gente que nos governa terá uma palavra para ele, o que ele, julgo eu, até agradece.

Envolvo a sua família, mulher, filhas, netos, irmãs e irmão no meu estreito e muito amigo abraço, sem palavras que as não tenho para dizer.

Estou profundamente triste, embora acredite que aos homens bons como o Jaime, Deus tem sempre junto de Si, mas isso ainda não mitiga a saudade imensa que já sinto em mim.

Como dizemos em Monte Real, pelo menos no tempo em que eramos garotos, quando as pessoas se encontram: Adeus!

Eu digo-te, Jaime meu querido amigo, adeus e até já!

Marinha Grande, 18 de Dezembro de 2021

Joaquim Mexia Alves

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Notas do editor:

À família do nosso camarada Jaime Brandão, a tertúlia e os editores do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné apresentam as suas mais sentidas condolências.

O Jaime Brandão participou no V e VI Encontros Nacionais da Tabanca Grande em Monte Real. Nesta foto em conversa com o Victor Barata, também ex-militar da Força Aérea Portuguesa e também ele recentemente falecido.

Último poste da série de 25 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22749: In Memoriam (419): Tibério Paradela (1940-2021), capitão da marinha mercante, um "lobo do mar" ilhavense, que nos deixa um notável testemunho da epopeia da pesca do bacalhau, no seu romance "Neste mar é sempre inverno"