sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24839: Notas de leitura (1632): "No Limiar da Guerra", por José Manuel Barroca da Cunha; RARO, Tomar, 2021 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Maio de 2022:

Queridos amigos,
Já sabemos que aquele ano de 1961 foi caracterizado por muita ação subversiva, por um lado Rafael Barbosa ia encaminhando centenas de jovens para Conacri e daí para a formação militar, eram distribuídos panfletos, agiam vários grupos políticos, rivais ferozes do PAIGC. Um deles, constituído por Manjacos residentes no Senegal, orientados por François Mendy, provocará alguma turbulência em São Domingos, Suzana e Varela, e mais tarde juntos dos madeireiros da região Norte, foi tempestade de pouca dura. Mas é verdade temos inventariados documentos que abonam as hostilidades a partir do 2º semestre de 1962, na região Sul, que entra numa verdadeira efervescência, não havia de facto um romance como este, descrito por alguém que desembarcou do navio Alfredo da Silva no cais do Pidjiquiti em 19 de fevereiro de 1961. O autor assegura que esta história é muito real, é um ribatejano que se radicou na região tomarense, figura muito estimada pela sua dedicação às atividades desportivas, a um verdadeiro benevolato. Bom seria que Barroca da Cunha, que parece estar cheio de genica, entrasse na nossa tabanca grande e nos contasse tudo quanto viveu entre 1961 e 1963.

Um abraço do
Mário



Um tomarense de coração que chegou à Guiné no limiar da guerra

Mário Beja Santos

Barroca da Cunha é natural da Praia do Ribatejo mas vive há décadas em Santa Cita. Segundo o autor, o livro baseia-se em factos reais, chegou a bordo do navio Alfredo da Silva a Bissau em 19 de fevereiro de 1961, ano já de grande efervescência subversiva, o núcleo do PAIGC coordenado por Rafael Barbosa já está a recrutar muitos jovens que vão para Conacri ou já partiram para a formação revolucionária armada, nesse mesmo ano grupos de etnia Manjaca procurarão atacar a povoação de São Domingos, com pouco sucesso, e vandalizarão em Suzana e Varela, manter-se-ão ativos a aterrorizar na fronteira norte, nada tinham a ver com o PAIGC. Barroca da Cunha encontra no cais do Porto de Bissau um amigo de longa data, ele é natural da Guiné, é o grande homenageado neste livro.

Tudo começa no Colégio Nun’Álvares de Tomar, fazem amizade Simão Galhardo, alentejano do Crato, ligado a uma família de grandes proprietários, com António Jorge Barbosa Gonçalves, o Tojó, natural da Guiné. Temos aqui a narrativa de dois jovens nascidos à volta de 1940 a viver em internamento, iremos saber as razões por que a família de Simão lhe impôs tal castigo, houve para ali uma série de aventuras amorosas com a empregada Rosinda que vivia com o Joaquim Pinoia enquanto este fazia a tropa num quartel do norte, o Simão tem tal castigo que nem aos fins-de-semana pode ir a casa, ora a sua amizade com o Tojó agradou à família, este agora é visita regular ao Crato, temos a descrição dos bailes e festas como era prática do tempo, aqueles dois amigos quase inseparáveis andam sempre na folia. O pai de Tojó é um colono um tanto diferentes dos outros, trata os seus trabalhadores indígenas com muita dignidade, os outros colonos não gostam de tais liberalidades.

Estes jovens de 20 anos vão parar à Guiné, Simão não quer cunhas dos pais junto dos governantes, Tojó tem saudades dos pais e da irmã, vamos ver o seu enquadramento na vida militar de Bissau, há muito marasmo, desconhecimento da dura guerra que se avizinha, o armamento é mais do que antiquado, ambos fazem amizades, Simão vive na mesma casa com Trigo Vargas, um franzino que enjoou durante toda a viagem, dá gosto ler estes frescos de alguém que reteve conversas possíveis entre jovens, sempre prontos para o bailarico, é nisto que entram em cena dois agentes da PIDE que têm como missão aperceber-se se junto daquela tropa branca há comunistas a trabalhar junto do descontentamento ou a aliciar outros jovens. Aparece também uma médica de família goesa, a delegada de saúde, uma trintona amadurecida, que se atira a Simão Galhardo, a relação não faiscou. A trama do romance traz para o tempo presente gente do passado, Rosinda casou com um dos PIDES, o agente Saraiva, Rosinda tenta reatar a relação com Simão, este nega-se a infidelidades, Rosinda promete vingança, Joaquim Pinoia tem o seu negócio, sente-se feliz com a mulher e filhos. O chefe dos PIDES alerta os seus agentes para a importância dos cabo-verdianos, é gente com maiores conhecimentos académicos, estão nos lugares do topo, cuidado com eles, é preciso muita vigilância.

Simão dá-se bem com o major Frutuoso, o seu chefe, natural de Alpalhão, é o seu ajudante, têm que preparar informações sobre o que se está a passar na Guiné. Os amigos encontram-se com muita regularidade, há inclusivamente um comissário daquele navio que trouxe Simão que quando vem até Bissau é uma gostosa companhia, as reuniões entre PIDES prosseguem, há festas para aqui e para ali, os agentes confessam ao chefe local da polícia política que aqueles militares é tudo gente inocente, falam unicamente de garotas, bailes e de fugazes encontros, o chefe exige persistência, há perigos que se avizinham. E abruptamente tudo se altera, lá no grupo há quem fale que houve baladas, está presente um agente da PIDE, Trigo Vargas será detido e bem maltratado, surpreendentemente irá fugir para o Senegal e acompanhado. No norte da Província alguém foi degolado, há deserções, desapareceram armas. Simão veio de férias, o seu amigo Tojó informa-o do que se está a passar com Trigo Vargas, Simão será interrogado pela PIDE, é uma dimensão interessantíssima deste livro os interrogatórios a que ele vai ser sujeito, fala-se em livros e revistas proibidos, música do Zeca Afonso, Simão completamente siderado com os aspetos disparatados das perguntas, iremos a saber que Rosinda também mete o seu veneno e iremos ser surpreendidos quando aparecer o nome do chefe.

A agitação no Norte, aquelas deserções e o cabo degolado levam a que se mande um pelotão para a fronteira com o Senegal, o major, Simão e Tojó viajam para ter conhecimento do que ali se passa, vão no jipe, haverá para ali uma perseguição, um militar impreparado pega numa pistola-metralhadora FBP e acidentalmente atinge Tojó, Simão esforça-se por o manter vivo e vêm à procura de ajuda no hospital de Bissau, nesse tempo o hospital militar ainda está em construção. Se a viagem para cima não fora fácil, o regresso foi pior, só havia alcatroado até Mansoa, a picada sofria as consequências da época das chuvas, foi o cabo dos trabalhos, Tojó morrerá no hospital, Simão revela-se inconsolável.

Caminhamos para o termo do romance, temos as exéquias de Tojó na Sé Catedral, um mar de gente acompanha-o até ao cemitério, negros simples prestam-lhe a sua homenagem, nas melhores vestimentas de cores aguerridas, compareceu o Governador, o Chefe de Estado-Maior, o Presidente da Câmara de Bissau, o Gerente do BNU. No regresso o major Frutuoso conversa com Simão: “De uma vez por todas, é necessário que se alerte de forma firme quem toma decisões. O aviso está feito, já houve mortes, os indicadores de todas as guerras. Esta última ainda não se apresentou muito a sério, mas não tarda a guerra, ela chegará. É preciso organização, preparação. Que todos se consensualizem que é preciso ação, é preciso atuar.” E deixa no ar que a única maneira de honrar Tojó seria a de evitar que muitas mais se deem. Que a morte do Tojó não tenha sido em vão. É este o surpreendente teor do romance de Barroca da Cunha, um tomarense de coração que assistiu ao limiar da guerra da Guiné.
Barroca da Cunha a assinar o seu livro No Limiar da Guerra, em 31 de março passado, na Secção Regional de Tomar do Sindicato dos Bancários
A Associação Cultural e Recreativa de Santa Cita atribuiu o nome de Barroca da Cunha ao Pavilhão Polivalente
Lançamento do livro No Limiar da Guerra, na Informação da Associação dos Pupilos do Exército
O arquiteto Schiappa Campos a mostrar a Felupes o catálogo de fotografias A Família do Homem. O registo data do seu trabalho na Guiné entre 1956 e 1960. Imagem doada pelo autor ao Instituto de Investigação Científica Tropical em 2014 e apresentada na exposição “Moranças - habitações tradicionais da Guiné Bissau”, que decorreu no Museu Nacional de História Natural e da Ciência
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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24826: Notas de leitura (1631): Uma nova leitura da incontornável entrevista de Carlos de Matos Gomes sobre a descolonização da Guiné (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24838: S(c)em Comentários (14): Os fulas, que se alistaram nas forças armadas portuguesas, valorizavam o dinheiro, mas nunca perdiam de vista o mais importante que eram objectivos políticos a longo prazo (Cherno Baldé, Bissau)


Guiné > Região de Bafatá > Fá Mandinga  (?) > c. 1970/72 > O tenente graduado 'comando'  João Bacar Djaló,  rodeado de pessoal da 1ª CCmds Africanos. Entre outros, é possível identificar o furriel “Dico” Andrade, o 1º da esquerda, o furriel Orlando da Silva, ajoelhado, no meio e o 1º da direita, em cima, o soldado Francisco Gomes Nanque, que esteve preso na Libéria após a operação a Conacri. 

Foto de Amadu Bailo Djaló, publicado na pág. 190 do seu livro, " "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada. 
 


Cherno Baldé, quadro superior
com formação em  economia e gestão,
vive e trabalha em Bissau;
colaborador permanente do nosso blogue:
 integra a Tabanca Grande
desde 19/6/2009;
1. Comentário de Cherno Baldé ao poste P24832 (*):


"Amadu, vais ser oficial. E a questão do vencimento vai resolver-se (...)".

O Amadu Djaló, com 32 anos de idade, dos quais 8 como soldado, estava cansado da guerra e do corre-corre da vida militar, sobretudo, dos comandos onde servia desde 1964.

Mas, no entendimento do seu Comandante [major inf 'cmd' A
lmeida Bruno], o problema era, antes de mais, financeiro, o dinheiro. E o Amadu, se acreditarmos no que está escrito no texto, não dá quaisquer sinais de discordar desta análise do seu superior.

Na minha opinião, esta deve ter sido a atitude prevalecente entre os soldados nativos e sobretudo dos comandos e que fazia pensar que estes soldados não lutavam por qualquer outra causa que não fosse pelo dinheiro.

Provávelmente, seria o caso para muitos que estavam a combater do lado português, mas a verdade é que, para uma grande maioria, sobretudo da etnia fula (fulacundas), e em especial as autoridades "gentílicas", a escolha entre os dois lados era óbvio, pois a sua aliança com as autoridades portuguesas tinha motivações de sobrevivência do seu poder (tribal) sobre os outros grupos rivais no mesmo território e que tinha sido duramente conquistado havia poucos anos antes do domínio europeu em África.

Estes,  sim, valorizavam o dinheiro, mas nunca perdiam de vista o mais importante que eram objectivos políticos a longo prazo que, inclusive, poderiam se transformar em conflitos com o poder colonial.

Cordialmente, Cherno Baldé  | 9 de novembro de 2023 às 00:12
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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 8 de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24832: S(c)em comentários (13): Éramos todos iguais mas uns mais do que outros... (Amadu Djaló dixit, mas por outras palavras)

Guiné 61/74 - P24837: Parabéns a você (2221): Jorge Araújo, ex-Fur Mil Op Especiais da CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 9 de Novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24833: Parabéns a você (2220): António da Costa Maria, ex-Fur Mil Cav do ERec 2640 (Bafatá, 1969/71); António João Sampaio, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 15 e ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 4942/72 (Mansoa, Barro e Bigene, 1973/74) e João José Alves Martins, ex-Alf Mil Art do BAC-1 (Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/70)

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24836: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (16): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo II - Actividades no TO da Guiné - Operação "Jaguar Vermelho", de 26 de Maio a 8 de Junho de 1970 na região do Morés



"A MINHA IDA À GUERRA"

16 - HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: CAPÍTULO II - ACTIVIDADES NO TO DA GUINÉ

OPERAÇÃO "JAGUAR VERMELHO", DE 26 DE MAIO A 08 DE JUNHO DE 1970 NA REGIÃO DO MORÉS

João Moreira


Furriel Moreira e alferes de 2.ª Linha Suleimane
Furriel Moreira num posto de vigia


1 - O MEU COMENTÁRIO AO DIA 26 DE MAIO DE 1970

OPERAÇÃO JAGUAR VERMELHO

1970/MAIO/26 ÀS 09H00M

Às 09H00 o meu grupo de combate (4.º GComb), reforçado com 15 milícias, saiu para a região de BISSANCAGE, onde encontrou um trilho muito recente e batido, de MORÉS para MADINA MANDIGA e o alferes Silva decidiu emboscar neste local.
Enquanto o alferes Silva estava a instalar os primeiros elementos do 4.º grupo de combate, que eram milícias, surgiram 2 elementos inimigos armados. Deste contacto resultou o ferimento e captura de 1 elemento inimigo e a fuga do outro.
Do contacto também resultou a morte de um soldado milícia nosso, que foi morto pela rajada dum soldado nosso (F.R.) que, por precipitação ou por medo fez fogo para o local onde estava o alferes e os milícias e só parou o fogo quando o alferes e os milícias gritaram para parar. Não sei se o alferes avisou do que se estava a passar, mas o soldado tinha obrigação de saber que estavam ali os nossos militares.

Quando a situação estava controlada e trouxeram o guerrilheiro para o local onde estava o resto do grupo de combate, os outros milícias queriam matá-lo à pancada. Tive que intervir para acabar com esta cena de vingança. Mas há uma frase dum soldado milícia nosso que não esqueci, nem esquecerei e que é a seguinte:
"Furriel, se "turra" apanha nós (e fez um gesto com o dedo indicador no pescoço (= corta-nos o pescoço OU mata-nos) mas se apanhar pessoal branco trata-o bem".

Quanto aos 15 elementos do PAIGC é um número exagerado. Eu vi-os bem e de perto, mais ou menos a 20 ou 30 metros.
Por coincidência, este grupo foi detectado pelo soldado que tinha feito a rajada no contacto anterior e voltou a agir por conta própria.
Não avisou o furriel Ramalho, que comandava a secção dele, nem os camaradas.
Sem ordem dos superiores, apontou a G3, premiu o gatilho, mas a bala não percutiu.
Foi nessa altura que eu vi, a cerca de 20 a 30 metros, o grupo inimigo que fez fogo com RPG e metralhadora, sem consequência para nós.



2 - O MEU COMENTÁRIO AO DIA 31 DE MAIO DE 1970

OPERAÇÃO JAGUAR VERMELHO

1970/MAIO/31

Às 06H30 rebentou uma armadilha montada por nós na véspera.
Os guerrilheiros reagiram com rajadas em várias direcções, para ver se nós denunciávamos a nossa presença e locaçização.
O Rafael de Jesus Lopes, apontador de morteiro 60 do meu grupo de combate reagiu e eu chamei-o à atenção por ter feito fogo sem eu ter dado ordem. Ele respondeu que foi ordem do nosso capitão.
Eu não teria dado ordem, porque o fogo inimigo tinha todo o aspecto de ser para saber se e onde nós estávamos.
Após este contacto fomos ver o resultado da armadilha acionada e mudar de local porque já estávamos detetados. Nessa altura verificamos sulcos de arrastamento no chão, além de sangue e uma sandália plástica ensanguentada.
Retiramos para um local onde seria feito o reabastecimento de água.

Instalamos os 3 grupos de combate (2.º e 4.º grupos de combate da CCav 2721, mais o grupo de milícias), em círculo para o heli pousar e deixar a água.
O capitão MOURA BORGES ficou numa zona central, junto a uma árvore de grande porte.
Bastante tempo depois de a Companhia se ter instalado, fomos surpreendidos com um forte ataque com morteiros, RPG e armas ligeiras.
Reagimos o melhor que soubemos e pudemos - éramos periquitos, com 45 dias de Guiné - e lá conseguimos conter o ataque.
No rescaldo do ataque, tínhamos o capitão, o alferes Silva, do meu grupo de combate, e alguns soldados e milícias feridos com estilhaços. Atendendo à gravidade dos ferimentos, o capitão e o alferes tiverem que ser evacuados.
Havia mais militares com alguns estilhaços, mas não foram evacuados, porque não eram graves.
O reabastecimento de água foi feito nesta ocasião. A água veio em pipos de vinho, que lhe davam um sabor horrível, segundo informaram os soldados que beberam dessa água.

Com estas evacuações,  a Companhia passou a ser comandada pelo alferes Pimentel do 2.º grupo de combate, e o 4.º grupo de combate passou a ser comandado por mim (furriel miliciano Moreira).

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24816: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (15): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo II - Actividades no TO da Guiné - Abril / Maio 1970

Guiné 61/74 - P24835: Por onde andam os nossos fotógrafos? (14): João Martins, ex-alf mil art, BAC1 (Bissau, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/70) - Parte I: Em Piche, em setembro de 1968, com o 12º Pel Art (11.4cm)


Guiné > Região de Gabu > Piche > Setembro de 1068 >  12º Pel Art (11,4 cm) > Foto nº 95/199 > O régulo de Piche veio, em nome da população, dar as boas vindas ao Pel Art e ao seu comandante, o Alf Mil Art Martins. Fim da jornada. (Não sei quantos dias levou...).


Guiné > Bissau > Rio Geba > LDG 101, "Alfange" > Setembro de 1968 > Coluna Bissau - Bambadinca - Bafatá - Nova Lamego - Piche >  Foto nº 68/199  > 12º Perl Art e peças de artilharia 11.4 a caminho de Piche, ao lado de garrafões de vinho...


Guiné > Região de Bafatá  > Rio Geba (Estreito) > Bambadinca > LDG 101, "Alfange" > Setembro de 1968 > Coluna Bissau - Bambadinca - Bafatá - Nova Lamego - Piche >  Foto nº 73/199 > Setembro de 1968 > Chegada da LDG ao cais fluvial de  Bambadinca [Vê-se as instalações do Pelotão de Intendência, e ao fundo o início da rua principal de Bambadinca que dava acesso, por uma rampa, ao quartel]


Guiné > Região de Bafatá > Bafatá>  Setembro de 1968 > 12º Pel Art > Coluna Bissau - Bambadinca - Bafatá - Nova Lamego - Piche > Foto nº 76/199 > Em Bafatá, com as peças 11.4 à espera de prosseguirem, em coluna auto, até Piche, via Nova Lamego.


Guiné > Região de Gabu > Estrada Bafatá - Nova Lamego >  Setembro de 1968 > 12º Pel Art > Coluna Bissau - Bambadinca - Bafatá - Nova Lamego - Piche > Foto nº 81/199 > Deslocação na picada a caminho de Nova Lamego (nesta data ainda não havia a estrada alcatroada, Bafatá-Nova Lamego)
 

Guiné > Região de Gabu > Estrada Bafatá - Nova Lamego >  Setembro de 1968 > 12º Pel Art > Coluna Bissau - Bambadinca - Bafatá - Nova Lamego - Piche >  F
oto nº 90/199 > > Paragem obrigatória para descansar... [Em primeiro plano, uma das 3 peças de artilharia, 11.4]


Guiné > Região de Gabu > Piche > 12- Pel Art >  Setembro de 1968 > Foto nº 99 /199> "Em Piche nunca entrei em combate, mas tive encontros imediatos de grande perigo, porque facilitei em demasia"... [Na foto, canhão s/r montado em jipe... Não era uma arma de artilharia, mas uma arma pesada de infantaria...]


Guiné > Região de Gabu > Piche > 12º Pel Art >  
Setembro de 1968 > Foto Foto nº 101/199 >  [O João Martins com uma temível granada de canhão s/r]


Guiné > Região de Gabu > Piche > 12º Pel Art >  
Setembro de 1968 > Foto nº 117/199 > As peças finalmente instaladas. 

Fotos (e legendas): © João José Alves Martins (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da  Guiné]



João José Alves Martins


1. O João Martins é o nosso tabanqueiro nº 540. Entrou em 16/2/2012. Faz hoje anos de vida. Foi alf mil art, BAC1 (Bissau, Bissum, Piche, Bedanda, Guileje, 1967/70). Tem mais de 65 referências no nosso blogue. Tem página no Facebook (João José Alves Martins). É lisboeta e vive em Lisboa. Continua a fazer fotografia, de eventos sociais e familiares, além de viagens. (Tem um filho, casado, na Suíça.)

O João sempre foi um apaixonado por São Martinho do Porto (onde tem ou tinha casa de verão). E aqui há muitos motivos para belas fotos: a baía de São Martinho do Porto, uma das mais belas do mundo, o pôr do sol, o mar... ou não fora ele filho de oficial da marinha... Conheci-o em Lisboa, onde fazíamos parte de uma tertúlia (os "Caminheiros das Conchas", no Lumiar, em Lisboa, onde ele mora). Trouxe-o também, juntamente com o JERO, para a Tabanca de São Martinho do Porto na altura em que ainda eram vivos os Schwarz (Pepito e Clara, na casa do Facho). Já não o vejo há uns largos anos, desde pelo menos o início da pandemia de Covid-19. É um bom amigo e camarada, afável e conversador.

Temos dele alguns das melhores fotos da nossa artilharia no CTIG (de um total de cerca de 200).  

A sua comissão no CTIG está excecionalmente bem documentada em imagem e texto, tendo passado, com o seu Pel Art e as peças de artilharia ou seus obuses, por diversos aquartelamentos, nomeadamente fronteiriços: Bissum-Naga, Piche, Bedanda, Gadamael, Guileje, Bigene e Ingoré, além de Bissau (onde estava aquartelado o BAC 1).

É autor da série "Memórias da Minha Comissão", que publicámos em 10 postes, de abril a junho de 2012. (*)

Já publicámos também outra série, "Álbum fotográfico do João Martins"... Vamos agora selecionar "o melhor do melhor"... paara a nova série "Por onde andam os nossos fotógrafos" (**).

2. Fica aqui um resumo da sua comissão no CTIG (de dez 1968 a jan 1970)
  • Entrou no COM em Mafra, em janeiro de 1967;
  • No 2.º trimestre tirou a especialidade PCT (Posto de Controlo de Tiro), na EPA, Vendas Novas);
  • Mobilizado para o CTIG pelo RAP 3 (Figueira da Foz), chegou a Bissau a 19/12/1967;
  • Apresentou-se em Bissau no BCAÇ 1;
  • Foi colcado em Bissum-Naga, no Pel Art (8.8 cm);
  • Depois da 1ª licença para gozo de férias na metrópole, foi  colocado em Piche com o 12º Pel Art (11.4 cm);
  • Depois de Piche, voltou ao BCA1 em Bissau, para dar instrução;
  • Foi colocado, em 1969, em Bedanda onde já se encontrava um pelotão com três obuses 14 cm ("um dos locais da Guiné que me deixaram mais saudade");
  • Ainda passou por Gadamael, a caminho de Guileje;
  • Depois de novas férias, em agosto de 1969, regressou ao CTIG onde o esperava nova missão, desta vez, no norte, em Bigene e Ingoré.
  • Regressou a casa em 1 de Janeiro de 1970 (passou 3 Natais no CTIG).

3. Em 1 de julho de 1969, BAC 1 (Comando em Bissau), tinha os seguintes Pel Art espalhados pelo território:
  • 1° Pel (14 cm) Cameconde 
  • 2° Pel (10,5 cm) Buba
  • 3° Pel (8,8 cm) Buruntuma
  • 4° Pel (10,5 cm) Bigene
  • 5° Pel (10,5 cm) Cabedú
  • 6° Pel (8,8 cm) Tite
  • 7° Pel (10,5 cm) Catió
  • 8° Pel (10,5 cm) Mansambo
  • 9° Pel (10,5 cm) Có
  • 10° Pel (14 cm) Jumbembem
  • 11° Pel (8,8 cm) Mansoa
  • 12° Pel (11,4 cm) Piche
  • 13° Pel (11,4 cm) (-) Guileje | - 1 Sec (14 cm) Aldeia Formosa
  • 14° Pel (14 cm) Aldeia Formosa
  • 15° Pel (11,4 cm) Guileje
  • 16° Pel (10,5 cm) Cabuca
  • 20° Pel (10,5 cm) Xime
(Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro II; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pág 421)  
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Notas do editor:

(*) Vd. postes da série >


3 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9844: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte II - Batismo de fogo em Bissum-Naga até às férias..

5 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9857: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte III - BIssau e férias em São Martinho do Porto, em agosto de 1968

10 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9879: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte IV : Em Piche, com um Pel Art com 3 peças de 11.4

18 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9919: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte V : Depois de Piche: de novo em Bissau e Mansoa, a dar instrução a artilheiros, antes de ir para o sul (Bedanda, Gadamael e Guileje)

26 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9947: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte VI: Bedanda, com o obus 14: um dos locais que me deixou mais saudades...

4 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9994: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte VII: Despedida de Bedanda, a caminho de Gadamael e Guileje, aos 18 meses

Guiné 61/74 - P24834: Facebook...ando (45): António Medina, um bravo nativo da ilha de Santo Antão, que foi fur mil na CART 527 (1963/65), trabalhou no BNU em Bissau (1967/74) e emigrou para os EUA, em 1980, fazendo hoje parte da grande diáspora lusófona - VI (e última) Parte

Foto nº 1 > s/l >  O António Medina, em primeiro planmo, com miúdos que vinham da fonte

Foto nº 2 > Pelundo > O António Medina, em primeiro plano, com miúdos e adolescentes da tabanca... Atrás, presume-se que sejam instalações do quartel protegidas por bidões com areia


Foto nº 3 > Pelundo > O António Medina com população local
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Foto nº 4  > Churo > O António Medina com mulheres locais


Foto nº 5 > Jolmete (?) > O António Medina  à esquerda, pronto para tomar um banho "à fula"


Foto nº 6 > Jolmete > O António Medina à esquerda


Foto nº 7 > Caboiana > O António Medina em primeiro plano


Guiné  > Região do Cacheu >   CART 527 (  
Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió 1963/65)

Fotos (e legendas): © António Medina (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da seleção de fotos do álbum do nosso camarada da diáspora lusófona, António Medina (estas fotos correm o risco de desaparecerem, um dia, com o encerramento da página do Facebook do autor) (*):


(i) ex-fur mil at inf, CART 527 (Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió 1963/65), de resto o único representante desta subunidade, na Tabanca Grande;

(ii) a CART 527 estava adida ao BCAÇ 507 (Bula, 1963/65), que era comandado pelo ten cor inf Hélio Felgas;

(iii) de seu nome completo, António Cândido da Silva Medina, nasceu em 26 de setembro de 1939, na ilha de Santo Antão, Cabo Verde (completou há semanas os 84 anos);

(iv) estudou no liceu Gil Eanes (Mindelo, São Vicente) (o único liceu então existente nas ilhas, criado pela República em 1917 como Liceu Nacional de Cabo Verde, 1917-1926, depois Liceu Central Infante Dom Henrique, 1926-1937, e, por fim, e até à independência, Liceu Gil Eanes, 1937-1975);

(v) após passar à disponibilidade, viveu em Bissau, entre 1967 e 1974, até à independência, sendo funcionário do BNU (Banco Nacional Ultramarino);

(vi) regressou a Portugal, onde ainda trabalhou no BNU; 

(vii)  vive desde 1980 nos EUA, em Medford, no estado de Massachusetts, onde também foi bancário;

(vii) tem página no Facebook (última postagem: 30 de outubro de 2022); esteve bastante doente há uns anos; desejamo-lhe as suas melhoras. (**)

Guiné 61/74 - P24833: Parabéns a você (2220): António da Costa Maria, ex-Fur Mil Cav do ERec 2640 (Bafatá, 1969/71); António João Sampaio, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 15 e ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 4942/72 (Mansoa, Barro e Bigene, 1973/74) e João José Alves Martins, ex-Alf Mil Art do BAC-1 (Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24818: Parabéns a você (2219): TGeneral PilAv Ref António Martins de Matos, ex-Tenente PilAv da BA 12 (Bissau, 1972/74)

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24832: S(c)em comentários (13): Éramos todos iguais mas uns mais do que outros... (Amadu Djaló dixit, mas por outras palavras)


Lisboa > 2009 > O Amadu Djaló
(1940-2015)
no Cais do Sodré. 
1. Excerto do poste P24828 (*):

 (...) No final de 1972, eu era 2º sargento, estava com muitos anos de guerra, sentia-me muito cansado.

Num dia daqueles entrei no gabinete do major Almeida Bruno, comandante do Batalhão de Comandos, e pedi-
he que me transferisse para uma companhia africana. Depois de olhar para mim, mandou chamar o 1º sargento e pediu-lhe  o meu processo.

Começou a folheá-lo e, uns momentos depois, mandou chamar o tenente Jamanca. Nisto entrou o Marcelino da Mata e, logo a seguir o Jamanca.

O major, dirigindo-se ao Jamanca, perguntou-lhe  
porque é que ainda não tinha sido entregue o meu processo de promoção. Como o Jamanca ficou calado, o comandante voltou a fazer a pergunta e o Jamanca continuou calado. 

Nessa altura, o Marcelino disse  que no batalhão já se vendiam os postos e que era  por isso que não gostava de lá estar.

O comandante não ficou muito satisfeito com esta  
saída do Marcelino e mandou-o estar calado.

− Amadu, 
vais ser oficial. E a questão do vencimento vai resolver-se. (...) (**)

In: Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010), pág. 242).

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Notas do editior;:

Guiné 61/74 - P24831: Historiografia da presença portuguesa em África (393): "Cabo Verde, Formação e Extinção de Uma Sociedade Escravocrata (1460-1878)"; Obra de referência para a História de Cabo Verde e da Guiné, Porventura a investigação de maior envergadura de António Carreira (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Abril de 2023:

Queridos amigos,
Dificilmente se entenderá o comércio de escravos na ampla faixa da Senegâmbia, a partir do século XV, e depois em espaços mais reduzidos, nomeadamente após o período filipino, sem decifrar a narrativa como tão admiravelmente António Carreira desenvolve na sua magna investigação Cabo Verde, Formação e Extinção de Uma Sociedade Escravocrata (1460-1878). 

Os primeiros colonos aportaram à ilha de Santiago em 1462, na Ribeira Grande, ali se fundou uma feitoria, daqui emergiu uma sociedade como nunca o português tinha forjado, com base na miscigenação prolongada, três grupos étnicos foram formando este espaço insular: brancos (os reinóis), negros maioritariamente provenientes da costa africana e de Angola, e mestiços, aqui convivem os "senhores" (portugueses, italianos, espanhós, flamengos...), os brancos da terra (os mestiços) e os escravos (a grande maioria da população). 

Começa-se por habitar Santiago e Fogo, só mais tarde se estenderá a ocupação efetiva das outras ilhas. Como Carreira sublinha, a designação de escravos de confissão ou ladinos irá ser atribuídas àqueles que frequentaram a catequese e que ascenderam a um patamar que se aproximava do modelo civilizacional de então. Como escreve Carreira, o papel dos agentes do Cristianismo em Cabo Verde foi decisivo na formação cultural das populações em missões, colégios e escolas de todo o espaço insular, e os seus frutos são visíveis nos dias de hoje.

Um abraço do
Mário



Obra de referência para a História de Cabo Verde e da Guiné,
Porventura a investigação de maior envergadura de António Carreira (1)


Mário Beja Santos

A primeira edição de Cabo Verde, Formação e Extinção de Uma Sociedade Escravocrata (1460-1878), por António Carreira, data de 1972, é uma investigação de arromba que começa nos contratos de arrendamento, os regastes nos Rios da Guiné, referencia lançados, cristãos novos, como se obtinham os escravos e quais os seus preços, as mercadorias envolvidas, as companhias monopolistas, o povoamento de Cabo Verde e a formação do crioulo, a abolição da escravatura, trabalho solitário, que o investigador, sempre tão modesto, apresenta como a pequena história de Cabo Verde. E não se esquece de explicar a capa, utilizou um desenho de “Casa Grande, situada em S. Martinho Grande, nos arredores da Praia, a única sobrevivente da época escravocrata”.

Atenda-se ao que nos diz na nota explicativa:

“Na redação, como é meu velho hábito, não me preocupei em apurar o estilo. Expressei-me informalmente sem qualquer pretensão de fazer trabalho literário. Fui dominado apenas pela ideia de clareza e da honestidade na exposição e apreciação dos problemas, dando sempre o ‘seu ‘ a ‘seu dono’. 

O tema tratado é ingrato e por motivos diversos não entusiasma a maioria dos leitores. Seja por preconceito próprio de uma educação tradicionalista (no mau sentido do termo), seja por receio descontentar certos setores, tudo quanto envolva a apreciação do tenebroso período da escravatura mexe com a maneira de ser de algumas camadas da nossa sociedade. Todavia é preciso vencer esse sentimento de culpa acerca de um passado para o qual as atuais gerações nada puseram, nem depuseram. E isso só se consegue mostrando as duas faces da questão: a boa e a má, comprovadas por documentação honesta e incontestada. 

É indispensável ver o problema da escravidão no seu próprio tempo e segundo a mentalidade da época.
Neste particular é de apontar o exemplo da Inglaterra. Nenhuma nação negociou tanto como ela em escravos. Com esse negócio amealhou lucros fabulosos. Em certo sentido, e no seu interesse direto, arvorou-se em campeã do abolicionismo. Nessa campanha usou de todos os processos, lícitos e ilícitos. Abusou da sua força. Publicou livros sobre o tráfico, nuns descrevendo os seus horrores e condenando-o; em outros defendendo a sua manutenção. E não parece que haja algum inglês que tenha qualquer sentimento de culpa pelo que os seus antepassados fizeram – e numa escala nunca igualada por nenhum outro povo.”


São incontestáveis os pontos de coincidência, as linhas tangentes nas histórias de Cabo Verde e Guiné. Carreira descreve metodicamente os contratos de arrendamento, o papel exercido pelos mercadores em Santiago; dedica um aprimorado capítulo à figura dos lançados ou tangomaos (em espaço separado aqui se referenciou cuidadosamente o pensamento do autor sobre este fenómeno que acabou por ser marcante sobre a presença portuguesa no continente); situou a atividade de judeus autênticos ou de cristãos novos bem como de fidalgos no tráfico de escravos e tece a seguinte observação:

“As medidas restritivas da fixação de residência de fidalgos e de cristãos novos em Santiago e nos Rios de Guiné, inseria-se no plano manuelino de perseguição de judeus e cristãos novos, e para além da questão religiosa, no receio deles se fixarem e, com o seu conhecido tato comercial, prejudicarem ainda mais o negócio dos cristãos e do próprio monarca.”

Prossegue a exposição sobre as operações de captura e vamos percecionando que o espaço onde se exerce este comércio é inicialmente o correspondente ao da Senegâmbia, mas a área, um tanto aproximada do que é hoje a Guiné, deu um enorme contributo a este tráfico, como ele observa:

“De Arguim ao Gâmbia a melhor mercadoria para a compra de escravos era o cavalo; do rio Gâmbia para Sul passava a ser a manilha de latão. Compreende-se perfeitamente esta preferência. Nas áreas alagadas, na floresta húmida, o cavalo não tinha grandes condições de sobrevivência. A mosca do sono por um lado, o alto grau de humidade, o mosquito e os pastos pouco adequados, por outro, condenavam a sua presença. As populações das rias (do Gâmbia para Sul) não o conheciam nem o sabiam tratar convenientemente. 

Nos primeiros trinta anos de Quinhentos as espécies mais utilizadas e as cotações seguidas variavam consoantes os setores. Assim temos:
- No rio Senegal, terra de jalofos, dava-se 1 cavalo por 10 escravos;
- No rio Gâmbia, ou Cantor, 1 cavalo por 7 escravos. 
- No rio Grande de Buba, terra de biafadas, 6 a 7 cavalos ou 20 a 25 manilhas de latão; ou 10 a 14 cavalos; ou ainda 6 a 7 cavalos por 1 escravo.
- No rio de S. Domingos e na Serra Leoa (1526) segundo os valores estabelecidos nos regimentos dos capitães dos navios do trafico, cada escravo podia ser adquirido por qualquer das seguintes quantidades de mercadorias: 17 ou 18 côvados mouriscos de pano; 38 a 40 alaqueca (pedra semipreciosa); duas mantas de Alentejo; 40 a 50 manilhas de latão; 5 bacias grandes de barbeiro; 1,5 côvados do Reino de pano vermelho (?); 30 a 40 côvados mouriscos de lenço francês.”


E, mais adiante, Carreira refere que em toda a Guiné a valia da cera de 3 quintais por negro era um pagamento corrente (opinião do investigador P. António Brásio). O autor não esquece também do preço dos escravos em moedas quando eram reexpedidos com destino a Lisboa, Antuérpia, Sevilha, Índias de Castela, dá-nos referências de preços até ao fim da escravatura.

Carreira dedica um capítulo para a indicação das diferentes mercadorias levadas à costa africana, que vão desde panos, mantas, contaria e muitas outras. Trata igualmente com cuidado os contratos de arrendamento das áreas dos tratos e regastes. 

O período filipino, abundantemente estudado também no que toca à presença portuguesa na costa ocidental africana, deixa claro como se ia reduzindo a presença comercial, tornara-se precária, cada vez mais distante, a conceção entre Arguim e Cabo Verde, eram holandeses e franceses que usufruíam então a posição vantajosa; aliás, os holandeses irão ocupar a fortaleza de Arguim em 1638. Tentar-se-á animar todo este tráfico com uma sucessão de Companhias e revitalizar a importância de Santiago como placa giratória da reexpedição de escravos.

Vale a pena retomar o discurso de Carreira:

“Cabo Verde e a Guiné atravessaram no final do século XVII aos meados do século XVIII um período difícil, durante o qual se acentuou a decadência: crise de comércio, ausência absoluta de navegação nacional e com tudo isso a progressiva fuga de capitais e de homens brancos, mestiços e pretos, tanto os de Cabo Verde como os de Cacheu.

Todo o período decorrido até à instalação da Companhia do Grão-Pará e Maranhão, ficou marcada pela ruína das vilas e das fazendas agrícolas, pela fuga de homens brancos, pela queda vertical das atividades económicas – desde o comércio de géneros e mercadorias até ao de escravos.”


E há as crises de fome e de epidemias, outra via para o despovoamento, Carreira vai anotando as datas destas calamidades até ao século XIX, é indispensável estar atento a estes acontecimentos para se entender a resiliência e a vontade de emigrar do cabo-verdiano. Obviamente que o autor dedica muita atenção à ocupação e exploração das ilhas, ao braço escravo como força de trabalho, refere o algodão e a urzela como os primeiros géneros da economia destes ilhéus, vem depois a cana do açúcar, a tecelagem, as produções de subsistência, os milhos, os feijões, a batata-doce a mandioca, um pouco de vinho. O pescado era economicamente insignificante, um quase recurso alimentar, faltavam embarcações capazes de permitir uma saída para o largo.

Não menos relevante é a narrativa tecida pelo autor quanto à religiosidade, já que datam da primeira década de 1500 as primeiras leis para a ministração do batismo aos escravos. Aparecem assim os ladinos, batizados e ensinados a trabalhar e a falar a língua portuguesa (certamente que o crioulo. Faziam-se batismos em massa, os missionários não escondiam o que pensavam da escravização injusta, daí as tentativas tendentes a obter a ladinização dos escravos, um dos caboucos que irão fundamentar a identidade cabo-verdiana e a sua cultura. Assim se cristianizaram as gentes de todas as ilhas. 

“E de tal forma a semente deu seus frutos desde os alvores de Quinhentos, que no decurso deste quase meio milénio, a doutrina e a moral cristã, se propagaram de geração em geração radicando-se no espírito das atuais 270 mil almas que povoam o arquipélago. E terá havido algo de parecido em qualquer outra terra portuguesa, nos trópicos ou no equador?”

Igreja da Nossa Senhora do Rosário, Cidade Velha, Cabo Verde, Património Mundial
Ruínas da antiga Sé Catedral da Cidade Velha, retirado do blogue Alma do Viajante, com a devida vénia

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24813: Historiografia da presença portuguesa em África (392): "Cabo Verde, Formação e Extinção de Uma Sociedade Escravocrata (1460-1878)", por António Carreira; Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, 1972 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24830: Fotos à procura de... uma legenda (178): Mansabá e a sua placa toponímica, com lista em diagonal, bicolor, encarnada e verde, cores da Bandeira Nacional...

Guiné > Região do Oio > Mansabá > 1970 >  Placa toponímica assinalando a entrada de Mansabá para quem vinha de Cutia

Foto (e legenda):   © Carlos Vinhal (1970). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. A foto acima foi reproduzida no poste P24828 (*) com um lapso: "placa toponímica assinalando o fim da localidade de Mansabá"...

O Valdemar Queiroz, o nosso campeão do passatempo "Veja se é bom observador", não deixou escapar,  como sempre, aquilo que lhe parecia que não bater a bota com a perdigota, e zás, comentou: 

(...) Mais uma fotografia interessante e surrealista. Não só a placa de trânsito está mal colocada, deveria estar colocada no lado esquerdo, como ao contrário virada para a tabanca que ficou para trás." (...) | 7 de novembro de 2023 às 23:04

O Carlos Vinhal, que lá fez umas férias naquele aprazível "resort" turístico da Guiné, Mansabá, entre 1970 e 1972, e que é o dono da foto-recuerdo, veio a terreiro "defender a sua dama":

(...) "Caro Valdemar, tens (e não tens) toda a razão. A placa toponímica, e não de trânsito, da foto, assinala a entrada de Mansabá para quem vinha do Sul, Cutia, e se dirigia para norte, Farim. A fazer fé no Luís, se a legenda é minha, na altura eu devia estar sob efeito de alguma substância ilícita" (...) |  de novembro de 2023 às 10:06
 
E fez um esclarecimento adicional: 

(...) Aquela faixa em diagonal não quer dizer fim de localidade, trata-se de uma lista bicolor encarnada e verde, cores da Bandeira Nacional.(...) | 8 de novembro de 2023 às 10:16

O editor LG comentou, por sua vez,  desfazendo o equívoco:

(...) Valdemar e Carlos, não tenho aqui o livro do Mamadu Djaló (vim a Lisboa), não posso confirmar, mas pelo que vejo na cópia digital que me mandou o Virgínio Briote, a foto tem a seguinte legenda: "FOTO 103: Mansabá, vista aérea da povoação e aquartelamento. Foto de Carlos Vinhal, ex-Furriel Mil."

Trata-se de uma gralha, obviamente, que eu não sei se foi corrigida antes da impressão do livro... A legenda, no poste, era pois da minha autoria ("placa toponímica assinalando o fim da localidade de Mansabá")...  

Devia ter visto com mais atenção a foto, e  consultado o Carlos Vinhal, mas ele já fez o favor de corrigir, e muito bem: "Guiné > Região do Oio > Mansabá > Placa toponímica assinalando a entrada de Mansabá para quem vinha de Cutia" (...) .8 de novembro de 2023 às 12:50


2. Mas agora é altura de lançar um desafio aos nossos leitores: 
  • alguém mais tem fotos destas, de placas toponímicas com lista em diagonal, bicolor,  encarnada e verde, cores da Bandeira Nacional...?  
  • qual o seu significado? 
  • nasceu de uma bizarria das autoridades locais, civis e/ou militares?
  • era uma reafirmação do portuguesismo das gentes da terra? 
  • ou uma provocação aos "vizinhos" do Morés? 
Talvez o Carlos Vinhal possa dar mais um eslcarecimento adicional... (**)


Carlos Vinhal (ex-fur mil, at art, MA, CART 2732, Mansabá, 1970/72)  junto à placa toponímica que assinala a entrada de Mansabá para quem vem de Cutia. Na placa, em diagonal, a lista com as cores encarnada e, supostamente, verde, representativas da Bandeira Portuguesa. E na coluna pode ler-se: "CART 2732"...


Foto (e legenda)  © Carlos Vinhal  (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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(**) Último poste da série >  25 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24586: Fotos à procura de... uma legenda (177): Foto do Abílio Duarte, tirada talvez pelo Cândido Cunha, em Fasse, Paunca: (i) "Furriel com um bebé ao colo"; (ii) "O capitão pode ser o chefão disto tudo, mas é o furriel que me dá a pica cá no sitio"; (iii) "Os furríeis podem ser os mais garbosos, mas quem me trazia as sobras eram os da ferrugem", etc. (Valdemar Queiroz / Chernmo Baldé / Carlos Vinhal / Eduardo Estrela / Luís Graça)

Guiné 61/74 - P24829: S(c)em comentários (12): As (des)ilusões de Luís Cabral... (António Rosinha, ex-topógrafo, TECNIL, Bissau, 1979-1993)


Guiné-Bissau > Região do Boé  (?) > 24 de Setembro de 1973 > Foto (e legenda) da revista PAIGC Actualités, nº 54, Outubro de 1973

"O Camarada Luís Cabral, secretário geral adjunto do nosso Partido, eleito Presidente do Conselho de Estado, seu representante nas relações internacionais, sendo igualmente o comandante supremo das Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP)"...

No Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum, estas e outras fotos do dia 24 de setembro de 1973, o da proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau, por parte do PAIGC, partido revolucionário que se intitulou único e legítimo representante de todo o povo da ex-Guiné Portuguesa (!), são alegadamente  tiradas na  "região libertada de Madina de Boé" (sic), uma ficção que se mantem até hoje, 50 anos depois, mesmo contra toda a evidêncial factual... 

O PAIGC sempre foi um partido que viveu, no plano interno e externo,  da propaganda, do "show-off", do cinismo, da mentira (a começar pelos comandantes da guerrilha e dos comissários políticos que engavam o Amílcar Cabral com números fantasiosos de retumbantes vitórias militares,e alguns eram racistas e violentos para com a sua própria população), para não dizer até da capacidade de  sedução,  da basófia  e da "lata" (nomeadamente dos seus "diplomatas"... reclamando-se, nas instàncias internacionais,  do controlo, por exemplo, de 2/3 do território e de 400 mil habitantes, com estruturas que seriam as futuras bases do novo Estado independente: escolas hospitais, armazéns do povo, granjas, forças armadas, tribunais, gestão local, etc.).

 Já falámos, "ad nauseam", da ajuda sueca (alegadamente "desinteressada", "humanitária", "solidária",  etc.), que atingiu valores que chegaram aos 2,5 mil milhões (!) de coroas suecas [c. 269,5 milhões de euros] durante o período de 1974/75-1994/95 (sendo de 53,5 milhöes de coroas suecas, ao valor actual, ou sejam, cerca de 5, 8 milhões de euros, o montante correspondente ao período da "guerra de libertação", de 1969/70 até 1976/77)... 

Enfim, essa ajuda chegou a representar 5 a 10% do total do valor das importações da Guiné-Bissau...Ao fim destes anos todos, os suecos fecharam a torneira, ao descobrirem que estavam a mandar o dinheiro dos contribuintes para o lixo... 

A administração de Luís Cabral e, depois, do golpista  e tribalista'Nino' Vieira, dois heróis da liberdade da Pátria, infelizmente não conseguiram trilhar com sucesso os caminhos da liberdade, da justiça, da paz, da reconciliação e do desenvolvimento com que sonhara e por que lutara o "pai" da Pátria, Amílcar Cabral, hoje tão mal-amado e esquecido na sua própria terra, talvez  por ser meio-guineense e meio-cabo-verdiano...




Antº Rosinha , ex-fur mil em Angola, 1961/62, topógrafo da TECNIL, Guiné-Bissau, em 1979/93, ex-"colon" e retornado, como ele gosta de se intitular com a sabedoria, bonomia e o sentido de humor de quem tem várias vidas para contar... por que já as viveu (as "Berças", Angola, Brasil, Guiné-Bissau, Portugal pós-25 de Abril...)



Antº Rosinha disse (*)...

"Declarações de Luís Cabral que deplorava ter encontrado os cofres vazios, uma administração sem quadros", quer dizer, o aprendiz de colonialista, Luís, irmão de Amílcar, estaria à espera de uma passadeira vermelha e um abre alas com banda de música.

Depois de andarem 13 anos a dizer que não precisavam de nada do 'colon', que nós sabemos governar melhor e os nossos amigos vão-nos ajudar, admira a desilusão de Luís Cabral, com a debandada dos funcionários colonialistas.

De facto até parecia fácil governar as colónias portuguesas para quem conhecia bem aquela "paz colonial", por dentro e por fora, com a colaboração de funcionários como Luís Cabral, Amílcar Cabral, Aristides Pereira... em geral.

Para alguns correu bem, outros nem tanto. (**)


7 de novembro de 2023 às 19:10