Recorde-se que esta e outras cartas da Guiné resultam do levantamento efectuado em 1955 pela missão geo-hidrográfica da Guiné – Comandante e oficiais do N. H. Mandovi. A fotografia aérea é da aviação naval (Março de 1953). Restituição dos Serviços Cartográficos do Exército. Fotolitografia e impressão: Arnaldo F. Silva. A edição é da Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar, do antigo Ministério do Ultramar, s/d. Digitalização efectuada pela Rank Xerox (2005). Oferta do nosso camarada Humberto Reis.
Infogravuras: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017).
1. Perguntei a três dezenas de camaradas se chegaram a conhecer (ou ouvir falar de) uma tabanca chamada Portugal... Ficava a escassos quilómetros do Xitole, do outro lado do rio Corubal... Quem vinha de Buba para o leste tinha que passar por lá, contornando a Ponte Carmona, em ruínas (desde 1937, ano em que foi inaugurada) (*)...
Em 1947 por lá passou, nessa tal tabanca de Portugal, o jornalista do "Diário de Lisboa", Norberto Lopes... Ninguém sabe como aparece este nome... Será que tem alguma relação com a construção da ponte Carmona em meados dos anos 30?
E quem seria este obscuro régulo Bacar Dikel que lá morava e "reinava" (mal)? Dikel será apelido fula ou biafada?
Alguns dirão que andamos há anos a discutir o sexo dos anjos neste blogue... Que importância tem, de facto, para a história, e sobretudo para o futuro, dos nossos dois povos, o raio desta tabanca, que deve ter sido destruída ou abandonada no tempo da guerra colonial?... A verdade é que há 70 anos existia e houve um "tuga" que a referiu, num jornal de Lisboa... Eu estava a nascer, em janeiro de 1947, quando o Norberto Lopes por lá passou... E os cartógrafos também a assinalam: no mapa geral da província, de 1961, era ainda uma terra relativamente importante...
Guiné > Mapa de Fulacunda (1955) > Escala 1/25 mil > O Rio Corubal, margem esquerda (região de Quínara) e direita (região de Bafatá), antes de desaguar no Rio Geba... Localização de Gã João (ou Ponta João da Silva) e Gã Garnes (ou Ponta do Inglês)... Não conseguimos localizar, neste mapa, a povoação de Gã Portugal, referida por Alcídio Marinho.
Toda o triângulo Bambadinca - Xime - Xitole, e em especial a margem direita do Rio Corubal, foi batida, no início do "consulado" de Spínola, no âmbito da grande Op Lança Afiada (de 8 a 19 de março de 1969 (**)
Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017).
2. Eis algumas respostas que recebemos, dos nossos colaboradores (*):
(i) Cherno Baldé (Bissau):
Não conheço o local [, antiga tabanca de Portugal] nem nunca ouvi falar, mas tal como tenho dito num dos postes das minhas memórias sobre o nome dado à nossa aldeia (Luanda) do início da guerra colonial, era normal e muito comum que régulos, antigos cipaios ou militares que fundavam novas aldeias, quisessem honrar ou mostrar suas simpatias para com Portugal e aos Portugueses. (***)
O meu tio paterno, patriarca da nossa família, foi colaborador e polícia da administração colonial em Bolama durante muitos anos. Há bem pouco tempo descobri que existia em Bolama um bairro com esse nome [, Luanda,] e pensei que, talvez, houvesse alguma ligação. É assim.
Por outro lado, a zona de Xitole assim como toda a região de Forreá eram domínio fula, conquistado aos biafadas no séc. XIX. Assim, todos os régulos ou são fulas ou de ascendência fula e o Bacar Dikel não será excepção.
O nome que aparece como Sadiu Camará, chefe em 2005 da tabanca de Lisboa [, a escassos quilómetros a leste de Buba], dever se Sadjo Camará. (*)
(ii) Luís Branquinho Crespo [que esteve na Op Lança Afiada]
Bem gostaria de ajudar, mas estive na margem direita do Corubal (1968/1970) e fui apenas duas vezes, que me lembre, junto da ponte Carmona e desconheço onde fica ou sequer tenha ouvido falar da tabanca Portugal a não ser agora.
(iii) Luis Marcelino
Não conheci a referida tabanca.
Embora tenha estado no sul, mais concretamente em Mampatá, cerca de dois anos, não tive oportunidade de conhecer muito, para além do espaço à responsabilidade da companhia.
(iv) Mário Gualter Rodrigues Pinto
Gostaria muito de poder contribuir para o solicitado, mas apesar de ter estado na parte sul do Corubal, mais propriamente em Mampatá e uma vasta área do zona junto ao Corubal ser ZA [, zona de ação,] da minha companhia, nunca ouvi nem dei pela existência dessa tabanca.
Creio mesmo que os mapas ou croquis que nos davam para a Zona fizessem alguma referência à Tabanca [de Portugal]
(v) António Murta:
Sobre essa enigmática tabanca, devo dizer que nunca fui tão longe, mas, se fosse, confesso que tropeçaria nela de surpresa porque ignorava a sua existência. O mais longe que fui, fica-se pela "Ponte interrompida" sobre o Corubal, e apenas estive sobre o tabuleiro uma vez, conforme descrevo num dos postes enviados ao Blogue há tempos. Era um lugar paradisíaco, fora do tempo, mas que causava uma impressão muito intensa. E de Nhala lá eram muitas horas por mata fechada quase sempre. Ora, essa tabanca, pelos vistos, ainda era mais afastada.
(vi) Alcídio Marinho
A tabanca "Portugal" chamava-se "Gã Portugal" ficava na margem esquerda do rio Corubal,
mesmo em frente à tabanca da Ponte do Inglês.
Da Ponte do Inglês fazia-se a cambança para a Gã Portugal. Ficava no caminho do rio Corubal para Fulacunda
Em Maio de 1963, pelos dias, 20 e poucos, fiz uma emboscada nesse local, onde prendemos dois turras que transportavam numa piroga um rodado de metralhadora pesada.
Era na zona de Gã Portugal que os aviões faziam a descarga das bombas sobrantes das operações, pois dizia-se que não podiam regressar a Bissau com os aviões com as bombas.
Guiné-Bissau > Saltinho > Ponte General Craveiro Lopes > Novembro de 2000 > Lápide, em bronze, evocativa da "visita, durante a construção" do então Chefe do Estado Português, general Francisco Higino Craveiro Lopes, acompanhado do Ministro do Ultramar, Capitão de Mar e Guerra Sarmento Rodrigues, em 8 de Maio de 1955.
Era então Governador Geral da Província Portuguesa da Guiné (tinha deixado de ser colónia em 1951, tal como os outros territórios ultramarinos...) o Capitão de Fragata Diogo de Melo e Alvim... Craveiro Lopes nasceu em 1894 e morreu 1964. Foi presidente da República entre 1951 e 1958 (substituído então pelo Almirante Américo Tomás).
Praticamente só 20 anos depois, em 1956, é que há uma ponte, moderna e segura, a ligar o sul e o norte da Guiné, no Saltinho, substituindo a famigerada Ponte Marechal Carmona, mais acima, que colapsou logo no ano da sua inauguração (1937).
Foto do "turista" Albano Costa, nosso camarada, que lá passou em novembro de 2000.
Foto: © Albano M. Costa (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
3. Comentário de LG:
Obrigado, a todos pelo vosso esforço de memória e sentido de colaboração... e também pelas pistas que deixam.
Ao António Murta quero dizer que, afinal, esteve relativamente perto da tabanca de Portugal, em 1973/74... em linha reta, mas longe, se ele caminhasse ao longo da margem direita do Rio Corubal... Dez quilómetros pelo mato, em floresta galeria, equipada, a nossa tropa podia levar 5, 6 ou mais horas, tendo a sorte de não encontrar nem bichos nem homens pelo caminho... Mesmo assim, o Murta veio bem de longe, de Nhala, a seguir a Buba, até à Ponte Carmona...
Esta ponte nunca a conheci nem me recordo de ter ouvido falar dela, no meu tempo (1969/71) e eu fiz operações no subsetor do Xitole... e colunas logísticas de Bambadinca ao Saltinho... Em contrapartida, estive por mais de uma vez na Ponte Craveiro Lopes, no Saltinho (que veio substituir a Ponte Carmona, em 1956), mas nunca passei para o lado de lá. Só o fiz em 2008, quando fui de Bissau a Iemberém, no sul, passando por Bambadinca, Xitole, Mampatá, Quebo, Gandembel, Guileje e indo mesmo até Cacine...
No tempo da CCAÇ 12 (Bambadinca, julho de 1969 / março de 1971), só fiz operações na margem direita do Rio Corubal, nunca na margem esquerda (nessa época, praticamente interdita, nem lá iam os fuzileiros; e, a propósito, temos falado muito pouco aqui dos nossos camaradas fuzileiros).
Quanto ao Alcídio, o mais "veterano" de todos nós, foi com ele que a guerra começou... Receio que não estejamos a falar da mesma tabanca...
Esta tabanca de Portugal vem assinalada no mapa do Xitole, e fica em frente ao Xitole, do outro lado (esquerdo) do rio Corubal, conforme se pode confirmar aqui no mapa ou a carta do Xitole (de 1955)... Mas também no mapa geral (1961) (vd. acima).
Devemos estar a falar de tabancas diferentes, em regiões diferentes, se bem que próximas... Diz o Alcídio:
(...) "A tabanca 'Portugal' chamava-se 'Gã Portugal' ficava na margem esquerda do rio Corubal, mesmo em frente à tabanca da Ponte do Inglês. Da Ponte do Inglês fazia-se a cambança para a Gã Portugal. Ficava no caminho do rio Corubal para Fulacunda". (...)
Essa "Gã Portugal" devia constar do mapa ou carta de Fulacunda, também de 1955, mas eu não a encontro... Gã significa em crioulo família, no sentido alargado do termo, clã: por exemplo, os Gã Martins, de Empada, a que pertencia o avô materno, Victor Vaz Martins, do nosso amigo e historiador guineense Leopoldo Amado... Veio do mandinga para o crioulo e também quer dizer "casa grande", quinta, exploração agrícola, "ponta" (vocábulo crioulo)...
Nas margens (esquerda e direita) do Rio Corubal havia várias povoações que começam por Gã, provavelmente relacionadas com colonos ou famílias lá estabelecidas:
Gã Garnes (ou Ponta do Inglês)