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domingo, 20 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13013: 10º aniversário do nosso blogue (14): Manhã de Páscoa, ao som da Sonata Moonligth, de Beethoven (J. L. Mendes Gomes)

Nos "sete momentos"
Dia de Páscoa


por J. L. Mendes Gomes

Cerraram-se as cortinas brancas das janelas.
As portas largas de alumínio
Ainda estão fechadas.

Dormem na manta do silêncio,
Sob os telhados,
As gentes cansadas do labor.


J. L. Mendes Gomes
Pelas estradas ainda ermas,
Só a chuva corre
Pelas bermas e valetas.

Pelas encostas cobertas
De giestas amarelas,
Correm fios de correntes,
Lá dos cumes.
Rumo ao rio que corre grosso,
Lá mais ao fundo.

É deles que lhes vem
A força toda
E aquela vontade de correr
Com pressa.
De chegar depressa até ao mar.

Oiço Beethoven. 

Na sua Sonata Moonligth,
Ao piano.
Com toques tão brandos.
Quase tristes.
Me dá vontade de chorar...

Mafra, 20 de Abril de 2014, 11h23m

Joaquim Luís Mendes Gomes


[ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66; jurista, reformado; autor do livro de poesia "Baladas de Berlim", Lisboa, Chiado Editora, 2013, 232 pp., preço de capa;: € 14; encomendar aqui]
____________________

Nota do editor:

Guiné 63/74 - P13010: 10º aniversário do nosso blogue (13): falar ou não falar, da guerra, aos nossos filhos... A alguns de nós foi o blogue que nos tirou a "rolha" (Luís Graça / Jorge Cabral / Vasco Pires / Antº Rosinha / António J. Pereira da Costa / Henrique Cerqueira / Manuel Reis)

1. Comentários diversos ao postes P12966 e P13000 sobre o tema da última sondagem "Camarada, com que regularidade falas, da guerra, aos teus filhos" (*) (**):

(i) Luís Graça:

O meu pai, Luís Henriques (1920-2012), também andou "lá fora", a defender o Império, a Pátria, durante a II Guerra Mundial: Cabo Verde, São Vicente, Mindelo, 1941/43...

Cresci, fascinado, a folhear o seu álbum de fotografias, que andava por lá escondido numa gaveta, entre papéis velhos... Mas ele nunca me sentou ao colo e me explicou, tim por tim, por que terras e mares tinha passado,  por que é que andou a "engolir pó" durante 26 meses, lá nessa terra distante, enfim, não me contou histórias desse tempo, ainda eu não era nascido...

Mas era eu que as tinha que adivinhar, criar histórias, mesmo se muitas das fotos tinham legendas, lacónicas no verso... Mas, como era puto, e mal sabia ler, não entendia nada...

Um dia tocou-me a vez de ir para a tropa e também de ir "defender a Pátria", neste caso, ainda mais longe, lá na verde e rubra Guiné, em 1969/71... Nunca falámos, nem ele me deu conselhos: olha isto, olha aquilo... Por pudor ? Sim, por pudor...

Luís Henriques (c. 1941)
Voltei, "são e salvo" (?), e continuámos sem falar, da tropa, da guerra, das áfricas... Veio o 25 de abril, esqueci (?) a guerra, por um estranho sentimento de culpa, por pudor, por estúpido preconceito talvez... Era politicamente incorreto, nesse tempo,  falar-se da (ou até pensar-se na) maldita guerra colonial, ou do ultramar, ou de África...

Passaram-se os anos até que, em 1980, comecei a interessar-me pelas minhas vivências da Guiné, publiquei uma série de escritos no semanário "O Jornal"... e por tabela fui "redescobrir" o velho álbum do meu pai, já desconjuntado. amarelecido, comido pela humidade...

Com o blogue, há 10 ano atrás, começámos a ter conversas de grande "cumplicidade",  eu e o meu pai, como dois bons e velhos camaradas... Publiquei com ternura as fotos dele, em São Vicente, Cabo Verde,  (as que restaram, ao fim de tantos anos...) e fiz diversos vídeos com entrevistas com ele, sobre esses tempos de "expedicionário"...

Criei, no nosso blogue, uma série "Meu pai, meu velho, meu camarada"... Tenho pena de, por razões de saúde, nunca ter podido levá-lo em viagem de saudade, de regresso, a São Vicente... Teimoso, ele nunca quis fazer uma artroplastia das ancas... A velhice (e o blogue) aproximou-nos... Tarde, mas valeu a pena...

Provavelmente, sem o blogue, ele teria morrido, como morreu, há dois anos atrás, sem eu ter sabido mais nada sobre os três anos e tal de vida que ele passou na tropa e na guerra, os seus medos, temores, amores, desamores. problemas de saúde, amizades, histórias de vida dos seus camaradas, etc.

Jorge Cabral, c. 1970
Com os meus filhos passou-se o mesmo, foi o blogue que nos aproximou...  Só posso, por isso, estar grato a todos os camaradas que me ajudaram a construir o blogue e que me honram hoje com a sua presença (ou a sua memória) à sombra do mágico e fraterno poilão da Tabanca Grande... Nunca o teria feito sozinho, nunca o teria conseguido fazer sozinho...

  (ii) Jorge Cabral:

Um milhão de homens foram para África. Mais de 1 milhão de filhos. Talvez 2 milhões de netos...Que  os jornalistas peguem no tema, acho bem. Só que, para o fazerem, devem estudar o Portugal dos anos 60 e perceber que guerra existiu e como eram os rapazes que a fizeram. 

Luís Graça, Contuboel. junho de 1969
com Renato Monteiro, no Rio Geba
Há quem não tenha nada para contar...e quanto ao medo, só os que viveram situações de perigo podem falar...Entre ser contabilista em Lourenço Marques e operacional no Guiledje, as diferenças são óbvias...

(iii) Luís Graça

Além disso, Jorge, "um homem não chora"... Não se queixa, não grita, não tem dores, não tem medo, não tem angústias, não sente, não pensa, não faz perguntas... E, "se tem medo, compra um cão"!

Não era assim, no nosso tempo ? Nas nossas casas, nas nossas igrejas, nas nossas escolas, nos nossos quartéis, nas nossas empresas ?

Concordo contigo, o Portugal salazarento dos anos 60 não tem nada a ver com o Portugal de hoje... Quem tratava o pai por tu ? Além disso, para muitos dos nossos camaradas, sobretudo do meio rural, pai era pai-e-patrão... Para fugires à sua autoridade, ou emigravas ou te casavas, às vezes "à força" (, por exemplo, "raptando a noiva", no Alentejo)...

(iv) Vasco Pires [, foto à esquerda, Ingoré, c. 1972]

Mas como vejo aconteceu com muitos, a "rolha" só saiu há pouco.

Não só deixei de falar da guerra com meus filhos, mas também com outras pessoas, durante mais de quarenta anos; o Blog que tirou a "rolha".

Quantos aos nossos escritos, acredito que poucos além de nós os leem, contudo, certamente, mais na frente, algum antropólogo vai dar vida aos nossos relatos.História dos "vencidos", já que os que não seguiram o nosso caminho em Portugal, assumiram o controle, me parece que até hoje; e as verdades e as mentiras quando repetidas, e ampliadas pelos mídia, tornam-se verdades(quase)absolutas.

(v) Antº Rosinha [, foto a seguir, à direita, Angola, 1961]

O J. Cabral diz que os jornalistas "devem estudar o Portugal dos anos 60 e perceber que guerra existiu e como eram os rapazes que a fizeram. Há quem não tenha nada para contar..."

E digo eu que os jornalistas devem também estudar os rapazes que se furtaram à guerra, tanto os que tiveram a coragem de ir para o bidonville de Paris, como certa burguesia, tanto dos meios citadinos como provincianos, e até de certos filhos cujos pais lhe mandavam a mesada a partir das próprias colónias em guerra.

Estas burguesias tinham em geral uma motivação muito semelhante à esperteza nacional e cultural que é a eterna fuga aos impostos e contribuições... para os malandros do Estado!

Mas claro, essa fuga à guerra era pela precocidade política do jovem de 19/20 anos, não era por uma mesquinha "esperteza" à maneira nacional.  Esses jovens tremendamente precoces é que precisam de ser bem estudados, porque gritaram tanto todos estes anos, que não tem dado espaço para se lhes fazer perguntas. E muitos têm andado de partido em partido, de governo em governo, de administração em administração de Empresas Públicas.

Essa precocidade também tem que ser bem compreendida, para não se perder a tradição.

J. Cabral, de facto há mais gente sem nada para contar, como tu dizes, por isso poucos aparecem a falar, era interessante um dia alguém tentar encontrar uma percentagem dos que não ouviram qualquer tiro...como eu, em 13 anos de guerra (,no mato e nos muceques de Angola e nas praias de Luanda).

(vi) António J. Pereira da Costa [,. foto a seguir em Cacine, c. 1968, com a enf pára Maria Ivone Reis]



Parece-me que esta questão, por si própria, levanta uma ainda mais importante: como é que, no fundo, lidamos com a guerra?

Parece-me que cerca de 50% de nós não temos a nossa relação com a "guerra" devidamente arrumada. De outro modo teríamos falado dela com desassombro com os nossos filhos e teríamos conseguido sensibilizá-los para o que ela foi e o que passámos/fizemos.
Não me parece que tivéssemos tido grande êxito nesta matéria. Ou estou enganado?


(vii) Henrique Cerqueira

Eu já votei... No entanto,  e a verdade seja dita,  eu tive alguma dificuldade para votar numa das opções.É que actualmente estou mesmo quase a fazer 65 anos e já não dá para falar assim tanto com os filhos, pois que eles andam tão ocupados a não perder os empregos que nem tempo têm para grandes conversas e muito menos para conversas com o pai sobre o ex-Ultramar.

Eu até entendo. Quando eu estava no Ultramar, só queria que o tempo passasse para poder regressar ao trabalho activo e ao melhoramento da minha vidinha tanto em formação como em apostar numa carreira de trabalho.

A NI e o puto do Henrique Cerqueira, Nuno Miguel, na estrada de
Biambe-Bissorã, c. 1973
Os meus filhos já pensam o contrário.Ou seja: já só pensam se no final do mês o patrão abre ou não a fábrica e pensam ainda se não será melhor fazer o percurso inverso do pai, que é ir para África, ex-ultramar...(Isto é uma porra, meus camaradas!)

Bom,  pelo menos e para já,  vou falando ao neto sobre a guerra do ultramar e mais especificamente sobre a Guiné. Pois que por acaso o pai dele (meu filho), até esteve na Guiné em criança. Mas quando me alongo de mais e me perco em "devaneios" sobre a Guiné,  o "puto" começa logo a bocejar e desvia a conversa para os interesses dele. É que os programas escolares sobre a história ultramarina e em especial as guerras coloniais não se alongam muito e quanto a mim dando a entender existir alguma "vergonha" em aprofundar mais os conhecimentos da nossa participação na Guerra Colonial.

Foi a minha opinião.

(viii) Manuel Reis [, foto a seguir,. Guileje, c. 1972]


Amigo Luís, é um facto que " o baú está um pouco mais rapado" mas longe de estar esgotado. Continua a ser útil para todos os camaradas e ex-combatentes, de modo especial, aqueles que tardiamente se aperceberam desta ferramenta, que os pode aliviar das tormentas da guerra.

Falo na guerra aos meus filhos nos momentos em que os vejo interessados e receptivos a ouvir as estórias em que, na Guiné, muitos ex-combatentes foram protagonistas. 

O convívio é indispensável, é o agrupar das tropas e já sentimos a sua falta. Vamos a isso Luís.
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

17 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13000: 10º aniversário do nosso blogue (9): Sondagem: resultados finais (n=129): mais de um terço dos respondentes nunca falou da guerra, ou só muito raramente, aos seus filhos... Comentário da jornalista e escritora Catarina Gomes: "não esperem por perguntas, digam filho, anda cá que eu quero contar-te uma coisa"

11 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12966: 10º aniversário do nosso blogue (3): Resultados preliminares (n=67) da nossa sondagem ("Camarada, com que regularidade falas da guerra, aos teus filhos?")... Mais de um terço admite que nunca falou ou raramemte fala, da guerra, aos seus filhos...

(**)  Último poste da série > 18 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13006: 10º aniversário do nosso blogue (12): Faz hoje 2 meses que o Pepito nos deixou... Em sua memória reproduzimos aqui um vídeo de 2012, em que ele relata, com humor e boa disposição, uma das cenas de violência de que foi vítima, na sua casa do Quelelé, ao tempo de Kumba Ialá (c. 2000)...

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13006: 10º aniversário do nosso blogue (12): Faz hoje 2 meses que o Pepito nos deixou... Em sua memória reproduzimos aqui um vídeo de 2012, em que ele relata, com humor e boa disposição, uma das cenas de violência de que foi vítima, na sua casa do Quelelé, ao tempo de Kumba Ialá (c. 2000)...



Vídeo: 12' 18''... Alojado no You Tube > Nhabijões


Alcobaça > São Martinho do Porto >  Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 >  3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto

Pepito (1949-2014) o anfitrião, depois do almoço, conta-nos,  com grande sentido de humor e boa disposição, uma das várias péripécias por que passou na sua terra, a Guiné-Bissau, ao tempo do Kumba Ialá, c. 2000, quando 3 ninjas, fardados e armados de Kalash,  cercam a sua casa, no bairro do Quelelé,  às 3 horas da madrugada, amarram o guarda noturno, dando  assim início à concretização de uma ameaça de morte que tinha chegado uns dias antes, sob a forma de uma carta anónimo (*)..

Valeu.-lhe na ocasião a pronta ajuda do vizinho e amigo Nelson Dias bem como um  ou mais elementos do GOE [Grupo de Operações Especiais] (?) da cooperação portuguesa, alertados por um desesperado telefonema da mulher do Pepito... Em voz off, ouve-se o Luís Graça que fez a gravação bem a Isabel Levy Ribeiro, mulher do Pepito, e cidadã portuguesa, e ainda o Zé Teixeira, da Tabanca Pequena de Matosinhos, que está à direita do Pepito.

Faz hoje 2 meses que o Pepito nos deixou, enquanto cresce a nossa saudade e a admiração que sertimos pela sua grandeza como ser humano. 'Nino' Vieira e Kumba Ialá eram dois políticos que o nosso Pepito detestava (*)...  Mas nós nunca ouvimos ou lemos palavras suas  de ódio para com os seus inimigos políticos... Até nisso, o Pepito era um homem dos nossos dias que nos inspirava e nos dava constantes exemplos de coragem (física e moral), de cidadania e de humanidade... A sua associação, póstuma, às comemorações dos 10 anos do nosso blogue, é mais que justa:  ele foi um grã-tabanqueiro da primeira hora, e tínhamos por nós, ex-combatentes, um especial carinho... Nunca foi combatente nem tinha armas em casa... Dois meses depois, ele está bem presente na nossa memóriaL Foi um privilégio, para alguns de nós, conhecê-lo e tê-lo como amigo. G
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Pepito.
Foto de Luís Graça (2007)
(*) Excerto do notável escrito do Pepito, de cunho aubiográfico, e que é para todos os efeitos o seu testamento vital, "A sombra do pau torto",  de julho de 2008, e já aqui publicado duas vezes:

(...) Com o Golpe de 14 de Novembro de 1980 reintroduziu-se na história da Guiné a divisão étnica: no início a divisão era entre caboverdianos, apelidados de cavaleiros, e guineenses, chamados de cavalos. Esquecendo-se os seus promotores que. uma vez estabelecida a primeira divisão étnica, outras se lhe seguiriam, surge a estigmatização dos balantas, tanto mística com o fenómeno iang-iang, como política 
com o caso Paulo Correia, 
prosseguindo com a divisão entre muçulmanos e animistas, 
e mais recentemente entre os naturais da cidade e os da tabanca. 
Tudo isto em função da conveniência e interesse da estratégia 
do líder político da ocasião.

Kumba Ialá, que viria a ser mais tarde Presidente, revelou-se neste domínio, o maior, indo buscar os piores traços comuns dos balantas, unificou-os à volta de conceitos demagógicos e populistas, em contraponto aos tempos idos de 'Nino' Vieira em que os membros do governo pouco variavam, limitando-se os seus titulares a mudarem de cadeira. Nessa ocasião, lembro-me de um Ministro que, com três pastas num só ano, bateu o recorde olímpico nacional.

Já o antigo animista Kumba Ialá, travestido agora de muçulmano com a designação de Mohamed Ialá Embaló, introduziu pela primeira vez o conceito de acesso universal ao governo, isto é, passou a promover a entrada para o governo de todos os cidadãos que se julgassem capazes e predispostos a serem ministros. Analfabetos houve que aproveitaram a ocasião…A partir dos anos 2000 assistiu-se à mais louca gestão de um Estado, de que há memória. No fundo até durou pouco tempo…porque, entretanto, o Estado desapareceu!

Foi nesse período em que tudo valia, que um dia, deixaram “cair” perto do meu local de trabalho um bilhete anónimo que dizia: ”neste fim de semana vais sofrer um atentado para te matarem”. Entendi isso apenas como uma tentativa de intimidação. Todavia, às 3 horas da madrugada desse dia, três ninjas (polícia especial armada), acorrentavam o velho guarda da casa e iniciam a tentativa de demolição das janelas. Só a intervenção determinante do nosso vizinho, Nelson Dias, nos salvou, a mim e à Isabel, perante o completo desinteresse da polícia que se escusara a prestar socorro. Os assaltantes, esses, nunca foram punidos, embora saiba que a polícia os identificou. (...)

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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13004: 10º aniversário do nosso blogue (11): 40 anos depois do 25 de abril: "Que inveja eu tive daqueles soldados, a maioria muito jovens sem qualquer experiência de combate, a quem tinha calhado a sorte de ajudar a derrubar a brigada do reumático, abrir as prisões e este país ao Mundo" (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P13004: 10º aniversário do nosso blogue (11): 40 anos depois do 25 de abril: "Que inveja eu tive daqueles soldados, a maioria muito jovens sem qualquer experiência de combate, a quem tinha calhado a sorte de ajudar a derrubar a brigada do reumático, abrir as prisões e este país ao Mundo" (Juvenal Amado)



Fotografia do francês Gérald Bloncourt [n. 1926] reproduzida com a devida vénia, escolhida por Juvenal Amado para ilustrar o seu texto. Legenda: GB fez o caminho a salto com um grupo de clandestinos e tirou algumas fotos. Esta é de março de 1965 e tem a seguinte legenda: 'Passagem clandestina de emigrantes portugueses nos Pirenéus.'  

Uma exposição temporária deste conhecido fotógrafo (que acompanhou a imigração clandestina portuguesa dos anos 60/70 e cobtri também a "revolução dos cravos") esteve no Museu Colecção Berardo, CCB, Lisboa, de 18/2 a 18/5/2008, sob o título "Gérald Bloncourt: pir uma vida melhor".


1. Texto do Juvenal Amado, enviado para comemorar os 10 anos de existência do nosso blogue e os 40 anos do 25 de abril, dia que ele viveu em Alcobaça, sua terra natal, acabado de chegar, há 20 dias, da Guiné


Vivemos tempos filho de outros tempos.

Somos ex-soldados, que de uma maneira ou de outra embarcamos para combater naquelas terras quentes, de Sol inclemente, de chuvas torrenciais e trovoadas que nos deixavam calados e tementes do poder dos elementos. A quando de essas trovoadas, lembrava-me da minha avó Maria na sua casa na serra dos Candeeiros, metida na cama com as minhas tias a rezar a St Bárbara

Mas nós fomos combater em nome do passado e nunca em nome do futuro, porque nessas terras Portugal como potência administradora, tinha há muito os dias contados.

Num país sem liberdade de escolha nem de opinião, ou aceitávamos ir combater, ou tínhamos como destino certo, a prisão ou a fuga a salto para onde não chegasse o braço da polícia política.

A maioria de nós foi combater enchendo os navios transporte de tropas, com a esperança de uma vez regressados às nossas terras nos deixariam em paz. Não eramos convictos das razões porque íamos, grande parte não acreditávamos no que íamos fazer, embora com alguma curiosidade e espirito de aventura, contaríamos os dias que nos faltavam para regressar.

Encaramos a situação como um compasso de espera na nossa vida.

Valentia houve muita, coragem, abnegação, espirito de sacrifício, nunca poderemos pôr em causa, porque é possível ser valente mesmo sem uma razão válida para além de defender a própria vida e dos seus camaradas.

Paralelamente muitos também deixaram as suas terras, a sua vida de miséria, mal sabendo ler e escrever, largaram a enxada, o gado, ou um balde de massa, as suas mulheres, namoradas e a salto rumaram a outras terras. Esses de forma consciente, tiveram a coragem de afrontar a incerteza, os perigos da jornada e de serem presos para terem uma vida melhor. Esses procuraram o Futuro.

Sem talvez terem consciência disso, ajudaram com o seu esforço e as suas remessas de moeda forte, a prolongar a guerra e o regime que tão mal os tratara, a ponto de se irem embora procurar sustento e vida melhor.

Na verdade o que é que esses homens deviam  à Pátria?

O que é que a Pátria tinha feito por eles para lhes exigir a vida? Eram por acaso as nossas famílias que estavam em perigo? Eram as nossas aldeias e cidades a serem invadidas? Eram as riquezas dessas províncias ultramarinas, que lhes iam trazer o bem estar que até aí lhes tinha sido negado?

Mesmo assim, houve quem voltasse para fazer a tropa e ir combater pelo direito de poder voltar à sua terra. Outros, findas que foram as comissões, tiveram que emigrar, pois não tinham cá condições para viverem condignamente. Hoje há mais descendentes portugueses espalhados pelo Mundo dos que cá vivem.

Sabemos, hoje, que muitas organizações clandestinas defendiam a resistência ao regime. Enquanto umas defendiam que não se devia desertar a não ser que estivesse em risco a própria vida, outras que defendiam abertamente a deserção.

Pelo que entendo, umas pretendiam a implosão do Estado, utilizando as instituições vigentes, enquanto outras pretendiam que o fim do regime fosse atingido pela luta de fora para dentro.

Como se viu o objectivo foi atingido de dentro para fora, utilizando os militares que operavam nos três ramos das forças armadas, muitos ao nível de comando com larga experiência em combate, o que me faz parecer justíssima a primeira opção, não quero com isto tirar o valor a quem acreditava noutras vias.

Naquela madrugada, já os militares revoltosos estavam a caminho dos objectivos, bebia eu umas imperiais no café do Omar, um galego há muito radicado em Portugal (Ele brincando com o seu nome transformou-o em Roma). Era ali mesmo frente ao Mosteiro de Alcobaça, eu mais um amigo que cavaqueávamos sem nos apercebermos de nada. Tinha chegado há 20 dias da Guiné no Niassa e ir para a cama, era a última coisa que me apetecia tal era a ânsia de absorver o regresso. Três horas mais tarde a minha mãe entrava no meu quarto acordando-me com um misto de alegria e medo, “há uma revolução em Lisboa” disse ela.

O meu pai exultava e não tardaram a passar colunas militares a caminho das Caldas da Rainha, pois que, vencida a revolta de 16 de Março, esse quartel estava sem ligação.

Que inveja eu tive daqueles soldados, a maioria muito jovens sem qualquer experiência de combate, a quem tinha calhado a sorte de ajudar a derrubar a brigada do reumático, abrir as prisões e este país ao Mundo.

Depois regressaram muitos que de cá tinham fugido. Vieram de avião, de comboio e até de automóvel. Uns talvez filhos de “papás”, mas a grande maioria tinha hipotecado o seu futuro académico, os seus empregos, as suas famílias, a liberdade em nome de um ideal de justiça e bem estar, que se vivia nos países livres da guerra e repressão.

Todos ajudaram à formação de uma consciência colectiva para derrubar nesse dia o governo que subjugou este país 48 anos. Para trás ficaram perseguições, dezenas de anos de luta, centenas de anos de prisões, mortes, torturas e degredo.

Por causa desse dia os nossos filhos conheceram outra realidade que não a nossa, nem têm possivelmente consciência do que é não ter o que têm e que nós não tivemos:

(i) Assistência médica para todos, a quase erradicação da mortalidade infantil;

(ii) Só 13% dos alunos ultrapassavam a 4ª classe e havia milhares a não passar da 2ª e 3ª;

(iii) Liberdade dos presos políticos, fim do delito de opinião e eleições livres.

(iv) Democratizar, Desenvolver, Descolonizar.

Muito se fez, muito ficou por fazer mas 40 anos passados, apesar dos avanços e recuos nada se compara ao que tínhamos antes.

Muito se escreveu sobre o 25 de Abril, uns contra, outros a favor, mas a verdade é que todos podemos expressar a opinião e pela parte que me toca, é com muito orgulho que recordo e festejo esse dia luminoso, em que o verde azeitona das fardas ocupou Lisboa e a espingardas G3, se encheram de cravos vermelhos.

Um abraço a todos

Juvenal Amado
[ex-1.º Cabo Condutor Auto,
CCS/BCAÇ 3872,
Galomaro,
1971/74;
ex-empresário]

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Nota do editor:

Último poste da série > 17 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13001: 10º aniversário do nosso blogue (10): O baú das memórias já está muito rapado... mas ainda consegui uma foto, que diz muito: um abrigo no K3 (Ernesto Duarte, ex-fur mil, CCAÇ 1421, Mansabá, 1965/67)

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13001: 10º aniversário do nosso blogue (10): O baú das memórias já está muito rapado... mas ainda consegui uma foto, que diz muito: um abrigo no K3 (Ernesto Duarte, ex-fur mil, CCAÇ 1421, Mansabá, 1965/67)



Foto nº 1


Foto nº 2 


Foto nº 3


Foto nº 4

Fotos (sem legendas): © Ernesto Duarte (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Duas mensagens, com data de 15 do corrente, do Ernesto Duarte [ex-fr mil.  CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67], respondendo ao nosso pedido para "rapar o baú" das recordações:


(i)  Assunto - O baú rapado


Primeiro o meu desejo que essa saúde continue
a ser reposta com a rapidez desejada ! Segundo desejo, uma boa Páscoa para ti e para os teus familiares !

Terceiro, os meus parabéns ao imortal blogue ! Sim, o blogue já é e continuará a ser imortal ! Viva o grande blogue, que deu voz a todos os silenciados !

Sim, o baú está mais do que rapado, tanto o caixote como a cabeça que caminha a passos largos para lá também e como a confusão é grande não juro que ainda não tenha mandado estas fotos !

Mas, aproveitando o assunto, vou tentar dizer quanto a mim uma das razões que muito contribuíram para que eles estejam muito rapados, muito por baixo !

Quando se pensa mais em pormenor na nossa história de vida de há quarenta e tantos anos, baila nas nossas mentes um milhão de coisas, e hoje que somos uns especialistas em trabalhar com computadores, com botões e sem gatilhos, nós temos que lembrar a dificuldade, ou falta de máquinas fotográficas, com rolo nessa altura, não como aquelas fitas que aquelas metralhadoras usavam, com as de hoje seria facílimo.

E depois o cenário, parava de disparar a G3 , para disparar a máquina, parar a guerra no cenário ideal, não era muito viável !

Agora outra grande verdade: nós normalmente saíamos ao anoitecer sem hora de regresso ! Levávamos umaa sandes. um cantil de água, muitos dois !

O bornal não era prático, principalmente quando se tinha que correr, ou passar cursos de água, com água até ao pescoço, a farda passava a ter poucos bolsos, porque havia coisas que tinham que ir: no cinto o cantil e seis carregadores, para a maioria, depois mais umas granadas; mais umas facas, às vezes mais uma pistola; eu costumava levar o casaco para a carga ser maior e ir mais bem dividida.
Não havia digamos assim, muito espaço para uma máquina [fotográfica] !

Aí pelo inicio de 1965 quando dei uma recruta em Beja, mais de metade daquela gente maravilhosa não sabia ler, grande parte da companhia também não, até me surpreende, como mesmo assim dos mais veteranos ainda chegaram cá tantas fotografias !

Na minha casa falou-se sempre de isso, mas eu já disse, e volto a dizer, convencer alguém que nunca viu nada daquilo, o convencer que não estamos a divagar, nós por vezes já perguntamos a nós próprios se não foi tudo um sonho mau !

Uma Boa Páscoa
Um grande abraço para vocês todos do blogue.
Um grande abraço a todos os ex-camaradas.



(ii) Assunto: Uma que estava no fundo do caixote


Luís: Esta [, foto nº 1,] tem mesmo muito valor !

É artesanal e significa tudo o que se possa dizer sobre condições más.... Era assim o abrigo para cada secção, abrigo e sala de estar !foi atacada tanta vez !


K3 – Farim

Um abraço


Ernesto Duarte
Furriel miliciano
CC 1421 BC 1857
Mansabá – Oio – Morés
1965 / 1967

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Nota do editor:

Último poste da série > 17 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13000: 10º aniversário do nosso blogue (9): Sondagem: resultados finais (n=129); mais de um terço dos respondentes nunca falou da guerra, ou só muito raramente, aos seus filhos... Comentário da jornalista e escritora Catarina Gomes: "não esperem por perguntas, digam filho, anda cá que eu quero contar-te uma coisa"

Guiné 63/74 - P13000: 10º aniversário do nosso blogue (9): Sondagem: resultados finais (n=129): mais de um terço dos respondentes nunca falou da guerra, ou só muito raramente, aos seus filhos... Comentário da jornalista e escritora Catarina Gomes: "não esperem por perguntas, digam filho, anda cá que eu quero contar-te uma coisa"


Resultados da sondagem que decorreu no blogue, entre 9 e 15 de abril de 2014, e que tem 143 respostas, das quais 129 válidas.

Infografia:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014)



Cartaz dos 10 anos da nossa Tabanca Grande. Conceção do nosso "designer" 
© Miguel Pessoa (2014)


1. Comentário de L,G.:

Embora tratando-se de uma sondagem "instantânea",  "on line", aberta a todos os visitantes, de autorresposta, não se podendo controlar a sua antiga situação de combatentes, não deixam de ser interessantes os resultados apurados, sobretudo pelas tendências que revelam (*)....

No final, houve 143 respostas, das quais só 129 válidas, já que em 14 situações o respondente não tinha filhos ou não tinha vivido situações de guerra.

È sobretudo preocupante saber que dos nossos leitores, em princípio comnbatentes da guerra colonial (e maioritariamente, que passaram pelo TO da Guiné), mais de um terço admite que nunca falou da guerra, aos seus filhos, ou se o fez, foi uma ou duas vezes, em toda a vida...

Estamos a falar de um universo, restrito, cuja  caraterização desconhecemos, de indivíduos que, apedar de tudo, têm ao seu alcance um blogue, que vai fazer dez anos de existências, e que lhes faculta a possibilidade de desabafar, contar, publicar, divulgar, partilhar, comentar, ler relatos de outros... Mas escrever no blogue ou ler o blogue, não quer dizer que se fale com os filhos, ou com a esposa, enfim, com as pessoas do círculo íntimo da família...

O ex-combatente sente-me mais confortável a falar da guerra com outro ex-combatente do que con os filhos. Por cumnplicidade, por soliadariedade, por pudor... Os convívios anuais das unidades têm também essa função de catarse, de grupo autoajuda, de socialização, de fusão emocional....  Mas voltaremos, num outro poste. aos resultados desta sondagem. (**)

2. Comentário de Catarina Gomes, jornalista e escritora
[autora do livro "Pai, tiveste medo?", Lisboa, Matéria-Prima
Edições, 2014]

Professor, eu não sou tão rápida. Mas aqui segue o texto, a propósito da sondagem. Bjs e obrigada

Anda cá que eu quero contar-te uma coisa

Talvez o mais interessante que me tem acontecido desde o lançamento do meu livro “Pai, tiveste medo?” é a descoberta de que tanta gente partilha comigo esta experiência, a de serem filhos de ex-combatentes. A participação dos nossos pais na guerra começou a ser falada entre nós a pretexto deste meu livro. Desde de uma editora do Público, com quem falo todos os dias de trabalho, que me contou, pela primeira vez, que o seu pai tinha um ferimento sobre o qual nunca tinha querido falar, por mais que ela perguntasse, disse-me que ia voltar a tentar; a um colega com quem trabalho todos os dias que acredita que o motivo porque não consegue manter uma relação com o pai remonta a esse tempo.

Catarina Gomes
E até o mergulho nesta que é para mim uma experiência nova, a de ser jornalista e estar do outro lado a ser entrevistada, me apresentou a outras pessoas a quem o tema também toca. Na Sic Notícias, a jornalista que me entrevistou contou-me que o pai casou com a madrinha de guerra, mal se desligaram as câmaras os dois operadores de câmara vieram conversar comigo sobre o facto de os pais terem sido, ao mesmo tempo, “retornados” e ex-combatentes, um deles tinha feito uma entrevista ao pai sobre a guerra quando ele estava já muito doente, pouco antes de morrer, também lhe perguntou “tiveste medo?”.

A Cristina Ferreira, a partner do Goucha na TVI, é filha de ex-combatente, uma figurante sussurrava atrás de mim no programa Você na TVI “eu também sou”; houve uma maquilhadora da RTP que me disse tem um colega que viveu marcado por fotografias do horrível na guerra trazidas pelo pai. D

estas conversas tiro o facto de a participação destes pais na guerra não ter sido sido indiferente aos filhos. Já o disse, gostaria que este livro fosse um convite a perguntas que nunca se fizeram aos pais, enquanto é tempo.

Neste blogue, deixo-vos o convite ao contrário, não esperem por perguntas, digam “filho, anda cá que eu quero contar-te uma coisa”. Por estes dias, alguém me relembrou uma letra de canção de que me tinha esquecido, é do Sérgio Godinho:

Capa do álbum de fotografias do nosso camarada
José Casimiro Carvalho
Chega-te a mim,
mais perto da lareira,
vou-te contar
a história verdadeira

A guerra deu na tv,
foi na retrospectiva,
corpo dormente em carne viva,
revi p'ra mim o cheiro aceso
dos sítios tão remotos
e do corpo ileso
vou-te mostrar as fotos,
olha o meu corpo ileso.

Olha esta foto, eu aqui,
era novo e inocente,
"às suas ordens, meu tenente!"
E assim me vi no breu do mato,
altivo e folgazão,
ou para ser mais exacto,
saudoso de outro chão,
não se vê no retrato,

Chega-te a mim,
mais perto da lareira,
vou-te contar
a história verdadeira.

Nesta outra foto, é manhã,
olha o nosso sorriso,
noite acabou sem ser preciso
sair dos sonhos de outras camas
para empunhar o cospe-fogo e o lança-chamas,
estás são e salvo e logo
"viver é bom", proclamas,

Eu nesta, não fiquei bem,
estou a olhar para o lado,
tinham-me dito: "eh soldado!
É dia de incendiar aldeias,
baralha e volta a dar,
o que tiveres de ideias
e tudo o que arder, queimar!"
No fogo assim te estreias,

Chega-te a mim,
mais perto da lareira,
vou-te contar
a história verdadeira.

Nesta outra foto, não vou
dar descanso aos teus olhos,
não se distinguem os detalhes
mas nota o meu olhar, cintila
atrás da cor do sangue.
vou seguindo em fila
e atrás da cor do sangue
soldado não vacila

O meu baptismo de fogo
não se vê nestas fotos,
tudo tremeu e os terramotos
costumam desfocar as formas
matamos, chacinamos
violamos, ah, mas
será que não violamos
as ordens e as normas?

Chega-te a mim,
mais perto da lareira,
vou-te contar
a história verdadeira

Álbum das fotos fechado,
volto a ser quem não era
como a memória, a primavera
rebenta em flores impensadas,
num livro as amassamos,
logo após cortadas,
já foi há muitos anos
e ainda as mãos geladas,

Chega-te a mim,
mais perto da lareira,
vou-te contar
a história verdadeira,
quando a recordo
sei que quase logo acordo,
a morte dorme parada
nessa morada .

Sérgio Godinho, Fotos do Fogo

3. Comentário de L G., ao texto anterior;:

Catarina:  é um texto lindo. você é uma pessoa de grande sensibilidade e talento... E por tudo o que já fez pelo seu pai, pela geração do seu pai, por todos nós, antigos combatentes, que não queremos morrer... "sem deixar rasto" (leia-se: sem partilhar as nossas memórias e afetos, da Guiné, de Angola, de Moçambique, de Portugal, etc.) , eu acho que merece sentar-se aqui ao nosso lado, sob o poilão da Tabanca Grande... Tenho aqui um lugar, reservado para si, o nº 655. Não me vai dizer que o seu estatuto de jornalista a impede de pertencer ao blogue Luís Graça 6 Camaradas da Guiné...Arranje  uma foto atual.. Só tenho a do Facebook,,,

Boas festas, da Páscoa cristã ou pagã. Um xicoração. Tirei ontem os pontos, estou a recuperar bem da minha artroplastia da anca... Luis

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quarta-feira, 16 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12997 10º aniversário do nosso blogue (8): O comportamento cívico dos guineenses no último ato eleitoral: "Bate-me um orgulho, lá no fundo, do país do arco-íris que me gerou"! (Nelson Herbert Lopes, jornalista da VOA - Voice of America, Washington, USA


Guiné- Bissau, 12 de abril de 2014 - Votação para as eleições legislativas e presidenciais do passado domingo

Foto: Cortesia de Nelson [Herbert] Lopes



Poster do nosso 10.º aniversário. Autoria do © Miguel Pessoa (2014)


1. Mensagem de ontem, do nosso amigo Nelson  Herbert Lopes, jornalista da VOA - Voz da América

Assunto - O pais Arco-Íris que foi às Urnas

Vejo esta imagem... anciãos, mulheres, jovens... enfileirados, aguardando pacientemente pela vez de votar.. bate-me um ORGULHO,  lá bem no fundo, do pais Arco-Íris que me gerou!

É que na Guiné...  não se invade os centros de votação, não se boicota as eleições... quando muito "vota-se" na "abstenção", quando o rumo e o "dejá vu" dos acontecimentos violentam a consciência...

Um povo que, transversalmente aos seus credos religiosos, origem étnica e rácica,  deposita a fé no "voto", qual futuro de toda uma futura geração... só pode ser um povo nobre!

E quem disse que o país Arco-Íris não tem exemplos que dar ao mundo?

Nelson Lopes

[, filho de pai cabo-verdiano, antiga glória de futebol, Armando Lopesnosso amigo e grã-tabanqueiro, Nelson Herbertnascido na Guiné, é jornalista, da VOA (Voz da América), a viver em Washington (, foto atual em cima, `adireita)].
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Nota do editor:

Último poste da série > 14 de abril de 2014 >  Guiné 63/74 - P12983: 10º aniversário do nosso blogue (7): "Não fui soldado raso"... Poema de J. L. Mendes Gomes, bravo "Palmeirim de Catió", 1964/66

Guiné 63/74 - P12993: No 25 de abril eu estava em... (21): Nhala... e nessa noite já ninguém dormiu (José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Cripto, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Nhala, 1973/74)


Guiné > Região de Tombali > Setor S2 (Aldeia Formosa) > Nhala > c. 1974 > 2ª CCaç / BCaç. 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973-74) >  Nhala > Trabalhos de Engenharia na estrada Aldeia Formosa-Buba,







Guiné > Região de Tombali > Setor S2 (Aldeia Formosa) > Nhala  > 2ª CCaç / BCaç. 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973-74) > Nhala, JUN73 > O 1º cabo cripto Gabriel no desempenho de funções,

Fotos (e legendas) : © José Carlos Gabriel  (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]




1. Comentário de ontem,  ao poste P12988 (*),  assinado pelo  nosso camarada José Carlos Gabriel [, foto á esquerda, 1.º Cabo Cripto, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Nhala, 1973/74]

Jose Carlos disse...

Camarada Murta (*)

Embora me encontre na Alemanha junto aos meus netos (deixaram-me agora respirar um pouco), entrei no Blogue e vi a tua mensagem. Tinha feito referência que durante uns meses não me seria possível fazer intervenções mas sobre a nossa companhia não posso deixar passar a oportunidade. 

Como me lembro dessa noite em que recebemos a mensagem sobre a revolução e que dizia o seguinte; 

252245NABR RELAMPAGO “Agências noticiosas informam Governo Professor MARCELO CAETANO derrubado por movimento Forças Armadas “. 

A festa que foi feita nessa altura por toda a companhia e, se a memória me não falha,  já ninguém foi mais para a cama e penso que até o “cantinas“ foi abrir a mesma mas já não tenho a certeza. 

Fico satisfeito em ler mais uma intervenção de um antigo camarada a qual irá contribuir para que outros ganhem coragem e também escrevam alguma ocorrência desta ou de outras datas porque nem tudo acabou por ser mau.

Um grande ALFA BRAVO

José Carlos Gabriel
Ex-1.º Cabo Op. Cripto
2.ª CCAÇ/BCAC 4513
NHALA, 1973/74



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(**) Vd. poste de 16 de agosto de  2011 > Guiné 63/74 - P8680: Tabanca Grande (297): José Carlos Ramos dos Santos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Nhala, 1973/74)

(...) José Carlos Ramos dos Santos Gabriel
Nascido a 1 de Novembro de 1951
Natural de Cova da Piedade – Almada
Residente na Amora – Seixal [, beste momento, m Alemanha]
1.º Cabo Op Cripto da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Nhala, 1973/74




Poster do nosso 10.º aniversário. Autoria do © Miguel Pessoa (2014)

(...) Infelizmente não tenho recordação do embarque para a Guiné do Batalhão em virtude de na data da partida me encontrar a prestar serviço na Defesa Nacional e não me ter sido permitido embarcar sem ter o meu substituto presente, razão pela qual só embarquei em 12 de Maio 1973 nos TAM, depois de muita insistência minha com o receio de vir a passar a rendição individual.

Agradeço a todos os meus ex-camaradas da altura que se prontificaram a fazer o meu trabalho até chegar o meu substituto pois sem este apoio não me teria sido dada a possibilidade de embarque.

O meu regresso também não foi com o Batalhão porque estava de férias na dita Metrópole a poucos dias de regressar à Guiné quando recebi um telefonema de um camarada a informar que o Batalhão já tinha regressado e para me dirigir ao quartel do Campo Grande para fazer o espólio.

Durante o tempo de permanência na Guiné vim sempre de férias logo que me era permitido visto já ser casado e ter a minha filha, e foi numa destas situações que mais uma vez não me juntei ao Batalhão no regresso.

Ainda mantive contato até 1997 com dois camaradas, o 1.º Cabo Rádio Telegrafista Luís Oliveira e o Furriel de Transmissões Roque, ambos residentes no concelho do Barreiro mas por razões da minha mudança de situação profissional perdi os contatos.

Relembro neste momento um torneio desportivo efectuado em Aldeia Formosa e se a memória me não atraiçoar terá sido em 1973 onde fui representar a 2.ª CCAÇ na modalidade de andebol e futebol de salão, hoje conhecida de FUTSAL.(...)

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12985: 10º aniversário do nosso blogue (8): O porco, animal sagrado, para o povo mandinga... Uma conversa com o guia Malan, em 20/3/1967, em Santancoto (Domingos Gonçalves, ex-alf mil, CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)

1. Mensagem de hoje do nosso camarada Domingos Gonçalves:

Data: 14 de Abril de 2014 às 09:45
Assunto: Feliz Páscoa

Braga, 14/04/2014

Com votos de Feliz e Alegre 
Páscoa, cheia, só, de coisas boas, em especial boa  recuperação da saúde, envio um pequeno texto, que poderá ser publicado.

Quanto à idade do Blog, está em plena infância, terá, por isso, ainda um longo caminho a percorrer, antes de atingir a velhice.

Feliz Páscoa.
Domingos Gonçalves



Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74), "Os Unidos de Mamaptá" > "Depois da caçada há que preparar o bicho, tal qual uma matança de porco numa das nossas aldeias"....

Foto (e legenda): © José Manuel Lopes (Josema)  (2008). Todos os direitos reservados.  [Edição de L.G.]


 
2. Guiné, dia 20/03/1967 > O  porco, animal sagrado, para o povo mandinga

por Domingos Gonçalves [ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68; foto atual à esquerda]

Às sete horas da manhã saí para Santancoto, onde fiquei emboscado todo o dia.

Preparei a emboscada a cerca de 300 metros do rio, tendo permanecido no local, à espera que o inimigo por lá passasse.

Mas não passou. Quando, a certa altura, saboreava a ração de combate, ofereci conservas de carne ao Malan,  (soube recentemente que já faleceu), um nativo pertencente à milícia, que, regra geral, nos acompanha a servir de guia.

Não aceitou, com receio de que fosse carne de porco.

Perguntei-lhe, então, por que razão os Mandingas não comem carne de porco.  Ele respondeu-me com a seguinte história:

Um dia, já lá vão muitíssimos anos, o povo Mandinga andava perdido no deserto, e morria de sede. O calor era muito, e todo o povo já perdia a esperança de encontrar água. A nação Mandinga ia desaparecer.

Então, o chefe do povo perguntou à galinha onde haveria água que pudesse beber, mas a galinha não o ajudou. Por isso é permitido ao povo comer carne de galinha.

Depois, perguntou a mesma coisa à cabra, mas esta também não lhe indicou onde havia água.

Sucessivamente, o chefe do povo Mandinga repetiu a pergunta à vaca, à ovelha, ao coelho e a muitos outros animais. Mas, nenhum lhe disse onde havia água.

Então, em último lugar, o chefe do povo, já desanimado e a pensar na sua morte, e na morte da sua nação, perguntou ao porco onde havia água. E o porco começou a caminhar... A caminhar... E conduziu o povo até à margem de um rio caudaloso, de aguas frescas e cristalinas.

O povo bebeu daquela água, e não morreu de sede.

É por isso 
 disse-me o Malan , que o povo Mandinga não come a carne de porco. Foi ele quem o salvou de morrer de sede. É por isso que o povo Mandinga ainda existe, e guarda muito respeito pelo porco, como se ele fosse um animal sagrado.

Durante aquela nossa caminhada difícil, de travessia do deserto, foi o porco o nosso maior amigo. Foi ele que salvou da morte pela sede o povo Mandinga. Por isso, nós não matamos o porco, nem comemos a sua carne.

Esta, a explicação que permanece na alma do povo.

Todavia, se fizer a mesma pergunta ao sacerdote muçulmano, cá da terra, ele apenas me dará a seguinte resposta:

– Está escrito. É uma determinação sagrada do nosso livro santo, o Alcorão.
_________________

Nota do editor:

Último poste da série > 14 de abril de  2014 > Guiné 63/74 - P12983: 10º aniversário do nosso blogue (7): "Não fui soldado raso"... Poema de J. L. Mendes Gomes, bravo "Palmeirim de Catió", 1964/66

Guiné 63/74 - P12983: 10º aniversário do nosso blogue (7): "Não fui soldado raso"... Poema de J. L. Mendes Gomes, bravo "Palmeirim de Catió", 1964/66

1. Poema do nosso camarada J. L. Mendes Gomes, acabado de chegar esta manhã, como pão fresco, e sob título "Não Fui Soldado Raso".

Queremos que seja associado às comemorações do nosso 10º aniversário.

Recorde-se que o nosso blogue nasceu em 23/4/2004... (LG).




Não fui soldado raso....

por J. L Mendes Gomes

Podia tê-lo sido.
Não seria desonra.
Por sorte, mero destino, não.

Fui um dos muitos
Que lá andou.
De arma em punho...
Pertenço ao grupo
Dos que voltaram.
Sorte. Destino.
Salvo e são...


Muitos, iguais a mim,
Lá deixaram a vida,
Na mocidade...

Como um rio a correr,
A vida marcha.
Vertiginosa.
Parece lenta.

Inexoravelmente,
Corre, dia a dia,
Gota a gota.

E, nela marcho,
Agora,
Soldado raso,
Sem qualquer espingarda.
Ando na luta.
Com a minha força.

Inimigos não faltam.
Não vêm de fora.
Por todo o lado.
Estão cá dentro.

Andam ocultos.
Não vestem farda.
Não usam arma.
Mandam atacar.

São dos perigosos.
Muito ardilosos.
Andam opacos.
Vestem jaquetas.
Põem gravata,
Uns caras de anjo.

Gozam palácios.
Não vivem na tenda...
São generais.
De quatro estrelas.
Vivem à farta.
Ao pé do sol!...

À custa de quem?...
Dum grande exército,
Cada vez maior
De soldados rasos!...
Desarmados....o que é pior.

Ouvindo Hélène Grimaud

Mafra, 14 de Abril de 2014, 6h22m

Joaquim Luís Mendes Gomes


[ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66; jurista, reformado; autor do livro de poesia "Baladas de Berlim", Lisboa, Chiado Editora, 2013, 232 pp., preço de capa;: € 14; encomendar aqui]
__________

Nota do editor:

Último poste da série > 12 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12973: 10º aniversário do nosso blogue (6): A propósito da nossa sondagem... "Ao fim de alguns anos eu tive de relembrar ao Migel Nuno que aos dois anos esteve comigo e com a mãe em Bissorã, de set 73 a jan 74, o significado destas fotos e de quando em vez faço o mesmo com o seu filho, meu neto" (Henrique Cerqueira)

sábado, 12 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12973: 10º aniversário do nosso blogue (6): A propósito da nossa sondagem... "Ao fim de alguns anos eu tive de relembrar ao Migel Nuno que aos dois anos esteve comigo e com a mãe em Bissorã, de set 73 a jan 74, o significado destas fotos e de quando em vez faço o mesmo com o seu filho, meu neto" (Henrique Cerqueira)


Guiné > Região do Oio >  Biambe > c. set 73 / jan 74 > "Uma visita que fizemos à minha antiga companhia no Biambe... O Miguel  Nuno e, à frente, do lado esquerdo, a sua mãe, a  Maria Dulcinea (NI)" [, nossa grã-tabanqueira]



Guiné > Região do Oio >  Estrada de Biambe- Bissorã > c. set 73 / jan 74  > "Uma visita que fizemos à minha antiga companhia no Biambe, na companhia do Miguel  Nuno e da mãe... O Unimog 411, "burrinho", pertencia à companhia "Já Está no Papo" (são ainda percetíveis os dizeres pintados no capô).




Guiné > Região do Oio >  Bissorã >  c. set 73 / jan 74 > "O Miguel  Nuno, sentado na carcaça de um 'fusca' que era pertença de uma escola de condução... Atrás os seus amigos de brincadeira".

[O Nuno e a mãe embarcaram na TAP em finais de Setembro de 1973 até Bissau, de seguida seguiram com o Henrique Cerqueira  no interior de uma ambulância do Exército até Bissorã.  Regressaram à Metrópole em 29 de Junho de 1974, tendo o nosso camarada regressado a casa em finais de Julho de 1974.]

Fotos (e legendas):  © Henrique Cerqueira (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


Henrique Cerqueira, Porto
1. Mensagem de hoje do Henrique Cerqueira [ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74]:

Assunto: Nosso 1º filho e a Guiné

Camarada Luís Graça:

Vem a propósito do inquérito sobre o falar com os nossos filhos da Guiné e da guerra colonial (*).

Vem também a talho de foice o teres comentado que as nossas estórias da Guiné estarão esgotadas. 

Na realidade uma das coisas boas que todos nós tivemos na Guiné ,foi que tiramos muitas fotografias de muitos e diversos momentos passados lá e sempre que damos uma olhadela a essas fotos descobrimos que há sempre uma pequena estória associada às mesmas.

Bom e para "alimentar" o nosso blogue com mais alguma matéria relacionada com a nossa passagem pela Guiné,  eu resolvi enviar-te estas duas fotos do meu filho Miguel aquando a sua permanência com a mãe junto de mim em Bissorã.

Ele era uma criança muito sociável, embora nos seus dois anitos de vida, tinha uma grande capacidade de comunicação e inclusivamente já falava muitas palavras em crioulo. Também era muito bem tratado pelas crianças naturais Bissorã tal como documenta a foto em que está sentado na carcaça de um "fusca" que era pertença de uma escola de condução.

Na foto a preto e branco, demonstra,  uma vez mais, a sua adaptação a todos os ambientes, pois que se tratou de uma visita que fizemos à minha antiga companhia no Biambe e claro que depois de uma visita guiada ao tabancal em Unimog (identificado como sendo da companhia "Está no Papo"),  impunha-se a foto da ordem.

Claro que mais tarde, e ao fim de alguns anos eu tive de relembrar ao Miguel o significado destas fotos e de quando em vez o faço com o seu filho, meu neto, e para isso tenho que lhe explicar o porquê de termos ido à Guiné.

Agora lamentável é que as nossas 
escolas não sejam mais contundentes no estudo e ensino sobre a
permanência dos Portugueses e a participação nma guerra colonial, chegando ao ponto da maioria dos jovens e até menos jovens de hoje quase nada saberem sobre as guerras coloniais dos anos 60/70.

Bom, qualquer dos modos, nós, os Camaradas da Guiné lá vamos contando alguma coisa e quem sabe algum dia servirá para instruir as gerações futuras.

Luís, esta pequena estória vale o que vale, no entanto se achares algum interesse publica, mas o nosso blogue não se pode esgotar por aqui. (**)

Um abraço a todos os camaradas da Guiné.
Henrique Cerqueira
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Notaa do editor:

Vd. poste

(*) Vd. poste de  11 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12966: 10º aniversário do nosso blogue (3): Resultados preliminares (n=67) da nossa sondagem ("Camarada, com que regularidade falas da guerra, aos teus filhos?")... Mais de um terço admite que nunca falou ou raramemte fala, da guerra, aos seus filhos...

(**) Último poste da série > 12 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12972: 10º aniversário do nosso blogue (5): A propósito da sondagem que eestá a correr:... "Os nossos filhos e netos estão muito mais preocupados com o seu presente e o seu futuro do que com o nosso passado" (João Martins, ex-alf mil art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda, Gadamael e Guileje, 1967/69)

Guiné 63/74 - P12972: 10º aniversário do nosso blogue (5): A propósito da sondagem que está a correr:... "Os nossos filhos e netos estão muito mais preocupados com o seu presente e o seu futuro do que com o nosso passado" (João Martins, ex-alf mil art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda, Gadamael e Guileje, 1967/69)



Guiné > Região de Gabu > Piche > Foto nº 112/199 > 1968 > A muher amamenta a cabrinha (!)... Um ternura de foto do álbum do João Martins, já célebre na Net.

Foto: © João José Alves Martins (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.



1. Mensagem do João Martins [, ex-alf mil art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda, Gadamael e Guileje, 1967/69 ], com data de ontem:

Camarigo Luís Graça:

É com muito prazer que passo a responder à tua pergunta, mas acontece que, em minha opinião, o tema não se esgota com as alternativas que apontas, o assunto é de extrema oportunidade e deve ser aprofundado até às suas últimas consequências.

Na nossa idade, a rondar os 70 anos, ou falamos e é agora, ou, nos calamos para sempre, como já aconteceu com alguns dos nossos camaradas que continuam na nossa memória e que recordamos com muita saudade pois fazem parte do nosso passado. Um passado de que nos orgulhamos, pois, para nós, ex-combatentes, foi um orgulho servir a Nação, sofrer por ela, dando-lhe parte da nossa juventude, alguns, mesmo, lamentavelmente, com evidente prejuízo da saúde, ou, inclusivamente, perdendo a vida.

O sofrimento não é um completo mal em si mesmo, tem o lado positivo de nos tornar mais humanos, mais solidários, mais preocupados e sensíveis aos males dos outros. Em África, tivemos o privilégio de contactar populações amigas que se mostraram dignas da nossa amizade e consideração. 

Infelizmente, há muita gente que não compreenderá estas palavras e pensará que somos paternalistas, nada mais errado, os africanos são pessoas com muita personalidade, com exigências de justiça, mas, também, com consciência de necessidades de ajuda e sabem agradecer, aliás, merecem largamente todo o nosso apoio e tudo o que fizermos por eles não será demais.

Em termos de comparação, em Portugal continua a haver muitos exploradores e explorados, e não é por acaso que há tanta gente a viver com muitas dificuldades e a necessitar de muita ajuda, além do próprio País com uma dívida dificil de liquidar, o que exige muitos sacrifícios e "ajustamentos", que, sendo da responsabilidade de alguns, são distribuidos pela população em geral...


Respondendo mais concretamente à tua pergunta, recordo-me de uma prova oral de história no meu 5º ano em que afirmei que se antevia que íamos entrar em guerra, e que a perderíamos, pois os nossos governantes não estavam à altura das suas responsabilidades, e que, para se ganhar aquela guerra que nos era movida pelas grandes potências era necessário merecer essa vitória, o que não era o nosso caso pois a nossa política ultramarina era inadequada. 

Quem, na altura, se preocupava em estar bem informado, facilmente percebia que desde há muito nos encontrávamos em "guerra fria" contra os interesses imperialistas internacionais, na continuação de uma guerra contra a Alemanha no princípio do século XX em que, com a justificação da defesa das colónias, milhares de portuguesas morreram na batalha de Lalis em solo francês face aos avanços das tropas alemãs. Portanto, o expansionismo é algo comum, assim como é natural o direito de conquista. Embora, cada vez menos aceitável e recordemos, como exemplos, a invasão da Hungria pelos soviéticos, ou do Tibete pela China sem significativa oposição da Comunidade Internacional. O mais forte a impor a sua força...

Nos anos cinquenta era evidente que a guerra fria que opunha americanos e soviéticos passava pela conquista de posições e influências no Ultramar Português. Daí, a infiltração de seus "agentes" em partidos e nas nossas forças armadas, com evidente, embora disfarçada, posterior influência na revolução. E, como foram eles os grandes vencedores, determinando a evolução dos acontecimentos, nomeadamente as independências, no período entre o 25 de Abril de 74 e o 25 de Novembro de 75, o País ficou "amordaçado" e passou a ser tabu falar-se da globalidade dos acontecimentos e dos seus protagonistas, e o medo instalou-se no nosso País como nunca o tinhamos conhecido. Mesmo após esta última data, é preciso ter certa coragem para se contar o que se sabe, apenas ouvindo-se dizer que a "história" precisa de tempo para ser contada.
 
Só que, entretanto, "vamos indo desta para melhor" e os nossos filhos e netos vão estar muito mais preocupados com o seu presente e o seu futuro do que pelas guerras de guerrilhas que enfrentámos e que muitos, europeus e africanos, brancos e pretos, reconhecem que não foi o que esperavam nem tiveram as consequências que desejavam. 

É por isso que defendo firmemente a minha convicção que devemos "retornar" a África e cumprirmos a nossa "missão" de solidariedade com os povos africanos cumprindo um destino de que nos deviaram sem nos preocuparmos a apontar responsáveis. 

Por tudo isto, sou levado a pensar que a emigração a que voltámos a ser impelidos por fraquíssimo desenvolvimento económico com consequente diminuição de postos de trabalho, e não cabe aqui escalpelizar este facto, deve ser canalizada, de novo, tanto quanto possível, para África, para nosso bem, e, sobretudo, para bem dos povos africanos, nossos amigos e que sempre estiveram e continuarão a estar nos nossos corações.

Será esse, muito provavelmente, o melhor destino dos nossos filhos e netos. Assim o compreendam os governantes africanos.

Grande abraço a todos os ex-combatentes
João Martins

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Nota do editor: