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segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3511: O meu baptismo de fogo (23): Uma vacina para o enjoo... (António Paiva)

1. Primeira colaboração, para o nosso Blogue, de António Paiva (*), ex-Sold Cond no HM 241 de Bissau, 1968/70, enviada no dia 22 de Novembro de 2008. 

 Inserimos este baptismo que foi não de fogo real, mas um baptismo com contornos quiçá mais violentos, naquela casa de horrores que era o HM 241. Não devia ser fácil ser condutor de ambulância. CV 

  O meu Batismo ou vacina para o enjôo 


 Dia 9 de Junho de 1968, pelas 7 ou 8 horas da manhã chego à Guiné a bordo de um 707 da TAP. Daqui me levou para um mundo desconhecido, com destino ao Hospital de Bissau. Posso dizer que parti com um pouco mais de alegria do que muitos, porque ia dentro de mim a convicção de que voltava. 

 Nesse voo com 181 militares, três iam destinados ao HM 241. Da parte da tarde os outros foram chamados para serem levados ao seu destino. Não tendo eu sido chamado, fui perguntar ao sargento a causa. Prontamente me respondeu: 

- Tu ficas. Chegaste adiantado mais de um mês, talvez vás para o mato substituir um condutor que morreu. 

- Estou lixado, vou para o lugar do morto. 

 Devem imaginar o que senti e o que pensei. Passei a noite nos Adidos, deitado no chão, agarrado às coisas que levei comigo e com toda a roupinha no corpo. Fui um petisco para os mosquitos, que não me largaram toda a noite. 

De manhã, não sei se me levantei ou se já estava em pé, podia ir à cidade. Pelas 10 horas lá fui eu numa boleia. Chegado a Bissau fiquei só, não sabia para que lado me virar, mas fui andando por ali de rua em rua vendo o que ia ter durante os 24meses seguintes. Almocei no Hotel Portugal. 

 Em voltas e reviravoltas voltei a apanhar boleia e regressei aos Adidos pelas l6 horas, sendo informado de que o sargento tinha andado à minha procura. Fui ter com ele que estava de mau humor e que mandou levarem-me ao Hospital. Cheguei pelas 17 horas e perguntei onde me devia dirigir. Indicaram-me a Formação, depois daí a caserna onde encontrei cama e armário para mim. Assentei praça no mundo das agonias 

 Depois de tudo arrumado no seu lugar, porque os mosquitos se tinham requintado comigo na noite anterior, dirigi-me ao Posto de Socorros a ver o que me dariam para alívio das borbulhas e comichões. Entro e, para principio, não estava mau. Do lado esquerdo estava uma maca tapada e ao centro um ferido a ser assistido pelo enfermeiro de serviço. Ficámo-nos a conhecer e eu disse-lhe ao que ia. Indicou-me que o álcool era o melhor, fez-me um favor, mas tive de lhe pagar com outro. Pediu-me que visse o número que tinha o morto, a etiqueta estava no pé, daquele lado, indicou-me com o dedo. Parte de fraco não quis dar, fui, o lado era o outro, tremi de alto a baixo, serrei os dentes, os olhos fecharam-se ao encontro da escuridão e o estômago comprimiu-se, tentando expelir o que continha. 

 Foi a vacina contra o enjoo, podia ter sido mais suave, mandam as regras que... primeiro se esfrega o local suavemente com álcool ou éter e depois se espeta. Mas será que a GUERRA tem regras? Claro que não! Ela é selvagem, desumana e destruidora, pondo aos nossos olhos a miséria causada pelo seu resultado. Era triste e horrendo o que por ali se via, mas a minha missão ia ser longa e a vacina, algumas semanas depois a retardador, ia produzir o seu efeito. Se ia ser o prato de todos os dias, valia mais passar fome. 

 Um abraço a todos António Paiva
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quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3486: Tabanca Grande (98): António Paiva, ex-Soldado Condutor no HM 241 de Bissau, 1968/70

Antonio  [Duarte de] Paiva, ex-Soldado Condutor no HM 241 de Bissau, 1968/70 

  1. Mensagem do nosso novo camarada António Paiva, com data de 17 de Novembro de 2008: 

 Caro Luis Graça, 

 Há pouco tempo descobri na Internete o blog dos Camaradas da Guiné, se me permite, com intenção de fazer parte do mesmo, me vou apresentar. António Duarte de Paiva, ex-Sold Cond no Hospital Militar 241 em Bissau, de Junho de 1968 a Junho de 1970. 

 Fiquei surpreendido ao ver que, 40 anos passados, os jovens daquele tempo, alguns, se voltaram a reencontrar e entre eles poderem trocar impressões, histórias e ideias, dos tempos longínquos que nos vieram dar a volta à juventude, com a incerteza no amanhã.

 Senti alegria e satisfação ao ver no blog os Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras, e nele estar o ex-Alf Mil Piloto Aviador Jorge Félix (*). Não nos conhecemos, mas de certeza que muitas vezes nos encontrámos, mais que não fosse, naquela triste missão de… toma lá, dá cá. Mandei-lhe um e-mail, dois dias atrás, talvez ele me possa ajudar a compor melhor os tempos reais do passado. Prometo Voltar 

 Um abraço António Paiva

Hospital Militar 241 de Bissau.

2. Mensagem enviada ao António [Duarte de] Paiva, hoje mesmo, dia 19 de Novembro de 2008: 

 Caro António Paiva:

Em nome dos editores e restantes tertulianos do Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné, estou a receber-te na nossa Tabanca Grande (**), como é conhecido entre nós o nosso Blogue. Nós já nos conhecemos, por troca de mensagens anteriores à tua entrada na Tabanca, pelo que estou mais à vontade contigo. 

Já percebeste que gosto de brincar, jamais com intenção de ofender. Tive já oportunidade de te dizer que tinhas uma missão em Bissau muito meritória. Concerteza que contribuiste para a manutenção da vida de muitos feridos que chegavam do mato, na maioria das vezes em estado lastimoso. Provavelmente as tuas palavras foram, vezes sem conta, o conforto daqueles que viam o espectro da morte perto de si e que mais do nunca precisavam de uma palavra e de uma mão amigas. Deves ter assistido a momentos muito trágicos, e a momentos de muita alegria quando acompanhavas a recuperação de algum camarada mais de perto. 

 Hás de contar-nos algumas dessas histórias, porque também elas fazem parte da realidade que vivemos. No teu caso não te peço fotos, porque pessoalmente sou avesso à exibição gratuita de imagens chocantes, evitáveis e até desnecessárias. Ressalvo que falo por mim. Há quem goste. Na certeza de que esta tua apresentação é o início de uma colaboração profíqua no nosso Bogue, deixo-te um abraço de boas-vindas. 

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 Nota de CV: