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quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Guiné 671/74 - P21314: Notas de leitura (1302): entrevista de José Matos ao "Diário de Aveiro", de 1 do corrente, sobre o seu último livro “O Estado Novo e a África do Sul na Defesa da Guiné - Nos meandros da guerra"



José Matos, foto do autor

"Guiné. Após anos de investigação, José Matos 'entra' nos bastidores da guerra colonial e revela a aliança secreta entre o Governo português e o sul-africano. Uma obra escrita com o Coronel Luís Barroso.

 

Entrevista  de Sandra Simões a José Matos. Diário de Aveiro, terça-feira, 1 de setembro de 2020, pág. 3


“O Estado Novo e a África do Sul na Defesa da Guiné - Nos meandros da guerra”, da autoria Cde José Matos e do Coronel de Infantaria Luís Barroso, acaba de ser lançado pela  Caleidoscópio e promete pôr a descoberto muito dos bastidores da guerra colonial na Guiné, com os últimos anos a serem marcados por uma aliança secreta que o Governo português terá estabelecido com os regimes brancos da África do Sul e da Rodésia. O objectivo desta ligação seria combater os movimentos de guerrilha em Angola e  Moçambique.

“Com recursos financeiros muito limitados, Portugal não hesitou em pedir ajuda à África do Sul, que, em 1974, nos concedeu um avultado empréstimo para financiar a guerra nas grandes colónias austrais e, sobretudo, para evitar o colapso militar na Guiné, onde uma derrota militar se afigurava cada vez mais provável perante uma guerrilha fortemente armada”, avançam os autores, determinados a traçar os meandros desta estratégia, em que consistia e em que contexto ocorreu.

Sobejamente conhecido pela sua actividade de astrónomo ligado ao FISUA [ Associação de Física da Universidade de Aveiro], José Matos admitiu ao Diário de Aveiro que há mais de uma década que investiga sobre a guerra colonialn e sobre o uso do poder aéreo na guerra, tendo vindo a publicar artigos sobre o tema em revistas nacionais e estrangeiras, mas nunca com esta profundidade e em formato de livro. E o que leva um apaixonado pelos astros a interessar-se pela guerra colonial?  Uma longa e intensa história, com muita documentação, mas nem sempre acessível!

Uma guerra de 13 anos

“A guerra em África durou mais de uma década e foi produzida muita documentação militar que pode ser consultada e permite reconstruir a guerra. Depois, há muita gente que passou por África e escreveu memórias desse tempo ou pode testemunhar a sua experiência. Portanto, todas estas fontes de informação são motivadoras para quem gosta de investigar”, sem esquecer que “todos temos um familiar que esteve lá, uma guerra que mobilizou cerca de um milhão de homens ao longo de 13 anos”, testemunhou o autor, considerando este um “acontecimento marcante na história de Portugal, que merece ser investigado e lembrado”.

Mas não foi um processo de escrita fácil, até porque encontraram entraves no acesso a documentação: “Lembro-me que quando comecei a fazer investigação nestes temas, em 2008, no Arquivo da Defesa Nacional, em Paço de Arcos, muita documentação ainda estava classificada mas nunca tive problemas de acesso. Contudo, nem todos os arquivos são assim”, referindo-se ao Arquivo da Presidência da República e ao do Conselho Superior de Defesa Nacional. “Foi lá que descobri a existência de documentação referente à guerra que nunca tinha sido desclassificada”: actas do Conselho Superior de Defesa Nacional, anteriores ao 25 de Abril (de 1968 a 1974), inacessíveis ao público. A época em que Marcello Caetano esteve no poder.

“O Conselho Superior era um órgão de aconselhamento de Marcello Caetano, onde tinham assento ministros e chefias militares. Era um local de alta discussão política que convinha consultar”. Quando, em 2013, tentou ver os relatos dessas reuniões, “foi-me recusado o acesso, alegando que era material classificado”, e só depois de duas queixas na Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos é que foi dado acesso às actas. “Posso assim dizer que foi graças a este livro que esses documentos ficaram finalmente acessíveis ao público”.

Os autores da obra pretendem “trazer algo de novo e clarificar como o Antigo Regime ia usar o dinheiro emprestado pelos sul- africanos, em 1974, para financiar a guerra”, clarificando a relação entre Lisboa e Pretória, que poucos conhecem, e qual o destino do empréstimo, e defendem “a teoria de que o regime não tinha outra solução senão continuar a guerra, pois o dinheiro sul-africano era para comprar equipamento militar, o que para nós é um sinal claro que a intenção era manter a guerra. Se não fosse o 25 de Abril, a guerra continuava”.

José Matos e Luís Barroso acreditam na inevitabilidade do 25 de Abril, e justificam: “Porque os militares perceberam que era preciso mudar o regime para acabar a guerra em África. Marcello Caetano sempre se recusou a negociar com os movimentos africanos nacionalistas, e quando assume esta posição está a dizer que a guerra é para continuar indefinidamente. Ora, os militares perceberam isto e acharam que já tinham dado demasiado tempo ao regime para encontrar uma solução política para a guerra”, considerando que fazer a descolonização e dar a independência às colónias “era a única solução possível”.

Quanto a futuras publicações, José Matos avança que sai em Novembro um livro sobre os 50 anos da Operação Mar Verde, uma operação militar portuguesa, em 1970, contra a Guiné-Conakry para realizar um golpe de Estado, e ainda este ano conta lançar uma obra sobre a guerra de fronteira em Angola, a publicar na Helion (uma editora inglesa especializada em livros militares). Para 2021, está previsto um livro sobre a guerra na Guiné.

[Com a devida vénia ao autor e editor... Revisão / fixação de texto para efeitos de edição neste blogue: LG]

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terça-feira, 1 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21310: Agenda cultural (751): "Nos meandros da guerra: o Estado Novo e a África do Sul na defesa da Guiné", de José Matos e Luís Barroso, Lisboa, Editora Caleidoscópio, 2020, 146 pp.


O José Matos exibindo o seu último livro (em coautoria com Luís Barrosso), "Nos meandros da guerra; o Estado Novo e a África do Sul na defesa da Guiné" (Lisboa, Caleidoscópio, 2020)

Capa do livro



1. Mensagem de José Matos, com data de 31 de agosto último, 15:58
 

Olá,  Luís

O meu livro  (*) acabou de sair mando-te o link

https://caleidoscopio.pt/collections/historia-1/products/nos-meandros-da-guerra-o-estado-novo-e-a-africa-do-sul-na-defesa-da-guine

Pedia-te que divulgasses no blogue, mando-te mais algum material. (**)

Ab, 


2. Ficha técnica, sinopse do livro e autores_


Autores: José Matos e Luís Barroso
Edição/reimpressão: 2020
Formato: 170 x 240 x 9mm
Páginas: 146
Tipo capa: Capa mole
Editor: Caleidoscópio
ISBN: 9789896586485
Preco de capa: 15,90€

Nos Meandros da Guerra

O Estado Novo e a África do Sul na Defesa da Guiné

 José Matos e Luís Barroso

 

Sinopse

Nos últimos anos da guerra colonial, o regime português estabeleceu uma aliança secreta com os regimes brancos da África do Sul e da Rodésia com vista a combater os movimentos de guerrilha em Angola e Moçambique. 

Com recursos financeiros muito limitados, Portugal não hesitou em pedir ajuda à África do Sul que, em 1974, nos concedeu um avultado empréstimo para financiar a guerra nas grandes colónias austrais e, sobretudo, para evitar o colapso militar na Guiné, onde uma derrota militar se afigurava cada vez como mais provável perante uma guerrilha fortemente armada

São os meandros desta estratégia que se pretende traçar neste livro, tendo como finalidade descrever em que consistiam e em que contexto é que ocorreram.


Os Autores

José Matos - Investigador independente em História Militar tem feito investigação sobre as operações da Força Aérea na Guerra Colonial portuguesa, principalmente na Guiné. É colaborador regular da Revista Militar e de revistas europeias de aviação militar e de temas navais. 

Colaborou nos livros “A Força Aérea no Fim do Império” (Âncora Editora, 2018) e na “A Guerra e as Guerras Coloniais na África Subsariana” (Imprensa da Universidade de Coimbra, 2019). É co-autor de “War of Intervention in Angola, Volume 3: Angolan and Cuban Air Forces, 1975-1989” (Africa@War, Helion, 2020).

Luís Barroso - Coronel de Infantaria e professor de Estratégia e Operações Militares no Instituto Universitário Militar e Academia Militar. É doutorado em História, Defesa e Relações Internacionais pelo ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa e investigador no Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL. 

Tem escrito e publicado sobre vários temas de História Contemporânea de Portugal, Estratégia e História Militar e é autor do livro “Salazar, Caetano e o Reduto Branco: A Manobra Político-Diplomática de Portugal na África Austral (1951-1974)” (Fronteira do Caos Editores, 2012). 


Capa e contracapa do livro de José Matos e Luís Barroso, "Nos meandros da guerra; o Estado Novo e a África do Sul na defesa da Guiné"

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Notas do editor:

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P18006 José Matos: As negociações secretas do acordo dos Açores em 1974: o caso da central nuclear. "Revista Militar", nºs 2581/2582, fevereiro / março 2017

I. Mensagem do nosso amigo Jose Matos, com data de ontem:

Olá,  Luís

Pedia-te para divulgares no blogue o artigo que envio em anexo com link para a Revista Militar, pois tem uma parte sobre a Guiné.

https://www.revistamilitar.pt/artigo/1226

Ab

José Matos

[Investigador independente em História Militar. Tem feito investigação sobre as operações da Força Aérea na Guerra Colonial, principalmente na Guiné. É colaborador da Revista Mais Alto, da Força Aérea Portuguesa, e tem publicado também o seu trabalho em revistas europeias de aviação militar, em França, Inglaterra e Itália. É membro da nossa Tabanca Grande desde 7 de setembro de 2015. Tem cerca de 25 referências no nosso blogue]


II.  AS NEGOCIAÇÕES SECRETAS DO ACORDO DOS AÇORES EM 1974: O CASO DA CENTRAL NUCLEAR

por José Matos 

Revistas Militar, nºs 2581/2582 - Fevereiro/Março 2017


1. Introdução

Nas vésperas do 25 de Abril de 1974, o ministro português dos Negócios Estrangeiros português, Rui Patrício, estava muito próximo de negociar com o Departamento de Estado norte-americano um programa de cooperação na área da energia nuclear, que levaria no espaço de pouco anos à instalação da primeira central nuclear em território nacional. Dois dias antes da queda do regime, o ministro tinha já em mãos um plano português com uma previsão dos investimentos a realizar, a sua discriminação e o seu escalonamento no tempo. 

Patrício pretendia enviar este plano ao embaixador português nos EUA, João Hall Themido, com a indicação de que, nesta área, Themido devia começar por pedir o máximo possível nas negociações em curso, “isto é, a entrega gratuita de todo o equipamento de engineering e combustível que puder ser fornecido pelos americanos e o financiamento, nas melhores condições possíveis, na parte que puder ser produzida pela indústria portuguesa”  (1).

 O programa de execução apontava para 1981, como o ano previsto para a entrada em funcionamento da primeira central nuclear portuguesa. Porém, com o colapso do regime marcelista, o plano nunca chegaria ao seu destinatário e as negociações do acordo dos Açores tomariam um rumo completamente diferente nos anos seguintes.


2. Um país cada vez mais isolado

Antes de mais nada, importa contextualizar as negociações de 1974, que decorreram num clima difícil para Portugal, que estava principalmente interessado no fornecimento de equipamento militar para usar na Guiné, onde a situação militar era desfavorável para as forças portuguesas. Todavia, no contexto internacional, o regime português estava cada vez mais isolado e enfrentava dois problemas na aquisição de novos armamentos: (i) não tinha dinheiro para grandes aquisições de equipamento militar; (ii)  não tinha muitos aliados que pudessem fornecer o armamento necessário. 

Para resolver o problema do dinheiro, Portugal vai valer-se de Pretória, o seu grande aliado na África Austral, que não hesita em conceder-lhe um avultado empréstimo de 6 milhões de contos (150 milhões de rands) para suportar o esforço de guerra e permitir a aquisição de novas armas (2). 

Quanto ao problema dos fornecedores, vai valer-se principalmente das alianças que tem com os EUA e com a França para obter o que precisa. No caso americano, usa o acordo das Lajes como moeda de troca para obter armamento de forma encoberta. As negociações não são fáceis, mas, como veremos mais à frente, o Governo de Marcello Caetano consegue obter as armas mais desejadas (mísseis terra-ar) e ainda a possibilidade de uma central nuclear de oferta.


3. A ameaça aérea na Guiné

Há vários anos que pairava sobre a Guiné a ameaça de um ataque aéreo proveniente da Guiné-Conakry. O país vizinho, governado por Sékou Touré, tinha caças MiG no seu inventário e podia facilmente apoiar com meios aéreos acções da guerrilha contra as forças portuguesas (3). 

Na fase final da guerra, começam também a surgir rumores de que a guerrilha do PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde) está a treinar pilotos na União Soviética para usar aviões MiG a partir de Conakry. Um jornal que publica esta informação é o inglês Daily Telegraph que, a 2 de Agosto de 1973, traz um artigo da autoria do correspondente em Lisboa, o jornalista Bruce Loudon, em que diz que a guerrilha “está apenas a seis meses de atingir uma capacidade de ataque aéreo com caças MiG russos”. O jornalista escreve ainda que cerca de 40 guerrilheiros estão a receber cursos de pilotagem na Rússia (4). 

Começam, assim, a circular notícias sobre o possível uso de meios aéreos por parte da guerrilha ou do envolvimento da própria Força Aérea da Guiné-Conakry (FAG) em acções contra as tropas portuguesas. Do outro lado da fronteira, os MiG-17F da FAG estão praticamente inoperacionais, mas, com ajuda de militares cubanos, começam a aumentar o seu grau de operacionalidade. Pilotos e técnicos cubanos chegam a Conakry nos primeiros meses de 1973 e incrementam os voos de patrulha na zona de fronteira, de forma a precaver incursões portuguesas em território guineano, embora os caças da FAG nunca constituam qualquer ameaça para as forças portuguesas (5).

No entanto, preocupado com a situação militar na Guiné, Marcello Caetano dá ordens para que a pequena colónia seja dotada de novos meios de defesa aérea (6), usando para esse efeito o empréstimo sul-africano. 

Por essa altura, os militares portugueses já sabiam que o único país ocidental que tinha mísseis terra-ar portáteis à venda era os EUA. De facto, os americanos fabricavam um pequeno míssil portátil, o famoso FIM-43A Redeye, que podia ser disparado a partir do ombro, tal e qual como o Strela-2 (SA-7) soviético, que tinha aparecido, na Guiné, nas mãos dos guerrilheiros. 

Se o Exército Português nas colónias tivesse acesso ao míssil americano podia fazer face a qualquer ameaça aérea vinda dos países vizinhos. Só que, devido ao embargo de armas, Washington não podia vender o míssil directamente a Portugal, sendo preciso encontrar uma solução que contornasse o embargo, algo que o governo americano não mostrava grande interesse em fazer. É aqui que o regime de Caetano joga o seu maior trunfo: a base das Lajes.


4. As Lajes como moeda de troca

Durante a guerra do Yom Kippur, em Outubro de 1973, entre Israel e os seus vizinhos árabes, Portugal tinha sido o único país europeu a conceder facilidades a Washington no apoio a Telavive. Embora sob coacção americana, Lisboa tinha permitido que a base das Lajes, nos Açores, fosse utilizada intensamente pelos aviões americanos no apoio a Israel e Marcello Caetano esperava agora obter dividendos de tal cedência (7). 

O Governo Português tenta assim que a posição americana seja mais flexível em relação à política colonial portuguesa e que Washington autorize a venda de algum armamento a Portugal (8). A intenção portuguesa era comprar os famosos mísseis portáteis Redeye e também mísseis terra-ar Hawk, montando desta forma um sistema de defesa antiaérea na Guiné (9). 

O próprio Henry Kissinger, que estava à frente do Departamento de Estado, acompanha esta questão de perto e, a 9 de Dezembro de 1973, encontra-se com o ministro português dos Estrangeiros, Rui Patrício, em Bruxelas, à margem de uma reunião da OTAN. Kissinger agradece a ajuda portuguesa durante o conflito no Médio Oriente e refere também que os EUA continuam a precisar da base das Lajes e mostra-se compreensivo em relação às necessidades portuguesas de adquirir mísseis terra-ar para a defesa das colónias, mas salienta que o Congresso americano jamais aprovaria uma venda directa a Portugal, sendo necessário encontrar uma forma encoberta para fornecer os mísseis. 

Do lado português, Patrício declara que a situação militar na Guiné podia tornar-se crítica com a utilização de aviação por parte do inimigo e que poderia mesmo evoluir para ataques aéreos contra Bissau, não tendo as forças portuguesas meios eficazes para se defenderem deste tipo de ataques, daí a necessidade dos mísseis. Patrício explicou ainda que “um eventual desastre na Guiné poderia ter no plano interno consequências imprevisíveis”, podendo levar, inclusivamente, à queda do império colonial português e à substituição do Governo de Caetano por um governo esquerdista defensor de uma outra política ultramarina e da saída de Portugal da OTAN. 

Na opinião do governante português, uma derrota militar na Guiné não significaria apenas a perda para o Ocidente da Guiné e de Cabo Verde com o respectivo valor estratégico associado, “mas também dos próprios Açores” e da contribuição do continente português para a OTAN, o que seria negativo para os interesses americanos. Kissinger aludiu então a um encontro recente do embaixador português nos EUA, João Hall Themido, com o Presidente Nixon e às dificuldades em procurar encontrar-se uma fórmula de auxílio por intermédio de países terceiros, para evitar a oposição do Congresso.

A ideia de Kissinger era a de que os mísseis fossem fornecidos por um outro país de forma indirecta, sem envolver os EUA. Israel era uma possibilidade e o governante americano mostra estar a par dos contactos que o Departamento de Estado tinha feito em Washington, para o embaixador português João Hall Themido se encontrar com o seu homólogo israelita, daí a pouco tempo, de forma a discutir o assunto (10). Patrício termina a conversa dizendo que para Portugal “se tratava de uma questão de vida ou de morte e da maior urgência”, enquanto Kissinger replica “insistindo que o problema estava em como fazer os fornecimentos, pois havia a certeza de os fornecimentos directos serem proibidos”. 

Dois dias depois desta reunião, Themido encontra-se com o seu colega israelita na capital americana, seguindo uma indicação dada, alguns dias antes, por William Porter, subsecretário de Estado para Assuntos Políticos (11). O embaixador israelita, Simcha Dinitz, agradece a Themido a ajuda portuguesa prestada durante a guerra contra os árabes, mas é pouco esclarecedor quanto ao fornecimento de mísseis dizendo ao diplomata português que lhe parece que os únicos mísseis que Israel dispõe são os Hawk e que não sabe se Telavive os pode vender a Portugal, pois trata-se de material militar fornecido pelos americanos, mas que vai procurar saber junto do seu Governo (12). 

Pouco tempo depois deste encontro, Themido fala com o encarregado de negócios da embaixada israelita, que lhe confirma que Israel tem mísseis Redeye e Hawk, mas que os mesmos não podem ser fornecidos sem o consentimento americano e que a única coisa que Telavive pode fazer é vender material de origem israelita, caso isso seja considerado útil (13). Themido fica desapontado com a resposta israelita e da capital portuguesa recebe instruções para esclarecer o assunto junto de William Porter, que tinha sugerido o encontro (14).

 A 15 de Dezembro, o diplomata português dirige-se então ao Departamento de Estado para falar com Porter, que lhe diz que tinha apenas sugerido ao embaixador israelita que, em contacto com Themido, averiguasse da disponibilidade de material de guerra e da possibilidade de fornecimento, mas nada mais do que isso. Mais tarde, num telefonema para a embaixada portuguesa, Porter chega mesmo a dizer que nos contactos que tinha tido com Dinitz apenas lhe tinha dito que Portugal estava interessado em adquirir mísseis terra-ar, não admitindo que tivesse sugerido a entrega a Portugal de mísseis americanos, o que deixa Themido decepcionado com a atitude de Porter (15). A diplomacia portuguesa começa então a perceber o desinteresse americano em fornecer os mísseis.


5. A ameaça de ruptura da parte portuguesa

Este desinteresse vai atingir o seu ponto culminante a 8 de Fevereiro de 1974, quando o secretário de Estado Adjunto, Kenneth Rush, chama o embaixador português para lhe comunicar que os EUA não podiam fornecer os mísseis Redeye, por duas ordens de razão: em primeiro lugar, eram contra a proliferação desse tipo de armamento, estando mesmo em conversações com Moscovo para limitar a difusão de armas MANPADS (“Man-Portable Air Defense Systems”) e, em segundo lugar, os mísseis “seriam usados no plano interno na luta contra as guerrilhas, o que era inaceitável”. Em relação aos Hawk teriam de consultar o Congresso, caso Portugal concordasse com essa consulta (16). 

A posição de Rush leva o Ministério dos Negócios Estrangeiros em Lisboa a tomar uma medida drástica: Portugal rompe as negociações com os EUA para a renovação do acordo das Lajes, deixando Washington de usar a base açoriana. Esta tomada de posição é comunicada por Themido a Rush, a 18 de Março, deixando o governante americano estupefacto com tal intento! Apanhado de surpresa, Rush considera a decisão portuguesa extemporânea e promete ajudar Portugal fora do campo militar, pois se, “na parte militar, os auxílios dos Estados Unidos eram necessariamente limitados, na parte económica e técnica certamente haveria possibilidades ainda não exploradas” (17).

É neste encontro com Themido que surge a oferta de cooperação no domínio das centrais nucleares. Esta informação é transmitida a Lisboa, que rapidamente elabora um plano para a instalação de uma central nuclear em Portugal. O plano português previa uma central nuclear com uma potência na casa dos 2100-2300 Mwe brutos e com um valor de custo estimado em 6,75 milhões de contos (270 milhões de dólares) (18). O plano previa ainda a participação da indústria portuguesa na fabricação de uma “parte do equipamento do primeiro grupo nuclear e igualmente uma intervenção de gabinetes nacionais de engenharia no respectivo projecto executivo” (19). O combustível nuclear para os reactores seria enriquecido nos EUA e fornecido depois a Portugal.


6. As vias tortuosas de Kissinger

Como já foi dito, Rui Patrício deu grande prioridade a este projecto, embora não se tenha esquecido da questão dos mísseis, porém, a estratégia portuguesa de romper as negociações surte o seu efeito. A 11 de Abril, o próprio Kissinger escreve ao ministro português reforçando as palavras de Rush quanto a uma cooperação em áreas não militares e pedindo a Patrício sugestões a esse nível e mantendo o interesse americano em continuar a usar as Lajes, o que terá motivado certamente Patrício a dar primazia ao projecto da central nuclear (20).

Embora não faça qualquer referência na carta à questão dos mísseis Redeye, a verdade é que o Secretário de Estado americano cumpre o que prometeu e encontra uma forma de fornecer os mísseis por canais tortuosos. Em finais de Abril, um lote de 500 mísseis Redeye chega à Alemanha Ocidental com destino a Portugal (21).  Os mísseis são fornecidos por Israel através de um intermediário alemão e com a anuência americana (22).  O número de mísseis encomendado mostra que os Redeye não se destinavam apenas à Guiné, onde as forças portuguesas necessitavam de cerca de 200 mísseis, mas também a outros pontos das colónias portuguesas. 

Os mísseis custam 209 mil contos, mas não há qualquer informação de que este valor seja coberto pelo empréstimo sul-africano (23). Rui Patrício tem conhecimento deste desfecho, pois na carta que escreve a João Hall Themido, a 23 de Abril, dá conta dos contactos estabelecidos “por uma entidade privada com o Departamento de Defesa Nacional que se revestem da maior importância”, embora admita que “não temos ainda elementos suficientes para avaliar a origem verdadeira desta iniciativa e a sua efectiva possibilidade de concretização.”

Ainda que seja omisso quanto ao verdadeiro teor da dita iniciativa, tudo indica que se tratam dos mísseis, dado que o ministro dá instruções ao diplomata português para que retome as negociações do acordo das Lajes com o Departamento de Estado, um sinal de que as discordâncias que levaram à suspensão das negociações foram ultrapassadas, embora aconselhe Themido a não fazer qualquer referência aos mísseis nos contactos que venha a fazer. 

Para Patrício, o elemento fulcral das negociações deverá ser a central nuclear e o respectivo plano de investimento, dado não ser possível obter formalmente dos EUA equipamento militar que possa ser usado em África. Mesmo assim, o ministro português considera que Themido deve insistir no fornecimento de quatro aviões de transporte C-130, que devido ao seu raio de alcance podiam facilmente ser usados para transportar tropas e carga para África, embora nada garanta que os EUA concordem com tal pedido. 

Além dos C-130, é também referido o interesse português em quatro aviões de patrulhamento marítimo P-3 Orion, ainda que Patrício considere que os mesmos não são uma prioridade no contexto da guerra colonial (24). 

Dois dias depois desta carta, o regime marcelista desaparecia com a Revolução de Abril e a oferta da central nuclear não voltaria a ser mencionada em futuras negociações do acordo das Lajes.

José Matos

[Revisão / fixação de texto para edição no blogue: LG]
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Notas do autor:

(1) Carta do Ministério dos Negócios Estrangeiros para o Embaixador de Portugal em Washington, Lisboa, 23 de Abril de 1974, ADN/F3/14/29/4.

(2) Memorial sobre o acordo do empréstimo de 150 milhões de rands firmado com a República da África do Sul. Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA), 18 de Setembro de 1975, ADN/F3/20/48/64.

(3) MATOS, José – “La Psychose des MiG dans la Guerre de Guinée”, in Airmagazine. Bagnolet. N.º 61, 2014, pp. 58-74.

(4) LOUDON, Bruce – “Portuguese rebels to get Russian MiGs”, in Daily Telegraph. Londres, 2 de Agosto de 1973, ADN, SGDN Cx. 3500.

(5) HERNÁNDEZ, Humberto Trujillo – El Grito del Baobab. 1ª Edição. Havana: Editorial de Ciencias Sociales, 2008, pp. 110-111.

(6) CAETANO, Marcello – Depoimento. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Record, 1974, p. 180.

(7) THEMIDO, João Hall – “Dez anos em Washington 1971-1981”. 1ª Edição. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995, pp. 100-102.

(8) THEMIDO, op. cit., pp. 128-129.

(9) Telegrama do Ministério dos Negócios Estrangeiros para Embaixada de Portugal em Washington, Secção de Cifra, 13 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

(10) Apontamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre a conversa do Ministro com o Secretário de Estado Americano, Dr. Kissinger, em 9 de Dezembro de 1973, Lisboa, 10 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

(11) Telegrama da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 4 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

(12) Telegrama da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 11 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

(13) Telegrama da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 13 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

(14) Telegrama do Ministério dos Negócios Estrangeiros para Embaixada de Portugal em Washington, Secção de Cifra do MNE, 14 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

(15) Telegrama da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 15 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

(16) Telegrama nº 95 da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 8 de Fevereiro de 1974, ADN/F3/14/29/4.

(17) Nota secreta da Embaixada de Portugal em Washington sobre as negociações para a renovação do Acordo dos Açores, Sessão de 18 de Março de 1974, ADN/F3/14/29/4.

(18) Anexo à carta do Ministério dos Negócios Estrangeiros para o Embaixador de Portugal em Washington, Lisboa, 23 de Abril de 1974, ADN/F3/14/29/4.

(19) Ibidem.

(20) Carta de Henry Kissinger para o Ministro dos Negócios Estrangeiros português, 11 de Abril de 1974, ADN/F3/14/29/4.

(21) THEMIDO, op. cit., p. 164.

(22) THEMIDO, op. cit., p. 146.

(23) Nota nº 1229/AF/74 do Estado-Maior General das Forças Armadas para o Director-Geral da Contabilidade Pública, Assunto: Aquisição de conjuntos míssil-lançador “REDEYE”, 31 de Julho de 1974, ADN Fundo Geral Cx. 833/9.

(24) Carta do Ministério dos Negócios Estrangeiros para o Embaixador de Portugal em Washington, Lisboa, 23 de Abril de 1974, ADN/F3/14/29/4.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15336: FAP (93): O impacto do Strela na actividade aérea na Guiné - III e última Parte (José Matos, historiador e... astrónomo)


Guiné > Zona Leste > Bafatá > ambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > O célebres e velhinho caça-bomradeiro T6 G, tanbémk conhecido por "ronco", na pista de aviação de Bafatá, Em primeiro plano, o fur mil at nf, da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)  Arlindo T.Roda, autor da foto. Os T 6G vão desempemhar um importante papel no final da guerra...


Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição: LG].




1. Terceira (e última) parte do artigo do nosso grã-tabanqueiro José Matos sobre a "arma que mudou a guerra", o míssil terra-ar Strela, de origem russa, introduzido na Guiné depois da morte de Amílcar Cabral, na sequência da escalada da guerra. 

Recorde-se que o José [Augusto] Matos, formado em astronomia em 2006 na Inglaterra [ University of Central Lancashire, Preston, UK ], é especialista em aviação e exploração espacial desde 1992, e faz parte da Fisua - Associação de Física da Universidade de Aveiro.

Tem-se dedicado, como investigador independente, à história militar, e em particular à história da guerra na Guiné (1961/74). 




SA 7- Grail (designação NATO), 
míssil terra-ar, de origem russa (9k 32 Strela 2), desenhado por volta de 1964 e operacional em 1968. 

Caraterísticas técnicas do SA- 7 «Grail» / 9K32M Strela-2 | Míssil antiaéreo:


Fabricante: KB Machinostroyenia; função principal: defesa antiaérea próxima; alcance: até 4,2 km; velocidade: 1300 km/h; tipo de ogiva : alto Explosivo / pré-fragmentada; peso da ogiva : 15 kg.; peso total: 10 kg; comprimento: 1.47 m; diâmetro: 72 mm; sistema orientação: infravermelhos. O Strela 2 foi concebido e testado por volta de 1964. Foi dado como operacional em 1968. Com um alcance máximo de 3,7 km e problemas com o sistema de orientação, as prestações do míssil não foram consideradas satisfatórias. Rapidamente foi lançada a versão Strela-2M, em 1971. A versão melhorada podia atingir em teoria alvos a distâncias de até 4,2 km. Era eficaz contra alvos a mais de 50 metros de altura e menos de 1500 metros.

Foto: Cortesia de Wikipedia. Imagem do domínio público.



O impacto do Strela na actividade aérea 
na Guiné (III e última parte),
  por José Matos



A evolução da guerra colonial na Guiné tomou um rumo dramático em 1973-74, quando o PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde) adquiriu a última versão do míssil soviético terra-ar SA-7 (Strela-2M). A utilização desta arma pela guerrilha provocou profundas alterações no emprego da aviação e na eficácia das operações aéreas. Aproveitando os efeitos tácticos do míssil, que tiveram reflexos estratégicos, os guerrilheiros lançaram várias operações de grande envergadura e a guerra entrou numa fase muito delicada. Surpreendida, inicialmente, a Força Aérea tomou rapidamente várias contramedidas que reduziram a eficácia do míssil. Que impacto teve, verdadeiramente, na actividade aérea e qual o efeito das contramedidas adoptadas é o que se pretende analisar neste artigo.

(Continuação) (*)


O efeito das contramedidas


É inegável que o aparecimento do míssil na Guiné teve consequências nas operações aéreas e no uso do poder aéreo, mas as várias contramedidas adoptadas, ao longo do ano, surtem efeito, pois mais nenhum avião volta a ser abatido até ao final de 1973, embora as equipas de mísseis continuem activas dando cobertura às acções no terreno. 

Desde finais de abril até dezembro de 1973, são referenciados 15 disparos contra aviões Fiat, mas nenhum avião é atingido [36].  Este indicador mostra que os pilotos da BA12 conseguiram, ao longo do resto do ano, contornar a ameaça antiaérea e recuperar o controlo sobre a generalidade das acções de apoio que prestavam às forças terrestres.

O único abate acontece em 31 de janeiro de 1974, quando o G.91 5437,  pilotado pelo Tenente Castro Gil,  é atingido por um míssil perto da fronteira com o Senegal, numa missão de apoio a Canquelifá. O piloto consegue ejectar-se e escapar à guerrilha, regressando no dia seguinte ao quartel de Piche, à boleia numa bicicleta de um habitante local.

No relatório de análise ao incidente verificou-se que as normas de segurança foram cumpridas, mas que “o adiantado da hora (17h30), dificultando a visibilidade, contribuiu para que não fosse possível ao nº 1 detectar o lançamento do míssil” e que “o avião ainda não tinha sido pintado com tinta de baixa reflexão de infravermelhos" [37].

Nesta altura, a Força Aérea tinha já efectuado contactos em França para comprar uma tinta de baixa reflexão, de tonalidade verde escura capaz de evitar o míssil. Mas só em março de 1974 é que chegam a Bissalanca as primeiras aeronaves pintadas com a nova tinta anti-reflectiva: o Fiat 5401 e o Alouette III 9401 [38].


As acções aéreas de ataque em 1974

A análise da actividade operacional, em 1974, mostra que as acções aéreas de ataque aumentam nos últimos meses da guerra (com excepção de março), como se pode ver no gráfico seguinte.




As acções aéreas de ataque em 1974

 Este incremento deve-se, essencialmente, ao T-6G, que passa a voar com mais frequência neste tipo de missões, nomeadamente, a partir de março, em missões ATIP [39]. Uma análise deste tipo de missões, por aeronave, permite perceber que o T-6 tem um papel importante na fase final da guerra, como se pode ver no gráfico seguinte.





Este desenvolvimento resulta, em parte, da experiência adquirida no C-47. Do famoso “Flecha de Prata”, passou-se para experimentações nos “Roncos”, como eram conhecidos, na época, os T-6G. Num destes aviões, foi aplicado um derivómetro-visor. Houve que conceber e aplicar na “aeronave artilheira”, uma pala, para evitar que o pouco óleo pulverizado, que sempre sai do escape do motor, não ofuscasse o campo de visão e o retículo de pontaria do visor. Preparou-se a indispensável tabela de tiro e executaram-se, durante o dia, alguns bombardeamentos em voo horizontal, com 4 aviões em formação. Desta forma, os “Roncos” começaram a ser usados em bombardeamentos diurnos de área a 10 000 pés, servindo o “avião artilheiro” de guia para os bombardeamentos. Nestas missões, os T-6G eram armados com 6 bombas de 15 kg e voavam em formações de 4 aviões [40].

No entanto, com a excepção de janeiro de 1974, a actividade do GO1201, baixa nos derradeiros meses da guerra, como se pode ver no gráfico 9 [41].


Em busca de sistemas antimíssil

Fiat G-91, camuflado... Hoje é peça de museu...
É também na fase final da guerra, que a FAP procura equipar os Fiat com um sistema antimíssil doflare, a comprar nos EUA. Logo no início de fevereiro de 1974, um grupo de técnicos americanos da firma TRACOR desloca-se às Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (OGMA), em Alverca, com o propósito de estudar a possibilidade de instalação de contentores para ejecção de flares nos G.91. Os técnicos americanos concluem que é possível a instalação de 4 contentores do tipo TBC-72, lateralmente, junto ao bordo de fuga dos pylons internos do Fiat e capazes de fornecer uma protecção contínua entre 4,5 a 6 minutos, conforme a cadência de disparo dos flares [42].
tipo

Pouco tempo depois, em meados de fevereiro de 1974, o novo ministro da Defesa, Silva Cunha, dá ordens para que se iniciem rapidamente as diligências conducentes à aquisição do equipamento em causa [43].  Os custos da aquisição ascendem a 19 mil contos  [, equivalente hoje  3.062.558,26 €
(LG)] e prevê-se que esta verba possa ser suportada por conta de um empréstimo de 150 milhões de rands (6 milhões de contos) [967.123.661,80 € a preços de hoje, usando o conversor da Pordata (LG)] que Portugal fez junto da África do Sul [44]. O dinheiro sul-africano destinava-se, principalmente, a reforçar o poder aéreo com a aquisição de novas aeronaves para usar nas três frentes de guerra.

Como o TBC-72 é um equipamento de origem americana e como Portugal está sujeito a um embargo de armas, tanto o Ministério da Defesa como dos Negócios Estrangeiros tentam saber se a aquisição é possível. A 22 de abril, o embaixador português em Washington recebe instruções para apurar qual a melhor forma dos americanos venderem o equipamento, embora não devendo revelar às autoridades americanas que os flares se destinam a equipar aviões em serviço na Guiné [45].  Mas, o diplomata português já não tem tempo de fazer nada, pois, em poucos dias, dá-se o golpe militar de 25 Abril e a situação político-militar em Portugal e nas colónias muda radicalmente.

No entanto, apesar da Revolução de Abril, os responsáveis militares portugueses continuam a manter, durante algum tempo, a intenção de comprar os flares e outros sistemas antimíssil. A 21 de junho de 1974, na primeira reunião do Comité de Assistência África do Sul/Portugal (POSAAC), em Pretória, é decidido incluir na lista do material a financiar por conta do empréstimo sul-africano, 167 kits anti-Strela para os helicópteros Alouette III (kits a fornecer pela África do Sul), além do sistema TRACOR.46.  Os kits para os helicópteros eram constituídos por dois escudos térmicos sobre o motor e um deflector na tubeira do escape para desviar o fluxo de ar quente proveniente do motor. Tanto a África do Sul como a Rodésia usaram estes kits nos seus Alouette III. Nesta altura, porém, a guerra na Guiné já tinha terminado e estas aquisições deixavam de fazer sentido. A guerra do Strela tinha chegado ao fim.

José Matos (2015)

O autor agradece ao Arquivo da Defesa Nacional, ao Arquivo Histórico-Militar e à Torre do Tombo, as facilidades concedidas para esta investigação. Ao General José Lemos Ferreira, ao TGen Fernando de Jesus Vasquez, ao TGen António Martins de Matos, ao MGen António Martins Rodrigues, ao Cor Miguel Pessoa, ao TCor José Pinto Ferreira e ao Ten Jorge Vasco Moura pela leitura e comentários, bem como pelas informações prestadas.

[Fixação de texto, imagens e links: LG. Temos cerca de meia centena de referências, no nosso blogue, aos mísseis Strela]
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Notas do autor:

[36] Correia, José Manuel, Strela: A Ameaça ao Domínio dos céus no Ultramar Português, 2ª parte, Mais Alto n.º 393 Setembro/Outubro 2011, p. 28.

[37] Informação n.º 462 da 2ª Repartição do Estado-Maior da Força Aérea, Assunto: Avião abatido por míssil terra-ar em 31 Jan 74, 7 de Junho de 1974, ADN Fundo Geral Cx. 5074.

[38] Correia, op. cit., p. 31.

[39] Análise dos Sitreps Circunstanciados n.º 1/74 a 17/74 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/89 e AHM/DIV/2/4/295/3.~

[40] Informação prestada ao autor pelo General Fernando de Jesus Vazquez.

[41] Análise dos Sitreps Circunstanciados n.º 1/74 a 17/74 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/89 e AHM/DIV/2/4/295/3.

[42] Informação n.º 65-Pº 4.1.5/GAB do Estado-Maior da Força Aérea, Assunto: Medidas anti-míssil Strela (Sistema TRACOR), 6 de Fevereiro de 1974, ADN/F3/7/13/5.

[43] Informação n.º 355 da Secretaria de Estado da Aeronáutica, Assunto: Equipamento antimíssil Strela (TRACOR), 18 de Abril de 1974, ADN/F3/7/13/5.

[44] Memorando de 20 de Maio de 1974 do Gabinete do Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, ADN Fundo Geral Cx. 833/9.

[45] Nota secreta do Director Geral do MNE para o Embaixador de Portugal em Washington, Assunto: Aquisição de equipamento antimíssil Strela, 22 de Abril de 1974, ADN /F3/7/13/5.

[46] Acta da 1.ª reunião da Comissão Executiva da POSAAC, Pretória, 21 de Junho de 1974, ADN SGDN/7554.3.
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Nota do editor:

(*) Postes anteriores da série > 6 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15333: FAP (91): O impacto do Strela na actividade aérea na Guiné - Parte I (José Matos, historiador e... astrónomo)

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15085: FAP (86): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - Parte III




1. Continuação da publicação do artigo do José Matos, "A ameaça dos MIG na guerra da Guiné", Revista Militar, nº 2559, abril de 2015, pp. 327-352 > (*)

por José Matos

[, membro da nossa Tabanca Grande, nº 701; investigador independente em história militar,com particuolar interesse pela guerrano TO da Guiné]

(Continuação) 

Pilotos guerrilheiros

No dia 2 de Agosto de 1973, o jornal inglês Daily Telegraph dá conta de que o PAIGC está a treinar pilotos na União Soviética para usar aviões MiG, a partir da Guiné-Conakry, em possíveis ataques contra a colónia portuguesa. Num artigo assinado pelo correspondente em Lisboa, o jornalista Bruce Loudon, é referido que o PAIGC “está apenas a seis meses de atingir uma capacidade de ataque aéreo com caças MiG russos”. O jornalista refere também que cerca de 40 guerrilheiros estão a frequentar cursos de pilotagem na Rússia, baseando toda a notícia em fontes portuguesas [59].

A própria Direcção Geral de Segurança (DGS) na Guiné recolhe informações no mesmo sentido, dando conta que a guerrilha tem intenção, durante o Natal e o Ano Novo, de usar os MiG em bombardeamentos contra alguns aquartelamentos portugueses, no sul da Guiné. No entanto, a DGS revela, na mesma informação, que a fonte da notícia acredita que o PAIGC não vai usar meios aéreos e “que se vão servir dos aviões apenas para encorajar os terroristas” [60].

O comandante da ZACVG, agora sob o comando do Coronel Lemos Ferreira, revela também preocupações a este nível e, em finais de Novembro de 1973, escreve ao CEMFA referindo a possível existência de voos de reconhecimento senegaleses na fronteira norte e de eventuais patrulhamentos de aviões MiG-15 eMiG-17 da Guiné-Conakry, na fronteira sul e leste, embora nunca se consiga confirmar qualquer destes voos visualmente. Este oficial reporta também a possibilidade da guerrilha tentar eliminar duas guarnições de fronteira, uma no leste (provavelmente Buruntuma) e outra no sul, talvez Gadamael, dada a posição dominante que ocupava na chamada península de Cacine.

Lemos Ferreira salienta ainda que estas acções podem ser apoiadas por aviões MiG vindos de Conakry, o que leva o comandante da ZACVG a pedir urgência no equipamento dos Fiat com mísseis Sidewinder [61]. Apesar da insistência neste tipo de arma, a verdade é que já, em 1970, tinham sido testados nas OGMA mísseis Sidewinder no G-91 e os resultados tinham sido insatisfatórios. O Fiat não era um avião adequado para combater um MiG, embora os pilotos portugueses tivessem mais treino e mais experiência em combate do que os guineanos ou os cubanos, o que era uma vantagem em caso de confronto.

Incursões de MiG na Guiné


Em Setembro de 1973, o comandante da FAG, Capitão Adduramán Kamara, decide fazer um voo de reconhecimento dentro do território da Guiné. A intenção é comunicada aos pilotos cubanos, que começam a preparar a incursão com grande cuidado, pois não pretendem encontrar aviões portugueses no caminho [62].

 Em meados de Setembro, dois caças MiG-17F partem de Conakry, rumo à fronteira com a Guiné, tendo aos comandos um piloto guineano e um cubano. Os aviões voam sem oxigénio para o piloto, o que não permite subir a grande altitude para poupar combustível. O voo é seguido de perto pelo radarP-12 instalado em Kamsar e operado por especialistas cubanos. Os aviões seguem em direcção a Bafatá, no sul da Guiné, onde fazem um reconhecimento visual a baixa altitude. No regresso a Conakry são alertados pelo pessoal do radar que uma parelha de Fiat G-91 levantou voo de Bissalanca, mas os caças portugueses não conseguem alcançar os MiG, que aceleram até aos 1000 km/h voltando em segurança à base de partida, onde chegam já sem combustível para grande susto dos pilotos [63].

Pouco tempo depois, em Novembro, surgem novas informações da DGS da Guiné sobre uma possível ameaça aérea vinda do próprio PAIGC. A 9 de Novembro, a DGS divulga a informação de que, no aeroporto da capital guineana, estão ao serviço da guerrilha “12 aviões de guerra, 12 helicópteros (…) e 80 bombas de avião, sendo 4 de tamanho maior, com um raio de acção de cerca de 500 metros, destinadas a serem lançadas sobre Bissau”. 

A informação refere ainda que os bombardeamentos estão previstos para 20 de Janeiro de 1974 (data do primeiro aniversário da morte de Amílcar Cabral), e que, em Conakry, estão também “8 pilotos de aeronaves, sendo 2 russos, 2 alemães, 2 chineses e 2 ingleses, a fim de ministrarem instrução de pilotagem a elementos do PAIGC que, para o efeito, foram seleccionados entre os que possuíam melhores aptidões físicas e literárias”[64]. 

A 16 de Novembro, a DGS informa que o regime guineano recebeu, recentemente, 41 aviões MiG-19 e alguns carros blindados que pôs à disposição do PAIGC. Os aviões foram colocados em Sarebódio, na Guiné-Conakry, e os carros blindados em Sembali, no Senegal [65]. Sabe-se hoje que a informação era exagerada, pois a FAG não dispunha do MiG-19, nem de um número tão elevado de caças.

No início de Dezembro, é a vez do quartel de Buruntuma, perto da fronteira leste da Guiné, receber a visita dos MiG da FAG. Dois caças sobrevoam e picam sobre o quartel, retirando depois em direcção ao país vizinho. O comando da ZACVG transmite esta informação à Secretaria de Estado da Aeronáutica (SEA) e manda a Buruntuma o Tenente-Coronel Vasquez para esclarecer a situação[66]. 
As averiguações feitas no local por este oficial sugerem a possibilidade de serem aviões MiG-19 e o comando da ZACVG pede à SEA que seja realizado um esforço de pesquisa no sentido de confirmar ou não a existência doMiG-19 na República da Guiné, bem como origem do mesmo, tripulações respectivas, número de aviões e pilotos [67].

Em meados de Dezembro, são aduzidas pela ZACVG novas informações sobre os meios aéreos do país vizinho. Um informador guineense relata a existência de seis a doze MiG-21 na base de Conakry, com pilotos russos e guineenses, levantando também a possibilidade de estar a decorrer um curso de adaptação a este avião para os pilotos da República da Guiné. O informador refere ainda que a base possui abrigos enterrados para a protecção de aviões e que Luís Cabral tem insistido junto da Rússia para que sejam “acelerados os cursos de formação de 10 a 12 pilotos do PAIGC previstos terminarem no início de 1974”. Mais uma vez, a ZACVG pede à SEA que seja efectuado um esforço de pesquisa, no sentido de determinar o grau de veracidade destas informações [68]. Mais uma vez, a informação era exagerada, pois, nem o MiG-21 nem o MiG-19, faziam parte do inventário da FAG.

Este fluxo de informação vai chegando ao Governo, em Lisboa, e Marcelo Caetano percebe que o uso de aviões de combate pela guerrilha pode tornar a Guiné indefensável. Preocupado com a situação na colónia, Caetano dá indicações para “fazer-se o impossível por dotar a Guiné de eficaz defesa antiaérea”, o que leva o Ministério da Defesa a acelerar os planos de aquisição de mísseis e radares e a procurar junto do Ministério das Finanças um financiamento extra para tais aquisições [69]. 

Bandeira da África do Sul, de 1928 a 1994...
Cortesia de Wikipedia
Aproveitando as óptimas relações que tem com o regime sul-africano, é junto de Pretória que Portugal obtém o dinheiro necessário para reforçar o seu poder militar.

O apoio sul-africano

Ao longo da guerra, Portugal estabelece com o regime branco de Pretória uma cooperação política e militar muito estreita. A permanência portuguesa na África Austral é extremamente importante para os sul-africanos, pois sabem que, se Portugal deixar Angola e Moçambique, a África do Sul ficará cercada de inimigos hostis ao apartheid e à presença sul-africana na Namíbia. Por seu turno, Portugal vê na África do Sul um aliado poderoso, capaz de fornecer apoio militar, político e financeiro à luta que as forças portuguesas travam em África.

É neste ambiente de cooperação que o Ministério da Defesa português discute com o seu congénere sul-africano a possibilidade de um empréstimo considerável da ordem dos 150-160 milhões de rands para a compra de material militar destinado ao Exército e à Força Aérea [70].

 Em Janeiro de 1973, o ministro Viana Rebelo envia ao ministro sul-africano da Defesa, P.W. Botha, duas listas de material de guerra: a lista I, respeitante a equipamentos a serem cedidos pela África do Sul para satisfazerem as necessidades mais urgentes das tropas portuguesas em Angola e Moçambique, e a lista II, respeitante a materiais a adquirir mediante um empréstimo sul-africano [71]. Na lista do material a ceder são incluídos dois pelotões de mísseis Crotale, enquanto na lista do material a financiar aparece uma esquadrilha de vinte aviões Mirage V por 1,6 milhões de contos (49,6 milhões de rands). O valor total do financiamento ascende a 5,147 milhões de contos (159,6 milhões de rands).

A 30 de Maio de 1973, P.W. Botha encontra-se em Lisboa com Viana Rebelo e o assunto dos Crotale é discutido entre os dois ministros. Durante as conversações, Botha reconhece que o míssil ainda está numa fase experimental e que o preço doCrotale ainda é demasiado elevado, devido ao facto da África do Sul ser até aquela data o único comprador do míssil e que “se Portugal deseja adquirir directamente em França podê-lo-á fazer contactando com a empresa Thomson” e sendo “Portugal um membro da NATO poderá ajudar promovendo compras que contribuirão para o embaratecimento do sistema” [72]. Desta forma, o Crotalepassa para a lista II de material a financiar e Lisboa contacta directamente os franceses para a compra do sistema.

No entanto, as negociações para o empréstimo só começam no final de Agosto de 73, em Pretória, sendo concluídas no final do ano. Finalmente, em Março de 1974, é assinado um acordo de empréstimo de 150 milhões de rands (6 milhões de contos) entre Portugal e a África do Sul, para a compra de material de guerra, em prestações mensais de 5 milhões de rands [73]. É o dinheiro de Pretória que permite a Lisboa obter os novos meios de defesa para a Guiné, nomeadamente os mísseis Crotale e o Mirage, embora este último nunca chegue a ser adquirido [74].

Entretanto, a 29 de Setembro, o General Bethencourt Rodrigues, assume na Guiné as funções de governador e comandante-chefe, em substituição do General Spínola. Bethencourt Rodrigues reconhece de imediato que a mais perigosa ameaça que as forças portuguesas poderão ter de enfrentar na Guiné será o aparecimento de uma Força Aérea do PAIGC, capaz de actuar “contra a FAP para obter a sua total anulação, contra forças ou guarnições militares ou contra povoações com especial incidência sobre Bissau e o seu porto”. Desta forma, considera que é indispensável dotar o mais rapidamente possível aquela colónia de “uma defesa AA eficaz com base em mísseis modernos”, além de “dispor de uma força aérea de ataque e retaliaçãoeficiente, possivelmente com base na ilha do Sal” e “ter uma aviação de transporte (helis e aviões ligeiros) que confira às suas unidades grande mobilidade” [75].

As negociações com os americanos

Aproveitando as negociações em curso com Washington para a renovação do acordo das Lajes e as facilidades concedidas durante a guerra de Yom Kippur, em que a base dos Açores teve uma importância fundamental no apoio militar a Israel, o governo português tenta obter junto dos americanos mísseis terra-ar para a defesa da Guiné [76]. A intenção é comprar mísseis portáteis FIM-43A Redeye e também mísseis Hawk [77]. Mas, devido ao embargo de armas que existe contra Portugal, a diplomacia americana tenta fornecer os mísseis através de um terceiro país, Israel. O próprio Henry Kissinger envolve-se na questão e, a 9 de Dezembro de 1973, encontra-se com o Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Rui Patrício, em Bruxelas, à margem de uma reunião da OTAN, e promete-lhe que os mísseis vão ser fornecidos usando Israel como intermediário, pois o Congresso americano jamais aprovaria uma venda directa [78].
FIM-43 Redeye: um lançador portátil 
de mísseis terra-ar ...
Cortesia de Wikipedia... [Edição: LG]
A 11 de Dezembro, o embaixador português nos EUA, João Hall Themido, encontra-se com o seu colega israelita em Washington, seguindo uma indicação dada alguns dias antes, por William Porter, Subsecretário de Estado para Assuntos Políticos [79]. Simcha Dinitz agradece a ajuda portuguesa durante a guerra de Yom Kippur, mas, na conversa que tem com Themido, afirma que não é “técnico militar”, e que lhe parece que os únicos mísseis que Israel dispõe são os Hawk e que não sabe se o seu governo pode vender a Portugal material militar de origem americana, mas que vai procurar saber [80].

Dois dias depois, Themido fala com o encarregado de negócios da embaixada israelita, que lhe assegura que, embora Israel tenha mísseis Redeye e Hawk, os mesmos não podem ser fornecidos sem o consentimento americano e que a única coisa que Telavive pode fazer é vender material de origem israelita, caso isso seja considerado útil [81]. A resposta israelita deixa Themido insatisfeito e de Lisboa recebe instruções para esclarecer o assunto junto de William Porter [82].

A 15 de Dezembro, o embaixador português encontra-se com Porter no Departamento de Estado e este diz-lhe que tinha apenas sugerido ao embaixador israelita que, em contacto com Themido, averiguasse da disponibilidade de material de guerra e da possibilidade de fornecimento, mas nada mais do que isso. Mais tarde, num telefonema para a embaixada portuguesa, chega mesmo a dizer que, nos contactos que tinha tido com Dinitz, apenas lhe tinha dito que Portugal estava interessado em adquirir mísseis terra-ar, não admitindo que tivesse sugerido a entrega a Portugal de mísseis americanos [83].

O assunto vai-se, assim, arrastando até que, em 8 de Fevereiro de 1974, o secretário de Estado Adjunto, Kenneth Rush, chama o embaixador português para lhe comunicar que os EUA não podiam fornecer os mísseis Redeye, pois, por um lado, eram contra a proliferação desse tipo de armamento, estando em conversações com Moscovo para limitar a difusão de armas MANPADS (“Man-Portable Air Defense Systems”) e, por outro, os mísseis “seriam usados no plano interno na luta contra as guerrilhas, o que era inaceitável”. Em relação aos Hawk teriam de consultar o Congresso, caso Portugal concordasse com essa consulta [84].

Esta tomada de posição americana leva o governo português a considerar seriamente o fim da utilização da base das Lajes por parte dos EUA, uma intenção que é comunicada por Themido a Rush, a 18 de Março. Rush fica obviamente surpreendido com tal intento e considera extemporânea tal decisão e promete ajudar Portugal fora do campo militar, pois se, “na parte militar, os auxílios dos Estados Unidos eram necessariamente limitados, na parte económica e técnica certamente haveria possibilidades ainda não exploradas” [85].

A intenção portuguesa chega ao conhecimento do próprio Kissinger que, a 11 de Abril, escreve a Rui Patrício reforçando as palavras de Rush quanto a uma cooperação em áreas não militares, pedindo ao ministro português sugestões a esse nível, e mantendo o interesse americano em continuar a usar as Lajes [86]. Embora não faça qualquer referência na carta à questão dos mísseis Redeye, a verdade é que o secretário de Estado americano acelera o processo de venda dos mísseis por canais tortuosos e, duas semanas mais tarde, os mesmos são colocados na Alemanha à disposição de Portugal [87]. A oferta é de 500 mísseis a serem fornecidos por Israel através de um intermediário alemão com a anuência americana [88]. O número de mísseis encomendado mostra que o Redeye não se destinava apenas à Guiné, onde as forças portuguesas necessitavam de cerca de 200 mísseis, mas também às restantes colónias. Os mísseis custam 209 mil contos, mas não há qualquer informação de que este valor seja coberto pelo empréstimo sul-africano [89].
Os mísseis já estavam na Alemanha Ocidental quando ocorreu a revolução de 25 de Abril. Nessa altura, o então Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, embaixador Calvet de Magalhães, que continuou em funções após a queda do regime, informou o general Costa Gomes, novo CEMGFA, do negócio dos mísseis, tendo Costa Gomes ordenado o cancelamento da operação [90].

(Continua)

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Notas do autor:

[59] Bruce Loudon, “Portuguese rebels to get Russian MiGs”, Daily Telegraph, 2 de Agosto de 1973, ADN/SGDN Cx. 3500.

[60] Relatório nº 2919/73 da DGS Guiné, 26 de Dezembro de 1973, Arquivo da PIDE/DGS processo 641/61, PAIGC, pasta 10, fls 41 e 82.

[61] Carta do Comandante da ZACVG para o CEMFA, Bissau, 27 de Novembro de 1973, ADN/F3/17/35/15.

[62] Hernández, op. cit., pp. 138-139.

[63] Hernández, op. cit., pp. 145-151.

[64] Informação nº 1.245-2ª. D.I. da DGS Guiné, Assunto: Meios Aéreos do PAIGC, 9 de Novembro de 1973, Arquivo da PIDE/DGS, Processo 641/61, PAIGC, pasta 9, fls 102-104.

[65] Relatório imediato nº 2540/73-DSInf-2 da DGS Guiné, Assunto: Apoio ao PAIGC, 16 de Novembro de 1973, Arquivo da PIDE/DGS, Processo 641/61, PAIGC, pasta 9, fls 123-124.

[66] Telegrama n.º BE164DEC73 da ZACVG, 7 de Dezembro de 1973, ADN/F3/17/34/9 e PERINTREP n.º 49/73 do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné (CCFAG), 2-9 de Dezembro de 1973, ADN/F2/2/14.

[67] Telegrama n.º BE168DEC73 da ZACVG, 10 de Dezembro de 1973, ADN/F3/17/34/9.

[68] Telegrama n.º BE176DEC73 da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné (ZACVG), 14 de Dezembro de 1973, ADN/F3/17/34/9.

[69] Caetano, Marcello, Depoimento, Rio de Janeiro, Record, 1974, p. 180.

[70] Informação nº 305/72 do Secretariado Geral da Defesa Nacional, Assunto: Lista de materiais a apresentar à República da África do Sul (RAS), 19 de Agosto de 1972, ADN F3/25/58/21.

[71] Carta do Ministro da Defesa Nacional para o Ministro da Defesa da RAS, com duas listas anexas, Janeiro de 1973, Arquivo Histórico Diplomático (AHD), PAA 1140.

[72] Informação nº 68/AU do Secretariado-Geral da Defesa Nacional/CCAU, Assunto: Lista I de Pedidos de Material apresentada à RAS – Artilharia Antiaérea – Mísseis Crotale, 6 de Setembro de 1973, ADN, Fundo Geral Cx.7623.

[73] Memorial sobre o acordo do empréstimo de 150 milhões de rands firmados com a RAS, Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA), 18 de Setembro de 1975, ADN F3/20/48/64.

[74] Matos, José “A história secreta dos Mirage portugueses”, 2ª parte, Revista Mais Alto n.º 401, 2013, pp. 25-29.

[75] Estudo do CCFAG sobre a área do Boé, Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Processo n.º 2202, Pasta A, ADN F3/17/34/4.

[76] Themido, João Hall, “Dez anos em Washington 1971-1981”, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1995, pp. 100-102.

[77] Telegrama do Ministério dos Negócios Estrangeiros para Embaixada de Portugal em Washington, Secção de Cifra, 13 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

[78] Apontamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre a conversa do Ministro com o Secretário de Estado Americano, Dr. Kissinger, em 9 de Dezembro de 1973, Lisboa, 10 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

[79] Telegrama da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 4 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

[80] Telegrama da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 11 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

[81] Telegrama da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 13 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

[82] Telegrama do Ministério dos Negócios Estrangeiros para Embaixada de Portugal em Washington, Secção de Cifra do MNE, 14 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

[83] Telegrama da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 15 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

[84] Telegrama nº 95 da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 8 de Fevereiro de 1974, ADN/F3/14/29/4.

[85] Nota secreta da Embaixada de Portugal em Washington sobre as negociações para a renovação do Acordo dos Açores, Sessão de 18 de Março de 1974, ADN/F3/14/29/4.

[86] Carta de Henry Kissinger para o Ministro dos Negócios Estrangeiros português, 11 de Abril de 1974, ADN/F3/14/29/4.

[87] Themido, op. cit., p. 164.

[88] Themido, op. cit., p. 146.

[89] Nota nº 1229/AF/74 do Estado-Maior General das Forças Armadas para o Director-Geral da Contabilidade Pública, Assunto: Aquisição de conjuntos míssil-lançador “REDEYE”, 31 de Julho de 1974, ADN, Fundo Geral Cx. 833/9.

[90] José Calvet Magalhães, o 25 de Abril e as Necessidades, http://ebookbrowse.com/ca/calvet-de-magalhaes-pt.
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Nota do editor:

Postes anteriores da série > 

7  de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15079: FAP (85): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - Parte II

6 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15077: FAP (84): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - Parte I

segunda-feira, 16 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14372: Notas de leitura (692): “As Guerras de Libertação e os Sonhos Coloniais”, organização de Maria Paula Menezes e Bruno Sena Martins, Edições Almedina, 2013 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Maio de 2014:

Queridos Amigos,
Estes ensaios debruçam-se sobre o interdito, o ocultado, o altamente incómodo, no contexto das guerras que travámos em África em tempos de descolonização.
O Exercício Alcora era desconfortável para o regime de Lisboa, mas tornara-se imprescindível, por causa de Angola e Moçambique. A africanização da guerra tinha matizes que importava disfarçar. E veio a descolonização, apareceram novas perplexidades, como a questão da identidade do retornado, o incómodo de associar a violência ditatorial à violência colonial… ocultações de certa historiografia - histórias de sonhos coloniais falhados que continuam a pairar sobre as nossas cabeças .

Um abraço do
Mário


Guerras de libertação, as alianças secretas, um vasto manto de interditos

Beja Santos

“As Guerras de Libertação e os Sonhos Coloniais”, organização de Maria Paula Menezes e Bruno Sena Martins, Edições Almedina, 2013, é um repositório de estudos que, como escreve Boaventura de Sousa Santos no prefácio, “consiste em desvelar o que foi ocultado, tanto pelo que foi dito como pelo que foi silenciado, nas histórias celebratórias e nas memórias autocomplacentes”. Enfim, algo que pertence à sociologia das ausências, silenciamentos que persistem de ambos os lados da contenda. O que aqui se expõe são intrincadas alianças, sobretudo no cone Austral de África, onde a África do Sul jogou a fundo para manter o seu governo racial, atraindo o governo de Lisboa para uma aliança secreta, o Exercício Alcora.

Começando exatamente com o Exercício Alcora, os coordenadores comentam o historial da aproximação dos regimes brancos minoritários e as colónias portuguesas de Angola e Moçambique, na atmosfera que lhes era adversa: as independências da Zâmbia, do Malawi, do Botswana e o Lesoto e a Swazilândia, entre 1964 e 1968. O Exercício Alcora definia como objetivo central combater o comunismo e os movimentos nacionalistas. Para Ian Smith, chefe do governo rodesiano, a aposta era manter os conflitos centrados a norte do Zambeze: “Quanto mais para norte podermos conter a linha de defesa contra os comunistas, melhor”. Mobilizaram-se dezenas e dezenas de milhares de homens, brancos, para a constituição de brigadas mistas, prontas para intervir em qualquer ponto de Angola e Moçambique, o que estava em causa era a sobrevivência da África Austral.

Não deixa de surpreender como a violência desencadeada por aquela guerra também desce como um manto de silêncio em torno da memória da ditadura, observa outro autor. A guerra tem as suas vítimas, homens e mulheres sujeitos à dor, à perda, à morte, ao exílio ou ao terror. Vítimas porque resistiram aos poderes instituídos, foi o que aconteceu aos presos do Tarrafal. Mas também foram vítimas populações atingidas arbitrariamente por massacres, igualmente foram vítimas as pessoas sujeitas à repressão direta, aos tribunais especiais e a todo um campo de arbitrariedades. E aqui se questiona como em Portugal se tem lidado com a memória da ditadura e da depressão, o tratamento dado à memória da resistência e repressão tem sido alvo de sucessivos equívocos e diferimentos, que se alargam para o campo historiográfico. Para o autor a violência do colonialismo e da ditadura transformaram-se em memórias fracas, com preponderância para a memória do passado ditatorial identificado com um chefe paternal, de laivos autoritários mas vontade desinteressada de servir a Nação.

Noutra abordagem, traça-se a dimensão da questão colonial e da África Austral num contexto de Guerra Fria. Como consequência direta da II Guerra Mundial, deu-se a perda da centralidade da Europa no sistema mundo. A partir de 1960, as potências coloniais acederam a independência de muitos países, com sérias incidências no mapa geopolítico global. Esse mundo modificado equilibrava-se no poder global dos EUA e da URSS e como estas superpotências animavam os movimentos nacionalistas. De facto, estas duas superpotências fizeram coro para a emancipação dos movimentos nacionalistas, o que, como reação, gerou a criação do movimento dos não-alinhados, onde a China não tinha papel inocente. Os EUA tiveram extrema dificuldade em encontrar uma forma diplomática de vigorosa denúncia do apartheid, a África do Sul acabou por se tornar num aliado poderoso no contexto da Guerra Fria.

Entre os grandes interditos e as discussões infindáveis que as guerras de libertação suscitaram temos a problemática dos retornados, a incómoda africanização na guerra colonial e a ligação estrutural entre as guerras civis de Angola e Moçambique associadas ao conflito anterior a que o Exercício Alcora procurava dar resposta. Na verdade, continua na área dos interditos a identidade do retornado e até a análise da especificidade das duas colónias de povoamento, Angola e Moçambique, decisiva para compreender as guerras coloniais, a descolonização e as independências.

O autor do estudo sobre a africanização na guerra colonial recorda que existia uma tradição de participação de africanos no exército colonial português desde a segunda metade do século XIX, para apoiar a penetração no interior de África. E esclarece que “Em 1961, ano do início da guerra colonial, o Exército Português dispunha em África de unidades locais organizadas nos mesmos moldes das unidades europeias”. Esta africanização progressiva assentou em unidades regulares do exército, unidades especiais e unidades de milícias. E observa: “Estes três tipos de forças desempenharam papéis muito diferentes na guerra e sofreram tratamento diferente das novas autoridades com as independências. As unidades regulares faziam parte de uma tradição de serviço militar estabelecida desde o início da moderna colonização portuguesa e, apesar do seu incremento durante a guerra colonial, não sofreram um impacto maior do que aquele que é produzido em situações normais de conflito. As unidades de milícia, implantadas nas regiões de origem dos seus elementos, também integravam as estruturas administrativas e não motivaram reações de violência que tivessem excedido as disputas locais”. As grandes tensões sobre a violência focaram-se nas forças especiais africanas, foram elas que sobretudo motivaram a reação brutal dos novos poderes instalados, reação que foi um misto de vingança ou ajuste de contas mas também a procura de um bode expiatório para os fracassos internos, na perspetiva de que essas antigas forças atiçassem movimentos de insubordinação. Lembra-nos também o autor que a partir de 1970 estas tropas especiais conheceram variantes e escreve:  
“Na Guiné, Spínola procurou, a partir das experiências de milícias e explorando extinções étnicas, criar um exército africano nacional à imagem do exército português, estruturado em companhias agrupadas em batalhões.
Em Angola, a africanização teve como objetivo aumentar a capacidade operacional das forças portuguesas e a sua autonomia de forma a criar condições políticas e militares para atrair um dos movimentos – a UNITA – e elementos dos outros. Os Flechas serão o conceito mais específico deste tipo de tropas. A africanização tinha como objetivo político a atração de guerrilheiros e dirigentes nacionalistas, especialmente no Leste e Sudeste do território.
Em Moçambique, apesar da grande percentagem de recrutamento local, a formação de tropas africanas autónomas não só foi mais tardia, como estas foram integradas na manobra convencional de Kaúlza de Arriaga, sem explorar todas as suas especificidades de conhecimento do terreno e de ligação às populações.
No final da guerra, os três teatros de operações apresentavam realidades distintas (…) Em comum, os três teatros de operações apresentavam uma realidade onde o avanço das forças de guerrilheiros dos movimentos de libertação deparava com a oposição de dezenas de milhares de militares locais acionados pelas autoridades coloniais. Em 1974, quando ocorreu o 25 de abril, a tendência da africanização das forças ia no sentido de transformar a guerra colonial em três conflitos internos nos três teatros de operações”.

De leitura obrigatória para quem estuda o fenómeno colonial português.
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14359: Notas de leitura (691): “As Mulheres e a Guerra Colonial”, por Sofia Branco, A Esfera dos Livros, 2015 (Mário Beja Santos)