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quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10293: Tabanca Grande (356): Adelino Barrusso Capinha, ex-1.º Cabo Operador Cripto da CCS/BART 1904 (Bissau e Bambadinca, 1967/68)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Adelino Barrusso Capinha (ex-1.º Cabo Operador Cripto da CCS/BART 1904, Bissau e Bambadinca, 1967/68), com data de 17 de Agosto de 2012:

Caros camaradas
Acabei de aceder ao vosso blogue e desejo fazer a minha apresentação:

Sou: Adelino Barrusso Capinha,
Posto: Ex-1.º Cabo
Especialidade: Operador Cripto 
Pertenci à CCS do BART 1904 e estive em Bissau e em Bambadinca nos anos de 1967/68

Moro em Ladoeiro, Castelo Branco.

Neste momento não tenho disponível foto militar que prometo enviar logo que possível.
Em anexo foto actual.

Um abraço
Adelino Capinha

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Vista aérea da tabanca de Bambadinca, tirada no sentido sul-norte. Em primeiro plano, a saída (lado leste) do aquartelamento, ligando à estrada Bambadinca-Bafatá. Ao fundo, o Rio Geba Estreito.

Foto © Humberto Reis (2006) 


2. Comentário de CV:

Caro camarada Adelino Capinha, bem aparecido na Tabanca Grande onde te poderás instalar e começar logo que queiras, ou possas, a contares à tertúlia as tuas memórias e enviar fotos para publicação.

Não saberás, mas a jóia para ser admitido é contar uma pequena história que poderá ser de um qualquer momento que te tenha marcado, e foram muitos por certo, desde a viagem de ida, passando pelo tempo em que cumpriste a tua comissão, até à viagem de regresso.

Ficas devedor ao Blogue, mas não te preocupes porque terás muito tempo para acertar contas.

Se tiveres alguma dúvida que queiras ver esclarecida, tens à tua disposição a caixa de correio do Blogue: luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com, assim como as dos dois co-editores, eu e o Eduardo Magalhães, que encontrarás no lado esquerdo da nossa página.

Antes de terminar esta tua apresentação, envio-te um abraço em nome da tertúlia e dos editores.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10289: Tabanca Grande (355): Manuel Dias Pinheiro Gomes, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista do STM / Agrupamento de Transmissões da Guiné (Catió e Bissau, 1970/72)

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10009: Memória dos lugares (185): Saiba V. Excia que está na Ponta do Inglês!, disse o Alf Mil João Mata para o Brig Spínola (António Vaz, ex-cap mil, CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69)


VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> O ex-alf mil João Mata e o ex-cap mil António Vaz, da CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69). O João Guerra da Mata foi o último comandante do destacamento da Ponta do Inglês, um dos míticos topónimos da guerra da Guiné...

Foto: © Luís Graça (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



1. Mensagem do nosso camarada António Vaz (ex-Cap Mil da CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69), com data de 4 do corrente:

- Não tenho a certeza de ter aterrado no sítio certo… - disse, ao aterrar, o Brigadeiro Spínola. 
- Saiba V. Exa. que está na Ponta do Inglês - respondeu o Alf Mil João Mata que usava na ocasião calções, barba, tronco nu e uma extraordinária boina de cor verde alface com uma estrela de metal. 


A Ponta do Inglês

A Cart 1746 saiu de Bissorã a 7 de Janeiro de 1968,  seguindo de Bissau para o Xime via Bambadinca,  a bordo da barcaça Bor. Um Grupo de combate seguiu directamente para a Ponta do Inglês onde rendeu o pessoal da CCAÇ 1550.

Este Pelotão da Cart 1746 era comandado pelo Alf Mil Gilberto Madail que lá permaneceu cerca de 4 meses sendo substituído por outro comandado pelo Alf Mil João Guerra da Mata que lá esteve até Outubro data em que este Destacamento foi abandonado.

A Ponta do Inglês foi ocupada e os abrigos construídos em Dezembro de 1964 na Op Farol pela CCAÇ 508,  comandada pelo malogrado Capitão Torres de Meireles, morto em combate na Ponta Varela.

Este destacamento teve sempre uma triste sina porque não tinha meios senão para ESTAR. A dispersão de meios que encontramos no L1 a isso conduzia. Nunca serviu de nada a não ser castigar, sem culpa formada, as guarnições que para lá eram enviadas.

Não controlavam nada na foz do Corubal e nada podiam fazer em conjunto com o pessoal do Xime para manter aberto o itinerário Ponta do Inglês/Xime porque a Companhia do Xime ocupava também Samba Silate, Taibatá, Demba Taco e Galomaro. Assim o seu isolamento era, foi, praticamente total.

Os géneros só a Marinha os podia levar e o mesmo se pode dizer das munições, correio, tabaco, combustível, etc.

A chegada dos abastecimentos era motivo de alegria geral como se pode ver nas imagens que junto.


Por muito que o pessoal controlasse os gastos, a falta de quase tudo fazia-se sentir. Bem podia o Comando da Companhia pedir insistentemente pela vias normais a satisfação dos pedidos que não conseguíamos nada. Cheguei a tentar meter uma cunha directamente na Marinha, mas as prioridades eram outras. Como alguns géneros recebidos da Companhia que lá tínhamos rendido estavam deteriorados, a situação ainda foi pior. Esta situação originou, a pedido do Alf Madail, o Fado da Fome,  que o Manuel Moreira ilustrou nas quadras populares da sua autoria.

O Destacamento da Ponta do Inglês era a pequena distância da margem do Rio Corubal e tinha a forma quadrangular. A guarnição era formada por 1 GComb + 1 Esq/Pel Mort 1192 e pelo Pel Mil 105.


O destacamento era formado por 4 abrigos principais nos vértices para o pessoal, para a mecânica e rádio. O combustível e as munições ficavam na parte mais perto do Corubal; na parte central sob uma árvore frondosa (poilão ?) um abrigo mais pequeno onde ficava o Alferes, o enfermeiro e logo ao lado o forno do pão e uma cozinha, tudo muito rudimentar. Tinha o espaldão do Morteiro na parte central. Não tinha, ao contrário do Xime, paliçada e apenas duas fiadas de arame farpado.


Os abrigos eram de troncos de palmeira com as indispensáveis chapas de bidão, terra e não eram enterrados. Uma saída na direcção do rio e outra no lado oposto para as idas à água e à lenha. No destacamento havia um Unimog para estas tarefas.

A água era tirada a balde de um poço existente a cerca de 700 metros do arame farpado que também era utilizado pela população, totalmente controlada pelo IN, e pelo próprio IN, sem nunca este ter aproveitado as nossas idas à água e à lenha para nos incomodar e vice-versa

Diz o M. Moreira: 

O poço era um só,
Estava longe do abrigo,
Dava a água para nós
E também p’ro Inimigo.

Nunca percebi por que razão se fez o Destacamento,  afastado do único poço com água potável... Uma proposta de sã convivência? O caso é que resultou.

O que se passou nos tempos infindáveis em que o gerador esteve avariado, assunto já abordado neste Blogue, por quem o foi substituir, depois de aturados pedidos a Bissau sem que se resolvesse em tempo útil,  é inenarrável. 

As garrafas de cerveja penduradas no arame farpado, cheias de combustível,  tinham que ser continuamente acesas nas noites de chuva forte ou de vento. O risco que a “malta” corria nessas circunstâncias, sendo a única coisa iluminada na escuridão, tornando-se um alvo fácil era enorme, embora, que me lembre,  nunca tenha havido flagelações nessas alturas.


Flagelações houve muito poucas - seis - sem grandes consequências, a água do poço nunca foi envenenada e mesmo sabendo que a resistência oferecida pelas NT, aquando dos ataques, fosse de nutrido fogo mantendo o IN em respeito, penso que este nunca empenhou efectivos suficientes e capazes para provocar danos consideráveis. No fundo o IN sabia que enquanto aquele pessoal ali estivesse enquistado, a tropa do Xime, com a dispersão acima referida, estaria muito menos apta a fazer operações complicadas.

As relações entre o pessoal podem considerar-se muito boas,  não havendo atitudes condenáveis, que até seriam possíveis num ambiente concentracionário como aquele. A convivência com a Milícia logo de início se mostrou muito favorável porque, abastecendo-se de géneros junto das NT, passaram a pagar muito menos do que anteriormente porque os preços eram os mesmos que nos eram debitados sem alcavalas de qualquer espécie. Não me recordo da existência de familiares a viverem com o pessoal africano, mas segundo o testemunho do Tabanqueiro Manuel Moreira, uma mulher deu à luz na época em que lá esteve e foi o 1.º Cabo Enf Cordeiro Rodrigues - o Palmela - ajudado por ele que assistiram ao parto.

Com a falta de géneros tudo se aproveitava incluindo a caça, que se resumia a tiro de rajada para bandos de aves grandes, pernaltas (não sabemos quais) e se caiam nas redondezas eram o pitéu desse dia. As noites eram passadas como se calcula, com as sentinelas nos quatro cantos do quadrado e a malta a ver e a ouvir os rebentamentos que vinham da direcção de Jabadá, de Tite, Porto Gole e do Xime, claro. Pode ser sinistro mas não é difícil pensar que muitos diriam: 
- Antes eles do que nós.

Como de costume, depois das tarefas de rotina, quando o calor era menos intenso seguia-se o eterno futebol com bolas dadas pelo MNF, de péssima qualidade, substituídas pelas tradicionais trapeiras. Num dos reabastecimentos que se fizeram conseguimos levar para alem de gado mais miúdo algumas vacas, que como sabemos, na Guiné são de pequeno porte. Como o futebol também farta,  houve alguém que sugeriu tourear uma das vacas que ainda estava viva para tardios bifes.

Foi uma festa com as peripécias inerentes à Festa Brava e todos os dias “a las cinco en punto de la tarde” soltava-se a vaca e era um corrupio de faenas com cornadas… incompetentes. O tempo foi passando e já só restava um dos pobres animais para animar os fins da tarde. 

Como o reabastecimento nunca mais chegava e o atum com arroz já não se podia ver e muito menos comer o Alf Mata teve de decidir entre o partido pró-tourada e o partido pró-bife. Não foi fácil, mas acabou por vencer este último. Convocou-se o Soldado Condutor J. Viveiro Cabeceiras que também era padeiro, magarefe e pau para toda a obra, que procedeu à matança. Começando a esquartejar a rês,  vai ter com o Alferes e informa-o que a vaca estava tísica, pulmões quase desfeitos. 
- Come-se a vaca ou não se come a vaca

Nova discussão e resolveu-se não aproveitar as vísceras e apenas o músculo. Assim se comeu carne assada sem problema de maior. Quando esta acabou voltou-se ao atum aos enlatados,  tudo coisas que já escasseavam mas o pessoal andava triste com a falta dos fins de tarde taurinos. Então o Cabeceiras foi ter com o Alferes e disse-lhe:
- Meu Alferes a malta anda tão triste que se quiser e autorizar eu faço de vaca pois guardei os CORNOS.

E assim de conseguiram mais uns fins de tarde…

Felizmente com a redistribuição das Forças no terreno, iniciada pelo Brig Spínola, foi a Ponta do Inglês evacuada sem problemas em 7/8 de Outubro de 1968, pondo-se fim ao disparate da sua existência. 

Há uma enorme falta de informação (para mim) sobre a evacuação da Ponta do Inglês; nem na história do BART 1904, nem na da CART 1746, apenas é mencionada a data em que se efectuou. Tenho ideia que,  para além do pelotão da 1746, Secção  de Morteiros e Milícia,  estiveram na Ponta do Inglês pessoal de outras unidades a montar segurança (mas quais?) enquanto o pessoal carregava a barcaça Bor de todo o material e bagagem da rapaziada. Estivemos nas imediações da Ponta Varela a assegurar a passagem da Bor a caminho de Bambadinca. Foi uma operação, para mim sem nome, que envolveu mais meios que não recordo.

Segundo informação de oficiais do BART 1904, o Brig Spínola com o respectivo séquito aterrou na Ponta do Inglês, já ia adiantado o carregamento da Bor, mandando evacuar a segurança, depois de se ter armadilhado o que estava determinado, e só depois reparou que já não havia segurança nenhuma e que ele e os outros Oficiais que o acompanhavam tinham ficado, como hei-de dizer, abandonados na margem do Corubal com o pessoal do ou dos helis a chamá-los quando se aperceberam da situação.

O pelotão da Cart 1746 chegou ao Xime sem problemas e todos tivemos uma enorme alegria por voltarmos a estar juntos. ....E na verdade o que vos doi... É que não queremos ser heróis (FAUSTO).

António Vaz, ex Cap Mil

PS - Esta estória da Ponta do Inglês só foi possível com as recordações do Manuel Moreira (releiam o Fado da Fome), do João Guerra da Mata,  o ex-Alferes – último comandante daquele destacamento, e de Vera Vaz nas interpretações desenhadas.
_________

Nota do editor:

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9315: Memórias do Carlos Marques dos Santos (Mansambo, CART 2339, 1968/69) (2): Três emboscadas na fonte, em julho e setembro de 1968



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > "O caminho (frondoso e, outrora, perigoso) para a fonte" (AC).






Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > "A fonte de Mansambo, que continua a ser usada pela população local para abastecimento de água, higiene pessoal e lavagem da roupa" (AC)...






Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > "A fonte de Mansambo, quase 40 anos depois: aqui foi gravemente ferido, em emboscada montada pelos guerrilheiros do PAIGC, em 19 de Setembro de 1968, o Saagum, do 1º pelotão da CART 2339 (Mansambo, 1968/69)... É o primeiro dos tugas a contar da esquerda" (AC). (*)




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > "Junto à fonte. A foto é elucidativa da tensão que vai principalmente no Almeida e Saagum, a sensação daquele momento só os próprios a podem descrever, e era giro que eles o fizessem, aqui fica o desafio para o António Almeida. Da esquerda para a direita: o José Clímaco Saagum, o António Almeida, o Manuel Costa, o Aguiar e o Casimiro" (AC). 





Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > "O Aguiar e o Casimiro na fonte de Mansambo". (AC)



Fotos:© Albano Costa / Hugo Costa (2006). Todos os direitos reservados

(Legendas do Albano Costa;  as fotos são do filho, Hugo Costa, que integrou esta expedição à Guiné-Bissau, em Abril de 2006; ambos são membros da nossa Tabanca Grande)


 




Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Mansambo > 1970 > Vista aérea do aquartelamento. Ao fundo, da esquerda para a direita, a estrada Bambadinca-Xitole.


Fotos do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.

Comentário de Carlos Marques dos Santos (CMS):

"Quanto à foto de Mansambo, a vista aérea – que é espectacular e que pessoalmente agradeço - gostava de saber de que ano é, se o Humberto tiver esses dados. A zona está totalmente nua, só com uma grande árvore ao fundo que se encontra à entrada do aquartelamento, pois vê-se a bifurcação para a estrada Bambadinca-Xitole (esquerda-direita. Falta ali uma árvore, a tal de referência para o IN, e que os nossos soldados chamavam a árvore dos 17 passarinhos, tal era a quantidade deles, que se situava na parte mais afastada da entrada. A mancha branca de maior dimensão seria o heliporto. Faltam os obuses, um de cada lado à esquerda e à direita. Ao lado dessa árvore ficava o depósito, que era uma palhota, de géneros e munições, que ardeu a 20 de Janeiro de 1969 (nesse dia chegaram os 2 Obuses 105 mm). Era véspera do aniversário da CART 2339.


"Ao fundo vê-se uma mancha à esquerda do trilho de entrada que era a tabanca dos picadores. À direita no triângulo de trilhos, ficava a nossa horta. A fonte ficava à direita da foto onde se vêem 3 trilhos, na mancha mais negra em baixo. Se confrontares com um mapa da zona vê-se aí uma linha de água".


Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados



Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Mansambo > Posição relativa de Mansambo, uma antiga pequena tabanca abandonada onde construído de raíz um aquartelamento pelo CART 2339 (1968/69).  A vermelho, a estrada a estrada que vinha de Bambadinca, a norte, para o Xitole e o Saltinho, a sul.  A fonte ficava a sudeste do aquartelamento, na direcção da ponte sobre o Rio Bantancunto.



Carta do Xime (1961) (Escala 1/25000) (Pormenor)


1. Mais duas notas pessoais no diário do Carlos Marques dos Santos (ex-Fur Mil da CART 2339, Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69; professor de educação física reformado, vive em Coimbra) (**):



11/7/1968

Chegou o novo furriel de transmissões. Fui a Bambadinca [, sede do BART 1904, e não do BCAÇ 1904...] saber se haveria transporte para Bissau para ir tratar dos dentes. Quininos e mais quininos destruiram o meu aparelho mastigador, mas convenhamos, seria mais uma tentativa de afastamento do cenário de guerra. Há que aproveitar.


Fui informado que, em Mansambo, tinha desaparecido um nosso soldado, na fonte, concerteza levado pelos turras. Logo de seguida a Companhia saíu para uma batida, na área e o Alferes de Mílicia de Moricanhe morreu com o rebentamento de uma mina A/P.

Na realidade, o que se passou ? A 11 de Julho de 1968,  o IN reteve um dos nossos elementos, na fonte, e na perseguição, em conjunto com as NT, o Cmdt do Pel Milícias 103 accionou uma mina A/P, tendo sucumbido aos ferimentos. Deste nosso camarada só houve notícias depois do 25 de Abril de 1974: era o Soldado Armas Pesadas Francisco M. Monteiro.


Continuo a aguardar transporte. Só a 19 de Julho de 1968 saí para Bissau, de barco - chamado Corubal... Rápido, pois demorou só 5 h e meia.

Dia 20 fui ao Hospital. Marcaram consulta para 22. Lá estava eu. O médico queria arrancar-me 5 dentes. Não concordei. Tive alta. Fui para a guerra outra vez.

Ainda, em Julho de 1968, a 24, morre em combate o 1.º Cabo Aux Enfermagem Fernando R. de Sousa. (**)

19/9/1968


Haverá uma outra emboscada  na fonte em que o Saagum ficou ferido: seria a 19/09/1968 e nessa altura não houve desaparecidos. Eis o meu registo:

Em 19 de Setembro de 1968, a CART 2339 sofre uma emboscada, vinda da copa das árvores, também na fonte, enquanto procedia ao abastecimento de água. 

07 h. Pequeno almoço. 8.30 h, rebentamentos na direcção da fonte. O 1.º Pelotão estava à água (o Saagum era do 1.º Pel). Ataque IN do cimo da copa das árvores. Reacção imediata do Pelotão, apesar do insólito.


Das árvores? Nunca tinha acontecido. Feridos! Antevê-se a tragédia. 1 morto e 11 feridos, 5 deles graves. O morto é o Soldado de Transmissões Humberto P. Vieira. Um dos feridos graves viria a falecer no Hospital Militar de Bissau (241),  a 25 desse mês. Era o 1.º Cabo Condutor João M. J. Figueiras. De entre os feridos graves, registe-se o José Clímaco Saagum que perdeu uma vista.

Evacuação urgente. Três helis evacuaram os feridos graves para Bissau e os menos graves para Bambadinca. Chegou coluna do Batalhão em ajuda. Reconhecimento da Zona. Trilhos, vestígios de sangue. Mau dia, este. (****)

Dia 20 [de Setembro de 1968]. Comandante em Chefe, Governador da Província - Spínola. Trouxe notícias dos feridos e conforto moral.

30/9/1968


Em 30 de Setembro, há uma nova emboscada na fonte a Pelotão de Milícia e uma mulher da Tabanca.


____________

Notas do editor:

 (*)
14 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCVIII: A emboscada na fonte de Mansambo (19 de Setembro de 1968) (Carlos Marques dos Santos)

(**) Último poste da série > 2 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9303: Memórias do Carlos Marques dos Santos (Mansambo, CART 2339, 1968/69) (1): Op Gavião: Abril de 1968, antes o fogo do IN que o ataque das abelhas



(***) Vd, poste de 9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DIX: As baixas da CART 2339 (Mansambo, 1968/69) [Carlos Marques dos Santos]

(****) [Vd. também a evocação deste dia trágico, para  CART 2339, feita pelo Torcato Mendonça; passados meses, acrescenta ele, foi aberto um poço dentro de quartel; construíram-se duches e vieram dois obuses 10.5; segundo o prisioneiro Malan Mané, feito mais tarde, em Agosto de 1969, o grupo do PAIGC que emboscou as NT na fonte de Mansambo, em 19/7/1968, seria comandado ou enquadrado "por um ou mais cubanos"].

sábado, 19 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9065: Tabanca Grande (307): José Ferraz de Carvalho, português há mais de 40 anos nos EUA, ex-Fur Mil da CART 1746 (Xime, 1969)

1. Mensagem, de 16 do corrente, do José Ferraz de Carvalho (ou simplesmente J. de Ferraz, ou ainda mais simplesmente Zé, como ele gosta que o tratem), aceitando o nosso convite para a ingressar na Tabanca Grande, o que muito nos honra [; ele vive nos EUA, há mais de 40 anos, e continua orgulhosamente a ser cidadão português e a sentir-se patrioticamente português]





Companheiro e camarada Luís:


(i) Ser o nº 527 é uma honra. Obrigado. Para mim é uma honra juntar-me à Tabanca [Grande]. As histórias, como dizes,  já as tens.


Quanto às fotos... tinha uma quantidade delas,  dos meus tempos na Guiné, infelizmente no transcurso da minha vida,  aqui nas Américas,  não sei onde estão.


Foi formidável, o companheiro e camarada Manuel Moreira enviou-me um e-mail dizendo que se lembrava muito bem de mim; enviou-me também uma foto tirada no Xime quando, para descarga da infinita espera, decidimos fundar a Rádio Televisão do Xime.


Por curiosidade o homem à minha direita, de tanga, era o famoso Júlio que bebia 2 garrafas de Sagres grandes como pequeno almoço e foi o protagonista da coluna a Bambadinca onde se cortou o corpo inteiro [sic].




Lisboa > Lyceu Central de Pedro Nunes, no tempo da 1ª República... Foto: Cortesia do blogue De Rerum Natura > 17 de Setembro de 2010 > Os liceus na 1º República.



(ii) Nasci por acidente em Ponta Delgada, Açores,  em 20 de março de 1945, quando meu pai como oficial da marinha aí estava destacado num dos nossos submarinos.

Com 15 dias voltei a Lisboa com a mãe e,  depois de viver com os avós paternos, mudámo-nos para casa dos avós maternos e em 1948 os meus pais finalmente encontraram casa própria, em Carcavelos, onde me criei.


Estive no liceu de Oeiras, depois no Pedro Nunes onde me envolvi nos movimentos de estudantes dessa época e finalmente fiz o terceiro ciclo nos Salesianos do Estoril.


Em 1965 o pai foi nomeado para ser o Senior Portuguese Officer no SACLANT [The Supreme Allied Commander Atlantic,], em Norfolk, Virgínia. Vim então estudar Engenharia nuclear para o Virginia Politecnical Institute,  mas tive que ir primeiro para o Old Dominion College para fazer estudos de habilitação. Sempre quis fazer tropa e estava aqui com uma licença militar porque era da incorporação de 65. Lisboa nunca me reconheceu os meus estudos aqui, pelo que em vez de ir para Mafra [, COM], fui para as Caldas [, CSM].

2. Comentário de L.G.:

Zé, para refrescar a tua memória: A CART 1746 eve como unidade mobilizadora o GCA 2, seguiu para a Guiné em 20/7/1967, regressou em 7/6/1969; esteve em Bissorã e no Xime; comandante: Cap Mil António Gabriel Rodrigues Vaz. O destacamento da Ponta do Inglês, onde esteve o Moreira, foi desativado ao Novembro de 1968. Tudo indica que tenhas chegado ao Xime, em janeiro ou fevereiro de 1969, um ou dois meses do início da Op Lança Afiada. Eu, periquito, quando desembarquei no Xime, em 2 de junho de 1969, ainda estavas lá tu.

Depois foste para Bissau, para o QG, onde ficaste os "últimos meses" da tua  comissão e regressaste a Lisboa já em 1970. Deves ter chegado à Guiné, com a 16ª Ccmds, meados ou finais de 1968... É isso ? É o que deduzo do que escreveste no primeiro poste (*): 


(...) Ofereci-me como voluntário para a 16ª Companhia de Comandos com a qual cheguei a Guiné em 68 [, não dizes em que mês]. No fim da fase operacional [, IAO,] não quis ser comando e fui então destacado para a Cart 1746, Xime, onde o Capitão Vaz me responsabilizou em formar um grupo de combate com o segundo pelotão cujo alferes tinha sido enviado para Lisboa doente" (...).

O Torcato Mendonça acrescenta o seguinte: 


"A Companhia do Xime era a Cart 1746, comandada pelo Cap Mil Vaz e pertencente ao Bart 1904. Os Alferes eram o [Gilberto ]Madaíl; um de Évora (Montes? creio que não, talvez Mata); um que foi evacuado para a metrópole em meados de 68 (estive com ele em Agosto de 68 na minha vinda de férias, acompanhado com o Cap Vaz); e um outro que era, salvo erro, de Angola. Não recordo o nome".

Antes da CART 1746,  passou pelo Xime a CCAÇ 1550 (1966/68) (estivera antes em Farim; era comandada pelo Cap Mil Inf Agostinho Duarte Belo). À CART 1746, seguiu-se a CART 2520 (1969/70) (que veio comigo na LDG), a CART 2715 (1970/71), a CART 3494 (1972/73) e a CCAÇ 12 (1973/74)...

Há cinco anos atrás, recebemos aqui um comentário do António Vaz:

(...) Chamo-me Antonio Vaz, tenho 73 anos e fui capitão miliciano, comandante da CART 1746, no Xime, de Janeiro 1968 até ao fim da comissão, em Junho de 1969.

Como companhia independente, conheci vários comandantes de batalhão: primeiro os de Bula e depois de Bambadinca. Dos que me recordo melhor foram o Cmdt do BCAÇ 1904, Ten Cor Branco, o Fontoura e o Pimentel Bastos. Todos diferentes, todos iguais. Do Pimentel Bastos recordo com saudade o espírito, a cultura e a simpatia ingénua de um homem que não nascera para aquilo. Nas muitas conversas que tive com ele compreendi o seu drama. Eu estimei-o. António Vaz (...)

[Vd. poste de 4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1025: Tenente-coronel Pimentel Bastos: a honra e a verdade (Luís Graça) ]

Zé, camarada, senta-se aqui ao pé de nós, sob o poilão, frondoso, secular, mágico, fraterno, inspirador, protetor, da Tabanca Grande (**), e deixa fluir (e partilha connosco) os teus pensamentos, memórias, emoções... Estou a acompanhar os teus comentários com muito interesse. Vou aproveitar alguns, para os editar em poste. Manda-me (ou tu, o Manuel Moreira) a tua a que te referes acima, e explica-me o que se passou na tal coluna Xime-Bambadinca em que o Júlio  "se cortou o corpo inteiro". Vejo, por outro lado,  que és um cidadão do mundo, mas intrinsecamente português. Para quem não escrevia em português há muitos anos, estás muito bem. Recebe um grande Alfa Bravo, querido camarada do Xime!... Meu, dos demais editores e do resto da Tabanca Grande. LG


PS - Vou pôr-te na lista alfabética dos membros da Tabanca Grande (constante da coluna do lado esquerdo) como José Ferraz de Carvalho, se achares bem. Ou só José de Ferraz, se achares melhor.

______________

Notas do editor:

(*) 14 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9043: Camaradas da diáspora (7): José Marçal Wang de Ferraz de Carvalho, Fur Mil Op Esp, da 16ª CCmds e da CART 1746 (Xime, 1968/69): vive hoje em Austin, Texas, EUA

(**) Último poste da série > 16 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9052: Tabanca Grande (306): José Santos, ex-1º Cabo Enf, CCAÇ 3326 (Mampatá e Quinhamel, Jan 71/Jan 73)

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8550: Em busca de... (168): Sado Baldé, major da Guarda Fiscal da RGB, e meu amigo, procura ex-Alf Mil Infante, que comandou um pelotão no Saltinho, em 1967 ou 1968 (Paulo Santiago)

Guiné-Bissau > Bissalanca > Aeroporto Osvaldo Vieira > 29 de Fevereiro de 2008 > Sapa VIP > O major da Guarda Fiscal Sado Baldé e o seu grande amigo e membro da nossa Tabacanca Grande, o Paulo Santiago (que acabara de chegar na caravana automóvel que partira de Coimbra em 21 de Fevereiro).

Foto: © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados

 

Guiné- Bissau > Instalações da AD - Acção para o Desenvolvimento > Julho de 2007 > O Sado Baldé, quadro superior da Direcção-Geral de Alfândegas, major da Guarda Fiscal, amigo do Paulo Santiago. Tive a oportunidade de o conhecer pessoalmente neste dia: foi gentilíssimo para comigo... (LG)


Foto: © Pepito/ AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Todos os direitos reservados




1. Mensagem, com data de ontem, do Paulo Santiago:


Boa Noite:  Esteve hoje em minha casa o Sado Baldé, um puto do meu tempo, agora major da GF [, Guarda Fiscal], lá na Guiné.


Já da última vez, que esteve em Portugal, me falou do assunto para que peço ajuda, mas esqueci-me completamente, e antes que me volte a esquecer aqui vai. (*)


O Sado gostava de encontrar (ou saber notícias de) o Alferes Infante que comandou um pelotão, pertencente à companhia do Xitole, e que esteve destacado no Saltinho no ano de 67 ou 68.


Este pelotão, única unidade na altura aquartelada no Saltinho, foi fortemente atacado, tendo, entre outros, morrido os Fur Mil Batista e Santos.


Agradecia que publicassem este desejo do Sado no blogue, poderá haver alguém que conheça o ex-Alf Mil Infante.

Abraço
P. Santiago


P.S. Existem no blogue algumas fotos onde aparece o Sado Baldé (**)


2. Mail enviado a toda a Tabanca Grande, através da nossa rede interna (cerca de 500 endereços)


Amigos e camaradas:


Alguém tem informação adicional de modo a poder ajudar o nosso camarigo Paulo Santiago e o seu (e meu conhecido) amigo Sado Baldé, um djubi do tempo dele no Saltinho e hoje quadro superior das Alfãndegas da República da Guiné-Bissau ?


O Alf Mil Infante, que o Sado procura, deve ter pertencido a uma destas companhias que estiveram no Xirole:


CCAÇ 1551 / BCAÇ 1888 (20/4/1966 - 17/1/68) ou  CART 1646 / BART 1904 (1967/68)...


A malta da CART 2339 (Mansambo, 1968/69) privou com a malta da CART 1646 (se não me engano)... A CCAÇ 1515 por sua vez esteve em Bambadinca, Fá Mandinga, Xitole e de novo Fá Mandinga. O BCAÇ 1888 esteve sediado  em Fá Mandinga e Bambadinca...


A seguir à CCAÇ 1646, esteve no Xitole a CART 2413 (1968/70), que teve quatro mortos mas nenhum dos furriéis referidos...  Fizemos operações em conjunto, eles e a minha malta da CCAÇ 12 (1969/71). No blogue Xitole, não constam companhias mais antigas que a CART 2413.


Abraço do tamanho do Corubal.
Luís Graça


3. Resposta, às 15h07, de hoje, por parte do Torcato Mendonça (CART 2339, Mansambo, 1968/69):


Luís: A Companhia do Xime era a Cart 1746, comandada pelo Cap Mil Vaz e pertencente ao Bart 1904. Os Alferes eram o Madaíl, um de Évora;  Montes? creio que não, talvez Mata;  um que foi evacuado para a metrópole em meados de 68 (estive com ele em Agosto de 68 na minha vinda de férias, acompanhado com o Cap Vaz);  e um outro que era, salvo erro, de Angola. Não recordo o nome.


O 1888 esteve antes de 68. Aliás dizes que saiu em Jan/68.


Em 68, pertencente ao BCaÇ 2852 estava a 2406 no Saltinho (Os Tigres, a Companhia do Camacho Costa);  a 2413, Cap QP Medina Ramos, era do Xitole. Não sei a que batalhão pertencia esta Companhia.


Não me recordo o nome dos alferes. Devia saber-se a Companhia e o ano. A malta do mato convivia pouco e, quando se fazia uma operação ou nos encontrávamos , o nome, para mim e muitos outros , era apêndice sem importância. Depois as décadas apagaram melhor que borracha...delete ...e tudo o vento levou!


Ab T
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Notas do editor:

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7293: Blogoterapia (167): A 2339, a CART 2339 (Torcato Mendonça)

1. Mensagem de Torcato Mendonça* (ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), com data de 14 de Novembro de 2010, dirigida ao seu camarada de Companhia, Carlos Marques Santos:

Carlos Amigo:

Aí te mando um anexo. Não é muito semelhante ao que navegou ciber-espaço fora. Não faz mal. Sabes,  foi melhor assim. Escrever sobre a 2339 deve ser escrita cuidada. Fala-se e não se escreve.


Também não quero fazer comparações. Nada disso. Fomos uma Companhia Independente. Primeiro ligada ao Bart 1904 e depois ao BCaç 2852. Tive estima pelos comandantes. O do 1904 recebeu a Companhia em Évora e o do 2852 veio connosco no regresso.


Um abraço forte e fraterno para todos do T.


A 2339

Carlos,  o Luís Graça diz e eu vou adoptar o sistema. Escrevi demasiado e talvez por isso borregou.
Não sou capaz de repetir. Fiz a escrita com ganas. Talvez fosse melhor.


Vocês, do terceiro, foram render-me a Galomaro, uns dias, longos, depois. O Historial da Companhia é… o que é. Um grupo em Galomaro, um em Candamã…. Desenfiados…

Viemos, cito de cor mas está escrito, de Cansamba (Galomaro), com passagem e briefing em Bambadinca em meados de Agosto. Finalidade: encontrar acampamento IN que atacara Candamã e Áfia. Só regressam quando quando estiver tudo “tratado” – Cor Felgas dixit!

Fomos, descobrimos, fizemos a operação com os Páras e tu com teu Grupo trataram de arrumar contas com os “fugitivos”. Uns viajaram para junto dos deuses e o chefe Mamadu Indjai para o hospital em Conacry. Teria chegado? Deves saber o que fizeste.

Dizia eu, no comentário que navega pelo espaço, que há tropa e tropa. A 2339 estava sempre no embrulho. Tudo bem e habitáamo-nos e nem queixume deve ser feito. Mas:

Leio certos textos e dizem que a tropa estava mal preparada… outros que a instrução era dura… uns celebram com yaaaaa e outros com yeeee. Uns dizem NT e IN e outros turras e tugas… nós se da mata vinha “tuga, tuga” fazíamos fogo e dizíamos filhos de puta. Tudo bem.

A nossa especialidade – tua, minha e da maioria dos graduados da 39 CSM ou COM – foi o que foi. Logo no segundo dia toca a levantar, correr e saltar, um bocado de pão e um tubo de leite e marcha… a noite de Janeiro veio gelada, a fome atormentava, as mãos enregelavam… eu mão direita na gaita e mijava quentinho na esquerda… calculada a metade fazia o inverso. A madrugada chegou geada e o Capitão Comando, tronco nu,  barbeava-se… e nós, salta, corre macaquinho. O dia decoreu e só á noite ao quartel chegamos. Comida? Não! Só dormida.

Foi determinante para a Guiné e os nossos camaradas, soldados da 2339, assim foram instruídos. Antes de dar instrução, já mobilizados creio eu, uns foram para Tancos e outros para Lamego. Recordo o presunto de Lamego, um peixe que nunca tinha comido - truta, a pensão do desenfianço, o galho, a Torre da Igreja e o gozo que aquilo deu enquanto durou…

A 2339 tem muito que contar. O camarada aos bocados nas árvores devia ser na estrada Mansambo/Bambadinca, na zona das emboscadas a seguir à primeira ponte. Está escrito nos Filhos de um Deus Menor. Foi no dia 2 de Abril de 1969.

A nossa zona era boa e Galomaro aqueceu e também assim ficou boa como a merda. A Inteligência Militar não queria acreditar que eles tinham, com a saída de Béli e Madina, o corredor aberto. Nem o Administrador de Bafatá. A 2405 que diga.

Fiz uma ou duas colunas loucas, antes da estrada Mansambo/Xitole estar aberta, por Galomaro, Dulombi, Quirafo (gostava de ter caído numa emboscada do tal hoje Cor Malu… com canhão… em cima da população). Conversávamos, claro, amigavelmente. E íamos até ao Saltinho e Xitole. Uma parvoíce. Coluna com vinte ou trinta carros, civis e uma moto-niveladora da Tecnil… nós trinta? Com mecânicos reforço de arma pesada…

Falas na água… e eu a ser evacuado para Nova Lamego, língua e lábios rebentados, meio grogue da febre… e a enfermeira pára-quedista a injectar e eu sem sentir. Quantos meses sem beber água potável? Uma bebida fresca ou comida… só comida de gente.

Fizemos o que tinha que ser feito. Uns talvez tenham acreditado e pensado estar a defender a Pátria, outros diziam que sim e aguentavam, outros nem sim nem não ou: tenho o dever de defender-me e aos homens que comando e, para isso, sou pago… outros…

Não guardo rancor e compreendo o IN, lutavam por algo que acreditavam. Tem isso muita força. Pena nem sempre resultar. Se lutavam com a lealdade possível, tudo bem. Não esqueço certos acontecimentos e não perdoo. Eles também não e têm mais problemas do que eu. Para mim há a Espécie Humana. Só! E do outro lado…?

Vê tu, Amigo,  que tenho saudades. Sou homem de paz, muita paz mas…

A 2339 é, isso sim, uma saudade e algo que sinto e não consigo descrever, uma parte de minha vida, uma parte de mim. Ela, a 2339, e todos os que nos rodeavam milícias, picadores… etc.

Só fui a dois Encontros. Do primeiro vim tão amarrotado mas feliz por ver aquela gente. Ao outro porque pensei não voltar a ver os meus camaradas. Erro meu e um dia ainda apareço.

Carlos,  deixa-me abraçá-los fraternamente a todos, os de cá e os de lá, a estes Tertulianos e, sem problemas aos que outrora me, nos, combateram. Ainda ao Povo das Tabancas, em especial… a certas gentes de que guardo para mim.

Isto é um teclar até ao infinito… não cabe,  vai em anexo. És o culpado de eu escrever e de ter entrado neste Espaço (blogue) de afectos, de sensibilidades diversas e de pluralidade de homens e mulheres que sentem a amizade.

Oxalá.

Um abraço Fraterno.
Faço CC e vai para os Editores.
Abraço a todos do Torcato
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7248: Ser solidário (94): Tenho tanta pena do que acontece e louvo o trabalho da Catarina Furtado (Torcato Mendonça)

Vd. último poste da série de 10 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7260: Blogoterapia (166): Virar as costas sem se despedir (José Eduardo Alves)

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5612: O Nosso Livro de Visitas (79): Conheci e estimei o Ten Cor Pimentel Bastos, 1º Cmdt do BCAÇ 2852 (António Vaz, ex-Cap Mil, CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69)

Guiné > Zona Leste > Subsector de Bambadinca > Xime > CART 1746 (1967/69) > 1968 > Destacamento da Ponta do Inglês >  > Foi aqui, neste destacamento, de má memória para muitos de nós, que o Manuel Moreira escreveu a sua Canção da Fome (*)... Por detrás dos militares da CART 1746,  à mesa, partilhando uma refeição, vê-se  uma parede revestída a chapas de bidão... que lá ficaram, quando as NT retiraram do destacamento, por ordens superiores. Seria bom que o ex- Cap Mil António Vaz nos quisesse falar um pouco mais das suas memórias desse tempo... (LG)




Guiné > Zona Leste > Subsector de Bambadinca >  Xime CART 1746 (1967/69) > 1968 > Antes desta unidade de quadrícula, passou pelo Xime a  CCAÇ 1550 (1966/68) (estivera antes em Farim; era comandada pelo Cap Mil Inf Agostinho Duarte Belo). À CART 1746, seguiu-se a CART 2520 (1969/70), CART 2715 (1970/71), CART 3494 (1972/73), CCAÇ 12 (1973) E ccaç 21 (1974)...

Fotos do Manuel Vieira Moreia,  que foi 1º cabo mecânico auto, esteve em Bissorã, Xime e Ponta do Inglês, entre 1967/69 onde escreveu a Canção da Fome. Pertenceu à CART 1746, encontrou-me no blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné. Temos  trocado algumas msg. É da zona de Águeda.  Portanto temos aqui o nosso avozinho" (Sousa de Castro, um hhistórico do nosso blogue, criador e editor por sua vez do blogue CART 3494; vd. oste 9 de Novembro de 2009 >  P42 - CART 1746 1967/69 Bissorá, Ponta do Inglês e Xime, de retirei estas duas fotos, com a devida vénia ao autor e ao editor).

Fotos: ©  Manuel Moreira / Sousa de Castro (2009). Direitos reservados



1. Comentário ao poste de 4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1025: Tenente-coronel Pimentel Bastos: a honra e a verdade (Luís Graça)

Chamo-me Antonio Vaz, tenho 73 anos e fui capitão miliciano, comandante da CART 1746, no Xime, de Janeiro 1968 até ao fim da comissão, em Junho de 1969.

Como companhia independente, conheci vários comandantes de batalhão: primeiro os de Bula e depois de Bambadinca. Dos que me recordo melhor foram o Cmdt do BCAÇ 1904, Ten Cor Branco o Fontoura e o Pimentel Bastos. Todos diferentes, todos iguais.


Do Pimentel Bastos recordo com saudade o espírito, a cultura e a simpatia ingénua de um homem que não nascera para aquilo. Nas muitas conversas que tive com ele compreendi o seu drama. Eu estimei-o.


António Vaz

2. Comentário de L.G.:

Meu caro António Vaz: Julgo que nunca nos encontrámos no Xime. Ou se isso aconteceu foi quando eu e os meus camaradas da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), desembarcámos no Xime, de LDG, no dia 2 de Junho de 1969... Tenho ideia que os seus homens, tisnados pelo sol da Guiné e cansados da guerra, ainda nos deram as boas vindas, a nós, periquitos, e nos escoltaram até Bambadinca...Não perderam o bom humor. Acolheram com um pano onde se lia: "Periquitos, bem vindos ao inferno do Xime, o que custa mais são os primeiros 21 meses"... Tenho bem nítidas essas caras, os camuflados já incolores e esfarrapados, os lenços de pescoço de cores garridas, violando todas as normas de segurança... Vocês eram a velhice, por excelência, verdadeiros gigantes, aos nossos olhos de piras miseráveis e insignificantes. Connosco, desembarcavam também os vossos substitutos, a CART 2520 (1969/70)... Seguimos em viaturas Matador até à sede do BCAÇ 2852, Bambadinca, atacada uns dias antes, a 28 de Maio, ataque esse - três meses depois da Op Lança Afiada - que custaria a cabeça e a carreira do Ten Cor Pimentel Bastos (o Pimbas, como era carinhosamente tratado)...

O ex-Alf Mil Beja Santos, comandante do Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70), já aqui tem falado de si, com apreço... Vou-lhe fazer um desafio: fale-nos do Xime do seu tempo, do Seco Camará, guia e picador das NT, dos mandingas do Xime, da Lança Afiada, do Poidon,  da Ponta do Inglês... Foram sítios onde muito penámos, quando depois da instrução de especialidade aos nossos soldados do recrutamento local, fomos colocados como companhia de intervenção ao serviço do Sector L1 (Bambadinca), em finais de Junho de 1969, já vocês tinham regressado à Metrópole...

Temos inúmeros postes sobre o  Xime, talvez mais de uma centena (considerando as duas, a I e II, séries do nosso blogue)... Temos igualmente o mapa 1/50.000 do Xime, que lhe pdoe ser útil para refrescar a memória. Presumo que já o tenha descoberto... A Ponta do Inglês e a foz do Corubal vêm no mapa de Fulacunda. Na coluna (estática) do lado esquerdo do nosso blogue, uam enorme lista Marcadores / Descritores (cerca de 2 mil) que servem para fazer pesquisas dentro do blogue... Experimente clicar CART 1746 (há seis postes ou referências sobre a sua antiga companhia)... Temos inclusive uma foto, de grupo em Bissorã, em que o Cap Vaz aparece, de óculos, ao lado Alf Mil Gilberto Madail, esse, mesmo, o do futebol (**)...

António: Gostaria que se juntasse a nós, nesta Tabanca Grande, sem portas nem janelas... Há muita gente do seu tempo, da zona leste, etc. Apareça quando quiser. Tem os meus contactos: dê-me uma apitadela... Um Alfa Bravo. Luís Graça

3. Dados sobre as unidades aqui citadas:

(i) CART 1746: Teve como unidade mobilizadora o GCA 2, seguiu para a Guiné em 20/7/1967, regressou em 7/6/1969.  Esteve em Bissorã e no Xime. Comandante: Cap Mil António Gabriel Rodrigues Vaz.

(ii) BART 1904: Unidade mobilizadora: RAP 2. Esteve em Bissau e em Bambadinca (11/1/1967 - 31/10/1968). Comandante: Ten Cor Art Fernando da Silva Branco. Companhias: CART 1646 (Bissau, Fá Mandinga, Xitole, Fá Mandinga, Bissau); CSRT 1647 (Bissau, Quinhámel, Bissaum Bibar, Bissau); CART 1648 (Bissau, Nhacra, Binbta, Bisssau).

(iii) BCAÇ 2852:  Unidade mobilizadora: RI 2. Esteve em Bissau e Bambadinca (24/7/1968 - 16/6/1970). Comandantes: Ten Cor Inf Manuel Maria Pimentel Bastos; Ten Cor Cav  Álvaro Nuno Lemos de Fontoura;  Ten Cor Imf Juvelino Moniz de Sá Pamplona Corte Real. Companhias CCAÇ 2404 (Teixeira Pinto, Binar, Mansambo); CCAÇ 2405 (Mansoa, Galomaro, Dulomb); CCAÇ 2406 (Olossato, Saltinho)

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 28 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5557: Cancioneiro do Xime (2): Sangue, suor e lágrimas (Manuel Moreira)

(**) Vd. poste de 21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P978: Futebol em Bissorã no tempo do Rogério Freire (CART 1525) e do Gilberto Madail

(...) [Diz o Rogério Freire (ex-Alf Mil da CART 1525, Mansoa e Bissorã, 1966/67]:

(...) O Gilberto Madaíl não pertence à CART 1525. Ele era Alferes Miliciano de uma companhia [ CART 1746,] que esteve aquartelada connosco em Bissorã durante um par largo de meses e que era comandada por um Capitão Miliciano que, na vida civil era Despachante Oficial da Alfandega e que por brincadeira se intitulava Despachante Oficial Miliciano. Era o Capitão Vaz, excelente fotógrafo e especialista em macrofotografia. Adorava congelar borboletas e fotografá-las depois quando as pobrezinhas começavam a sentir o calor das lâmpadas de iluminação. (...).




quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5140: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (13): Mistura 79 ou quando tive que mandar o Manel a Moricanhe...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Fá Mandinga > CART 2339 (1968/69) > Inícios de 1968 (Jan/Abr) > O Alf Mil Torcato Mendonça, com o seu inseparável cachimbo, alimentado com a famosa "mistura 79", comprada numa tabacaria dos Restauradores. Na cabeça, um típico gorro árabe... Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > 1969 > O Torcato Mendonça jogando pingue-pongue com um outro camarada (Alf Mil Rodrigues ?) no famoso bu...rako de abrigo do 4º Gr Comb). O Torcato e o seu grupo de combate, o 2º, viedram para Mansambo em Maio de 1968, para construir de raíz o novo aquartelamento. Aqui viveu, lutou e sofrei até Novembro de 1968. Na altura (até Junho de 1968) em Bambadinca, estava sediado o BART 1904, que virá depois ser substituído pelo BCAÇ 2852 (1968/70). Fotos: © Torcato Mendonça (2009). Direitos reservados 1. Mensagem do Torcato Mendonça (Fundão): Assunto - Outono Caro Carlos e Editores Chove lá fora. Chuva de Outono e frio de Inverno (dizem-me que na Estrela já neva). Assim sendo fui teclando. Devia ter teclado o que por aí há. Não convém. O computas novo borregou. Isto dos novos é sempre um problema. O velho, com maleitas piores que o dono, vai gemendo, protestando...´mas lá responde...lenta, lentamente. Espero que a garantia funcione e o novo seja o que dele disseram. Enfim! Pois lembrei-me do meu cachimbo, ainda vivo mas só a fornalha, e escrevi esta velha recordação sobre um amigo com mais de cinquenta anos. Coisas de velhos amigos ou amigos velhos e podes ter a certeza que são sempre bons. Isto apesar de aparecerem novos com a força da amizade e que vale a pena, mas vale mesmo, cultivar e respeitar. Pára aí, ooh teclador...como há tanto tempo nada mandava, como enviei um mail dirigido a vós e a pensar "no muro de Jerusalém", aqui vai. Isto está mais suave. Talvez a sofrer a influencia dos Gatos...tudo bem. Depois, se tiveres tempo,diz se aí chegou. Não confio no...nada mais digo pois se ele se zanga... Um abração Torcato 2. Estórias de Mansambo II (*) > Mistura 79 por Torcato Mendonça Após o jantar, sentei-me numa daquelas cadeiras fulas esperando a noite ou o nada. Fazer o quê no meio do vazio. Esperava para não desesperar. A noite desceu rápida deformando, apagando as formas, os vultos, à medida que a escuridão aumentava, dos que por ali ficaram conversando. Falavam e riam. Riam pouco apesar da sua juventude, mas ainda riam nestes poucos meses de comissão, ainda se ria. Eu fumava cachimbo, desgastando quer o tempo quer a minha já diminuta reserva de Mistura 79. Ainda durava em poupança cada vez maior à medida que o fundo da lata se aproximava. Lisboa e os Restauradores tão longe, tão longe, tão diferente a vida lá e eu ali entrando em mais uma noite. Certamente o pensamento voava para o meu País, para as suas gentes, os amores breves ou longos, os amigos ou só a recordação da vida, da minha vida interrompida pelo chamamento de uma pátria que diziam ser minha e de mim precisava. Parei então tudo. Aos poucos fui sendo outro, tão diferente do original, do jovem de antes do chamamento da pátria, aos poucos, sem por isso dar, fiquei tão longe de mim. Hoje, pouco desse mim restava. Talvez, quase uma certeza, ser ainda esse pouco o que voava em pensamento para os amores, os amigos em recordação longínqua e, contudo, tão pouco tempo se tinha passado mas, cada vez mais, era recordação difusa, recordação a afastar-se de mim, deste novo eu em conflito ainda entre o outrora e o hoje. Ali estava sentado cachimbando, pensando, esperando a noite e, para animar, a sentir as picadelas de um mosquito e a seguir outro nos tornozelos ou no tronco e eu enxotava, enxotava só. Talvez esse gesto de só enxotar, levasse os meus fantasmas, os meus pesadelos e as minhas raivas para longe de mim nas asas da mosquitada. E a noite ia entrando as vozes dos camaradas a serem cada vez menos. De repente de forma brusca, brutal, inesperada o som do ataque. Sons de rebentamentos e tiros a chegarem como um ruído em espiral de som. - É a Moricanhe (**) a embrulhar. A voz veio de um dos furriéis ali sentados. Olhei os ponteiros luminosos do relógio, fixei a hora e chamei o militar das transmissões. Quase desnecessário porque todos sabiam o que tinham a fazer. Aquilo era uma máquina e todos nós meras peças dela. Se alguma se avariava era de pronto substituída. As outras peças choravam então em silêncio e raiva. Nada mais. Num silêncio similar ao vivido agora, esperando, somente esperando, o fim do ataque à Tabanca a meia dúzia de quilómetros dali. Estava lá o Pelotão de Milícia 145. Tempos antes tínhamos sofrido lá o primeiro morto da Companhia, o enfermeiro Fernando. - Meu alferes, Bambadinca pergunta onde é o ataque. - Diz em claro: Moricanhe. Que merda. Então estava lá o comandante da companhia e outros militares e não viam na carta. Certamente ficaram lixados por deixarem outras cartas. Foi isso, foi isso e foi aborrecido, foi e logo quando algum tinha bom jogo. Foi-se. - Nova mensagem: Bambadinca diz para irem lá amanhã. - Diz que sim e que o ataque já acabou. Agora um oficial vai pôr, na Carta, mais um alfinete na Moricanhe, escreve breves palavras no Impresso das flagelações e rapidamente volta a aconchegar os cotovelos no pano verde. Talvez vá antes ao bar beber um uísque com muito gelo. Má-língua e logo sobre o Batalhão 1904. Mau feitio o meu, mas bebia um uísque agora. Prefiro puro. Agora ia com gelo, muito gelo e Pérrier ou Vichy. Bolas onde há disso aqui, neste buraco? Água da fonte, cerveja e fanta quentes, vinho marado e ainda a coca-cola. Os do meu País só a bebiam em Espanha, a coca-cola claro. - Chama o Manel. - Estou aqui. - Vamos conversar um pouco. - Manel… A voz saiu atabalhoada e limpei a garganta. - Não te atrapalhes, porque já sei: amanhã vou à Moricanhe. - A garganta é do tabaco. Pois tens que ir lá. Vai preparar a malta. Eu vou á Tabanca falar com o Leonardo Baldé (***). É melhor não ir pela picada. Os picadores conhecem bem o trilho. Palmada dupla nas costas e um até amanhã. Fiquei um pouco a pensar, a sentir o mau estar causado pela ordem dada. Conhecíamo-nos há tanto tempo, nove, dez anos ou mais, lá pelo Liceu no sexto ou sétimo ano e depois em Évora no RAL 3, muito antes da mobilização. Tantas farras juntos. Amizade forte e agora eu dizia: - Manel, vais à Moricanhe. Era bom condutor de homens, o Manel. Nomeado para uma Cruz de Guerra que, indecentemente, não recebeu (****). Mas isso foi já a terminar a comissão. Para depois… Isto de dar ordens tem, por vezes, um sentimento estranho. Diabos! Falei com o Leonardo e acordámos tudo rapidamente. Depois falámos um pouco mais e ele foi informando. O velho Leonardo tinha razão. A tropa estava mal distribuída naquela zona. Do Batalhão pouco havia a esperar e a nossa Companhia era pau para toda a obra. O IN assim estava bem. Ainda o sol não se levantara e já o som, som leve, dos homens do 1º Grupo da [CART]2339 se fazia sentir. Eu com os picadores olhava e íamos trocando umas palavras. O Manuel à frente do Grupo aproximou-se. Paragem breve e rápida despedida. Picadores à frente e a Moricanhe era o destino. O pessoal já andava pelo aquartelamento e eu volteei por um lado e outro, ouvido à escuta. Parte de mim ia com eles num sentimento natural. Talvez só se sinta na guerra, nas situações de perigo. Talvez não só e dependa de cada um. Mas esperava e lembrava os obuses já prometidos, a falta de militares ali na construção do aquartelamento. Só ficaram dois grupos e alguns não operacionais – condutores, cozinheiros e outros assim. Um grupo estava em diligência algures às ordens do Batalhão, o outro devia estar de volta com a coluna de abastecimentos e material. O Comando, secretaria e outros, estavam em Bambadinca. Instalações mais condizentes com a protecção de papelada, os altos pensamentos da coordenação militar e a condição de serem profissionais. Nem todos, nem todos. O dia foi passando. Primeiro chegou a coluna com o reabastecimento, material e o correio. Quase ao mesmo tempo uma mensagem a dizer que na Moricanhe tudo estava bem e iam regressar. Esperava. Com o sol já a pique fui alertado pela chegada deles. Ia-os vendo passar, rostos duros, um leve sorriso e um aceno de quando em vez. O Manel aproximou-se com o riso que só ele ainda hoje, quarenta anos depois, sabe dar. - Está tudo bem e também não tivemos qualquer problema. - Pronto. Vai descansar e escreve um pequeno relatório. Depois falamos. - Escrevo, eu? - Claro, não és professor ?!... Afastou-se rindo e eu senti-me mais aliviado. __________ Notas de L.G.: (*) Vd. postes anteriores desta série: 18 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3474: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): De Évora a Mansambo... 28 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3538: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CArt 2339) (6): De Évora a Mansambo...instrução, viagem...Adeus ao meu País. 29 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4435: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (7): Bissau, a caminho de Fá 4 de Junho de 2009 Guiné 63/74 - P4459: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (8): Mussá Ieró, tabanca fula em autodefesa, destruída em 24/11/68 1 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4618: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (9): Cansamba, subsector de Galomaro, 1 de Agosto de 1969 3 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4633: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (10): Bafatá, Amor e Ódio 14 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4683: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (11): Cansamba II, o Serra e o Burro 11 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4809: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (12): Fá Mandinga, o único sítio onde tive direito ao luxo de um quarto (**) Destacamento de milícias e aldeia fula em autodefesa, a norte de Mansambo, do lado direito da estrada Bambadinca - Mansambo - Xitole. Será abandonado e meados de 1969 (takvez Julho), por decisão do comando do BCAÇ 2852. (***) Chefe do grupo de picadores e guias que residiam, com as suas famílias, em Mansambo, dentro do "campo fortificado"... O Leonardo tinha vindode Bissau e era um elemento da inteira confiança do Alf Mil Art Torcato Mendonça. (****) Embora o Torcato não goste de identificar as personagens das suas estórias, trata-se do Fur Mil Manuel Mantinhas, natural de Évora, professor primário, que na prática, e na ausência do alferes, comandava então o 1º Grupo de Comnbate. Estudaram juntos no liceu (em Beja), encontraram-se na tropa no RAL 3, em Évora, eram amigos e continuaram amigos pela vida fora... O Manuel devia ter cebido uma cruz de guerra, pela defesa de Candamã, em Julho de 1969, diz o seu amigo Torcato. Continuam a visitar-se, agora um bocado mais velhos e mais surdos... (Inconfidências do José, ao telefone).

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4459: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (8): Mussá Ieró, tabanca fula em autodefesa, destruída em 24/11/68







Guiné > Mansambo > CART 2339 (1968 / 69) > Fotos Falantes III (de cima para baixo, 6, 27, 24, 31, 30) > Por não ter aqui à mão a lista com as legendas das fotos, não posso dar mais pormenores. De qualquer modo, as fotos falam por si: o Torcato junto ao obus 10.5 em Mansambo; aspectos da vida de uma ou mais tabancas fulas em autodefesa, do regulado do Corubal ou de Bengacia (Duas Fontes), vida essa que se tornou, de meados de 1968 para meados de 1969, cada vez mais complicada, com o cerco do PAIGC ao chão fula.


Alguma destas tabancas podia ser Candamã ou Afiá ou Camará (vd, carta de Bengacia), sítios por onde andei em Agosto de 1969... Também podia ser a da pacata Mussá Ieró, pacata até ao dia em que foi destruída e abandonada, em 24 de Novembro de 1968... A Mussá Ieró não chegava os velhos obuses de Mansambo, sede do subsector e da CART 2339... (LG)


Fotos: © Torcato Mendonça (2009). Todos os direitos reservados.




1. Mensagem do Torcato Mendonça, ex-Alf Mil, CART 2339 (Fá e Mansambo, 1968/69)... Meio alentejano, meio algarvio, português dos quatro costados, beirão, camarada, amigo, mebro do nosso blogue desde Maio de 2006 e, agora, avô babado de um neto, creio que o primeiro, de nome Martim, um nome arcaico mas bem lusitano...


(No dia 29 de Maio, tinha-me escrito o seguinte: Um abraço do Fundão até ao Porto para ti ,meu caro Luis, e para todos do [BCAÇ] 2852 e da [CCAÇ] 12. Lembro-me de alguns. Igualmente para a malta do Norte, um abração. O Carlos Marques dos Santos da [CART] 2339 virou polaco e deve Varsoviar e não só os dias.... Não fui a 23 ao convívio,e devia ter ido, da 2339... Nasceu nessa madrugada o meu Martim, Vidas!)...


Estimados Editores deste Sítio:


Já há tempos que nada envio. Hoje, através do nosso camarada Tertuliano Ten-Coronel José Borrego, consegui falar com o meu terceiro Comandante de Companhia, Cor Moura Soares e ter noticias do quarto Comandante. Fiquei contente. Passados quarenta anos voltamos a falar e a reviver o passado.


Tem razão o Jorge Cabral, este sitio faz com que aconteçam coisas destas...e gostamos até do que não gostamos. É um síítio de afectos...não é? Giro. Devido á idade das peças não convém agitar muito.Pois!


No meu tempo (BART 1904 e BCAÇ 2852) haveria Abades em Bambadinca? Creio que só em Bafatá. Rezaram missa na inauguração de Mansambo, em Janeiro de 1969 e aniversário da Companhia. Não vi, pois estava em Portugal. Pela altura da Páscoa de 1969, como os militares eram crentes (gente do Norte) pediram e eu falei, creio que em Bafatá, a uns Sacerdotes, da possibilidade de irem dizer uma missa. Concordaram. Quando disse que era em Mansambo...oh...eu ainda disse que seriam protegidos lá do alto...


Ainda não havia o Padre Puim e não houve missa. Como depois de o Payne ter saído, também nunca mais apareceu médico por lá. Até se vivia bem em Mansambo. Feitios. Bons ares e Turismo Rural...


Mas anexo Mussa Iéro em versão light. Logo envio outros escritos.


Abraços do Torcato


2. Estórias de Mansambo II > MUSSA IÉRO


por Torcato Mendonça




Era uma vez… Sim, era uma vez uma Tabanca, não muito grande, que, num passado não muito distante, tinha sido bem maior.


Teria agora uma população reduzida a uma dúzia de famílias. Nem tantas.


Muitos já tinham partido para Candamã, a noroeste, ou para nordeste onde estava Dulo Gengelê e Galomaro. Alguns migraram mesmo até Bafatá.


Ficaram poucos, não por teimosia, talvez por amor ao chão, apego à memória dos antepassados, talvez por algo mais ou, por tudo isso, resistiam e adiavam a partida. O perigo aumentava, os avisos dos militares eram mais insistentes. Adiavam. Talvez assim se sentissem mais felizes.


Naquela noite, ainda menina, ainda de olhos não fechados à claridade, sentiram a bestialidade da guerra, a violência gratuita, o ódio fratricida a abater-se sobre eles. Homens, ou simplesmente seres a destilarem ódio, bestas de uma guerra num país que diziam querer libertar, comandados por outros de outras terras ou, se comandados por guineenses, treinados em países longínquos. Só assim se compreende o modo como espalharam o terror, o ódio, a morte e a destruição sobre gente indefesa.


O ataque durou pouco, as granadas foram poupadas e o saque, a bestialidade, os gritos, os gemidos, os risos de feras certamente encheram a noite.


Depois o silêncio que só na morte ou no deserto se pode encontrar. De repente foi quebrado, talvez pelo choro de uma criança a que outros lamentos, outros choros se seguiram.


Não muito longe, em Candamã, uns quantos militares, cerca de vinte, picadores e população, ouviram o ataque e sentiram a impotência do auxílio. Só no dia seguinte e por isso, além de redobrarem os cuidados defensivos, rápido prepararam a saída para a madrugada ainda a demorar. O relógio luminoso foi consultado com mais frequência, as armas ficaram mais perto, o sono foi de sobressalto e, ainda a noite não acabara, estavam preparados. Os guias, alguns elementos da população, picadores e cerca de metade dos militares saíram. Não pela picada mas por um trilho que os guias conheciam. O pouco ruído era abafado pela chuva fraca que teimava em cair.


Pouco depois uma paragem, uma breve conversa a informarem que Mussa Iéro estava perto. Depois o sinal a indicar o ouvido mas, para os militares, demoraria um pouco mais a captação de sons.


De repente a Tabanca estava ali à frente. Ouvem-se vozes; param e esperam um pouco. Avançam com cuidado e logo à entrada uma visão macabra: um corpo, talvez devido a uma roquetada, espalhado em destroços. Um dos picadores aproxima-se e informa ser um milícia da Moricanhe. De facto haviam bocados do corpo coberto pelo camuflado e outras, não cobertas, a chuva tornara-as brancas.


As armas foram mais apertadas, os olhares endureceram, o ódio ia surgindo e os músculos estavam mais tensos. A transformação já se dera naqueles rapazes soldados. Acontecimentos como aquele só os endureciam mais e geravam maior ódio pela violência. Quem eram eles agora?

No centro da Tabanca estavam os feridos e os mortos. O enfermeiro tentou tratá-los o melhor possível. A população esperava ajuda de Dulo Gengelê. Combinou-se então o que fazer. Reunião difícil, longa, demasiado longo para alguns feridos graves.


Finalmente o consenso: os mortos, salvo erro dois ou três, seriam enterrados em Mussa Iéro e o choro ficava para depois, os feridos e a maior parte da população iam para Dulo onde já os esperavam. Outros, a maioria mulheres e crianças, vinham connosco para Candamã.


O regresso foi pela picada e mais rápido. Picadores à frente, militares a seguir e população atrás.


Mussa Iéro tinha ficado para trás. Acabara no dia 24 de Novembro de 1968. Em breve seria invadida pela mata e os homens dela se afastariam.


Meses depois, em Julho e Agosto do ano seguinte, na zona, não longe da antiga Tabanca, o inimigo construiu uma base. Dali saíram fortes ataques às Tabancas em autodefesa de Afiá, Candamã e Camará.


Estávamos em Galomaro (COP 7), mais propriamente em Nova Cansamba, e mandaram-nos regressar. A missão era descobrir a base inimiga. Com o caçador e guia Lhavo localizamos o santuário. Foi bonito vê-los e nada fazer.


Dois dias depois, a 18 de Agosto [de 1969], tropas pára-quedistas assaltaram, destruíram, causaram baixas e fizeram pelo menos um prisioneiro [ Malan Mané]. Acabara a base inimiga e os sobreviventes puseram-se em fuga. Passaram certamente perto de nós sem serem detectados. Caíriam e sofreriam mais baixas, mortos e feridos, numa emboscada montada pelo 3º Grupo de Combate da CART 2339, talvez quinze quilómetros depois na estrada Bambadinca/Xitole, próximo de Mansambo.


Um dos feridos graves foi Mamadu Injai, o Comandante da Zona. À noite a rádio IN pedia auxilio. Os Irãs, apesar de Mussa Iéro ser Tabanca Fula, tinham-se vingado.


O desgaste daqueles dias passou, assim, mais rápido e, pelo menos em mim, apareceu um sorriso e talvez tenha saudado os Irãs.


____________


Nota de L.G.:


(*) Vd. último poste da série > 29 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4435: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (7): Bissau, a caminho de Fá